segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Confissões de Ano Novo

Uma amiga contou que a mãe ficou espantada quando um padre disse na celebração de Natal que ficara preocupado com a pompa e demonstração de poder que a Missa do Galo, transmitida desde o Vaticano, oferecera ao Mundo. Tive impressão semelhante, pois acentuou uma das três crises que vivo: não preciso de uma religiosidade de príncipes e ostentação, mas de pastores dispostos a buscar ovelhas perdidas e dar a vida por elas (quantos fazem isto, hoje?); menos espaços grandiosos e relíquias históricas e mais lugares onde se compartilhe a fé.
Não preciso de uma educação onde autoridades têm facilidade em apontar defeitos, mas são incapazes de auxiliar na retomada de um caminho. Sei das minhas imperfeições enquanto professor, o quanto renderia mais se a discussão centralizasse em propostas pedagógicas e educacionais e menos de questões administrativas e profissionais.
Acompanhando duas pessoas com 85 anos – uma vencendo um câncer e suas consequências e a outra as mazelas típicas da idade – acabei centrado no meu mundo e ausentando-me do convívio com amigos. Preciso recuperar aqueles dos quais me afastei e fazer novos amigos. Nas minhas relações, quero falar de problemas, mas que seja de menos e que haja mais tempo para as pequenas conquistas, alegrias, sorrisos e abraços: os meus problemas são quase nada diante daquilo que outros enfrentam.
Preciso me reinventar em nível religioso, profissional e pessoal. Embora, aos 55 anos, já ache que mais do que falar ou escrever, deveria descascar batatas e ajudar na limpeza de alguma instituição, não posso me omitir de dizer coisas que auxiliem na reflexão pessoal ou de grupos de algumas pessoas.
Gostaria de ser um bom cristão, um bom professor, um bom amigo. Creio que ainda existe tempo de reinventar a minha caminhada. Quero uma chance de 2011, dos meus alunos, dos meus colegas de trabalho, daqueles com os quais já não convivo na minha igreja, e daqueles dos quais sinto falta porque sempre foram as mãos estendidas para levantar de todos os tropeços: os meus amigos.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O ardor da paz e da esperança

Um filme de final de ano dos Estúdios Disney tinha por título “O Espírito Natalino”. Por uma série de motivos, ele estava desaparecendo e precisava de pessoas que nele acreditassem para sobreviver e ser fortificado. Mais ainda: corações puros, que se surpreendessem diante do encantamento e da magia que é a revelação de Natal.
Hoje, numa sociedade dita científica, a fé está em baixa, fazendo-se questão de que as crianças percam, o mais cedo possível, a ideia do transcendente, com o signo da razão. Não é à toa que, desta forma, a religião tenha problemas e lute, desesperadamente, contra a correnteza, tentando mostrar que, sem fé, a vida perde muito da sua razão.
O anúncio de que o menino Jesus chegava foi dado por anjos que entoavam: “paz na Terra aos homens de boa vontade”. Não nomearam nenhuma religião, mas que, em todas elas, “homens de boa vontade” poderiam fazer a grande diferença entre construir uma sociedade amarga – limitada a um período de vida - ou um tempo de esperança, baseado na mensagem daquele que centrou toda a sua pregação numa única frase: “amai-vos uns aos outros!”
A mãe que colocou apenas a imagem do Menino ao pé da árvore de Natal teve que explicar ao filho que este era o personagem maior e não o Papai Noel. Talvez estejamos precisando gastar tempo com as crianças, explicando-lhes o fundamento das nossas crenças, fazendo a diferença num período da História em que se cresce tangenciado pela desesperança.
Natal é ocasião de surpreender e encantar. Se for o caso, não fique envergonhado de fazer uma prece. Sendo cristão, olhe para o Deus menino e peça que ele aqueça o seu coração. Não o sendo, saiba que há uma força superior que olha por todos os “homens de boa vontade”.
Que sejas um deles e sintas o ardor da paz e da esperança invadindo o teu coração, olhando para o futuro como uma criança: serena e feliz porque segura a mão do pai ou da mãe e sente a energia de viver e fortificar o espírito natalino. Feliz Natal!

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A transparência opaca

Periodicamente, um termo ganha a preferência nacional e passa a ser repetido como refrão de posicionamento politicamente correto. Até pouco tempo era “cidadania”, cantado em versos e prosa, tornou-se lugar comum para aqueles que não tinham nada a dizer, mas que viam na palavra a força simbólica de um discurso. Recentemente, a bola da vez passou a ser “transparência”, que rondou a campanha eleitoral e saiu chamuscada porque certos políticos de carreira são capazes de driblar as instâncias fiscalizadoras para manter suas regalias.
Tudo a ver com o pânico que tomou conta da política internacional quando um site - cablegate.wikileaks.org – resolveu tornar público o que por si só já deveria sê-lo: documentos das relações entre países. Políticos de primeiro escalação que apregoam a “transparência” viram-se nus diante da opinião pública, resmungaram discursos que não convenceram e, então, partiram para a censura explícita, tirando o site do ar, através dos servidores que o abrigavam nos Estados Unidos e na Europa.
Mas o estrago já estava feito: pudemos tomar conhecimento de artimanhas diplomáticas e atitudes não tão dignas assim de figuras brasileiras e internacionais, mostrando suas garras afiadas no momento de calar quem faz o que deveria ser natural na democracia: socializa o conhecimento da forma como é feita a administração pública. Muitos dos ditadores de plantão – ainda são muitos ao redor do Mundo – seguidamente denunciam que são acusados de crimes que os países ricos também cometem, mas que o fazem sob o lustro da “democracia”, muitas vezes sem que a população tome conhecimento.
Agora, o fundador do site Wikileaks, Julian Assange, é ameaçado de ser preso e está constantemente se deslocando em território europeu. Dizem que, na guerra, a primeira derrotada é sempre a verdade. Parece que nos interesses financeiros e políticos internacionais vale o mesmo: a verdade somente vale se confirma certos interesses. Pode ter certeza, não são os seus ou os meus, mas daqueles que já se julgam impunes, pois apregoam a sua “verdade”, uma transparência opaca.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A mãozinha que para a vida

Uma mãozinha estendida na beira da rua, ao lado da faixa de segurança para pedestre. Já sabe: é o sinal universal para pedir preferência. A outra segura a mão da mãe. Rostinho redondo, cabelinho encaracolado e a certeza de que, para tudo, há esperança. Parado, vi atravessarem a rua, em segurança, e ainda recebi um abano de adeus. Foi no que pensei quando as imagens da invasão dos morros do Rio chegaram. Uma guerra civil não declarada, estarrecendo porque sempre nos pensamos um povo pacífico e que a nossa tranquilidade começa pela forma displicente como enfrentamos a vida.
Todo e irrestrito apoio às autoridades que agora tomam estas medidas. Mas... Porque isto não aconteceu antes das eleições? Porque se deixou chegar ao nível em que a autoridade - moral e de fato – nas zonas mais pobres passou a ser dos marginais? E não é somente no Rio, mas o mesmo está acontecendo em São Paulo, Porto Alegre e em todas as grandes e médias cidades. Saindo das eleições, nos damos conta de que os discursos de palanque não são coerentes com as práticas políticas: ações contundentes como estas tem a marca do marketing, necessário para que, em médio prazo, se recebam eventos esportivos que movimentam somas financeiras inimagináveis.
Nos morros do Rio, muitas mãozinhas estão amarradas. Em muitos momentos, a movimentação da polícia e dos delinquentes impediu que pudessem frequentar a escola, terem atendimento médico, jogar bola ou andar de bicicleta. A maior parte nunca fez parte de uma quadrilha ou consumiu algum tipo de droga. Foram marcadas por uma guerra que não provocaram, com os traumas da violência sistematizada.
A mãozinha que para a vida - estendida - é sinal de que na escola ou na família está se criando uma cultura de paz no trânsito. Pequeno sinal que faz a diferença na formação dos futuros motoristas e que deveria se transformar numa cultura de paz. Desta forma, ajudaria crianças e jovens a verem outra perspectiva, diferente de outra mão estendida, mas agora aprisionada, por detrás de uma janela, que fazia tremular um pano branco em busca da paz que ainda sonha viver.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A mulher de Deus

Leo Buscaglia participou de um concurso entre alunos que deveriam contar histórias de outras crianças. Um deles escreveu o que foi vivido por uma amiga da mãe: “Na véspera do Natal, a senhora - já com os filhos criados e distantes – passou em frente a uma loja de calçados, quando viu uma criança relativamente bem agasalhada, mas de chinelos de dedo. Pensou em seguir adiante, mas se deu conta de que não teria ninguém a quem presentear e que ali estava o momento para fazer uma boa ação. Voltou e quis saber se a criança precisava de calçados. A resposta foi de que só tinha o que estava em seus pés. Pegou-a pela mão e entrou na loja. Com a ajuda de um atendente, lavou os pés e experimentou meias e calçados. Na saída, a criança perguntou se podia fazer apenas uma pergunta. Curiosa, disse que sim. Olhinhos umedecidos de gratidão: a senhora é a mulher de Deus?”
Claro que não houve resposta, porque a emoção falou mais alto. Mas era exatamente o que ela sentia: “sou a mulher de Deus!”. O instrumento utilizado por Deus para dar àquela criança ao menos uma alegria num tempo de tantas contradições: excessos por parte de alguns e falta para muitos; exageros no consumo e olhos ávidos de recolher as migalhas que caem das mesas; sentimentos contraditórios entre viver Papai Noel e a lembrança do nascimento de Jesus.
Na sua infinita bondade, Deus não precisa de mãos, desde que possa contar com as nossas para atender àqueles que necessitam. Não é uma questão de anestesiar nossa consciência, em momentos marcantes, fazendo donativos, entregando esmolas que não mudam o jeito de viver de quem está precisando.
Aquele gesto simples fez com que a senhora se desse conta de que vivia no apego às recordações que os filhos tinham deixado e esquecido que o Mundo continuava a passar à sua volta. Ter sido vista como a “mulher de Deus” fez a grande diferença de vida, não apenas como a intenção de um Natal, mas de vivenciar o espírito natalino. O Jesus que nasce novamente quer olhar nos nossos olhos e dizer: “vocês são meus homens e minhas mulheres. Preciso da presença de vocês no mundo para que o mundo sinta a minha presença”. Feliz Natal, homens e mulheres amados por Deus!

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O banquinho à porta

Sou resquício de um tempo em que identidade se fazia desde o berço, começando por coisas simples, como o lugar de origem – ali era a casa do seu Aldo, a casa do seu Borge, a casa do seu Nelson – e nos serviam de referência para enfrentar o Mundo, na certeza de que um dia voltaríamos. Depois de algum tempo, alguns daqueles que cresceram conosco foram se espalhando pelo Estado e pelo País e nunca mais se teve notícias, ficando um vazio.
Precisávamos da janela ou atravessar a porta da casa para estabelecer relações, com gosto de puxar um banquinho, uma cadeira de praia no final da tarde da Primavera e do Verão e colocar as conversas em dia. Hoje, ligamos a televisão ou o computador e a família inteira tem a “janela” aberta para o Mundo, com o sentimento de que está sendo informada, formada e ainda se divertindo.
A grande preocupação era com o final de semana, pois reuníamos o grupo de jovens para a brincadeira de sábado à noite, a Missa de domingo pela manhã e o passeio à tarde, programa de índio enfrentado em grupo chegando ao final da tarde cansados, mas felizes, prontos para a segunda-feira e já na expectativa de um próximo final de semana.
Não sou saudosista, mas em tempos de carência de convívio, gravou-me a expressão de um amigo que disse haver tantas facilidades em casa que já não fazia muitas visitas. A família e a estrutura da casa lhe bastavam. Mas que tinha prometido para alguns parentes da esposa que iria procurá-los. Cobram-me uma visita conjunta a um colega que se afastou do trabalho, mas que sucessivos finais de semana - por uma desculpa ou outra - não acontece.
Em pleno século XXI, a facilidade dos meios de comunicação não estimulou o convívio, mas fez - absurdo dos absurdos - com que pessoas sob um mesmo teto usem mensagens eletrônicas para conversar. Muitas são as janelas abertas, mas falta puxar um banquinho e trazer o chimarrão para uma boa prosa, gastar tempo com o outro, pelo simples prazer de conviver.

