terça-feira, 28 de dezembro de 2021

2022: “nós esperançamos!”

Não sei quando ouvi a palavra esperança (substantivo feminino, sentimento de quem vê como possível a realização do que deseja; confiança; ou ainda de quem professa a cristã, como uma das virtudes teologais, ao lado da fé e da caridade) transformada em verbo. Esperançar empoderou-se, por sua força na ação e na busca, contrariando a espera passiva. Como disse Paulo Freire: “esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir!” Uma aposta no indivíduo, a outra no grupo; uma aguarda, a outra quer fazer seu próprio caminho.

Esperançar… O pior havia passado. Seu marido pegou a covid e enfrentou uma luta maiúscula para sobreviver. Resistiu, mas do homem forte, disposto e ativo, restou muito pouco. Seus pulmões estavam comprometidos… assistiam televisão e, no sofá, teve dificuldades em alcançar o copo. Suas mãos se encontraram quando pensou em ajudar. Durante um instante, precisou parar e descansar deste que, em outros tempos, não seria nenhum esforço. O tratamento seria longo e difícil, é necessário reaprender com exercícios básicos de respiração e cuidados com a saúde.

Esperançar… Já não tinham outra saída. Precisavam voltar para a casa dos pais. O casal perdeu seus empregos e aumentaram as dificuldades. Tiveram a luz cortada, o mesmo aconteceria com a água, e o aluguel foi atrasado. Ficaram com os bicos que não seriam suficientes. No quarto de solteiro tiveram que se acomodar, junto com o filho, de quatro anos. O menino não entendia e, à noite, achava um lugarzinho em meio aos dois com seus brinquedos. Antes de dormir, murmurava: “quero voltar pra minha casinha...” Precisavam conter as lágrimas, respirar fundo e, por ele, tocar a vida...

Esperançar… O Bruno levantou os 100 jurados no programa “Canta Comigo Teen”. Ao falar do seu gosto pela música, quase parodiou o filme “A vida é uma festa” ao contar que, morando com a avó que tinha Alzheimer, encontrou um jeito de fazer com que o reconhecesse ao cantar para ela. De alguma forma, os acordes das melodias penetravam em lugares escondidos da memória da velha senhora e a traziam, por alguns instantes, à realidade. Tempo suficiente para receber o amor incondicional do neto. O toque mágico de lembranças que fazem uma ponte com o seu presente...

Esperançar… O menino levantou os olhos da prova e perdeu-se contemplando pela janela. O professor não quis chamar a atenção. Era um dos “órfãos da covid”. Os pais morreram durante a pandemia, o mesmo caso de, ao menos, outros dois na mesma sala. A luta por recuperar conteúdos somente era menor do que a necessidade de buscar arrimos afetivos para adolescentes que perderam familiares tão cedo. Nenhum deles falava a respeito. Haviam mudado o comportamento, tornando-se silenciosos e “na deles”. Se o processo de educar já era difícil, agora tornava-se um desafio...

Em 2022, esperançar é a chave que troca um substantivo pela conjugação de um verbo. Em especial se for declinado na primeira pessoa do plural: “nós esperançamos!” A acusação aos que acreditam na Utopia é de que não percebem a crueza da vida. Para “esperançar”, preciso acreditar que o sonho é possível... A doença de alguém que se ama, o lugar para se chamar de seu, a canção que resgata do silêncio, as lições que doem no aprendizado... colocam cada um numa encruzilhada: viver um novo ano apenas como mais um fardo, ou gastar um derradeiro suspiro para reacender a chama da vida!

domingo, 26 de dezembro de 2021

Ano Novo com gosto de espera...

Por muito tempo, as festas de final de ano eram vividas em função de reforçar a economia familiar. O pai, seu Manoel, sempre pensava em alguma coisa que pudesse aumentar as vendas no armazém. Enquanto isto, a mãe, dona França, alistava-se para trabalhar as safras nas indústrias de conservas. Ainda se tinham férias que iniciavam, religiosamente, no último dia de novembro e as aulas retornavam em 1º de março. Tempo suficiente para que eu procurasse um trabalho temporário, buscando alguns pilas que ajudassem a me manter como interno no Seminário, durante o ano.

