domingo, 25 de março de 2018

Maria Madalena

A História não pode ser considerada ciência exata. Seus registros foram feitos por pessoas ou grupos que, de alguma forma, subjugaram adversários. Ao longo dos tempos, as pesquisas e descobertas levaram a sítios arqueológicos, registros documentais e também ao conhecimento de atitudes comportamentais - psicológicas, sociais e culturais - capazes de reescrever muitas de suas páginas.
Mas quando a capacidade de registrar objetivamente encontra hiatos entre fatos, diálogos, descrição de personagens... surge a capacidade do ficcionista em preencher estas lacunas com aquilo que melhor sabe fazer: deixar a imaginação funcionar! É o que acontece com o filme Maria Madalena lançado, oportunamente, neste tempo em que o Cristianismo faz memória da paixão, morte e ressurreição de Jesus.
Os personagens que se sobressaem: Jesus - homem e Deus, na proximidade da morte e com dúvidas a respeito de seu papel. Madalena - mulher e amiga, de origem humilde - pescadora e parteira - um olhar feminino sobre a busca pela salvação. Judas - um "inocente" útil do destino que deseja apressar a missão salvadora, pelas armas e não pela fé. Pedro - encarna a estrutura de uma pretensa organização, que já nasce restritiva e engessada.
Os romanos eram especialistas em definir estratégias de terror. Seu método de crucificação - além de castigar o malfeitor - era um alerta para pretensos possíveis descontentes com a ordem: qualquer um poderia ser o próximo. Para isto, usavam como ponto de execução os cruzamentos de estradas,  assim como lugares elevados para onde se voltavam os olhares das pessoas que estavam nas cidades.
A forma como Jesus foi preso - na calada da noite - e o açodamento como se processou o julgamento tornou impossível haver uma mobilização entre seus seguidores. Ao pé da cruz, algumas mulheres e, ao que tudo indica, o momento de despedida de dois amigos - João, considerado o discípulo amado, e Maria Madalena, que deixou tudo para segui-lo. Assim como de sua mãe, Maria de Nazaré.
Por sobre a cabeça daqueles que amou, com o olhar embaçado pela dor, vislumbrou Jerusalém e sabia que a Missão seria difícil. Agora era a vez dos discípulos - homens e mulheres - fazerem do Mundo aquilo que sonhara: uma prévia da casa do Pai - que as sementes de Deus se transformassem em sementes da utopia. A partir da sua ressurreição, a cruz deixa de ser sinônimo de dor e agonia. Entre acertos e erros, o Cristianismo ainda hoje busca ser um sinal de esperança e de Paz.

Uma feliz e abençoada Páscoa!

domingo, 18 de março de 2018

Amar como Francisco amou...

O papa Francisco chegou aos cinco anos de pontificado, na semana passada. Não pensa em comemorações, ao contrário, num momento em que o equilíbrio político dentro da Igreja Católica é frágil está com a agenda sobrecarregada, tratando de assuntos internos, assim como de problemas que afligem a sociedade internacional.
Seu discurso - como não poderia deixar de ser - prega a unidade entre os católicos. E entre os cristãos. Mas sabe que - embora se diga que não existe - há muitas disputadas entre uma ala considerada conservadora e outra dita progressista dentro da Igreja.
A Igreja Católica é conservadora em essência. Ponderadamente, diminui o ímpeto de seus quadros e busca algo o mais próximo do consenso. No entanto, a ala que assim se denomina - predominante - preza um estilo de vida principesco, mantendo empreendimentos com sentido no passado, que, hoje, escapam à sua capacidade operacional. Porém, para alguns é a chance de carreira e galgar postos.
Por progressistas veem-se grupos sem número significativo, especialmente depois que o próprio Vaticano encabeçou uma autêntica cruzada contra a Teologia da Libertação. Embora, hoje, o próprio papa recupere muitos de seus elementos, sem a radicalização daqueles que a defenderam, mas buscando viver a radicalidade do Evangelho.
Pressionado, Francisco quer ser pastor e servir de exemplo, especialmente para bispos e padres. No sentido mais forte da palavra: cuidador de pessoas, cura do corpo e da alma, quem faz "pastoral", à disposição de gente e não especialista em burocracia.
Reler os documentos do Vaticano II espelha o sentimento do papa João XXIII, pastor por excelência buscando afastar a Igreja da política dos homens - com os benefícios do poder e do dinheiro - e fazê-los mais próximos de Deus. Sonhava com a pobreza de uma igreja que esqueça o fausto e seja sinal das bem-aventuranças.
Não serão cinco anos - nem um papa apenas - que farão as mudanças. Mas se vê a marca de um homem inspirado, colocando no olhar e nos gestos a capacidade da acolhida. Visitas a hospitais, prisões, albergues é o instante em que seus braços abertos transformam-se em bênçãos que contagiam e vocacionam.
Os jovens olham admirados para quem abriu mão da pompa. No estilo simples, na forma despojada, na receptividade a todos os segmentos, mostra um jeito encarnado de chegar ao Mestre. Aponta a oportunidade de um novo caminho: a esperança que a Igreja deixe de fazer tantas reuniões e cuide mais das pessoas, reze mais, faça mais festa, mais sopões, ande pelas ruas... Enfim, que ame e, com certeza, seja mais amada!