domingo, 14 de novembro de 2010

Alicerce da educação

A discussão em cada intervalo de aulas é a mesma: o que está acontecendo com nossos alunos? Porque não conseguimos fazer com que se interessem e demonstrem mais atenção e respeito pelo professor, colegas e conteúdos apresentados? Um bom número deles entra em sala de aula atrasados, mas com a empáfia de quem merece tapete vermelho para um desfile, além de conversar com colegas e arrastar cadeiras, gerando dispersão e irritação nos demais.
O que já ouvi de mais interessante a respeito diz que novos valores – embora não saibamos bem quais são – estão buscando espaços e reproduzir o que aprendemos de nossos professores já não é o suficiente. Diante da realidade, jovens apresentam apatia e medo, tendo pela frente um horizonte em que mesmo nós – mais velhos e mais experientes – não temos certeza do que poderemos ofertar de concreto.
Todas as experiências positivas em educação, hoje, passam por motivação e parceria. Mas são realidades que até apontam o futuro, mas ensinam a viver melhor o presente. Em periferias onde os professores foram criativos a ponto de buscar no esporte, na cultura ou na curiosidade um elemento de cumplicidade, o que vale é aquilo que pode ser feito agora. Parece que viver plenamente cada dia é uma forma de colocar tijolo a tijolo na grande construção da vida.
Conversas entre educadores mostram que também nós estamos com dificuldades de dizer o que vai acontecer. Brinco com meus alunos que eles podem aproveitar bem um professor ou não. Os que se fazem humildes diante do conhecimento - e que o buscam com determinação - vão ocupar lugar no mercado. Mas, o que demonstra saber tudo, esnobando professor, colegas e o conhecimento que poderia adquirir, pagará um curo – e bem – e voltará para o emprego que tinha. Educação não é sina. Educação é construção. Uma construção que se vive passo a passo, tijolo a tijolo. Não há como se determinar ao que vamos chegar, mas se é difícil fazê-lo, suando a camisa, fica pior se desistimos e deixamos desmoronar as poucas perspectivas que poderíamos ter tido.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A lição que deveríamos aprender

Uma das primeiras declarações da presidente Dilma Roussef foi de que sua grande meta é acabar com a miséria no Brasil. Num país em que seus governantes se orgulham de terem incluído mais da metade da população na classe média, tem ainda uma significativa parcela que vive em situação crítica. Para se testemunhar, basta visitar as periferias das grandes e médias cidades. Lá está a nossa chaga social.
Infelizmente, boas intenções não são o suficiente para tornar realidade propostas estabelecidas. Recentemente, os presidentes Fernando Henrique e Lula estabeleceram metas para as áreas da saúde e as reformas política e previdenciária, por exemplo, mas chegaram ao final de seus mandatos do mesmo jeito que iniciaram.
O noticiário internacional mostra países africanos - fortes em extrair minerais - anos a fio, tendo à frente grandes empresas internacionais, sem que sua população tenha visto a cor de um centavo. Na América, Hugo Chávez, na Venezuela, tem na produção do petróleo a grande riqueza. No entanto, recente derrota eleitoral se deve ao fato de que prometeu e não cumpriu. As favelas cobraram no voto as benesses feitas em campanha.
Seria bom se aprendêssemos esta lição. Aqui, estamos em fase de encantamento com o pré-sal. Estimativas dão conta de que estamos bem na questão petrolífera (mesmo não entendendo como não repercute no preço da gasolina, por exemplo) e este novo achado nos colocará entre os maiores produtores e exportadores. Grupos da sociedade civil defendem que estes recursos sejam destinados, por lei, para programas sociais.
Todos querem erradicar a miséria. Não só a que o dinheiro resolve, mas a que se estabeleceu na cabeça das pessoas que apanharam do Mundo e, hoje, acham que não vale a pena viver socialmente, mas aproveitar-se e fazer a sua vida, do seu jeito, nas manhas e pequenos golpes que garantem a sua sobrevivência. Difícil vai ser vencer a miséria intelectual e moral. A lição que se precisa aprender é reeducar um corpo social doente e necessitado de uma reinvenção, iniciando pelo convívio familiar e a educação básica, onde são plantadas as primeiras sementes da arte de viver em sociedade.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A presidente de todos nós

Presidente ou presidenta? Entendidos dizem que poderá se utilizar as duas formas. Mas, o mais bonito de tudo o que muitos classificam como “festa da democracia”; é o fato de que a própria Dilma poderá escolher e nós, por uma gentileza linguistíca, também seremos gentis utilizando a forma mais adequada para designar a primeira servidora pública do país.
Passadas as eleições, Dilma Rousseff é a primeira mulher a assumir a presidência do Brasil. No entanto, é bom que não se fique na questão de gênero – homem ou mulher – mas do que mais importa: é a cidadã encarregada – como frisou – de zelar pela Constituição. E a constituição é a lei maior, pela qual - iniciando pela presidente e chegando a todos nós - deveríamos ter como preocupação de aperfeiçoar e zelar pelo seu cumprimento.
Dilma chega à presidência numa sequência de três mandatos de um mesmo partido. Então, sua responsabilidade é ainda maior, porque se atirar pedra sobre o governo anterior, vai ser sobre a própria casa. Seu desafio é avançar nas conquistas que o Brasil já obteve e guindar uma parcela da população desfavorecida econômica e socialmente.
Meu receio é de que se bata tanto nesta história de “primeira mulher”, que se esqueça que foram os homens os responsáveis pelos desmandos que aí estão. Falar em “sensibilidade social” do sexo feminino para tratar das questões é dizer que falhamos, pois, se olharmos todos os poderes, veremos que o gênero masculino é predominante e responsável maior por falcatruas, desmandos e escândalos com recursos públicos.
Hoje, enquanto os vitoriosos comemoram, sobra a expectativa: pode haver mudanças significativas num momento em que a economia internacional ainda está sestrosa? Sempre que um governante assume, há certa tolerância, dando um tempo para que mostre a que, efetivamente, veio. O importante é que, acabada a disputa eleitoral, nos demos conta de que, eleita, a presidente não é mais do PT ou dos partidos que a apoiaram, mas a primeira servidora de todos nós pelos próximos quatro anos.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Um país sério

Atribui-se a Charles de Gaulle a frase de que “o Brasil não é um país sério”. Ditos e desmentidos – até para não causar problemas de relações internacionais – pode motivar uma reflexão quando chegamos a segunda etapa das eleições presidenciais e para o governo de alguns estados. No mexer do caldeirão: um presidente que percorre o país em campanha eleitoral, um Congresso Nacional atirado às moscas e um Judiciário incapaz de dar respostas às demandas eleitorais.
O nosso último presidente populista arranca gostosas risadas e aplausos quando esquece que é um estadista e ataca adversários de seu partido, deixando de lado a divisa que deveria ser respeitada entre assuntos de Estado e interesses partidários e eleitorais. Deputados e senadores – com as duas casas já eleitas – esquecem de pacotes ainda amarrados – reforma fiscal, previdenciária, etc. – e partem para seus Estados a fim de fazer campanha para governadores ainda não definidos, ou para a presidência.
E o Judiciário entristece o país quando não desamarra o “ficha limpa”, fazendo com que a eleição, por incrível que pareça, não se encerre no dia 31 de outubro, mas dure quando tempo for necessário para que se julguem todos os processos, na morosidade que lhe tem sido peculiar.
Mais do que tristeza, o sentimento é de apatia. Embora todas as recomendações para que, especialmente a classe média, não saia a viajar no feriadão, a tendência é que as pessoas lavem as mãos e achem que descansar durante quatro dias é mais importante do que escolher o presidente que governará nos próximos quatro anos.
Já tenho dito que ambos os candidatos são insossos e mesmo quando criam factóides não conseguem empolgar. O bom momento vivido pelo Brasil na sua economia faz com que suas promessas beirem a raia do desespero: cumpridas, alcançaríamos os céus e viveríamos nas nuvens. No entanto, saúde, educação, segurança, moradia – para citar alguns – tem mais o cheiro de inferno, do que de graças divinas. De fato, ainda vamos precisar amadurecer mais a nossa insipiente democracia para que sejamos um país sério.

domingo, 17 de outubro de 2010

Tirando o bode da sala

A máxima que utilizo em sala de aula, na disciplina de Comunicação e Marketing, é que “marketing não é a capacidade de vender, mas sim de convencer”. No entanto, as campanhas eleitorais para a Presidência, por falta de candidatos com maior substância, têm apelado para “vender seu produto”, independente do seu conteúdo e valor político.
Convenhamos: a discussão a respeito de aborto é, literalmente, colocar na sala o bode para depois de muita conversa fiada, retirá-lo como se aí estivesse a solução. É função da Presidência propor políticas de saúde pública – e aí podem estar questões relativas ao aborto – mas a discussão tem que passar pelo lugar competente: o Congresso Nacional, onde estão presentes todos os credos e representações de segmentos existentes no País.
Nenhum candidato (ou candidata), em sã consciência, seria inconseqüente ao ponto de propor algo tão específico sabendo que é uma saia justa e que só pode resultar em ver as barbas queimadas. Também os credos religiosos têm tido posição discreta ao afirmar que não é a hora e o lugar para se falar a respeito.
Recentemente, no Chile, durante a cobertura do resgate dos 33 que passaram mais de dois meses soterrados, houve momentos em que os próprios familiares pediam para não dar entrevista. Outros passaram a cobrar. E caro.
Pois a soma destes dois elementos: a sanha da imprensa de ter algum elemento “diferente” para a sua cobertura - que pode ser uma lágrima, no caso dos chilenos; ou uma atitude destemperada, no caso dos presidenciáveis – juntando com o maquiavelismo de alguns marqueteiros, faz a receita ideal para que, mais uma vez, se confunda a população, ao invés de ajudá-la a entender o processo eleitoral.
Também nós temos parcela de culpa. A imprensa fiscaliza, mas, em muitos casos, quer fazer as regras do jogo e indicar o juiz. Não é assim: a bem da sanidade nacional, mesmo com candidatos insossos, burocratas, não se tira leite de cabra morta. Ao contrário, é um desrespeito, que já causou o descrédito da classe política e pode estar encaminhando o aviltamento de um bom segmento da imprensa nacional.

sábado, 9 de outubro de 2010

Vou envelhecer

Amiga viajou com a mãe, de quase 80 anos, e acabaram num parque de diversão, com todos aqueles brinquedos que desafiam a gravidade e a sanidade mental. A mãe, no entanto, não se fez de rogada e quis provocar os próprios limites, inclusive na Montanha Russa, que a filha passou ao lado. A rapaziada que estava na fila fez festa ao ver a velhinha “radical” que iria acompanhá-los no grande desafio. Resultado, ao final, muitas fotos e promessas de postagens em diversos recursos da Internet.
Envelhecer é sempre um mistério. O sonho de consumo é que se possa ter saúde razoável e qualidade de vida para enfrentar os problemas que, naturalmente, acontecerão. Os geriatras dizem que o envelhecimento é resultado de tudo o que fizermos (“plantamos”) ao longo da vida. Isto é: fumar, beber, comer mal ou em excesso lança uma fatura que será cobrada exatamente na chamada terceira idade.
Tenho o privilégio de conviver com diversos grupos de idosos e me arrisco a dar algumas dicas: o primeiro é de que a pessoa não fique na volta do próprio umbigo, mas tente fazer algo pelo outro – pode ser apenas tricotar meias para outras pessoas idosas. O segundo, procurar um grupo de convivência, pois precisamos de momentos de silêncio, mas também daqueles em que se atua comunitariamente ou, até, se diverte, em grupo. E o terceiro, por uma exigência natural, buscar um arrimo na espiritualidade. Alguém que teve o sustento da fé, dificilmente deixará de enfrentar cada momento com o respaldo de uma silenciosa compreensão.
Sei que vou envelhecer. Um tempo para saborear a recordação de cada momento que passou: as diabruras de criança; a contestação da juventude; os anseios da maturidade; e a proximidade do fim, quando envelhecemos. O que me seduz em viver é a capacidade de passar por cada um destes momentos como se fossem únicos: Não vivo apenas porque vai haver o amanhã, vivo pelo simples fato de que posso sorver, em cada instante, o ar que respiro num parque, na rua, na Montanha Russa, ou da janela de minha casa.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Marcas da vida

