sexta-feira, 31 de março de 2023

O tempo da própria palavra

Devolve a palavra que roubaste da minha boca.

Não foram tuas mão que afanaram

O que eu desejava dizer.

A melancolia dos teus olhos

Sequestraram os sons

E asfixiaram o meu peito.

 

Tua dor clamava o quanto

Necessitavas libertar o medo

Que te sufocava.

No silêncio, desejavas me preservar,

Guardar para ti aquilo que

Já era um grito arfante,

Manifestado no rictos que desfigurava teu rosto....

Não conseguias compartilhar o que sentias

E tornavas reféns os meus sentimentos. 

 

Teu "diálogo" prescindia das minhas palavras.

Virou monólogo, esquecido de que

Amar é verbo transitivo:

Na dor e no prazer,

Na presença e na ausência,

No afago e na saudade...

 

As palavras fazem eco aos pensamentos,

Que precisam se diluir nos sentidos

Para desabrocharem em significados.

Meu silêncio reivindicava o desejo de que

O balbucio que escorreu por meus lábios

Não se perdesse com os muitos sons

Que o queriam abafar,

O burburinho de outras palavras

Que me afastavam de ti.

 

A espera que havia silenciado

No olhar que se alonga e não consegue

Ultrapassar o momento presente.

Conforma-se, descobrindo

Que a essência não está no que foi dito,

Nos sons articulados,

Mas nas omissões, nos silêncios,

No que se guardou.



No desejo angustiado do reencontro,

Na certeza de que ainda existe algo

Que não se alcança

Sem fechar os olhos e descobrir que

O espírito precisa vagar por outras paragens,

Até que encontre o tempo da própria palavra...

terça-feira, 28 de março de 2023

Cuidar da água, preservar a vida


O pessoal da Associação de Pais de Down de Pelotas (APADPel) aproveitou a sua semana de conscientização e fez uma visita à Estação de Tratamento de Água (ETA) do Santa Bárbara, responsável por mais da metade do abastecimento da área urbana do município. Tinham um bom motivo: marcar o Dia Mundial da Água. Este bem tão precioso, mas ainda tão judiado tanto pelo usuário, quanto pelos responsáveis técnicos. Afinal, se Pelotas fica exatamente no meio da água, como pode se explicar a sua falta?

Me ajudem os geógrafos, mas se ainda lembro dos mapas que me apresentaram em sala de aula, sem considerar a imensidão do Oceano Atlântico (água salgada) que está a poucos quilômetros e nos brinda com a praia do Cassino, estamos cercados pela lagoa dos Patos, canal São Gonçalo e arroio Pelotas (água doce). Faltou alguma coisa? Pois é, no dia 22 de março, se evidenciou a importância da conscientização e boas práticas de preservação para manter o ecossistema: a vida humana, as plantas e os animais.

O papel do consumidor é claro. Não é porque se paga aquilo que se gasta que se tem o direito de esbanjar. Durante os primeiros meses deste ano, enfrentou-se um problema repetido: as altas temperaturas aumentaram o consumo do precioso líquido e se esteve próximo do racionamento. A recomendação para a racionalização do seu uso encontrou muita gente ouvindo e não se importando. Enquanto alguns gastavam o que não precisariam, outros tinham as torneiras secas para as suas necessidades básicas...

Do outro lado, existem os administradores públicos e as suas eternas promessas. O reforço do abastecimento da área urbana de Pelotas virá da captação da água no canal São Gonçalo, que já atende Rio Grande. Obra que se arrasta “ad aeternum” e que - podem acender as suas velas diante dos seus Santos - parece que fica pronta este ano. Semana passada, o próprio ex-prefeito Fetter Júnior cobrou a morosidade do trabalho que já se arrasta por sete anos, podendo acrescentar 50% da sua capacidade atual.

Estamos longe da consciência de países que protegem fontes e córregos que abastecem a população, especialmente as cidades. Ali, proprietários das terras por onde passam são indenizados e recebem valores para manter as cercas, os animais afastados e preservar as áreas. Com isto, a água chega aos reservatórios praticamente sem a necessidade de acréscimo de químicos para torná-la adequada. É o caso de Nova York, nos EUA, sem estação de tratamento de água, que pode ser consumida diretamente da torneira.