Em tempos idos, no armazém, quando chegamos a Pelotas, reforçava-se o estoque de refrigerante e cerveja. Só que não havia eletricidade, porém tendo ficado, dos donos anteriores, um buraco no piso, embaixo do balcão de atendimento, que era forrado com serragem, espalhavam-se as bebidas e cobriam com gelo. Depois, uma tampa de madeira ajudava a que o resfriamento fosse mantido por mais tempo. Também precisava pedir ao seu Albino um reforço de querosene para os lampiões de todos os tipos e formatos, que propiciavam a claridade necessária para as festas, em todas as casas.

O mais difícil era para a dona França. A safra do pêssego coincidia com as festas. Não havia pausa. E folga, nem pensar. Trabalhavam até 14 horas, do nascer do sol até tarde da noite. Depois, criaram os turnos, o que possibilitou a diminuição da carga horária. Porém, com um detalhe, viviam como safristas e quanto mais trabalhavam, mais ganhavam. Custaram a se acostumar, porque era sacrifício que possibilitava alívio familiar. As que ficavam mais do que uma safra, “forravam” os bolsos e tinham carteira assinada, valendo para atendimento previdenciário por todo o ano.

Meus três meses de férias de verão já eram programadas com algum emprego arranjado com amigos ou conhecidos da Igreja Católica. Deste modo, trabalhei fazendo e vendendo lanches, em escritório de fábrica de conservas, cobrador de sorveteria, talonagem em gráfica, abastecedor de supermercado e, por fim, o mais tranquilo para o final do ano: “faz tudo” na Catedral, onde acompanhava as Celebrações, mas também tinha que recolher o tapete dos noivos, estendido somente no sábado à tarde e que, antes da Missa das 18h30m, precisava voltar para o batistério.

Quando meu pai fez a casa em que moro até hoje reservou um espaço para a “garagem”, onde abrigava uma charrete. Era o veículo que se tinha para entrega ou sair em busca de um fornecedor. Com dois portões de madeira tosca na frente e nos fundos, ainda tinha uma parede lateral com espaçamento entre os tijolos para ventilação. Ali, às vezes com frio, em muitas ocasiões, esperamos pela mãe chegar da “fábrica”. Minha irmã mais velha, a Loci, auxiliava na cozinha e providenciava alguma coisa para a nossa refeição das festas e, muitas vezes, nem se esperava a meia-noite...

Os tempos são outros, as dificuldades também. Mais tarde, já com mais tranquilidade, meus pais e irmãos se davam a alegria de partilhar com vizinhos e amigos as celebrações religiosas, as noites em preparação para desejar o “Feliz Natal” e o “próspero Ano Novo”, como, no dia seguinte, churrascos e almoços… Churrasqueiras eram raras e, de forma improvisada, o convívio virava festa e dava sentido à espera. Não era (e não é) apenas mais um Natal ou uma nova virada de ano. O tempo, que brinca com nossas lembranças e sentimentos, pede um brinde, um brinde à vida!

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

O caminho apontado pela Estrela…

O menino mais novo do grupo era sempre quem preparava a fogueira do acampamento. Percorreu os arredores em busca de lenha e gravetos. Anoitecia e, em seguida, os homens voltariam com o rebanho. No horizonte enxergou, novamente, a Estrela que aparecera nas últimas noites. Estranha, mais brilhante, com uma coloração que as outras não tinham. Concentrou-se no trabalho. Estava com medo de que, em meio aos gravetos, encontrasse alguma cobra ou aranha. Na encosta do morro, o frio chega mais cedo. Precisava preparar e aquecer uma panela de água para a janta.