Cartão de crédito produziu peça publicitária de rara sensibilidade: menina perde um dente e, na sua vaidade, tem medo de enfrentar o Mundo, porque, ao sorrir ou ao falar, ali está a “porteirinha”. O pai parte para o humor, que não dá certo. Tenta um lance diferente: compra uma caixa de lápis coloridos e dá de presente. A criança abre a caixa e falta um - entregue pelo pai - que abre a boca e lá está “faltando” um dente (pintado de preto). A reação impressiona porque a ousadia da cumplicidade vem recheada de emoção e carinho.
Tenho ouvido relatos desta experiência ao conversar com educadores e pais: não há receitas para encaminhar bem um filho ou aluno na vida, mas é necessário dedicação, atenção e, sobretudo, criatividade em tentar o novo ou o diferente quando as coisas não vão bem. Especialmente, ocupando a crianças em áreas pelas quais demonstra interesse.
A ideia de um dente “faltante” é o jeito de dizer que, se possível, o pai gostaria de estar no lugar da filha, assumindo a sua tristeza e mágoa por aquele deslize da natureza, que derruba os dentes de leite, mas, em seguida, dá uma nova dentição. Como a criança ainda não entende, o gesto de solidariedade é o arrimo para vivenciar a situação, certa de que não está sozinha neste aprendizado.
Quase sempre me deparo com situações familiares e educacionais as mais diferentes possíveis e imagináveis, mas que não passam longe deste problema e da forma como o pai a encarou. Não havia a necessidade de muitas palavras, mas fica-se com a certeza de que a criança vai guardar por toda a vida o momento em que o pai soube mostrar o quanto a amava, num gesto simples, capaz de modificar o comportamento diante da insegurança.
Coisas que, então, nos pareceram banais são valorizadas por filhos ou alunos, anos depois, pois estava presente a solidariedade, a compreensão e o desejo de reiniciar novamente – tantas vezes quanto necessário - não tendo medo do ridículo, se vislumbramos um caminho onde deixamos marcas da vida.

domingo, 26 de setembro de 2010

Humanizar a saúde

A professora Maria Firmina emprestou-me o livro Tocar – O significado humano da Pele, onde se analisa um dos fundamentos da relação humana: o toque. Não apenas por seu significado físico, mas pelo simbolismo que representa. Foi do que me lembrei em duas ocasiões: na palestra de abertura das comemorações dos 10 anos do Curso de Fisioterapia da Universidade de Ijuí e quando tive chance e tempo de observar profissionais da saúde em ação.
Médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos da saúde, hoje, têm uma carga estressante de trabalho, pois, em muitos casos, cumprem dupla jornada para conseguir rendimento financeiro justo. Possivelmente, este seja um dos motivos pelos quais podem até serem burocratas da área - atendendo com civilidade e cortesia - mas falta o sentido humano do trato com o paciente.
Tivemos duas pessoas internadas e, embora toda a atenção, faltava a sensibilidade de não lhes negar a noção de tempo e manter as referências que têm no dia a dia. No caso de pessoas idosas, as referências são a casa, a cama, seus remédios, pessoas que precisam de seus cuidados ou pelas quais são cuidadas. Isolá-las desta realidade é um martírio que em nada auxilia na melhora.
Um ser humano, mesmo que esteja um “caquinho”, não é uma máquina. Não adianta apenas corrigir algum mau funcionamento, há uma cabeça envolvida que pode auxiliar ou atrapalhar este processo. Neste caso, mais do que fórmulas, é necessária a capacidade de tolerância para entender o ser humano que deseja voltar para casa.
Têm-se aprimorado - e muito - as técnicas para tratar diversas doenças, mas precisamos humanizar a saúde. A debilidade provocada pela idade não tem muitos remédios possíveis. Talvez seja aí, exatamente, o momento de compensar carências com um olhar desprendido do relógio, um toque carinhoso e sem pressa e um coração aberto para um olhar cansado, que não pede muito, a não ser o respeito por uma história de vida e seus sentimentos.

domingo, 19 de setembro de 2010

Em busca de um novo sol

Vivíamos o final da década de 70 - o período da ditadura militar chegava ao fim – quando surgiu, na paróquia católica Santa Teresinha, em Pelotas, um grupo de jovens: Em busca de um Novo Sol. Era o auge da Pastoral da Juventude das igrejas cristãs, propiciando aos jovens, além de um ambiente religioso, também um espaço social de convívio e de aprendizado.
Lembro deste tempo com muito carinho, pois tive muitas alegrias com aqueles que, agora, chegam à casa dos 50, mas que tiveram seu caráter moldado naquele período. Até agora, seguidamente sou chamado para conversar com jovens ou orientadores a respeito da necessidade de espaços de convívio onde se aprenda elementos básicos, como o respeito pelo outro, a capacidade de moldar um caráter e a relação com a subjetividade.
Hoje, a Pastoral da Juventude não enfrenta um bom momento. O que é pena, pois num momento em que o jovem encontra-se com tantas dificuldades de caráter pessoal, social e profissional, este tipo de convívio poderia dar um novo rumo para a sua vida. O que, repito, é o óbvio: um bom grupo de jovens tem que ser um espaço de vivência religiosa, mas também de aprendizado social e profissional.
O primeiro é tranqüilo, mas o segundo, como é que acontece¿ Depende muito da criatividade de quem orienta os trabalhos, mas algumas instituições têm buscado em oficinas profissionais um atrativo que possa tornar estes momentos prazerosos, mas também educativos, buscando em escolas técnicas, universidades, setores públicos de trabalho as informações tão necessárias para as coisas mais elementares: de como conseguir documentação adequada, até colocação no mercado de trabalho.
Algumas igrejas reconhecem que investem na formação de seus quadros e que dão prioridade para aqueles que, depois, lhe darão algum tipo de retorno. Não há nada de errado nesta opção, bem pelo contrário, jovens formados numa perspectiva de sociedade e de religiosidade são aqueles que encontram respostas para os tempos atuais e, com certeza, continuarão em busca de um novo sol.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Operação cara de pau

A prisão do governador do Amapá foi apenas a ponta do iceberg. O articulista Arnaldo Jabor teve um texto censurado pela Justiça, a pedido do presidente da República (ainda bem que se tem a Internet e muita gente tomou conhecimento – “A verdade está na cara, mas não se impõe”), onde desnudava o ventre do poder – em todos os níveis – mostrando a vergonha do que está sendo feito à esquerda e à direita, passando pelo centro, com recursos públicos. Em síntese: os projetos apresentados podem ser de governo, mas por trás está um projeto de poder, perpetuado de qualquer forma por grupos econômicos que têm, nos políticos, autênticos fantoches utilizados para disfarçar reais interesses.
Quando vemos o que nos apresenta a campanha eleitoral, é preciso rir, para não chorar. Nada, absolutamente nada de novo, está sendo apresentado. Praticamente todos os candidatos já ofereceram seus nomes e, em muitos casos, foram eleitos, com as plataformas que voltam a propor, mesmo não tendo cumprido promessas anteriores.
Então, como depositar um voto de confiança nestes candidatos? Os escândalos que eclodem nacionalmente ou no próprio estado mostram que os políticos ainda não se deram conta de que, eleitos, deixam projetos partidários e passam a trabalhar por projetos de estado. Consequentemente, não podem se amesquinhar achando explicável a receita federal e o governo do estado deixar vazar dados privados do cidadão, ou um banco público ter recursos desviados sem que se julgue e condene os infratores.
As explicações são dadas com tanta ênfase e com jeito de quem está sendo ofendido, que um incauto até pode ser enganado. É uma autêntica “operação cara de pau”, somente vencida pelo voto. Não temos alternativa e se o “ficha limpa” ainda é pouco, está na hora de nos livrarmos dos “bolsos sujos”. Não se engane com anúncios e estatísticas. Fique atento e, se não encontra no espectro político alguém que atenda a todos os quesitos, vote no “menos pior”. Pode ser a diferença entre mudar ou continuarmos patrocinando orgias com nossos minguados recursos.

domingo, 5 de setembro de 2010

O direito de viver a própria vida

Sexta-feira (03 de setembro), marcou a data em que o Mundo tomou conhecimento de que, durante a 2ª Guerra Mundial, o regime Nazista Alemão, utilizou pela primeira vez, em campos de concentração, a câmera de gás para matar seus supostos adversários: judeus, ciganos e homossexuais. Um dos maiores crimes cometidos contra a humanidade dizimou famílias inteiras e praticou experiências pseudamente científicas.
Este fato foi o motivo para que fosse escrito um belo livro: O Menino do Pijama Listado. Em síntese: um garoto é filho de um oficial alemão transferido para trabalhar num campo de concentração. Uma realidade nova, completamente diferente da Berlim, onde morava, tendo a casa junto a um imenso muro gradeado e coberto por rolos de arame farpado. Seu espírito de aventura leva-o a caminhar ao longo da cerca.
Um dia, surpreende-se porque, do outro lado, está também um menino, da sua idade – cerca de sete anos - com um “pijama listado” (roupa de prisioneiro). O relacionamento é desenvolvido a partir do que existe em cada um de seus mundos: o pequeno alemão que perdeu as regalias do convívio com outras crianças de seu povo e o pequeno judeu que, nos últimos anos, somente recorda da vida sem liberdade.
O judeu diz que seguidamente as pessoas lá de dentro saem para viajar e não voltam. O alemão diz que nunca viu ninguém sair de lá: com mala ou sem malas. O destino, vai mostrando o livro, eram as câmeras de gás. Não posso contar o desfecho que é, ao mesmo tempo, belo e profundamente triste, quando, para provar a sua amizade, o alemão veste a roupa de prisioneiro e entra no campo de concentração.
É triste que ainda hoje existam lutas pelo mesmo motivo: econômico, sacrificando vidas em frentes de guerra ou em campos e cidades que são devastadas por falsos princípios democráticos. Quando falarem que há guerras justas, não acredite: as guerras não são religiosas, étnicas ou sociais, são feitas por grupos que, no final das contas, ganham muito dinheiro. Pena é que elas deixam, no seu rastro, muitos sacrifícios: inclusive de crianças que não tiveram o direito de viver a própria vida.

sábado, 28 de agosto de 2010

Filhos do coração

A Lígia Antunes enviou a história do escritor Leo Buscaglia: “Os alunos da professora de primeira série estavam examinando uma foto de família. Uma das crianças tinha os cabelos de cor bem diferente dos demais. Alguém sugeriu que ela tinha sido adotada. Logo uma menina falou: - Sei tudo sobre adoção, porque eu fui adotada. Outro aluno perguntou: - O que significa "ser adotado"? - Significa - disse a menina - que você cresceu no coração de sua mãe, e não na barriga!”
Foi do que me lembrei quando estava sendo atendido num serviço por uma senhora que atendeu o celular. Logo seu rosto se transformou emocionada. Falavam a respeito de um sobrinho que viera conhecer a ela e à irmã, já que o pai e a mãe biológicos não existem mais. A então criança foi entregue para adoção e a família deixou Pelotas e nunca mais voltou. No entanto, quando soube de sua história, quis conhecer seus parentes. Quase às lágrimas, a tia agradecia pelo jeito como o rapaz havia sido formado, tendo sido respeitoso e carinhoso para com elas, mas demonstrando uma devoção que transparecia no olhar cada vez que falava da família que o acolheu.
Acompanhei muitas campanhas que buscam um lar para crianças que não têm como permanecer com seus familiares. As dificuldades são muitas, pois adotar alguém é considerado um tiro no escuro: no que pode dar? No entanto, aqueles que aceitaram o desafio dizem que valeu cada um dos sacrifícios. Lembro de uma família que recebeu uma criança com Síndrome de Down e da mãe que aceitou uma menina com problemas cardíacos. No primeiro caso, os pais dizem que depois que os outros filhos cresceram e se foram, restou uma companhia amiga e solidária. No segundo, foram anos tentando vencer a doença que finalmente ganhou.
Nas duas histórias, cada momento foi vivido como único. Na solidariedade do tempo que passa, assim como na mãozinha que pela última vez foi estendida para agradecer o afago que diminuía a dor, estava a certeza de que não haviam sido gestadas na barriga. Foram e continuarão sendo filhos do coração.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O voto é seu

Faltando em torno de um mês e meio para as eleições em diversos níveis – presidência, governo, senado, câmara dos deputados e assembléia legislativa – a campanha eleitoral ainda não embalou. Mesmo iniciada a propaganda eleitoral em horários nobres – para desespero da maior parte das pessoas – não se percebe interesse por parte da população. Bem pelo contrário: a apatia é a regra e o desinteresse quase que total.
Até o início de outubro, muitas águas vão passar, mas nada indica que exista mudança no comportamento do eleitor. E por que esta indiferença? Infelizmente, em todos os níveis, o que se vê é a banalização dos escândalos, com desvios de recursos e comportamentos que beiram o deboche: a repetição de um discurso recheado de expressões sociais bate no vazio das ações, ou em atos escusos, onde se mascaram números, ficando para investimentos priorizados pela população – educação, saúde, segurança – migalhas comparadas às somas que são investidas nas máquinas eleitorais.
Sobram produções cinematográficas maquiando candidatos sabidamente sem atrativos populares – até com dificuldade de um dos atos mais simples de simpatia: sorrir - vendidos como solução para todos os problemas. É preciso reconhecer que o trabalho de profissionais do marketing ainda consegue vender “gato por lebre”. Pena é que, muitas vezes, está embutido bem mais do que apenas um pobre animal, também um projeto político que tem o verniz de realização cidadã, escondendo interesses de grupos que controlam a máquina administrativa, tanto à direita, quanto à esquerda.
Gostaria de dizer que existe alguma chance de mudança em curto prazo. Não creio. Mesmo havendo um grande número de políticos honestos, não está em suas mãos o controle e a decisão dos investimentos. Veja-se o Senado e a Câmara Federal dando espetáculos vergonhosos. Ainda temos - como gaúchos - fama de “certinhos” e, mesmo assim, já vemos estes sinais se repetindo em executivos e legislativos. Antene-se: o voto é seu, mas as decisões futuras não. Portanto, é um gesto de confiança que deve ser bem pensado, para não se arrepender num futuro bem mais próximo do que você imagina.