Olhando o mapa do Estado, repara-se que somos privilegiados. Embora grande parte da população não tenha consciência do que a natureza nos beneficiou, basta olhar para outras regiões próximas, assim como no país e em nível internacional. Sim, a água, em Pelotas é uma bênção. Enquanto parcelas da população mundial lutam para dessalinizar e reaproveitar, aqui a temos praticamente “in natura”. É a seiva que mantém nossos corpos, o que está vivo e nos cerca. Cuidar dela é, com certeza, preservar a própria vida.

domingo, 26 de março de 2023

Sonhos: o gosto dos sentidos e dos sentimentos

Era criança e lembro de ter acompanhado uma conversa de adultos falando a respeito do significado dos sonhos. Meus pais gostavam do assunto e, em seguida, entrou em casa o primeiro livro destes que são vendidos em bancas de revistas tratando do tema. No “bar e armazém do seu Manoel” passou a ser comum pessoas virem conversar para saber o que poderia ser atribuído aos seus devaneios noturnos. Havia dicionário para consultar o que representavam. Depois disto, era a puro palpite, no agrado de cada freguês.

Esta é um temática que sempre mexeu com o imaginário. Já em sociedades antigas, como o Egito e a Grécia, registraram-nos como forma de comunicação sobrenatural ou intervenção divina, necessitando de pessoas especiais para interpretá-los. O que, em tempos mais recentes, incluía charlatões como “consultores” de horóscopo. Hoje, a psicologia e a neurobiologia oferecem teorias acerca dos significados e propósitos. Uma das grandes referências é a obra de Sigmund Freud “A Interpretação dos Sonhos”.

Muitas vezes, se tem um sonho e se fica pensando nele o dia inteiro. O sonho parece ter uma linguagem simbólica, o que faz aumentar a curiosidade sobre o que quer dizer. É o lugar onde a imaginação (ou o inconsciente) não tem limite. A gente voa, se transforma, viaja por lugares desconhecidos... Podem ser positivos, deixando o gostinho de quero mais (até voltar a dormir). Mas podem aflorar desejos reprimidos, ou pesadelos, muitas vezes repetidos, que causam medo, dos quais despertamos preocupados e assustados.


Meu sobrinho, Claudemir, caminhoneiro, sonhou que reencontrou uma grande amiga minha e sua velha conhecida, mas que não vê há um bom tempo. Estava parado com seu caminhão em algum lugar, olhou para a rua, enxergou a Marli na beira da calçada, sentada numa cadeira de praia. Desceu e foi cumprimentar e conversar. Formou-se um temporal. Ele recolheu-se à cabine. Ela ficou na chuva, no mesmo lugar, da mesma forma, apenas protegendo a cabeça. Ele preocupado, ela nem aí para o dilúvio...

No meu sonho, comprei um carro antigo que, sabia, não tinha freios. Deixei na frente da casa. O carro começou a andar e atingiu o muro que já existiu na divisa com a outra casa e que minha família construiu. O vizinho ficou furioso e começou a me xingar. Eu achava que tinha alguma coisa errada, porque o muro já não existe mais. Queria contar para meu pai que deveria estar no seu “bar e armazém”, na frente da casa, mas, parecia que nem ele nem a mãe (os dois já falecidos) haviam escutado o barulho da batida...

Os sonhos mais “famosos” são os de são José. Por eles, Deus orientou o pai adotivo de Jesus a aceitar Maria como esposa, fugir para o Egito e de lá retornar. Há tentativas de interpretação, mas se está longe de enquadrar seus significados. Místicos ou apenas humanos, dão a sensação de que, de alguma forma, afloram emoções contidas. O medo que se quer superar e os sentimentos represados, em especial quando dão o gosto do tempo passado e desperdiçado, muitas vezes sonhados e, tristemente, não vividos...

sexta-feira, 24 de março de 2023

Me deixa voltar para casa...

Há um lugar no cantinho da memória

Em que, por toda a vida, ainda mora a inocência.

Lembranças são o antídoto para o que

Se representa socialmente.

É o jeito da alma abrir janelas em que se revela

Aquilo que se nega por nossos medos e fantasmas.

 

Embora se queira ser independente,

Somos carentes

De um simples toque de carinho.

Basta lembrar,

Consciente ou inconscientemente,

Das vezes em que se desejou clamar:

"Não me solta!"

 


A mão carinhosa da mãe

Que amparou os primeiros passos;

O pai que apoiou

As costas ou a própria bicicleta

Para as primeiras pedaladas;

A professora que, com paciência,

Conduziu os dedos nas primeiras letras;

Quem a gente amou,

Na novidade das primeiras carícias,

Explorando as emoções da intimidade;

Quem ainda desenhou nosso rosto

Com a ponta dos dedos,

No desejo de que ao menos restasse a saudade

E que não se caísse no esquecimento.