Quando estava ao redor do fogo, ouviu que os homens comentavam a respeito da Estrela que, agora, estava parada acima das tendas. Paciência. No inverno, a noite era longa e queria dormir. Enquanto os outros ainda conversavam, encostou-se no irmão mais velho e no pai para se manter aquecido. Foi na madrugada que o acordaram: “depressa, depressa, tem um homem de branco falando com o pessoal!” Meio zonzo percebeu ao longe os pastores concentrados olhando em direção da vila de Belém. O pai voltava, com uma expressão de felicidade e lágrimas nos olhos: “nasceu, nasceu!”

Pensou com seus botões: “mas que estranho. Não havia nenhuma mulher grávida na família ou entre as vizinhas”. O irmão lhe explicou que o homem de branco apareceu no meio deles e disse: “não temais, porque vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo, pois na cidade de Davi vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos será dado por sinal: achareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura!” A noite ficou ainda mais iluminada e muitos outros homens de branco vieram cantar com o primeiro.

Trancaram as ovelhas num cercado de pedra e apagaram a fogueira. Os pastores já estavam reunidos. Haviam reforçado as mantas, pegaram os cajados e tomaram o caminho que os levaria até a vila. A Estrela continuava sobre eles, vagarosamente, seguindo em direção a Belém. Não sabia porque, mas estava com medo e com frio. “Que coisas mais estranhas estavam acontecendo”. Na pequena fila de homens simples e que sempre caminhavam conversando muito, hoje era diferente. Ficou atrás do pai e do irmão mais velho que seguiam pelo caminho em silêncio.

A Estrela parou sobre o estábulo de um vizinho. Ao chegarem perto, ouviram vozes. Abriram a porta e viram que um casal havia se abrigado bem no fundo, no lugar onde o frio era menos intenso. Tinham preparado o cocho com palhas. Onde era servida a ração dos animais havia um pano por cima, como se fosse um berço, e uma criança, um menino. Era uma cena diferente de tudo o que já tinha visto. “Como uma criança estava abrigada entre seus pais, numa estrebaria, enfaixada numa manjedoura?” Ficou para trás, e somente se animou a espiar sob o braço do irmão.

A Senhora o viu e o chamou. Encolheu-se. Até que foi empurrado pelo pai. Ficou parado, vendo as mãozinhas que se estendiam para ele. Ouviu da mãe a saudação: “que a bênção do Todo Poderoso esteja contigo, meu menino”. Não era apenas dela que vinha a voz. Impossível, a criança não podia estar falando. Tinha medo de tocar. Sentia a doçura com que mãe e filho o atraiam. Na beira do fogo, muitas vezes, ouvira os adultos falarem a respeito Daquele que seria a redenção de Israel. Estava ali, brincando com a sua mão. O caminho apontado pela Estrela havia indicado o Salvador!

Feliz e abençoado nascimento do Senhor!

domingo, 19 de dezembro de 2021

Por um pedaço de carne…

“Meu sonho é ganhar uma carne para passar (o Natal) com a minha família”. Quem disse isto tem 7 anos – o Hector - e mora no vizinho município de Arroio Grande, na carta endereçada ao Papai Noel. A mãe compartilhou o pedido pelas redes sociais e, em seguida, choveram manifestações, tomando uma proporção que não esperava. Pelas dificuldades financeiras, não era somente a carne que faltaria para a festa, também estava difícil que o bom velhinho chegasse para entregar qualquer presente. A energia elétrica fora cortada, era o fundo do poço... E uma luz de esperança apareceu!

Doações chegaram de diversas regiões. Veio a carne e também doações em dinheiro que melhoram substancialmente a vida da família. Suficiente para reverter, por agora, uma situação que estava se tornando crítica. A pronta repercussão através da internet tirou o Hector e a sua turma do anonimato. Contrariou o papa Francisco, de que ele veio do “fim do mundo” (e nós estamos ao lado), lugar perdido e esquecido para onde a sociedade não volta seus olhos. Não é assim, especialmente quando há um fato sensível e curioso, envolvendo crianças, então, existe uma forte reação.