sábado, 14 de agosto de 2010

Crenças e superstições

Recentemente, passamos por uma sexta-feira, 13 de agosto. Serve para refletirmos que o advento da luz elétrica e o aumento do número das pessoas que podem acessar o conhecimento diminuíram significativamente o número das pessoas que reconhecem ainda ter alguma crença ou superstição. A crença se distingue da fé por não ser algo ligado a uma religião, mas uma construção pessoal, com uma espécie de “lógica” para cada um. E a superstição, bem, esta é muito engraçada, pois é mais comum do que se pensa, mas não se reconhece que existe.
As superstições mais comuns passam por evitar números como o 7 e o 13 (dizem que alguns países, inclusive, não numeram o décimo terceiro andar); passar longe de gato preto, não cruzar embaixo de uma escada. Mas as mais modernas estão na cueca, camiseta, abrigo etc. utilizadas em alguma partida de futebol e que “deram sorte” e a vitória para o nosso time. A partir daí, precisa ser repetida sempre, mas, se acontecer algo em contrário, arruma-se uma desculpa para não culpar a peça de roupa. Segue-se a máxima de que “não creio em bruxas, mas que elas existem, existem”.
Mesmo as pessoas que estudam os processos religiosos não conseguem explicar como estas coisas acontecem. Talvez porque não existam explicações, mesmo. É uma necessidade do ser humano mais simples de ter amuletos que o aproximem do Divino, por elementos que somente ele reconhece e entende. Crenças e superstições podem não ser aceitas, mas, desde que respeitem os demais, devem ser respeitadas.
As crenças estabelecem juízos populares que dão como verdade um conjunto de coincidências. Por exemplo: “agosto é o mês do desgosto”. Muitas desgraças aconteceram neste mês, assim como em todos os outros do ano, mas o consenso popular é de que ele atrai energias negativas e põe fim na vida de muitas pessoas idosas (coincidência com o final de Inverno). O pai conta a história de um vizinho alemão que tinha medo deste mês. Em 31 de agosto afirmou, contente, para os familiares que estava quase vencido o “adversário”. Morreu no dia 1º de setembro.

domingo, 8 de agosto de 2010

Receita para uma família feliz

A receita é relativamente simples, talvez o complicado seja o jeito de tratar os elementos: todos querem ter uma família feliz. Mas como fazer com que isto aconteça? A receita: fazendo pessoas felizes. Os elementos, nesta Semana da Família: crianças desajustadas, jovens sem identidade, adultos amargurados e idosos definhando por serem considerados um incômodo a ser tolerado.
Ainda bem que estes casos não são a regra, mas a exceção, aparecendo mais porque demonstram nossas fraquezas e, em muitos casos, a incapacidade para enfrentar problemas. A tentação é negar que, exatamente embaixo de nossos narizes, as coisas estão acontecendo e tentamos deixar que se resolvam “naturalmente”.
Pensar que uma palmada é o mesmo que uma ação constante de violência é desconhecer por completo as relações de família. Ninguém aceita a violência, por não ser natural nas relações, mas fruto de uma mente doentia. Acompanhar um jovem enquanto define sua personalidade é um jogo de acertos e erros, que precisa ser enfrentado com um olhar que, ao mesmo tempo, signifique firmeza, solidariedade e carinho.
Embora sempre se pense que adultos, por estarem muito ocupados, estejam livres de problemas, o que se percebe é o contrário: Não deixar fluir os sentimentos faz com que se chegue a um momento em que se transborda e todo o processo de reconstrução é muito doloroso. E, numa sociedade em que se trata o outro como objeto útil, o idoso é algo descartável, porque não há muito mais o que possa oferecer em troca.
Estas idades formam a família: a criança em busca de caminhos, o jovem sedimentando conceitos, o adulto carente de acolhida e o idoso, porto seguro onde se ancora na espera de passar a tempestade e chegar a bonança. A receita da família feliz não existe. Mas há elementos a serem vividos quando resta um abraço, uma lágrima ou um sorriso maroto no rosto do idoso que reencontra a neta e lhe falta a palavra, mas escorrem sentimentos represados de saudade e ternura no que há de mais sublime na vida: laços que não se desfazem com a distância física ou o passar do tempo.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Um homem bom

Os mais antigos tinham clara a definição do que era um “homem bom”: temente a Deus (uma religiosidade bem definida), bom marido, bom pai de família e com posição bem definida na vizinhança, o que significava ser alguém que valia a pena ouvir ou consultar quando necessário.
É no que penso quando vejo tantas dificuldades para entender como os homens públicos pregam um tipo de comportamento e agem de forma diferente. Não vale a pena personalizar, mas olhem para a política e vejam o que dizem e o que fazem, ou, em nível internacional, o que, por exemplo, se noticia a respeito deste último derramamento de petróleo no mar: a preocupação é com os milhões de dólares que a empresa perdeu e sobra pouco espaço para ver a ferida que se abriu no meio ambiente.
Esta conduta é a mesma que, vista por nossas crianças e jovens, vai pautar o seu jeito de se comportar, não apenas no futuro, mas já no presente: se minha mãe pode xingar alguém no trânsito, porque não posso fazer o mesmo com meu colega na Escola? Se meu pai pode ameaçar agredir alguém na rua por uma ninharia, porque não posso descontar a minha raiva no irmãozinho ou irmãzinha em casa?
Este procedimento que parece banal está causando mais danos do que imaginamos. Regras de comportamento somente são assimiladas se antes vierem acompanhadas de exemplos. Não é à toa que se diz que “conselhos são bem vistos, mas exemplos arrastam”. Não é necessário que nos transformemos em modelos absolutos de integridade – porque os santos, hoje, são raros – mas que façamos do nosso agir um jeito de dizer que somos homens do bem.
Em família, na escola, na religião, no trabalho ou na diversão, a preocupação deve ser apenas uma: não faço ao outro o que não quero que me façam, respeitada a máxima de que a minha liberdade acaba quando inicia o nariz do outro. É o melhor jeito de pacificarmos as relações e descobrir que ainda podemos ser, ao jeito antigo, um “homem bom”.

sábado, 24 de julho de 2010

Uma boneca e uma prece

Estava jogada ali fazia um bom tempo. Ninguém voltou para buscá-la. Esquecida, depois de todo o carinho que deu e recebeu, de afagos e juras. Ficou sobre o travesseiro que já não seria utilizado. Quase sempre é objeto da cobiça de crianças, mas conheci pessoas idosas que também alimentavam recordações, transferiam sentimentos, transformavam um objeto em algo mais do que humano, quase divino.
Uma pequena boneca de pano, as mãozinhas juntas e um chapéu ao estilo germânico. Ao apertar suas mãos, inicia a prece do Pai Nosso. A doença havia feito com que ela fosse parar no Hospital, acompanhando a dona. Quem sabe quantos momentos de dor foram superados pelo olhar carinhoso da boneca que, apenas, podia, em troca, acolher juras, confidências, e fazer uma oração tão simples: “pai nosso, que estás nos céus...”
Mas agora ficou para trás. Só pode significar que sua dona já não consegue mais aceitar a sua silenciosa solidariedade. Deixou no passado, possivelmente, também as dores, tristezas e desilusões. Em outro plano, encontra todas as compensações que lhe foram negadas e a companhia que tanto desejou.
Também dei bonecas destas para pessoas amigas. Mas nunca esperei encontrar uma nesta situação. O ato de presentear é um afago, para a pessoa saber que não está sozinha, deixa-se um sinal de que estaremos juntos, por maiores que sejam as dificuldades, mesmo que não fisicamente. Sempre me surpreendi quando dava uma delas a pessoas idosas. O sorriso de uma criança, ao receber, é de satisfação pelo agrado, mas, o de um idoso é, entre lágrimas, de quem espera mais do que apenas um presente, uma presença de carinho.
Pode-se dizer que uma boneca é apenas uma boneca, um objeto que, algum dia, será descartado. Será? Aquela, no travesseiro da enfermaria, carregava a afetividade de uma pessoa desconhecida que deve, muitas vezes, ter unido as mãozinhas para murmurar uma prece: ouvida por Deus, que serenou um coração e o recebeu como o suave perfume das almas capazes de transcender o objeto e dar-lhe um sentido na oração.

domingo, 18 de julho de 2010

A bengala da fé

A Esfinge cortava o caminho do viajante e propunha um enigma: “qual é o animal que anda com quatro patas, pela manhã; duas ao meio-dia e três ao entardecer”. E punha contra a parede: “ou resolves, ou te devoro!”. A resposta parece simples: o homem, pela manhã (início da vida) engatinha; ao meio-dia (em sua plenitude) em pé; e ao entardecer (velhice), auxiliado por uma bengala. Não há estatística de quantos foram devorados.
Em casa, compramos uma bengala de madeira, clara (creio que é bege), que foi utilizada por dona França (minha mãe), quando restaurava uma bacia lascada; hoje o seu Manoel (meu pai), faz uso dela, enquanto se recupera das aplicações de radioterapia. Propus que marcássemos a bengala com a primeira letra de todos os que a utilizaram e que já começássemos a organizar a fila daqueles que ainda vão utilizá-la.
Mas a bengala que auxilia a caminhar e uma ideia muito próxima das bengalas que utilizamos: há uma para a memória; outra para os sentimentos e, até, para a religião. Foi exatamente esta que me impressionou quando ouvi o que as pessoas fazem na relação com o Divino, independente de religião: um Deus refém. “Eu faço tal coisa, mas tens que me retribuir”. Também com seus Santos de devoção: há uma lenda de que Santo Antônio, para os casamenteiros, deve ter o corpo separado da cabeça, ou mergulhado em água, até que arrume marido ou mulher.
Estranho jeito de fé. Fé é exatamente isto: colocar-se nas mãos de Deus e também possíveis problemas. Não há exigências, para que também não haja desilusão quando as coisas não acontecem como queríamos. A resposta de Deus é sempre uma graça, alcançada não por merecimento, mas por ter colocado a vida em suas mãos. Seduziu-me uma frase: “não apresente o seu problema para Deus, mas apresente Deus para o seu problema”. Ele é bem maior. Não é apenas um jogo de palavras, mas uma verdade: mesmo que não entendamos, em determinado momento, o que se passa, a melhor forma de enfrentar o destino é repetir o já gasto refrão: “segura na mão de Deus. E vai”.

domingo, 11 de julho de 2010

Torrei o amendoim

A expressão é: “rei morto, viva o rei!” Significando que acabado com um é preciso que o trono não tenha vacância e se escolha um novo. Pois a África do Sul cumpriu seu papel ao realizar a Copa do Mundo de Futebol da FIFA. Agora é a vez do Brasil, em quatro anos, aperfeiçoar o que tem e criar o que é necessário, especialmente em infra-estrutura, para atender a milhares de profissionais e turistas que acompanharão o evento.
Mas não são apenas os governos, em todas as instâncias, mais as instituições ligadas ao futebol, que podem ganhar com esta realização. É um espetáculo que exige investimentos macros: estradas, transporte, comunicações, saúde; mas também em áreas bem mais simples: como pedreiros, copeiras, recepcionistas, motoristas, etc.
O ingrediente fundamental é a capacidade de investir e de ousar para encontrar nichos que possam ser ocupados. Na África, até o pessoal que vendia nas ruas: lanches, lembranças e bandeiras ou chapéus (inclusive a malfadada vuvuzela), foram instruídos em como receber e tratar os turistas. E isto não vai se dar apenas nas 12 sedes que terão os jogos, mas em muitas cidades de médio e pequeno porte que também poderão abrigar as preparações e... Investimentos, grandes investimentos.
Porém, é necessário mostrar serviço, que inicia agora quando a tempo de preparar projetos e candidatar as sedes. O desenvolvimento das diversas áreas do Estado permite que muitas micro-regiões se candidatem, até em conjunto, buscando prestar um serviço e receber benefícios. Há recursos públicos, que devem ser bem fiscalizados, e privados que tem razão em esperar retorno, mas sem a ganância que inviabiliza bons serviços.
O professor Sílvio tem razão: não sou um bom cozinheiro. A brincadeira foi porque, no artigo anterior, contei que aprendi a fazer pão. Recentemente, seguindo o aprendizado da cozinha: torrei o amendoim. Sou um cozinheiro burocrático, repito receitas, e me falta ousadia para aventurar em ingredientes diferentes. Esta será a diferença entre aqueles que apenas assistirão à Copa de 2014 e aos que encontrarão brechas criativas para seus negócios e municípios, em quatro anos que prometem modificar o Brasil. Tomara. Que venha a Copa e sejam bons e comoventes momentos para todos nós.