 

Pode ser difícil, mas é reconfortante

Quando se tem alguém para confessar:

"Eu sempre precisei contar contigo!"

 

Aprender a ficar sozinho é quase impossível,

Mas também se sofre para amar

As pessoas como elas são.

Talvez esta seja a armadilha da vida:

Reconhecer alguém que gastou

Seu tempo e energia para cativar,

Envolveu os corações em

Almofadas que ampararam nossas quedas.

Andou remexendo nas lembranças

E, agora, segura a mão como quem

Já auscultou a minha jornada

E conhece o jeito de me deixa voltar para casa.

 

Não tem importância se uma lágrima teima em aparecer.

As lágrimas, sentidas ou não derramadas,

São a resiliência de Deus.

Que amenizam as despedidas,

Transformam-se em marcante "até logo",

Quando o sorriso e o que resta de um olhar

Permitem que, num murmúrio, apenas se peça:

Quero voltar aos teus braços!

E quando serenar meu coração, no umbral do sossego,

Que eu possa ouvir: "está tudo bem!"

E, finalmente, sentirei que tenho

Um lugar para abrigar os meus sentidos...

terça-feira, 21 de março de 2023

A pessoa à frente da deficiência

“Conosco, não por nós” é o slogan da Semana de Conscientização e Orientação sobre a Síndrome de Down de Pelotas, entre 21 e 28 de março. O alerta é necessário porque a Associação de Pais de Pessoas com Síndrome de Down (APADPEL), no município, pretende desmistificar um equívoco, em material que circula pelas redes sociais. Chama a atenção de uma diferenciação que pode parecer apenas semântica, mas não é: “não somos portadores de Síndrome de Down... eu tenho Síndrome de Down”.

Explicam: “durante bom tempo o termo “portador” foi utilizado para se referir a pessoas com deficiência. Porém, se pensar no sentido da palavra, “portar” se refere a carregar algo e que você pode deixar de portar. Uma pessoa com a Síndrome de Down convive com ela durante toda a vida. É uma condição genética e ninguém deixa de portar a Síndrome de Down por nenhum motivo. Então o termo correto a ser utilizado é “pessoa com Síndrome de Down”, sempre colocando a “pessoa” à frente da deficiência.”


Para que se entenda: “crianças e bebês com síndrome de down nascem com problemas de desequilíbrio em seus genes para regular o desenvolvimento e as funções de vários órgãos, órgãos e sistemas do corpo; o que os torna propensos a distúrbios ou doenças. Nem sempre será assim, pois se conhecermos os problemas de saúde mais frequentes nas crianças com Síndrome de Down pode-se prevenir, tratar ou amenizar.” Além de colocar serviços à disposição, ainda se precisa socializar muita informação a respeito.

Dia 21 de março, às 9 horas, abrindo a programação da semana, será realizado um abraço na nova sede da APADPEL, na avenida Imperador Dom Pedro 1, 2490, Fragata. A semana tem ações práticas, como, no dia 24 de março, na rua Imperador Dom Pedro II, 959, no centro, entre 7h30 e 13 horas, a atualização do Cadastro Único e elaboração de cartões prioritários para famílias de pessoas com Síndrome de Down. Podem se inscrever famílias/pessoas que recebem meio salário mínimo por pessoa.

Caminhada Down, com meninos, meninas, familiares e amigos se apresentando à sociedade e reivindicando espaço e direitos; “um olhar em cada ponto”, marcando a sensibilidade da fotografia sobre os muitos momentos da vida de quem convive com a síndrome; a zumba, para alegrar corações e mentes; e palestras, ajudando a entender quem já convive e aqueles (como todos nós) que precisam tomar consciência de que discriminam pessoas diferentes por não compreender a riqueza de suas experiências.

Li e ouvi muito depois que a Marli, mãe do Edinho (meu afilhado), chamou a atenção para a programação envolvendo profissionais, pesquisadores, educadores. Bem como pais (em especial mães) que garimpam cada conquista em busca de qualificar a vida dos seus entes queridos. Sujaram as mãos, arranharam os dedos, tiveram a pele dilacerada por dificuldades. No entanto, em cada etapa, as marcas mais profundas ficaram no coração de quem, há muito tempo, colocou seus filhos e filhas à frente das suas deficiências!

domingo, 19 de março de 2023

Almoço de garagem em família

Domingo passado foi daqueles em que qualquer cristão pensa seriamente em amaldiçoar o calor... Nada contra aqueles que dizem gostar, no entanto tem limite e o dos últimos dias passou de tudo o que pode ser considerado razoavelmente tolerável. Pela manhã, convocação para almoçarmos juntos. Fiquei pensando que lá se ia a minha oportunidade de buscar comida, entrar para dentro de casa, ligar o ar-condicionado, “diminuir a roupa” e pensar: “daqui não saio, daqui ninguém me tira”. Mas, é pelo bem da família...