E os demais “hectores”? Milhares pelo Brasil, fruto da pandemia e desagregação econômica e social que se vive. A proximidade das festas torna as pessoas mais dispostas a colaborarem em causas pontuais… mas, no dia 3 de janeiro, a vida continua e será necessário mais do que uma mobilização localizada para atender aos apelos de uma situação concreta pelas redes sociais. São muitas as “histórias” que se repetem desde que o ex-ministro Delfim Netto disse que era necessário aumentar o bolo para só depois repartir. Discurso que se mostrou enganoso e ainda persiste…

Pode-se fazer longa e penosa discussão sociológica, política, econômica… mas, o que mais preocupa, desde que me senti capaz de olhar criticamente a realidade brasileira é a falta de Justiça. Sim, com maiúscula, que perpassa todas as áreas e faz com que as relações, de todos os tipos, sejam de transparência, que alça todo e qualquer brasileirinho à condição de cidadão. E cidadão de primeira grandeza e não o que a justiça, sim, com minúscula, mostra em suas atitudes em que alguns a compreendem – e dela se beneficiam – e outros são, simplesmente, “atores secundários”…

Os desvios de recursos, as obras superfaturadas, caixa dois, orçamentos secretos são dutos que privam o brasileiro, há muito tempo, da dignidade de não precisar da caridade para viver e tocar a vida dos seus. Mas como? Se temos uma justiça que se diz preparada e com legislação apropriada? Infelizmente, para nós, leigos, tristemente enrolada e confusa, causando perplexidades nas suas idas e vindas de decisões que parecem contraditórias, sempre em prejuízo da população que já cansou, desistiu e conformou-se em afirmar que a “justiça é para quem tem dinheiro!”

Entidades sociais, religiosas e grupos se esforçam para que as festas sejam passadas com dignidade em lares pobres. Que haja o elementar - comida na mesa - mesmo com a ausência de guloseimas e brinquedos. Lugar onde deveria acontecer a presença da Justiça dos homens. As crianças expõem nossas chagas sociais nas cartinhas que escrevem ao Papai Noel. O pedido de um pedaço de carne, ou da vacina para a sua idade, mostra que lhes tiramos um direito elementar no Natal: a confiança de tempos melhores para si e suas famílias e o sonho que alimenta a própria esperança!

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Desconfie do “Papai Noel”...

Aposentados e pensionistas da Previdência tiveram seus vencimentos do 13º salário antecipados, em duas parcelas (como vem acontecendo nos últimos anos) para maio e junho de 2021. A explicação do governo foi de que este recurso já estava reservado e a situação econômica vivida pelas famílias - que tem nos idosos o arrimo financeiro - era de dificuldades e seria um respiro de alívio. Muitos economistas alertaram que a antecipação retirava um recurso importante da virada do ano, quando muitos pagam impostos de imóveis e de carros, além de gastos extras, como a educação.

Começou, então, a discussão sobre um possível “14º salário”, que tramitou a passos de tartaruga e chega ao final do ano sem ter cumprido todas as etapas no Congresso. Como “possibilidade”, já remota para dezembro, mas viável para março de 2022. Sai o 14º salário? Ninguém pode afirmar, mas também dizer que não. É “possibilidade” e, em ano eleitoral, tudo é possível. Ainda há uma comissão na Câmara, Senado e, então sim, ser sancionado pela Presidência da República. Não é dinheiro certo, portanto, não contem com o ovo antes que a galinha ponha...

No entanto, alguns bancos estão maquiando anúncios que se referem à “antecipação do 14º salário”. É golpe, trata-se de empréstimo disfarçado pelo qual são pagos juros de mercado e, não se concretizando o benefício, será necessária renegociação para pagar a dívida. Em tempos bicudos, com pilas minguados, colocar mais uma conta na relação das já existentes significa asfixiar o orçamento. As chamadas mostram situações em que se pode gastar estes valores, propiciando bem-estar para a família. Sem contar que, depois de passadas as festas, a vida continua.