domingo, 4 de julho de 2010

O pão nosso de cada dia

Quando criança, gostava de sentar à mesa da cozinha (elas eram enormes - talvez a perspectiva da visão da infância) e ver minha mãe e tias sovarem a massa do pão. Era preciso paciência, não podia haver nervosismo, nem outro problema (com o qual as mulheres convivem periodicamente), porque, então, a massa “desandava”. Depois, era preciso um tempo para a massa descansar, coberta por um pano, e, só então, ir ao forno.
Foi a lembrança que me veio quando fiz, aos 55 anos, pela primeira vez, um pão. Claro, não tinha todo aquele ritual, porque feito numa máquina elétrica, mas respeita as mesmas etapas: é preciso sovar a massa, para unir todos os elementos; segue-se um tempo de descanso em que a máquina se mantém em silêncio; e o processo de assar, em que a massa branca vai tomando forma e mostrando a coloração peculiar a um pão, crescendo e tornando-se o alimento pelo qual lutamos no nosso dia a dia.
Aqui em casa, o piloto oficial da máquina de pão é o meu pai. Neste momento, ele está provisoriamente liberado desta função para poder se preocupar com a sua saúde. Então, entrei em ação e aprendi a fazer pão e, até – invejem! – a cozinhar pinhão! Tornei-me um autêntico dono de casa. Não sei se sou o número dois, três ou quatro, na ordem daqueles que executam as tarefas domésticas, mas isto não está me preocupando.
Fazer estas pequenas coisas tão necessárias a uma rotina de nossas vidas tem feito a diferença em não desperdiçar aquilo que outros fazem e que não valorizamos: o pão à mesa é obrigação de alguém; o leite aquecido surge do nada; a criatividade em procurar um cardápio diferente todos os dias não é minha preocupação.
Quem lida com esta rotina sabe que alimentar uma família com criatividade é um calvário de todos os dias. Eu estou aprendendo a ser enfermeiro, acompanhante e, até, cozinheiro. Estou aprendendo a ter a tolerância (poderia ser paciência?), que nunca foi o meu forte. Cada pequena vitória ensina algo muito simples: como esquentar um alimento, alcançar uma medicação, ou simplesmente valorizar uma máquina que desliga e me oferece um alimento novinho, apenas pedindo uma cobertura de manteiga e uma xícara de café: o pão nosso de cada dia.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Um par de tênis

O pedido veio por jornal e pelo rádio (AM, embora alguns “especialistas” digam que ninguém mais ouve esta banda). Foi o suficiente: juntamos - minha família e alguns amigos - casacos, calças, camisetas, abrigos, pares de tênis e... chinelos de dedo. A campanha pedia qualquer tipo de roupa de uso pessoal e calçado, pois a procura era grande por parte de pessoas pobres e o estoque não era suficiente.
Olhando no armário, ali estavam chinelos de dedo de diversos tipos e cores! Manias de solteirão – pensei - pois alguns não eram usados há muito tempo e mesmo que já tivesse decidido fazer seleção e doação a acomodação falara mais alto. Pois a campanha veio exatamente para quebrar este ciclo e mostrar o quanto ainda tem pessoas carentes para as quais faz uma vasta diferença um calçado tão simples que, muitas vezes, sobra em nossos armários, sem uso e apenas ocupando espaços.
Num momento em que não somente os pobres de nossas cidades estão precisando de abrigos - pelo frio e umidade persistentes - mas também todos aqueles que sofrem em regiões como o Nordeste com a devastação das águas, a única diferença fica na capacidade de sermos solidários. Na rua pela qual passo todas as noites, ao voltar do trabalho, próximo a um posto de gasolina, sempre encontro um garoto pedindo esmolas, usando chinelos de dedo. Numa destas noites mais frias, ele parecia mais alegre e calçava, ao invés dos chinelos de dedo, um par de tênis. Não fazia parte do “pacote” de nossas doações, mas indicava que mais gente tinha se desacomodado para propiciar aquele pequeno “luxo”.
Nosso olhar pelas ruas e periferia quase sempre levam a pensar que esta obrigação não é nossa e deixar que os governos e instituições religiosas e sociais exerçam seu papel. Mas ao ver a diferença que fazia um velho e usado par de calçados, tive reforçada a minha intenção de manter mais vezes a rotina de averiguar o quanto é supérfluo em meu guarda roupa. Neste gesto simples, pode estar a diferença entre andar de pé descalços ou pisar firme no chão com um par de chinelos, no Verão, ou diminuir o frio, no Inverno, usando um simples par de tênis.

sábado, 19 de junho de 2010

Apenas um novo recomeço

A criança segura confiante a mão da mãe, que a olha com ternura e a balança docemente (mesmo que depois tenha uma lágrima para derramar); o idoso dormita segurando a bengala, procurando manter firme o aparelho de nebulização (tendo a mão de um anjo - a filha – como apoio); a senhora, discretamente, retoca a maquiagem num tocante ato de vaidade e apego à existência (fiscalizada pelo filho que levanta o olhar da revista e sorri). Em comum? Esperam por uma aplicação de radioterapia.
Os três estão em etapas diferentes: o idoso recém iniciou, mas já se sente melhor, pois venceu percalços que o tumor lhe causava, drenando a própria força; a criança sofre com a debilidade, mas isto não lhe importa enquanto tem o porto seguro da mãe onde ancorar; e a idosa já está finalizando o processo, confiante de que, desta vez, venceu e poderá voltar à vida simples do seu dia a dia. Nenhum deles tem grandes exigências. Mesmo sabendo que os profissionais se desdobram em gestos de carinho e atenção, querem sair desta rotina, para voltar a fazer o óbvio: brincar, cuidar da casa, dos filhos, andar pelas ruas, encontrar amigos, ou apenas ficar em silêncio quando têm vontade.
Sempre acho estranho que as pessoas precisem de grandes emoções ou de coisas absolutamente novas para encontrar sentido na vida. Nunca consegui ver a vida assim: gosto de viajar, mas adoro voltar pra casa; como é bom um quarto de hotel com uma janela voltada para o mar, mas melhor ainda é dormir no colchão do meu quarto; acho ótimo andar por lugares povoados por gente bonita, interessante, inteligente, mas é melhor ainda circular pela minha rua, pelas calçadas onde posso bater um papo com vizinhos e velhos conhecidos.
O drama que se espera encontrar quando alguém faz tratamento contra um câncer é superado pela esperança de transpor todos os obstáculos e seguir vivendo. O sentido está em vencer juntos – o que é muito bom – mas, se também acontecerem perdas, que se perca como a criança que segura na mão da mãe e tem certeza de que não está sozinha. Em algum momento, vamos nos dar conta de que não há finais, mas apenas um novo recomeço.

domingo, 13 de junho de 2010

O direito a um sonho

Diversos programas de televisão em nível nacional ganham audiência com quadros em que oferecem a reforma ou a construção de uma casa. Caso parecido aconteceu em Pelotas no final do ano passado quando dona Conceição, que adota crianças em situação de risco há muitos anos, viu realizado o sonho de transformar um conjunto de puxadinhos em um espaço funcional capaz de abrigar e atender às principais necessidades de crianças e adolescentes.
Quase sempre, quando os sorteados são colocados diante do dilema: reformar a casa ou uma casa nova, não há muitos que duvidem: tudo novo, casa e toda a mobília. Impressiona, sempre, a precariedade – e com certeza isto é o que dá audiência – dos lugares onde as pessoas vivem, com a torcida e a emoção de que uma casa nova signifique um novo tempo, com novas chances e novas perspectivas.
No entanto, o casal sorteado em um dos programas, por uma carta enviada pela filha, teve o pedido inusitado da avó para serem preservados os pertences do marido já falecido, porque ela precisava de um espaço que a mantivesse ligada ao seu passado, um elemento que a unisse a tudo o que passara com alguém com quem construíra uma vida.
O apresentador teve dificuldades para entender porque seria mantido um conjunto de móveis velhos, numa casa nova. Mas a insistência da avó tornou evidente que não era apenas uma questão de teimosia, mas sim de alguém que sabe o quanto é bom o novo que se pode conseguir, mas que são os elementos do passado que nos dão direito a um sonho. São os elementos do passado que nos dão as lições tão necessárias para que não erremos no futuro.
As cenas finais sempre são do comparativo entre o que era antes: móveis estragados, casa mal cuidada, pouca luz e muitos entulhos; com o que vem agora: mobiliário funcional, tudo bem arranjado, iluminação adequada e limpeza. Mas, a última sequência acabou sendo a imagem fechada num rosto idoso, marcado pelos sulcos do tempo e de onde uma lágrima procurava espaço para dizer que estava grata, mas que não abria mão do seu passado e da sua história.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Ainda vou ser presidente

A discussão entre Jornalismo e Literatura já tem alguns acertos: o Jornalismo busca na Literatura recursos que tornem os textos mais “saborosos”, deixando fórmulas pré-estabelecidas, repassando a informação para o imaginário do leitor com a maior fidelidade possível. No entanto, a Literatura diz que olha para alguns fatos narrados pelo Jornalismo e as coisas são tão “loucas”, que ultrapassam a capacidade do escritor em imaginar certos cenários, atores e roteiros da vida real.
Foi a idéia que tive ao acompanhar duas notícias. A primeira contando que o Governo Federal vai fazer um recadastramento para o “Bolsa Família” em que a inexistência de carteiras de vacinação, matrícula escolar, presença efetiva em sala de aula e notas podem servir para o descredenciamento de uma família. Por outro lado, o presidente Lula alcança a sua quinta multa por fazer campanha eleitoral antes do prazo marcado pela Justiça.
A pergunta que não quer calar - o que uma coisa tem a ver com a outra? Um elemento que está saindo de moda: comportamento ético. Se o governo pode e deve exigir das famílias, que se comportem como cidadãos – nem que seja de uma forma às avessas, porque penalizando pelo bolso – o próprio governo não faz o mesmo quando deveria se comportar diante da Lei. Antigamente, se falava de “moral de cuecas” (não sei qual é a responsabilidade desta parte da vestimenta masculina), quando alguém dizia uma coisa e fazia outra.
Infelizmente, em certos casos, a situação de miserabilidade de parcelas da população exige que, para alcançar resultados, se use da linguagem que eles entendem: a penalização financeira. No entanto, o governo utiliza-se de um recurso muito esperto e bem pensado: prefere pagar a multa (que dentro de uma campanha eleitoral é irrisória), mas mantém o principal apoiador da candidata em evidência e utilizando-se de um cargo público. Ficando na cartilha do politicamente correto da Literatura, a impressão é de que, se perguntarmos ao garoto que não quer ir à escola porque age assim, ele bem que poderia afirmar: “para quê? Eu ainda vou ser presidente!”