domingo, 11 de março de 2018

Aposentadoria: a dor do engano

Dona Rita caiu de inocente. A filha convenceu-a a retirar empréstimo através da aposentadoria dando a certeza de que no mês seguinte estaria empregada. A filha não conseguiu trabalho e não reembolsou a idosa. Na boca do caixa tentou justificar, mas o atendente é técnico e sabe: o banco quer garantias. No caso, antes do saque, a sua parte é retirada, não importando as demais necessidades da cliente...
Uma história que se repete em todos os inícios de mês quando algum parente enche os olhos e usa da boa fé do idoso para conseguir um dinheiro garantido e que não se sente na responsabilidade de devolver. Do salário de aproximadamente 950 reais sai uma parte significativa que já tinha destinação, mas que se transforma num pesadelo porque dos troquinhos contados falta uma parte.
Na inocência de quem conta um drama, dona Rita não desconfiava da intenção da filha. Achava que o banco tinha a obrigação de resolver seu problema. Afinal, tinha muito dinheiro e seus mirrados vencimentos não iriam fazer diferença no conjunto de seus gastos. Não consegue entender que tratou com uma máquina, incapaz de gerar uma ação que não obrigue a uma reação, sempre beneficiando o sistema financeiro.
O mesmo sistema que está longe de humanizar seu atendimento e tornar amigável a relação entre o aposentado/pensionista e o sistema dos caixas, especialmente os eletrônicos. Diversas pessoas já contaram que começam a suar quando se aproximam das máquinas. Pela idade, são mais demoradas nas suas ações, precisando ler as mensagens, tentar compreendê-las e buscar respostas.
Para não parecerem extremamente lerdos e atravancar - sempre com reclamações de pessoas mais jovens e apressadinhas - preferem aguardar a abertura das agências e enfrentar uma fila de atendimento. Ainda é preciso saber onde guardou a senha, dada com a recomendação de que memorizasse e rasgasse o papel. Contrassenso numa idade em que a memória embaralha a lembrança, inclusive dos números.
Enganada pela filha, maltratada pelo banco, dona Rita ainda enfrenta a rua e o receio de que possa ser assaltada antes de pegar o próximo ônibus. Se conseguir um lugar para sentar vai ter que planejar da melhor forma o pouco que lhe restou. Durante toda a vida pensou que, um dia, teria direito de se aposentar e aproveitar da melhor forma. A dor do engano: beirando seus 80 anos, sabe que não vai ser assim.
Lavou muita roupa, limpou chão e janelas, cuidou dos filhos dos outros. Sonha com o dia em que sua preocupação seja apenas ajudar na casa, fazer tricô, encontrar-se com as amigas. Não conhece a expressão "envelhecer com dignidade", mas precisa de respeito e consideração. A dignidade de envelhecer é proporcional ao reconhecimento que se tem pelas marcas num rosto que contam a história de uma vida!

domingo, 4 de março de 2018

A inocência que morre na Síria

Grupos cristãos e de defesa dos direitos humanos estão pedindo atenção do Mundo para o que acontece em regiões da Síria, onde se dá o confronto entre o governo e opositores. A região de Ghouta é a imagem da dor: crianças, mulheres e idosos tentam fugir ao confronto e morrem ou são feridas em meio ao fogo cruzado.
O tabuleiro político/econômico da região coloca o governo Sírio - aliado à Rússia - tentando sufocar um dos últimos pontos de resistência exatamente junto à sua capital, Damasco. Nos últimos dias, inclusive caminhões da ONU com ajuda humanitária não puderam chegar à região.
O que não impediu que as redes sociais e os organismos internacionais divulgassem imagens e informações estarrecedoras. A "limpeza" passa por acabar com adversários e população civil. Mais ainda, uma perseguições desenfreada aos cristãos que vivem naquela região e que são os primeiros a serem executados.
O uso de armas químicas foi chamada pela ONU de "punição coletiva de civis". Todos pagam por uma guerra que não iniciaram e da qual não queriam participar. Interesses que desconhecem e que, num futuro, quando tudo acabar, não lhes deixará nenhum gosto de vitória, ao contrário, apenas a marca da dor e da perda.
A guerra civil matou mais de 470 mil pessoas. Cerca de cinco milhões deixaram o país. O papa Francisco alertou: "Tudo isso é desumano. Não se pode combater o mal com outro mal, e a guerra é um mal. Por isso, dirijo minha dolorosa chamada para que termine imediatamente a violência e se permita o acesso de ajudas humanitárias". O triste é que mesmo a voz do papa é daquelas que "clamam no deserto".
As crianças sírias em frontes de guerra não têm mais seus parquinhos para brincar. Voltam para casa por ruas esburacadas pelos foguetes que destruíram as quitandas onde buscavam alimentos e lugares onde residiam com seus pais. Depois dos bombardeios, restam rostos sujos pela poeira e fuligem, olhinhos entristecidos pela dor que testemunharam.
Por becos e vielas onde sobreviveram também deixaram avós, tios, pais, irmãos sacrificados no altar da ambição. Ou ainda sofrem as consequências da detonação de bombas que ficaram plantadas no solo e, quase sempre, vitimam civis, como é o caso, agora, das denúncias feitas pelos Médicos Sem Fronteira, em Raqqa.
Esvai-se a cada dia a inocência. Este conflito tem um efeito colateral com o qual os senhores da guerra não se importam: a perda da esperança. Os armistícios de paz não lhes devolverão os anos em que passaram fugindo das balas ou se escondendo dos soldados. Restará a marca da violência, com um sentimento de impotência, se o Mundo também não for capaz de ser solidário.