Organizado pela minha sobrinha Daniele, que agora mora no meu mesmo prédio, com o Elisandro, o Miguel e o Fred (na ordem: esposo, o filho e o cão de uma beleza duvidosa...). Descia da minha casa e reparei que para fugir dos lugares onde logo iria bater o sol, ficaram num espaço menor, junto da escada. Foi o suficiente para lembrar que muitas vezes o pai, seu Manoel (ajudado pelo cunhado, o Roberto, e muitas mãos mexendo na cozinha), organizava o churrasco de domingo e se almoçava na garagem.


Tirando o carro, portão aberto e toda a vista da rua (assim como sendo visto por todos os passantes), assumia-se a tradicional “farofice”, com muito espaço e um bom ventinho para amenizar. E voltaram as lembranças das crianças correndo por ali. Era comum reunirem-se mais de dez pessoas, com a família da minha irmã, Leonice, além dos sobrinhos, que entravam com os complementos: as tradicionais saladas de maionese de batata (eu prefiro a de massa), o pãozinho de todos os domingos, os pudins e as bebidas.

Era raro se comprar comida pronta e, embora sempre se pensasse em economia, ao fim e ao cabo todo mundo levava para casa o suficiente para a janta. Circulando, naquele horário, pela vila Silveira, se veria outras casas que faziam o mesmo, aproveitando espaços laterais cobertos. Também com a reunião de familiares e amigos. E, no nosso caso, ainda haviam os ganchos (ainda lá estão) nas paredes e, depois do almoço, tinha a sesta do pai, assim como lugar para as crianças brincarem durante boa parte da tarde.

Durante bom tempo fiquei sozinho. Depois que a mãe faleceu, permaneci na nossa casa, mas me dando conta de que era muito espaço. Quando a Daniele resolveu voltar para Pelotas, tirei da gaveta um antigo sonho: construir um apartamento na parte debaixo, já que, há três anos, a parte inferior da frente é um ponto comercial ocupado por um salão de beleza (das amigas Roberta, Renata e tendo de “inhapa” o Pedro). Muitas facilidades vieram com os novos condomínios e fazem pensar bem antes de uma mudança...

Todavia ainda recordo o barulho dos espetos sendo limpos e preparados, a fumaça iniciando o expediente e o odor das carnes assando. A algazarra de crianças e adultos por sobre cercas e muros baixos. As trocas de aperitivos e as conversas que se tornavam difíceis durante uma semana de trabalho e, muitas vezes, de estudos. Sou grato pelo almoço de domingo em família. Completou um quadro: faz um mês que meus sobrinhos estão na casa nova e eu tenho a sensação de que, novamente, estou vivendo em família.

sexta-feira, 17 de março de 2023

Um doce e maroto sorriso

Minha criança, não abre os olhos agora:

Tenho medo que teu sorriso desapareça

No despertar do sono que te emoldurou,

Com o encanto do sentimento

Em que transparece a tua inocência.

Quando acordares, estarei

Te esperando deste lado da realidade,

Mesmo que as lembranças

Não desvendem os caminhos por onde andaste.

 


Com certeza, vais me dar um sorriso enviesado,

Aquele sorriso que transborda por teu olhar,

Onde transparece a sinfonia da tua alma.

Há momentos em que apenas o que

Apresentas no espelho do teu coração

É capaz de vencer argumentos,

Superar barreiras,

Refazer e estreitar laços.

 

Arma-te com um dos teus sorrisos.

Será um petardo de carinho,

Reforçado com a força de um abraço,

Enlaçando quem nunca se deveria ter

Permitido que se libertasse.

 

Sorri, mas não ri.

No jeito cristalino e confiante da criança.

No sonho tresloucado de um jovem.

No adulto que insiste em encontrar a moderação.

No idoso que transparece todas as suas carências.

 

Vou te dar o meu melhor sorriso.

O sorriso pleno que é o lugar

Em que o espírito transborda emoções.