domingo, 30 de maio de 2010

Sem misturas

Na semana passada, contaram-me que um religioso, em plena celebração, pensando estar agradando, solicitou à assembléia rezar pela seleção brasileira de futebol. Chegou a dizer que, neste momento, a seleção representava a própria nação, portanto a todos nós. Fui buscar - no meu arquivo de memória - a diferença entre país e nação e, acreditem, o religioso fez uma grande e preocupante confusão.
Meus professores de sociologia diziam que um país se define por seus espaços territoriais (de forma simplista, os estados que o compõem) e nação é uma definição mais de afinidades ideológicas, culturais e de costumes. Lembrei, também, o que já foi dito um dia, ao jogar a seleção: “a pátria veste chuteiras”. Exagero. Ao longo da História, citações destas muito mais do que auxiliar, atrapalharam e criaram expectativas, sem corresponder à realidade.
Neste espaço já falei de guerras ideológicas ou religiosas que são, no fundo, disputas financeiras. Mesmo tendo um ideólogo ou um religioso à frente, por detrás estão fortes interesses financeiros capazes de alimentar contendas que, ao final, nunca os prejudicam. Mas lançam países em situações deploráveis, como vemos, hoje, no Oriente, onde uma pseuda disputa com fundo religioso tem por objetivo saber quem vai controlar o petróleo que alimenta as economias mundiais.
Recentemente, consultores internacionais estiveram no Brasil e afirmaram que a federação internacional de futebol, ao realizar uma copa do mundo num país, não está se importando com o quando o país vai lucrar, mas o que ela vai arrecadar, juntamente com seus patrocinadores. E mesmo jogadores que vão a estas disputas têm como interesse o que ganham diretamente, em patrocínio e a vitrine para futuras negociações.
Portanto, não vamos misturar as coisas: este será um período de entretenimento. Vamos aproveitar para ver um bom futebol e até torcer por aqueles que vestem a camiseta da seleção brasileira, mas não achando que eles podem solucionar nossos problemas. O máximo que conseguem é o que nossos políticos fazem: um recesso bem remunerado para que o barco continue andando depois... Já em ritmo de eleições...

terça-feira, 25 de maio de 2010

Eu volto

Tornou-se rotineiro: na segunda-feira, o balanço do final de semana aponta o número de acidentes com vítimas fatais e assusta. Alguns perguntam: “qual é a novidade?”, mas não há como se acostumar a uma realidade que dizima jovens, especialmente homens, cada vez mais novos. Os números arrepiam: morre nas estradas, por ano, o mesmo número de pessoas que morreram em três anos de guerra declarada no Afeganistão!
Garotos com 16 anos, como um caso recente, em que o pai contava: “ao sair, ele me disse: eu volto. E sorrindo, acrescentou: nem que seja nas tuas preces”. Terrível vaticínio. Restaram lembranças e preces, porque a presença física, nunca mais. Vivi algo semelhante com o Vinícius, quase 20 anos atrás, beirando os 15 anos. Não queria ir pra Serra, ficaria comigo. Mas, na véspera, decidiu o contrário e telefonou para dizer: “eu volto”. Não voltou. Ou melhor: recebi de volta o seu corpo e uma saudade dolorida.
Dizem que estas perdas é que vão cicatrizando a nossa pele e que doem permanentemente, deixando, além das marcas, a sensação de que diminuímos pela angústia e pela dor. Não há como esquecê-las e muito menos como curá-las definitivamente. Mas há como preveni-las. Não consigo entender o pai que julga um filho de 16 anos amadurecido para lhe entregar um carro. Mesmo que me contestem, creio que é aquela necessidade de se sentir “macho”, “meu filho é homem, assume perigos”. E vão dizer o quê quando devolverem seus corpos e ficar aquele sentimento de que eles nunca mais irão voltar?
Dias atrás, ouvi que pessoas adultas compensam frustrações com “brinquedos próprios para a idade”. O carro é um deles. Há pessoas que o vestem como uma armadura ou uma máquina de guerra. E saem pelas ruas procurando desafios: adrenalina que vem com a velocidade, o álcool, drogas, os rachas. Que pena, o que deveria ser apenas um final de semana tranqüilo e capaz de propiciar repouso e reposição das forças, acaba colocando um nó na garganta e o desejo de que “eu volto” seja, mais do que uma intenção, uma realidade que nos devolva aqueles que amamos e que não queremos perder.

domingo, 16 de maio de 2010

Encantador de cavalos

Uma equipe de reportagem brasileira foi aos Estados Unidos conhecer o trabalho de um “encantador de cavalos”. Não usa métodos violentos para o que chama de “adestramento” e não “doma”. Métodos simples aprendidos com os indígenas, em que é preciso que homem e animal estabeleçam mútua confiança, pois têm em comum a busca pela liberdade em, ao menos, dois sentidos.
Recentemente, o “encantador de cavalos” veio ao Brasil. Além de mostrar sua técnica em fazer com que os animais superem traumas com chicotes, materiais perfurantes e transposição de águas, ainda apresentou outra faceta do seu trabalho: a preparação de cavalos para auxiliar no tratamento de pessoas com deficiência física, especialmente portadores da Síndrome de Down.
Era contrastante: na arena onde exibia sua capacidade de fazer com que animais ariscos o seguissem com absoluta docilidade, pessoas iam às lágrimas como reconhecimento de que gestos simples, impregnados de reconhecimento do valor do outro ser, são capazes de fazer a diferença entre adestrar e domar. Estava atendida a primeira qualificação: homem e cavalo cavalgando livres por espaços onde o mais importante é unir o pulsar da força animal com a Natureza.
Mas havia uma segunda qualificação, quando se via um cavalo, montado por um deficiente, acompanhado por profissionais da fisioterapia ou do Exército, e ficava um nó na garganta. Aqueles homens e mulheres não tinham no animal apenas um serviçal, mas um companheiro, um cúmplice na arte de restaurar sensibilidades. Também propiciavam um tipo de libertação: da restrição de movimentos e de sentir que poderiam superar o que uma deficiência colocou como restrição de movimento.
Aquele gringo, já de alguma idade, se sensibiliza ao preparar um animal e, em especial, quando o coloca no processo de recuperação de um paciente. Aqui está um belo exemplo: trabalho, solidariedade e uma boa dose de disponibilidade para vencer toda e qualquer barreira, liberando o corpo, mas, especialmente, o espírito aprisionado por restrições físicas ou por bloqueios emocionais.

domingo, 9 de maio de 2010

“Querido professor”

Expressões de carinho sempre encantam, enternecem, especialmente quando surgem de forma inesperada. Semana passada, recebi duas mensagens - de um aluno e de um ex-aluno - que iniciavam assim: “querido professor”. Pode-se dizer que é uma expressão diferenciada, porque no meio universitário não se chega a um vínculo afetivo, que mostre outro jeito de estabelecer a relação de educador e educando.
Mas acontece. Alguns alunos conseguem vencer, inclusive, barreiras afetivas, preconceitos de que estamos em situação e patamares diferentes e que somente isto mantém uma suposta “respeitabilidade”. Não sou das pessoas mais afetivas fora do âmbito da minha família, mas confesso que tem um aperto de mão, um olhar carinhoso e um abraço de pessoas com as quais convivo, inclusive alunos, que melhoram em muito a qualidade de vida, porque fazem esquecer momentos menos agradáveis, valendo a pena apostar na educação.
De alguns alunos, é comum que isto se estabeleça depois de concluído o curso, quando se dão conta de que poderiam ter aproveitado mais – e foram avisados – mas não o fizeram, e querem uma espécie de segunda chance, uma nova oportunidade, sem matrícula oficial. Talvez seja por este motivo que não consigo me acostumar com a expressão “ex-alunos”. Muitos deles continuam mantendo contados, fazendo consultas, procurando informações sobre redação de texto, oportunidades de trabalhos e, até... situações emocionais.
Minha experiência educacional não é das maiores: leciono em comunicação social há 16 anos. Alguns de meus colegas têm 20 e até 30 anos nesta área, mas já disse que não devo lecionar mais do que três ou quatro anos. Em respeito aos próprios alunos, pois nas áreas que atuo – gráfica, redação e marketing – as mudanças são constantes, exigindo renovação. Fica uma certeza: auxiliar jovens a descobrir seus caminhos, estimulá-los a enfrentar desafios, mostrar que mesmo diante de seus medos sempre há uma alternativa, faz esperar mais vezes recados eletrônicos que iniciem por um simples: “querido professor”.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Pelo prazer de apenas dirigir

Estamos fartos de ouvir, mas é uma verdade: nosso problema não é de legislação, mas de cidadãos sabedores da sua existência e autoridades dispostas a aplicá-la. Isto fica claro no trânsito, onde a falta de consciência coletiva e o sentimento de impunidade permite atrocidades. O resultado está aí: todos os dias os jornais estampam manchetes com acidentes envolvendo todo o tipo de veículo, trazendo consequências: mortes traumáticas ou seqüelas físicas e psicológicas para o resto da vida.
De quem é a culpa? Quase sempre do motorista que acha que por trás da direção pode tudo, isentando-se de responsabilidade e culpando o outro condutor ou mesmo o pedestre. Pessoas normalmente tranqüilas no seu dia a dia sofrem um transtorno quando assumem a direção: esquecem seus valores fundamentais, como a vida e o respeito pelo outro – veja-se a preferência para pedestres; o cruzamento à esquerda ou à direita, quando há acostamento; ou mesmo o som em altura impossível de ser suportado.
Ouvi histórias de arrepiar: uma senhora estacionou em frente a um colégio particular, em fila dupla, acionou o pisca alerta, fechou a caminhonete e foi lá dentro com toda a tranqüilidade, fazer o que queria. No outro caso, um filho cobrou do pai comportamento adequado no trânsito e ouviu a máxima: “se os azulzinhos não estiverem vendo, filho, pode fazer qualquer coisa”. E uma prefeitura da zona sul que teria quatro equipamentos para fazer a averiguação de ruídos, mas “não sabe como usá-los...”
Não se tem uma receita fechada para readquirir o bom senso, uma convivência harmônica, mas há sinais: o respeito à faixa de segurança em frente aos colégios pela maioria; sinais e reclamações com aqueles que estacionam em fila dupla e a cobrança para que as autoridades não se omitam, quando fogem dos pontos onde há mais problemas. O carro deve ser um instrumento a serviço do homem, assim como para o seu prazer, não uma arma. A esperança é que a maioria continue a agir de forma correta e nossas crianças e jovens tenham uma nova educação, mais solidária e fraterna. Não havendo receitas e na medida do possível, o bom em qualquer situação – trabalho, passeio, diversão – e usá-lo pelo prazer de apenas dirigir.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Caminhos para o futuro

A pergunta do Mateus, semana passada, em Bagé, num encontro com boa presença de jovens, obrigou-me a uma resposta sincera, mas também a uma reflexão: “porque a Igreja não consegue ser atrativa para os jovens?” A resposta que dei foi de que a Igreja também não tem uma fórmula que responda aos seus anseios e por este motivo, em muitos casos, se torna chata para aqueles que gostariam de ver respostas.
Não serve como consolo, mas, infelizmente, outras áreas que deveriam ser mobilizadoras – como a política e a educacional – também não conseguem tornar-se atrativas para esta parcela da população. Das muitas leituras que se faz do que está acontecendo, vê-se que sua mobilização se dá por elementos esportivos, culturais, ou ao vislumbrar um rumo para o futuro, através de atividades profissionais.
O que está acontecendo e onde estamos errando? No caso da Igreja, que possui estruturas muitas vezes subutilizadas, buscar alternativas para o que lhes interessa. Convênios com setores públicos e universitários poderiam gerar uma ocupação que tornasse seu tempo útil, além de vislumbrar possibilidades futuras. Numa determinada ocasião, participei de um projeto em que se levava aos jovens – especialmente em situação de vulnerabilidade social – universidades, escolas técnicas e mesmo instituições públicas que pudessem dar todas as informações sobre preparação para o ingresso, custos e viabilidade de bolsas. A atenção era total e, mais do que isto, plena de interação, porque tocava em pontos práticos que poderiam dar uma chance de estudos e de ingresso no mercado de trabalho.
Não creio que somente entidades sociais ou públicas possam fazer isto. Grupos jovens têm como preocupação a vida da Igreja, mas também formar lideranças que vão atuar socialmente. Dentro desta perspectiva, é fundamental que tenhamos ações concretas que tornem a vida comunitária atrativa para os nossos jovens. Sendo assim, Mateus, não diríamos que nossas igrejas sejam chatas, mas envolventes, porque preocupadas em encontrar caminhos para o futuro, na sua integralidade: tratar da sua espiritualidade, sem esquecer que vivemos em sociedade e que precisamos preservá-los fisicamente.