Outra “fake” que circula é a de que aposentados terão “aumento”. A notícia mostra o percentual que deve reajustar os vencimentos que, diga-se de passagem, não repõe a inflação. Não a que o governo e instituições informam com fartas explicações, mas a da feira, do mercadinho, do açougue, da padaria, onde se vê que, a cada mês, sobram dias e falta dinheiro. Aumento é quando há um ganho efetivo e real. O que se tem é a reposição, mesmo que esteja longe do que já se perdeu ao longo do ano, sempre ficando com a impressão de que o salário entrou em regime para emagrecer.

Cada vez me convenço mais de que temos uma geração de “velhinhos espertos”. Já se deram conta da responsabilidade em família, auxiliando a manutenção de filhos e netos, precisando de mais cuidado com os parcos recursos. Há receitas que são bem simples. O Banco, por exemplo, é um prestador de serviços. Não é um “amigo”. Tem interesse em vender produtos financeiros. Numa discussão, é difícil afirmar se estará ao lado do cliente ou da financeira, que incentiva a que se tome cartões de crédito - que nem sempre são necessários - e passam a ser uma tentação...

Infelizmente, “golpes” disfarçados de benefícios estão aí. Desconfie até de algum “Papai Noel” que queira “facilitar a sua vida”, quando as coisas estão difíceis e ninguém “dá almoço de graça”. É hora de gastar o mínimo necessário, porque tempos bicudos se mostram no horizonte para além de 2022. Ano eleitoral e que, infelizmente, vai trazer muita benemerência encobrindo razões espúrias da política partidária. São Nicolau, que deu origem à lenda do Papai Noel, ficaria ruborizado de vergonha se visse o que instituições financeiras e políticas estão fazendo em seu nome…

domingo, 12 de dezembro de 2021

Atendimento ao Down: sem limites para sonhar

O nascimento do Edson Silva (o Edinho, filho da Marli e do Edson) há mais de 40 anos, foi o marco inicial para que acompanhasse portadores da Síndrome de Down. Na época, até se fazer diagnóstico e estabelecer seu grau era uma longa jornada que precisava de viagens a Porto Alegre, quase sempre com o professor Jandir Zanotelli, que tinham seus retornos na madrugada. O atendimento ainda era precário e necessitava de muito esforço dos familiares com um estigma: não durariam muito e era necessário enfrentar um preconceito arraigado com os “pobrezinhos” e “doentinhos”.

Passadas quatro décadas, há mudanças sensíveis e profundas que se tornam realidade no número cada vez maior de pessoas que vivem mais de 60 anos com esta síndrome, além ter vez e voz na sociedade, nas mais diferentes áreas. O trabalho da Associação de Pais de Down de Pelotas é emblemático de que não é possível desistir e, mesmo, necessário resistir e vencer barreiras do preconceito. As conquistas são de pequenos ganhos, especialmente na qualidade de vida daqueles que hoje buscam atendimento nas áreas de fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional.

Os mutirões familiares que muitas vezes se formam para atender a um portador da síndrome agora recebe o reforço do Rotary Club, no caso, em Pelotas, o Oeste, que fez a ponte para o Alpharetta, nos Estados Unidos. Como resultado já aconteceu uma visita dos americanos e foi fechada uma parceria que vai resultar num centro especializado de atendimento, em área da prefeitura, no bairro Fragata. Já atendendo às novas metodologias, precisa contar com o apoio dos empresários locais e da população para concretizar o sonho de ampliar os horizontes, especialmente dos jovens.

É uma mudança de paradigmas. Do que se tinha para “tratamento”, hoje, se consegue qualificar cada um deles para não se sentir tolhido por olhares que ainda são de desconfiança com relação à sua capacitação e rendimento numa atividade profissional. É possível prepará-los para o meio universitário, assim como alcançar-lhes autonomia para gerir a própria vida. O projeto feito em parceria prevê exatamente isto. O centro terá um conjunto de quitinetes para que, sendo seu desejo, possam morar “sozinhos”, com a assistência especializada de voluntários e profissionais da área.