Quando se precisa da procura

Que provoca, incita, diz

O que se apreende no presente

E o muito que uma relação plena

Ainda pode significar.

 

Pousa teu olhar sobre quem te ama.

Não tenhas medo de demorar-te

Em traçar cada linha do rosto,

Do corpo, dos sonhos, dos desejos.

Amar é um encontro especial de olhares.

É o desejo da presença,

De que, na partilha,

Também se entrega um pouco do gosto

Daquilo que ainda não se viveu,

Mas está presente no encanto

Que embala e acena com um doce e maroto sorriso...

terça-feira, 14 de março de 2023

FGTS: os “humores” e a aplicação da lei

Em 20 de abril, o Supremo Tribunal Federal julga Ação Direta de Inconstitucionalidade com a possibilidade de que milhões de trabalhadores com carteira assinada possam ser beneficiados com a mudança de correção monetária dos saldos das contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Contempla quem tinha dinheiro no Fundo de 1999 a 2013. Como é corrigido pela Taxa Referencial, mais 3% ao ano, e. hoje, este reajuste não reflete a inflação, o trabalhador sofreu perdas na sua capacidade compras.

Sou um dos que está na Justiça para receber os valores corrigidos. Cerca de dez anos atrás, quando o Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul propôs a ação, muitos acabaram endossando o pedido. Havíamos testemunhado algo semelhante na Universidade Católica de Pelotas que, por não contemplar a íntegra de um reajuste legal, acabou criando uma “bola de neve” que teve repercussões financeiras por muito tempo. Um “efeito Católica”, prejudicial ao próprio desenvolvimento da instituição.

De lá para cá, muitas idas e vindas jurídicas, com a morosidade peculiar, enrolações (legais, porém duvidosamente morais) que acomodam interesses do governo de plantão. Numa clara atitude que contempla dois pesos e muitas medidas, já que recentemente se teve a informação de casos do poder judiciário em que reposição de perdas idênticas tiveram processos agilizados. Sem contar a ameaça do executivo que assombra com rombo nas contas públicas que o próprio governo causou e não os trabalhadores.

Porém, é preciso ficar alerta: percorrendo a internet, é comum que se encontrem sites de orientação (alguns até de bancas de advogados em pescaria de clientes) e de negociação (com promessas que não podem cumprir sem que a ação seja julgada). Fuja destas armadilhas. O melhor é procurar o seu sindicato ou associação. Uma ação em conjunto tem diversas vantagens, especialmente porque, se espera, os interesses defendidos serão os dos associados. Havendo, muitas vezes, isenção de custas processuais.

Na verdade, uma ação revisional do FGTS é um direito, através de um processo judicial, solicitando o recálculo do saldo do fundo, com a aplicação de um outro fator, havendo a aplicação de um índice de atualização monetária mais favorável, quando se julgar prejudicado. É o que acontece com qualquer pessoal que tenha tido uma atividade com registro em carteira do trabalho e que teve saldo a partir de 1999. Nestes casos, sempre é prudente procurar orientação adequada nos órgãos representativos do trabalhador.

O triste é saber que, assim como no atendimento da saúde e outros serviços públicos, passados dez anos, muitos se iludiram na espera. Alguns morreram ou tiveram expectativas frustradas em atender demandas práticas em moradias ou melhores condições para as famílias. Agora, é cruzar os dedos, porque, embora as perspectivas sejam boas, o conjunto do STF é onde tudo pode acontecer... E, por experiência, mais do que a aplicação, os “seus humores” vão contar na hora da interpretação da lei...

domingo, 12 de março de 2023

Xavante: a sinfonia de uma torcida

Acho engraçado o jeito como aprendi a gostar de futebol. Na infância, o mundinho era do tamanho da minha rua e os times que conhecia eram o meu amado Pelotas, O Fantasma do Fragata (Farroupilha) e o “Brasilzinho” (brincadeirinha). Confesso que não sei o motivo pelo qual passei a torcer pelo Pelotas. Já contei uma vez, mas meu irmão, o Cláudio, ficou Farroupilha porque um vizinho o convenceu com um caminhãozinho de lata. Na época, não tinha ninguém na família que torcesse pelo Brasil de Pelotas.

Quando fui para o Seminário, em 1967, numa turma de 17 alunos, 15 eram gremistas (vindos da Serra Gaúcha, os gringos), um colorado (de Pedro Osório) e eu que ali fui saber que existia Grêmio e Internacional. Já narrei este causo: foi o ano em que o Grêmio se sagrou campeão pela sétima vez. Por solidariedade, tornei-me colorado e, no ano seguinte, o Inter interrompeu a sequência e chegou a oito vezes campeão estadual, até 1975, quando também se sagrou campeão nacional. Eu até que era pé quente...