sábado, 17 de abril de 2010

City Down - a história de um diferente

Este é o título do filme que está sendo rodado pela Associação Pelotense de Cinema Independente. A proposta: olhar a vida pela visão de um portador da Síndrome de Down (ou como se conhecia antigamente: um excepcional). Por acompanhar a alguns anos um afilhado, o Edson (também ator no filme), sempre simpatizei com eles, o que foi se transformando em algo mais profundo, usufruindo do carinho que eles são capazes de dar. Dizem que quando Deus dá uma deficiência compensa de alguma forma. Pois aí funcionou a regra: perdem em alguma atividade que requer acuidade intelectual, mas compensam pela simpatia e capacidade de envolvimento emocional.
Os principais atores são portadores da Síndrome de Down, mas rola uma química que dá inveja a qualquer ator consagrado. Contaram-me que o Edson, cada vez que o diretor pedia: “vai, Edson!”, nem saia do lugar. No entanto, bastava dizer: “gravando” e ele entrava em cena, com toda a desenvoltura. A primeira fala não está presente no seu dia a dia, no entanto a outra é comum para “atores” em todos os sets de filmagem, sendo ouvida nos programas de televisão.
Olhar o mundo sob uma ótica diferente. Uma proposta que leva a pensar na ditadura dos normais, que não se preocupam com aqueles que já não podem enxergar, aqueles que não podem ouvir, ou aqueles que não andam no mesmo ritmo intelectual. No site que se encontra na Internet, seus autores dizem que “a partir daí você travará uma batalha contra um forte inimigo: o preconceito. Mas, se quiser, aí vai um segredo: ele é vencível.” Vencer o preconceito é a meta: os que pura e simplesmente não aceitam estas pessoas; que passam longe, como se fossem ser contaminados; que desconhecem seus problemas e suas virtudes; que os classificam de “doentinhos”.
Prefiro viver como vivo até agora, ganhando apertados abraços, carinho desmedido e beijos com olhos que transmitem sensibilidade e respeito. Mais do que isto, pessoas dispostas a partilhar seus mundos sem pedir nada, a não ser o mais elementar na realização do homem: o direito à vida, à dignidade e um espaço onde realizem os seus sonhos.

domingo, 11 de abril de 2010

Ficha limpa

Foram muitas as organizações sociais que se mobilizaram para levantar assinaturas mais do que suficientes a fim de apresentar um projeto de lei que proíbe candidatos que estejam sendo julgados pela Justiça. Também foram muitos os debates em instâncias sociais, universitárias, partidárias, sindicais e religiosas, na busca por uma maior transparência das atitudes dos nossos homens públicos que ocupam funções eletivas. Infelizmente, o que se vê, hoje, é que a malandragem daqueles que defendem os próprios interesses no Congresso Nacional está fazendo com que atrase o seu trâmite, quando não há o interesse de fazer mudanças que desfiguram a proposta inicial.
Não há alternativa. Além de se manter todos os níveis de discussão que aconteceram até agora, é preciso partir para duas ações concretas: tomar conhecimento de quais candidatos estão sendo julgados, não merecendo ser eleitos, e divulgar de outras formas; assim como fazer com que os próprios partidos criem empecilhos para aqueles que não apresentarem a sua ficha limpa. É exatamente este o nome do projeto: “Ficha limpa”, uma lembrança do processo que aconteceu na Espanha, onde a Justiça trabalhou com o “Mãos limpas”, perseguindo e afastando, em muitos casos prendendo, aqueles que de alguma forma se utilizaram do setor público em proveito próprio. Hoje não conheço os números, mas até bem pouco tempo atrás se sabia que no Brasil, de cada 10 reais, dois reais eram desviados. Os números não devem ter mudado muito, mas fazem a grande diferença quando se fala em investimentos públicos.
Claro que se sabe que a população se sente impotente diante do que acontece na vida pública, mas este é o momento da clarividência: das pequenas igrejas às grandes catedrais; dos bancos escolares às praças públicas; do recinto dos lares até as esquinas democráticas, é hora de discutir e optar por políticos que possam fazer o nosso futuro diferente. Quem se omitir, ou achar que isto é bobagem, é, ao menos, cúmplice dos desmandos que forem cometidos. Sou partidário de que o maior pecado não é o erro pelo desconhecimento, mas pela omissão. E quem se omite não tem o direito de reclamar mais tarde.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Os donos da estrada

No feriado de Páscoa constatei aquilo que os meios de comunicação estão repetindo todos os dias: os problemas causados por alguns motoristas nas estradas, especialmente aquelas que ligam Porto Alegre ao Litoral Norte, ou que saem em direção à Região Sul. A primeira constatação é de que a maior parte dos condutores preza a segurança, andando dentro dos limites permitidos, cuidando da própria vida, mas atentos àqueles que são a exceção.
E qual é a exceção? Infelizmente, aqueles que não prezam a própria vida, a vida daqueles que os acompanham e também a daqueles que estão em outros veículos. Sentem-se os donos da estrada, porque estão ao volante de carros possantes e, por isto mesmo, consideram-se no direito de cortar caminho tanto pela esquerda (o correto), quanto pela direita (incorreto), nas pistas com acostamento ou com a terceira via.
Não se pode dizer que as estradas estejam ruins. Mas o volume de carros na rua, em alguns momentos, diminui o fluxo, requerendo paciência. Que nem todos têm e, por isto mesmo, sobra excessos e barbeiragens. Acaba sendo comum os acidentes em lugares onde a sinalização pede que não ultrapasse, ou mesmo que diminua a velocidade.
Uma emissora de rádio de Porto Alegre embarcou um repórter em São Leopoldo, no trem de superfície e o motorista fez o percurso da BR 116. Em 45 minutos, o repórter chegou ao centro da Capital, enquanto o motorista continuava trancado em um engarrafamento, no meio do caminho. Exemplo como este mostra que precisamos repensar o sistema de transporte individual e coletivo, investindo em alternativas, não no incentivo à compra de carros - que não encontra na estrutura das cidades e das estradas um suporte adequado.
O importante, hoje, é que os motoristas conscientizem-se de que a direção é um instrumento para facilitar a vida das pessoas e não para elevar os níveis de adrenalina. Para isto, utilize pistas de corrida e arrisque-se sozinho. Na estrada, valorize a sua vida e a dos outros. As estatísticas assustadoras dos finais de semana, com números que ultrapassam os das guerras declaradas, com certeza, serão bem menores.

terça-feira, 23 de março de 2010

Das Catacumbas ao século XXI

A expressão já se tornou chavão, mas é verdadeira: “o tempo da Páscoa é especial para a reflexão”. Penso nisto num momento em que a Igreja Católica se vê envolvida em tantos problemas, ao mesmo tempo em que outras Igrejas avançam ocupando espaços que, tradicionalmente eram seus. Onde errou? O que deixou de fazer? O que poderia ter feito diferente? Nas minhas muitas andanças, tenho percebido que as grandes lideranças católicas já não são aquelas que têm o melhor discurso, mas aquelas que dão o melhor exemplo. Não que elas estejam preocupados com isto, mas buscam viver a sua religiosidade na simplicidade de viver bem a própria vida: nossas maiores dificuldades sociais iniciam porque deixamos de viver bem em família e na nossa vizinhança.
Creio que a Igreja precisa voltar a olhar com carinho para estes espaços particulares e especiais. Talvez não tenhamos um remédio para todos os problemas das famílias, mas talvez tenhamos um bálsamo que auxilie a diminuir a dor, através do atendimento personalizado de cada um. Talvez não consigamos mudar as estruturas sociais, mas podemos melhorar os relacionamentos dos grupos e incentivá-los a viver melhor.
A Igreja Católica, infelizmente, há muito tempo deixou as catacumbas onde havia o autêntico espírito de comunidade, que era o espírito da solidariedade e da sobrevivência. Hoje, com o passar da História, agregamos estruturas que tornaram “o custo Igreja” muito alto. Não podemos mais investir apenas naquilo que seria do anúncio e do testemunho do Evangelho, mas dispersamos nossos esforços em outras coisas que deveriam ser da sociedade, com o espírito do Evangelho: educação, comunicação, saúde, serviço social etc.
O tempo de Páscoa e o tempo de ressurreição deve fazer nossos olhos se voltarem para os únicos olhos que dão sentido à nossa fé: os de Jesus Cristo, que na serenidade de quem sabe que nos espera desde a Eternidade, brinca com as nossas preocupações rotineira que nos tiram da busca do essencial: viver plenamente a Sua mensagem. É o momento de voltarmos a viver as coisas simples que o próprio Jesus viveu ao caminhar com seus discípulos e ali formar homens que saíram da brutalidade para a contemplação do que de mais puro já existiu. Se formos capazes, esta será a esperança plantada de que esta Páscoa é uma nova Páscoa, já não a da ressurreição de Jesus, mas a nossa própria, num novo convívio, com novas esperanças, menos preocupações e mais tempo para “gastar” com os outros. Então, valerá a pena repetir: “Feliz Ressurreição!!!”

segunda-feira, 22 de março de 2010

O alerta do PDT

No momento em que os partidos fazem acertos públicos e não tão públicos assim para lançar suas candidaturas ao Governo do Estado, o Partido Democrata Trabalhista (PDT) deu, na semana passada, um sinal que preocupou seus dirigentes e também colocou de orelha em pé os demais partidos: há descontentamento e insatisfação com as decisões tomadas pelas cúpulas, em muitos casos, desprezando seus próprios seguidores.
O PDT teve em Leonel Brizola o seu nome maior, um caudilho que foi governador do Estado e do Rio de Janeiro, uma liderança forte e capaz de aglutinar à sua volta seguidores fiéis. Hoje carente de lideranças expressivas, tomou a decisão, por sua cúpula, em Porto Alegre, de apoiar José Fogaça, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, num acerto que lhe dará, por mais de dois anos, a prefeitura de Porto Alegre e a vitrine que considera necessária para voltar ter força no Estado.
Um bom número de prefeitos do interior revoltou-se contra o que considerou uma decisão precipitada, já que alguns gostariam de apoiar Tarso Genro, do Partido dos Trabalhadores, ou Yeda Crusius, do Partido da Social Democracia Brasileira. Infelizmente, não é de hoje que o Rio Grande do Sul é dividido entre a capital e o interior. E como é na capital que os poderes maiores estão localizados, acabam desprezando uma significativa parcela das lideranças.
Embora, ao que tudo indique, os panos quentes já funcionaram para abafar o levante, ficou o alerta: futuras negociações precisam ser mais abertas e contemplar as demais áreas onde também a tradição política é forte e de onde, historicamente, saíram as maiores lideranças que este Estado já teve. O PDT quis fazer um negócio apressado pensando no quanto lucraria em fazer uma chapa forte com o PMDB, mas o jeito como fez foi capaz de chamuscar lideranças e criar um atrito desnecessário especialmente com os prefeitos, que são aqueles que arregimentam a mão de obra necessária para uma campanha eleitoral. É um bom sinal: se o PDT não aprendeu, tenho certeza de que outros tomaram nota e em negociações próximas vão pensar duas vezes e ampliar as consultas antes de qualquer decisão mais abrangente.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Avatar

Avatar não é um filme, é uma parábola. Uma linda parábola que encanta muita gente e desperta um olhar mais atento sobre a natureza que, de outra forma, dificilmente iria se conseguir. A discussão a respeito dos males que cometemos com a Terra foi intensificada e plantou, especialmente nos jovens, o interesse por um tema que estava restrito: a necessidade de harmonizar o ser humano e a natureza.
Tenho recebido lições que aprimoram a minha qualidade de vida: uma Avenca, em minha cozinha, é o termômetro que mostra quando o meu astral está pesado – ela pura e simplesmente murcha e morrem suas folhas. Passada a crise, voltam seus tenros brotos. Um bambuzinho de ornamentação, plantado em vaso, resistiu ao sol de 40 graus, ainda dando espaço para um pé de trevo e um de tomate. Uma das flores mais singelas, da qual não sei o nome, enfeita a gruta da casa, como se fosse uma cascata de enfeites de Natal. Sem contar árvores, arbustos de chás e flores com as quais convivo.
Avatar intensifica este processo. James Cameron (o diretor) mostra que não basta cuidar daquilo com o qual convivemos, mas harmonizar sentimentos, exatamente o aprendizado do protagonista, Jake Sully, um ex-fuzileiro naval confinado a uma cadeira de rodas. Descobre que os recursos naturais estão à nossa disposição para a sobrevivência e não para esbanjar e destruir. Viver é respeitar o ambiente onde nos inserirmos e retribuir aquilo que nos foi dado.
O suposto povo Na'vi vive exatamente desta forma. Na exuberância natural de um cenário fantástico, aprendeu a desfrutar de tudo o que existe no reino animal, vegetal e mineral. Mas tem profundo respeito na certeza de que é isto que os mantêm vivos e sadios. Fui ao cinema com algum preconceito, pois amigos haviam colocado a tarja de “filme ecochato”. Na saída, tinha vontade de aplaudir. Sentia naqueles que estavam comigo o mesmo encantamento e ter sido provocado por um conto que saiu da realidade para virar ficção. Infelizmente, somos os responsáveis pelas muitas bandagens colocadas nas feridas da mãe Terra, buscando um remédio que nos cure do nosso egoísmo, única forma de reverter os estragos que já fizemos.