A Aline Klug fez matéria para o Diário Popular e levantou que existem 350 crianças e adultos com Síndrome de Down, somente em Pelotas. A Associação atende menos de 10 por cento, na faixa etária dos 3 meses aos 60 anos. Isto significa que há um grande grupo precisando de atendimento especializado. Na busca por um lugar ao sol, concretizam o pensamento expresso num post do Facebook: “A Síndrome de Down tem um cromossomo a mais… o cromossomo do amor!” Um amor que, de fato, faz deles indivíduos diferentes pelo carinho que são capazes de dar e buscar...

Pessoas com alguma síndrome precisam de cuidados especiais ao longo de toda a vida. Podem ter acompanhamento remoto que permita autonomia de forma que, como qualquer um de nós, quando se precisa de assistência, se tenha de alguém próximo. Nas últimas décadas, assim como para os idosos, por exemplo, conseguiu-se ampliar sua expectativa de vida. O passo seguinte é qualificar a vida que se prolonga. Infelizmente, a maior limitação que encontram em sociedade é a pobreza, a ignorância e o preconceito. Um sonho, que precisa se concretizar no respeito por quem é diferente!

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

A pandemia e o rastro de dúvidas…

A discussão dos últimos dias envolve as autoridades municipais com o coração dividido entre a liberação para festas de final de ano (trazendo no rastro o Carnaval) e a precaução necessária com os problemas causados pela Covid. Em pauta, a África, mas, também, a Europa, onde o sentimento de que tudo ia bem abrandou as restrições e estão tendo que correr atrás para controlar novamente a pandemia. Situações diferentes, que deixam atordoadas até as autoridades médicas e científicas, comprovando que o vírus não é previsível e ainda se está longe de um mapeamento que o controle.

A pressão exercida pelos meios econômicos sobre quem deve decidir envolve interesses de todos os tipos, com argumentos que mostram a fragilidade do sistema, causador do desemprego, assim como a insegurança alimentar. Também por apelos falsos como os repetidos à exaustão de que “todas as medidas de segurança foram tomadas pelos organizadores do evento...” Basta olhar, por exemplo, para o que acontece no futebol onde até aparecem as máscaras quando ingressam nos estádios, mas somem, assim como se fazem as aglomerações. Fiscalização? Que fiscalização?

Hoje, se não se correm maiores perigos é porque a população já tem uma cultura da vacinação e não foi atrás dos negacionistas. No entanto, o perigo não está no número de vacinados, mas dos “sem vacina”, por “n” motivos, que podem ser ideológicos, mas tem muito de medo, relaxamento e ignorância. Enquanto não se prova ao contrário – e os números apresentados são a garantia – as vacinas mostram-se a salvação da lavoura. Pode-se precisar de mais tempo para responderem de forma efetiva, mas se constata que foram fundamentais na diminuição de internações e mortes.

Alguns argumentos são velhos e batidos. Um deles diz que se coloca a democracia em perigo quando se apela para medidas restritivas. Acontece que autoridades precisam atuar em situações extremas, quando há riscos para a sociedade. Quando alguém coloca em perigo a própria vida e de quem convive, é preciso tutela e responsabilização. Veja-se o que voltou a acontecer nas madrugas dos fins de semana, com acidentes causados pelo álcool, agora com uma novidade: deixam carros abandonados porque o lugar onde capotaram era “ambientes propícios para assaltos…”

Com todos os problemas que se tem, um deles na área da educação, por onde deveria passar a conscientização, é um milagre que coisas piores ainda não tenham acontecido. Aglomerações na madrugada, festas que fogem à fiscalização, aqueles que seguem, ao menos, com o uso de máscara quando precisam entrar em algum ambiente fechado, mas a descartam em seguida… O que não significa que estejam convencidos de que é o melhor. Ainda há um sentimento de que isto acontece por fatalidade com os outros, mesmo que os outros sejam vizinhos, conhecidos e amigos.