Durante o tempo que estive no Seminário – mais de dez anos – o futebol da capital era a febre e os jogos locais somente interessavam quando um dos grandes clubes viesse a Pelotas. Já começava a fazer cursos em Porto Alegre e sempre encontrava um jeito de adequar a agenda com algum jogo, especialmente dos campeonatos nacionais, no Beira Rio. Ficávamos na Vila Betânia (uma casa de retiros e hospedagem) e, muitas vezes, as irmãs nos pediam que levássemos sobrinhos e afilhados para acompanhar algum jogo.


Como estudante de jornalismo, tínhamos encontros com quem atuava na comunicação em todo o estado e - ninguém é de ferro – arranjava-se a agenda para jogos também num estádio que agora está atirado às moscas... Como é mesmo o nome? Lembrei, acho que lembrei... Mosqueteiro ou Olímpico? Com rivalidade acentuada nos dias seguintes e discussões que ganhavam os cafés, as horas de folga e os passeios. Nossa Senhora da Glória, aos pés da Vila Betânia, nunca teve tantas promessas e pedidos de ajuda...

Nem pensava em torcer para o Grêmio. Sequer quando, dizem, representa o estado. Uma bobagem. Como dizia o comentarista Lauro Quadros: “colorado não sabe se é colorado ou antigremista e gremista não sabe se é gremista ou anticolorado”. Mas não tenho este sentimento com relação ao Brasil de Pelotas. São muitos amigos torcedores e, confesso (me perdoem os áureo-cerúleos) tenho simpatia (discretamente) pelo Xavante. Em jogos como o de terça-feira passada, contra a Ponte Preta, foi arrepiante.

Revi, ali, o futebol do passado: a garra de jogadores e treinador mais uma torcida que veste a camisa 12. Um estádio que ruge durante todo o jogo e o bafo na nuca do adversário, que pode ser experiente, mas se abala com a energia das arquibancadas. Não desprezem esta torcida e seu time. É o congraçamento de todas as condições sociais, onde, muitas vezes, o coração salta do peito, rola até a chuteira e liberta o grito sentido, ressentido, envolto em lágrimas e risos, a perfeita sinfonia do gol e da sua fiel torcida!

sexta-feira, 10 de março de 2023

Queres ser meu amigo?

Chegaste com um sorriso que me envolveu,

Me abraçou e dispensou as palavras

Para te tornares meu amigo.

Minha felicidade era proporcional

Aos momentos em que convivemos,

Estabelecemos parcerias,

Fizemos a cumplicidade

Transformar-se em sintonia perfeita:

Um convívio que imaginava ser eterno...

 


Mas o tempo, sempre o tempo,

Levou aquilo que sonhava ser por toda a vida.

Restaram em meus olhos

E em meus passos cansados

A certeza de que a amizade

É bênção, dádiva,

Que justifica devaneios,

Projetos, acertos e incertezas

Que alcançam sentido

Quando se quer viver apenas o presente.

Depois, ficam as marcas e a sensação

De que se provou de uma especiaria que apenas

Os deuses são capazes de sorver...

 

As perdas dão a garantia de que não se conseguiu

Viver plenamente o tempo oferecido.

Depois, andando pelos mesmos destinos,

Em muitas ocasiões, tive vontade de fazer

Como as pessoas que sangram as suas ausências

Procurando pelas ruas e estradas

Quem lhes ofereça o abrigo do

Enlace de um corpo,

Onde as carências podem ser compartilhadas,

Sem perguntas, sem explicações,

Apenas na sensação de que se revive

Uma fagulha que não pode ser extinta.

 

Tem-se o eco que demostra

A falta que faz um abraço, um olhar, um afago,

O riso, as singelas palavras

E os muitos significados do silêncio.

São fissuras afetivas que a saudade

Abre sem que se encontrem perspectivas.

Acarinhar é a cura que rega a terra,

Enriquece as bordas dos córregos

E não deixa assorear o coração.

 

Amizade é o tempo entre

A chegada e a partida,

O princípio e o fim...

Não se pode ter medo de acolher

E nem de dizer adeus.

Fica nos lábios o murmúrio não dito,

Enquanto pelo olhar se brada

Que dói estar só,

Se lança apelo para ser aninhado ao colo,

Recolher cada parte de um espírito

Ferido e cansado, que somente

A esperança recupera o sentido de viver.