domingo, 7 de março de 2010

Humanismo feminino

É meio cínico alguém dizer, para fazer média, que “dia das mulheres são todos os dias”. Partindo deste princípio, todos os dias são dias das crianças, dos idosos, dos homens, dos negros... Não é um “dia” que faz a mudança de uma situação, embora, acredito, seja um bom momento para aprofundar a reflexão a respeito da discriminação que muitos grupos sofrem, inclusive das mulheres. Ouvi de uma liderança religiosa que é necessário “humanizar o Mundo”. Infelizmente, não vai ser o homem (masculino) quem vai fazer isto, porque foi protagonista da História durante muito tempo e perdeu a oportunidade de tornar realidade uma sociedade mais justa. Então, no momento em que a mulher, gradativamente, ocupa lugar de destaque social, especialmente de presença em atividades das quais, até pouco tempo, estava afastada, também há um novo horizonte e uma nova possibilidade.
Para que isto aconteça, ela precisa não repetir os mesmos erros dos homens e sequer seguir os seus modelos, que não deram certo: fazer-se presente na política, do mesmo jeito que é feita até agora, é repetir o mesmo erro; administrar da mesma forma vai repetir fórmulas que fracassaram; pregar a religião como ainda se faz, vai conservar a História na mesma marcha que vem fazendo ao longo dos tempos, em que, quase sempre, tiveram papel de serviçais, onde vencidos são sacrificados e vencedores perpetuam a sua História.
Estas ações já contaram com a presença da mulher, que precisou se “masculinizar” para ser aceita. Deixou de lado sua sensibilidade, o seu olhar especial, onde, antes de ver o lucro ou o poder, vê aquele que precisa de ajuda. “Então é impossível alterar o rumo da História, porque sempre se fez assim”. Não é verdade: esta mulher forte, mas que em muitos momentos se emociona, chega a fazer quatro jornadas de trabalho por dia: mãe, trabalhadora, doméstica e estudante, por exemplo. Ela sabe que vale a pena lutar por cada um daqueles que o destino colocou em seu caminho e ainda tem tempo de agir como a maior parte dos homens não sabe agir: companheiras, capazes de dividir tarefas e emoções e esperançosas de que seus parceiros façam o mesmo.

segunda-feira, 1 de março de 2010

2012

Recentemente, um filme catástrofe fez e faz grande sucesso nas telas do cinema por recuperar um presságio do povo Maia a respeito de um possível fim do mundo em 21 de dezembro de 2012. No entanto, o que a primeira profecia diz é que podemos alcançar “o final do medo”. Mais: “a humanidade deverá escolher entre desaparecer como espécie pensante que ameaça destruir o planeta ou evoluir para a integração harmônica com todo o universo, compreendendo que tudo está vivo e consciente, que somos parte desse todo e que podemos existir em uma era de luz.”
Gosto de uma expressão dos mais antigos de que o fim da Terra acontece para aqueles que morrem. Ao fechar os olhos, para nós que partimos para outro plano, o Mundo acabou. No entanto, assim como na virada para o século XXI, estas especulações acabam influenciando aqueles com maior dificuldade para entender como estes fatos se dão, ou em precariedade emocional, causando transtornos, inclusive, suicídios, na lógica de que se vai acontecer, porque não antecipar e não sofrer mais.
A profecia é maior do que apenas o anúncio de uma catástrofe: propõe uma conscientização sobre o que fazemos com o planeta Terra, hoje cheio de feridas causadas pelo uso desenfreado dos recursos naturais e por políticas com propostas ousadas no papel e no discurso, mas hipócritas na ação. E, se as autoridades são as grandes responsáveis, nós, enquanto sociedade, não somos menos culpados, na maior parte das vezes pela omissão ou por achar que o nosso grau de consumismo e de poluição é insignificante diante da magnitude que o problema alcançou.
Os Maias chegaram a um nível de consciência de que essas mudanças irão acontecer para que “possamos entender como funciona o universo e para que avancemos em níveis superiores deixando para trás o materialismo e nos livrando do sofrimento.” E esta é a grande lição: talvez não nos demos conta de que é este Mundo que vamos deixar para nossos filhos e filhas. E ele estará de tal forma marcado e ferido que a maior catástrofe que não poderemos evitar será a de que nós passamos por ele e o deixamos do jeito que estamos deixando.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Uma campanha para a fraternidade

Um grupo de Igrejas Cristãs propõe que se discuta na Quaresma (entre a Quarta-Feira de Cinzas e a Semana Santa), dentro da já tradicional Campanha da Fraternidade, o tema “vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro”. O assunto tem grande importância e repercussão, porque lida com um ponto sensível e “motor” para a sociedade. No entanto, lideranças religiosas reconhecem que é “utópico” refletir a respeito, num tempo em que o Mundo se acostumou a viver o capitalismo e formas alternativas não deram resultado ou foram “convertidas” ao mesmo sistema. Pena que se use indevidamente o termo “utopia”.
Se as igrejas querem lutar contra cata-ventos (ao estilo de Don Quixote) não deveriam desacreditar algo que está no cerne da própria fé: a sensibilidade para olhar um horizonte de esperança baseado no que esperamos de Deus, de atender ao que Jesus pregou e da própria salvação. Antes de propor aos outros que façam uma mudança radical na sua forma de viver, estamos precisando rever nossos próprios conceitos. Afinal, temos universidades, escolas, hospitais, creches, asilos, instituições filantrópicas capilarmente estendidas a toda a organização social. Estas instituições já estão fazendo a grande mudança que pregamos aos outros? Nossas próprias lideranças já alcançaram este espírito, ou apenas o fazem no discurso?
O papa João XXIII disse que gostaria de ter a fé de uma mulher do interior que acorda na madrugada para tirar o leite de uma vaca, rezando o terço. Significa que apesar de toda a nossa erudição, intelectualização, o mais importante ainda está no que diz o coração, porque aí se manifesta o momento único de encontro do Criador com a criatura. No Santuário de Guadalupe, na Cascata (em Pelotas), as borboletas voam livremente e em grande número. Segundo os ecologistas, é sinal que o ar naquela redondeza é bom e saudável. Para mudarmos a sociedade e a sua economia, precisamos dar sinais de que também queremos mudar, fazendo a diferença pela presença viva, limpando nossos próprios ranços, também do discurso, mas em especial no testemunho daquele que disse: “Daí a César o que é de César. E a Deus, o que é de Deus”.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Um sinal para a mudança

A permanência do governador de Brasília, Roberto Arruda, na prisão durante o Carnaval não virou samba, mas alenta uma esperança: a de que nem tudo está perdido e há uma expectativa com relação aos poderes constituídos. Infelizmente, diante do descrédito em que se encontram o Executivo, Legislativo e Judiciário, a questão era: em quando tempo um habeas corpus colocaria nas ruas um político corrupto que foi flagrado debochadamente recebendo e oferecendo propinas, com a desfaçatez de quem confia na impunidade? Confiava, porque a Justiça deu um sinal de esperança ao mantê-lo na prisão, embora políticos tenham manifestado insatisfação com a operação da Polícia Federal. Ora, no Brasil se diz que vão para a cadeia os pobres, pretos ou pardos. Pois há uma exceção, que nos remete exatamente àquilo que falávamos antes: um sinal.
O presidente Lula disse que a prisão iria fazer com que outros não façam o mesmo. Infelizmente, não é verdade. O nível de corrupção e de desmandos no país chegou a tal nível que, no máximo, alguns tomarão cuidado, especialmente em se deixarem ser filmados. Mas a repetição das prisões é que pode estancar a insistência com que recursos públicos, com grande facilidade, alimentam a corrupção. Estes mesmos sinais precisam ser vistos em outras áreas, como a educação, o mundo do trabalho e a religião. Tristemente, hoje, grande parcela da população acredita que não há como mudar nossa forma de convivência: pregamos a democracia e vivemos em ambientes autoritários; defendemos a justiça na distribuição de renda, mas as instituições não pagam salários justos; queremos o fim da impunidade, mas achamos que os nossos precisam ser protegidos.
A democracia não é feita de práticas esparsas; o salário mínimo é um avanço, mas ainda não é justo; nossos jovens também estão ao alcance da lei, quando erram por excesso de adrenalina ou consumo de álcool ou drogas. Um sinal para a mudança: sejamos democratas na teoria e na prática; abertos a discutir a justiça salarial e dispostos a não acobertar nenhum tipo de delito, próprios ou não. Este é o sinal de que está no horizonte a cidadania para um maior número possível de brasileiros.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Palavras repetidas

Os comunicadores fizeram suas palestras, os sociólogos defenderam suas teses e os pedagogos e filósofos mostraram a beleza presente na arte de existir. No entanto, a impressão que tive é de que faltou alguma coisa ao Mutirão Latino Americano e Caribenho de Comunicação, realizado na semana passada, pela Igreja Católica, em Porto Alegre. A proposta mais sensata – ou prática – foi da necessidade de se romper o silêncio. Estranho, não? Porque ela, em si, não tem elementos “práticos”. No entanto, o que quis dizer é do quanto é necessário romper a barreira entre aqueles que lá estavam e que, de alguma forma, já ouviram o que foi dito, e aqueles que andam pelas cidades, bairros e interior, necessitando partilhar destas mensagens.
É parecido com os artigos que se escrevem falando a respeito da preservação da natureza, do patrimônio público e das áreas de convívio. Infelizmente, quase sempre, quem lê é alguém que já partilha destas idéias. Os vândalos, aqueles que depredam escolas, praças, igrejas, não lêem aquilo que escrevemos. Pode parecer um paradoxo que num encontro de comunicação seja necessário repetir palavras ou expressões como esperança, cultura da paz e solidariedade, que já estão praticamente calejadas no nosso discurso de Igreja. A realidade é que não conseguimos fazer com que elas passem do discurso para a prática do dia a dia.
São João – aquele que dormiu no ombro do Senhor na Última Ceia e não o que perdeu a cabeça pela espada – repetia a expressão: “filhinhos, amai-vos uns aos outros”. Passado dos 90 anos, entrava reunião e saia reunião e ele com o seu bordão. Até que um mais atrevido resolveu perguntar: “Pô, São João, não tens outra mensagem?”. O bom ancião olhou para todos os que estavam presente e tascou: “mas vocês já fizeram isto?” Este é o desafio: a capacidade de romper nossos círculos e atingir os que cansaram de esperar por mudanças e resolveram apenas viver, sem qualquer compromisso com a realidade. Deixam apenas que os dias passem. Para que não sejam apenas palavras repetidas é preciso, mais do que seminários, congressos e mutirões, praticar a mensagem de São João, tão simples, lúcida e atual: “filhinhos, amai-vos uns aos outros!”

domingo, 31 de janeiro de 2010

Faça-se a comunicação

O Antigo Testamento, da Bíblia, inicia com a afirmação: “E Deus disse, faça-se...” Já o Novo Testamento tem no Evangelho de São João algo parecido: “No princípio era o Verbo (palavra) e o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. Em ambos os casos, a clara necessidade de que mesmo o Divino utiliza-se da comunicação que antecede ao fazer, a concretização de qualquer ação. Penso nisto quando a Igreja Católica do Rio Grande do Sul propõe a realização, entre 3 e 7 de fevereiro, do Mutirão Latino Americano e Caribenho de Comunicação. Uma proposta ousada e arriscada. Tenho dito em palestras que o problema da Igreja não está em documentos produzidos academicamente ou teóricos, mas em políticas que realmente levem a comunicação à realidade.
Um economista, obrigatoriamente não é um bom administrador. Pode conhecer a teoria sem que tenha tido chance de colocar a mão na realidade prática. Um sociólogo que se preocupa em buscar apenas na academia seu conhecimento pode ser um bom conferencista, mas não alguém que possa jogar luz sobre a vida do dia a dia que lhe está distante. Um padre pode ser um teólogo por excelência, mas terá dificuldade de contato com a população se não tiver a sensibilidade do pastor, que procura insistentemente qualquer ovelha perdida, até encontrá-la, tratá-la e festejar o seu reencontro.
Assim como existem alfabetizados funcionais, também temos batizados funcionais: pessoas com o mínimo ou nenhuma formação religiosa, precisando de carinho no trato do discurso que lhes é endereçado, porque não o entendem, ou entendem apenas em parte. As experiências feitas a respeito são exatamente isto: experiências. Não conseguiram transformar-se em políticas que possam dar certo em variados ambientes.
Uma comunicação popular é necessária. A academia produziu trabalhos interessantes, mas que não respondem aos anseios daqueles que estão próximos das bases e vêem a distância abismal existente entre quem produz conhecimento e aqueles que deles deveriam se valer para iluminar ou mesmo melhorar a própria realidade. Este é o desafio real: que o discurso e o testemunho possam ser entendidos, assimilados e façam a diferença entre quem prega caminhos e aqueles que caminham juntos.