A pandemia deixa um rastro de dúvidas. O quadro, no fim de ano, é desanimador. Técnicos e cientistas percorrem um labirinto. Quando pensam que acharam o caminho, há uma derivação e é necessário retomar, sem abrir mão das conquistas. O flagelo que se abateu sobre o Brasil e levou mais de 616 mil vidas ainda é sinal de alerta. Não se precisa do retorno deste martírio. Que se façam festas em 2022, 2023, 2024, ou quando der. Agora, não. É tempo de contar os mortos e sequelados. Buscar uma luz de esperança que dê sentido a todas as festas que a vida ainda pode proporcionar!

domingo, 5 de dezembro de 2021

“Eu não gosto do Natal”

Faltando duas semanas para a celebração do Natal, há uma enxurrada de filmes na televisão aberta e nos canais pagos, assim como no streaming, apelando para seus principais símbolos. Fofuxos e não tão fofuxos assim, recontando lendas ou buscando histórias sentimentais, emocionando por ser uma festa em que os sentimentos transitam desde o “eu não gosto de Natal” até o “este é o momento mais lindo do ano para mim”. A “bipolaridade” é maior conforme o tempo passa e os filmes provocam mescla de reações que vão das lágrimas incontidas aos sorrisos de carinho e saudade.

Também, há elementos de reflexão, como a imagem que circulou semana passada - recebi da Maria da Graça Marques - mostrando menina remexendo o lixo e encontrando uma caixa de boneca. Pela janela, via-se uma outra criança que segurava nas mãos o brinquedo que ali estivera acondicionado. Ambas mostravam-se felizes, sem se dar conta do distanciamento que fazia com que uma tivesse recursos para comprar, enquanto a outra precisa catar nas latas as sobras de uma sociedade que não consegue tratar de igual forma suas crianças que, cedo, são apresentadas às mazelas da vida...

Campanhas se multiplicam com pedidos para que o final do ano seja de momentos que não apenas estimulem o consumo, mas crie uma “bolha” de gratidão e solidariedade. Grupos religiosos e sociais se articulam a fim de conseguir brinquedos em boas condições para que não se tenha alguém precisando se contentar com uma caixa vazia. E alimentos que permitam sobreviver e a vivência de momento tão especial com o que ainda resta do que já foi uma família. Os catadores e seus filhos que percorrem as lixeiras também merecem um lugar na grande mesa de Natal da humanidade.

A Monja Coen conta a história do rapaz que se formou e quis percorrer o caminho de Santiago. Muitas discussões, o pai queria que ele imediatamente fosse trabalhar, enquanto o filho não abria mão da experiência mística. Contrariou o “futuro patrão” e foi. Morreu no meio do caminho… O pai buscou as cinzas e providenciou o funeral. Resolveu atender ao pedido do filho e fez o caminho de Compostela. Em cada etapa, também fazia o seu processo de conversão e foi deixando um pouco da memória do filho. Hoje, é um dos palestrantes que motiva os romeiros em sua peregrinação.

Somos um contínuo de vida. Vai ser bom abraçar e partilhar da mesa com familiares e amigos… As redes sociais repassam informações sobre economia, sociedade, política, educação, segurança e tantas áreas que viveram momentos difíceis, especialmente na pandemia. Problemas que não foram resolvidos e que estarão à porta já nos primeiros dias do ano novo. Isto não impede que se faça uma pausa e se renovem as esperanças de melhorias apregoadas e muitas vezes esquecidas... Somos filhos e filhas da esperança, que necessitam demonstrar gratidão e solidariedade.

A monja Coen diz que “quando a gente abre as mãos, nelas cabem o universo”. E o Universo é vida que se renova em momentos simbólicos como o Natal. O princípio da morte não é a doença ou a velhice. O fim começa ao perdermos a reação ao que acarinha nossos sentimentos, a vontade de reagir à indiferença e reencontrar sentido no que já alimentou nossas esperanças... a inocência de brincar com uma caixa que já teve um brinquedo ou embarcar nos sonhos de quem provou, com a própria existência, que o insólito e o mistério são lugares privilegiados para se viver a própria fé!