A intensidade da pergunta que sequer precisa ser dita:

Queres ser meu amigo?

terça-feira, 7 de março de 2023

A democracia adoeceu

A democracia é o sistema representativo que deve ser capaz de proporcionar a todas as correntes ideológicas (e até àqueles que não tem nenhuma) o direito de expressão e representatividade. Embora as condições de governar sejam dadas a quem alcança a maioria, não significa que possa descartar as minorias. No entanto, presencia-se o dilema em estabelecer “novas lideranças políticas” e a polarização dos últimos anos, com a vontade da esquerda em calar a direita e da direita em calar a esquerda.

Lidar neste ambiente tornou-se confuso e, em nome de uma suposta “governabilidade", se atropelam a ética e a moral pregando a necessidade de que, para atender interesses de parceiros, se avance em trôpegas e duvidosas conquistas sociais. O cidadão que não recebe os “benefícios” de estar em um grupo político, depara-se com uma estrutura estatal ultrapassada. Usando a velha figura: "devagar, quase parando", confirmando o jargão: "pagam-se impostos de primeiro e se têm serviços de terceiro mundo".

Não é preciso ser cientista político ou sociólogo para saber que a polarização dos últimos anos acirrou o fosso divisório entre uma suposta esquerda e uma suposta direita. Que também cavaram uma trincheira com uma população indiferente, cansada e confusa, presa mais do que fácil de ilusionistas (de ambos os lados). O que, crime dos crimes, leva à apatia, participando cada vez menos da sociedade civil, tendo como resultado o incentivo dos extremos, tornando as pessoas receptivas a líderes populistas.

Mania de professor, mas prefiro repetir: valores democráticos são o respeito à vida, ao ser humano e suas diferenças, a responsabilidade, a honestidade, a solidariedade e a justiça. Exatamente os valores que estão sendo enfraquecidos, relativizados, já que, não havendo lugar onde as pessoas de diversas identidades e vertentes ideológicas divergentes possam se encontrar, não haverá engajamento com objetivos comuns e, consequentemente, relacionamentos cooperativos. Perdendo a própria democracia.

As dificuldades (omissão) de grupos que formavam lideranças - igrejas, associações, sindicatos, educação... - têm sido fator que dificulta elemento fundamental para a natureza humana: o grupalismo. Demanda tempo, mas, provocado e incentivado, inspira a cooperação e a amizade, ao invés do que se está vendo hoje: ódio, ressentimento e a violência. É uma lesão do tecido social que afeta a todos. Já que, ausente o sentimento de corresponsabilidade, prega-se uma suposta tutela, ao invés do respeito à democracia.

Voto é a “tutela” do sistema democrático. Para produzir efeito e se concretizarem seus ideais necessita “reiniciar” o processo de educação. Muitos dirão que estão cansados de ouvir a mesma conversa. Garanto: não estou cansado de repetir, porque, de tudo o que se aprendeu, enquanto sociedade, não se tem alternativa. Em algum momento, errou-se o caminho para chegar aonde se chegou. E o preço social foi bem alto. Não é questão de voltar atrás, mas dar novo rumo para o nosso desgastado e frágil sistema democrático...

domingo, 5 de março de 2023

A dor que se mistura ao sorriso

A gente não sabe bem como acontecem as amizades, nem quando surgem, nem quando vão nos deixar. O que se sabe é que, por toda uma vida, necessitamos da sua presença, em alguns momentos mais, em outros menos. Pouco se nota quando estão ao lado, no quotidiano, mas doem quando se ausentam. Então, quando se lida com o diagnóstico de uma doença que tem o estigma de ser fatal, o câncer, fica mais difícil. A autoestima é abalada e a insegurança aumenta. Mais doloroso, ainda, ao afetar a própria aparência.

Você já viu este filme... Mas o barbeiro Danillo Mendonça Gomes, em Goiânia, viveu uma situação inusitada. Recebeu um pedido que não podia negar: raspar a cabeça da prima Núbia José Machado de Paula, então com 33 anos, que cortava o cabelo em função do tratamento de um câncer de mama. O sofrimento e a emoção fizeram com que demorasse mais, porque Danilo fez cada etapa com carinho e quando a moça teve a noção de como ficaria, viu o amigo segurando a máquina e raspando a própria cabeleira.


Guilherme Molina foi surpreendido por seu time de futebol, em Estrela (RS). O jovem, de 21 anos, foi diagnosticado com um câncer. Iniciou a quimioterapia e veio a queda dos cabelos, com a sugestão de que raspasse a cabeça. Na noite em que cortaria o que já não era muito, reuniu amigos para um churrasco e serem “testemunhas”. Na brincadeira, antes que o fizesse, um a um, diversos, rasparam a cabeça, tornando mais leve a tarefa. Quem não estava presente se apresentou no dia seguinte, já sem as respectivas melenas.

A americana Joanna McPherson foi diagnosticada com câncer de mama. Iniciado o tratamento, em seguida, o marido e as filhas viram-na perder o cabelo e sofrer com as consequências da doença. Quando começou a queda do cabeço, pediu ao esposo que raspasse os fios restantes dos efeitos da quimioterapia. As meninas Kayla, com 10 e Sophia, com 7 anos, não tiveram dúvida e quiseram demonstrar seu apreço sendo solidárias com a mãe. Diante da situação, rasparam a cabeça como forma de apoio.

Luke Nelson estava com 8 anos quando desenvolveu uma doença que causa a perda de cabelo, a alopecia. Passou a usar boné, tendo a mãe explicado que “para um menino, nesta idade, perder o cabelo foi duro e difícil”. Colegas de aula perceberam a situação e fizeram uma festa de apoio onde o grande gesto de carinho foi, também, ficarem sem os cabelos. Vendo outros “carecas” como ele, Luke não teve dúvidas: livrou-se do boné e voltou a circular entre seus amigos com a mesma desenvoltura de antes.

Chorei lendo e assistindo aos vídeos. Qualquer um de nós, em algum momento, já viveu dias de fragilidade. Quem sentiu na carne (e no espírito) o estrago que faz um câncer - ou cuidou de alguém que teve um - sabe que há momentos com o estranho gosto de dor que se mistura com um sorriso. Luta-se passo a passo, dia após dia, buscando a força que vem de quem demonstra o quanto vale a amizade, alcança o real valor da vaidade, que não está no cabelo, mas na cumplicidade do olhar e do carinho de quem se ama...

sexta-feira, 3 de março de 2023

Cuida de mim...

Levei um bom tempo para perceber

Que em quase todas as etapas da minha vida

Sempre houve alguém cuidando de mim.

Foi o jeito de entender que maturidade

É a chance de aprender a cuidar de alguém.

É o momento doce em que se percebe

Ser interdependente, a solidão é um suspiro,

Mas não se quer estar, nem viver sozinho.

 

Um aprendizado que necessita de referências.

Quando criança,

Se ajuda, de alguma forma, a mãe e o pai;

Aprende, fazendo junto,

As lições que a vida intui

E coloca no horizonte a perspectiva

Da família, dos amigos, dos amores.

 

Despertar para o sentido da cumplicidade

Foi um caminho cheio de surpresas.

Com brincadeiras na infância;

O doce sopro das parcerias "eternas"

Na adolescência e juventude;

Cuidar de quem ficou próximo

Já na idade adulta.

 

Quando a velhice soprou os seus primeiros

Ares e cobrou seu pedágio

Foi que a sombra das ausências

Fizeram sentir o amargo gosto de estar só.

Já estava cansado para procurar um ombro amigo.

Andando devagar, desejava não ficar esquecido,

Mas era necessária a força e o esforço da atração

Ao qual meus músculos já não correspondiam...

 

Meus silêncios eram uma súplica sem palavras.

Um pedido de que quando não puder

Estender a mão para te atender, fica certo,

Estenderei o meu olhar, acarinhando, envolvendo,

Nos teus muitos momentos difíceis.

Então, se for custoso dizer,

Ao menos murmura, que tu ainda precisas de mim.

 

Com certeza, um dia vou necessitar

Dos teus braços para me sustentar.

Hoje, necessito do teu abraço

Para não desistir de viver.

Foi o jeito como cuidaste de mim que deixou

Teu perfume impregnado

Em meu corpo e em meu coração.

 

Ao perceberes que, em minha debilidade,

Dormito num momento inesperado

Toma a minha mão,

Acaricia meu cabelo,

Afaga meu rosto,

Me provoca para viver.

 

E quando me deres o último olhar,

Perdido no limiar do horizonte que se aproxima,

A fronteira entre a vida e o meu cantinho da paz,

Haverá uma lágrima regando meu sorriso,

Já indicando, que finalmente, encontrei o caminho

Que é o derradeiro percurso até as Estrelas...