quarta-feira, 27 de junho de 2018

Adrenalina no coração

O Cristão, Católico, que olha o Mundo tem a clara impressão de que este não é o Mundo sonhado por Jesus Cristo. A Igreja tem procurado ser uma luz a iluminar caminhos para que as relações entre as pessoas e os povos melhorem, mas os resultados podem ser considerados, no máximo, tímidos. As estruturas estão ficando engessadas e embora se vislumbre mudanças, são insignificantes.

Embora o Brasil também enfrente a crise – veja-se o número de empregos que foram devorados recentemente – a máquina pública mostra superávits que beneficiam segmentos já claramente satisfeitos, mas que não são capazes de fazer mudanças, atendendo a um mínimo do que a Doutrina Social da Igreja prega.

E se não bastassem os problemas sociais que, em muitos momentos, amarram nossa capacidade de atuação, pois precisamos de ações assistenciais para garantir, ao menos, a sobrevivência das pessoas, surgem problemas que são frutos de um tempo em que as pessoas estão deixando de lado valores como a preservação da vida e da solidariedade. A construção de “mundos particulares” capazes de “preencher” nossos vazios, também leva à sensação de falta de sentido: os prazeres são efêmeros, incapazes de dar sentido à existência.

Neste vazio estão inseridas as drogas que hoje assolam praticamente todas as classes sociais, indiferentes à idade, posição ou formação. E se acreditamos que, por sermos católicos, estamos a salvo, é bom ficar alerta, pois não estamos. Mais do que nunca, aqui, existem pessoas bancando o avestruz: enterram a cabeça porque acham que as crianças ou jovens estão apenas “passando por uma fase” e são capazes de superá-la. Não é assim: o número de dependentes químicos recuperados é pequeno, ainda, e o melhor remédio é a prevenção.

Os sintomas são por demais conhecidos, mas vale a pena recordar: mudanças de hábitos, de humores, de comportamento físico, de relacionamentos, sinalizam que seu filho está precisando de mais atenção. Com certeza, este não é momento para “lições”, mas para cumplicidade: a cumplicidade que envolve com amor um jovem que sente seu mundo ser devorado pela dúvida. Depois, é preciso pedir ajuda.

Fico triste quando alguns pais dizem que “vamos resolver isto dentro da família”. Não vão. É algo mais forte e que pode criar mais problemas ainda em família. Assim como, em alguns casos, se diz que “fogo se combate com fogo”, aqui também: uma boa orientação, clarear perspectivas e aplicar adrenalina pura no coração de quem sabe que a droga mata, mas que precisa, urgentemente, ver sentido na própria vida.

domingo, 17 de junho de 2018

Perdidos no espaço

Um dos seriados marcantes da minha infância e adolescência foi Perdidos no Espaço. Seus personagens em destaque eram o menino Will Robinson, doutor Smith e o Robô. Apenas que na década de 60 era o doutor, hoje doutora; e o robô é um alienígena inimigo, até que se descubra que tentava recuperar algo roubado pelos humanos.
Da inocência do seriado em que Will queria brincar, o robô em advertir para situações de dificuldade com o clássico: "perigo, perigo..." e doutor Smith era o atrapalhado dando um jeitinho para se sair bem em qualquer situação, de preferência que não precisasse trabalhar, sendo dedurado pelo robô a quem chamava de "lata velha"...
A série atual perdeu a inocência. As relações são complexas, tanto as familiares quanto as sociais que se estabelecem quando precisam criar um núcleo, num planeta perdido, por sobrevivência. Há disputa pelo poder e recursos que podem fazer com que saiam do planeta e reencontrem seu caminho em direção à colônia idealizada.
Dos dez episódios, nota-se a preocupação em lidar com o universo dos sentimentos, no caso da doutora Smith e do robô alienígena com a presença do mal. A primeira não quer apenas se dar bem. Sabe que se sair dali será julgada e condenada. Usa, então, de todas as formas, para prender os demais num planeta próximo a explodir.
Já o robô, que se pensava instrumento do mal, é, na verdade, uma vítima. Se transforma conforme as pessoas que o cuidam. Num primeiro momento é aliado de Will, que sofre pensando que foi ele o causador da queda e então tem que o destruir. Mas recuperado pela doutora Smith que o manipula para subjugar os demais.
Mais existencialista do que na primeira versão, coloca em debate elementos necessários. Seguidamente, em meios religiosos, a conversa gira em torno do bem e do mal, céu e inferno, Deus e o Diabo. Para pessoas de fé, elementos que são parte do credo religioso. Para quem defende a ciência são, ao menos, duvidosos.
Perdidos no Espaço é uma parábola. As difíceis relações de família são superadas com a certeza de que um sacrifício vale a pena para ver alguém próximo feliz. Mas... que vindo dos recônditos da mente humana, há quem deseje ocupar lugar que não é seu, apoderar-se de algo que não lhe pertence, sonhar um sonho a que não tem direito...
Conquistar um carinho, um lugar, um bem fazem parte do amadurecimento. Garimpá-los exige esforço, colaboração e mostrar atitude própria. Erros são o alerta para vencer riscos e que a realização é um sonho coletivo que dá o direito a viver e ser feliz. Agir de outra forma é a certeza de permanecer, para sempre, perdidos no espaço!

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Vivendo com a diferença

A fila era especial para atendimento a idosos, pessoas com algum tipo de doença e deficientes. No entanto, a atendente, parecendo de mau humor, resolveu demonstrar seu estado de espírito. Teve um prato cheio: uma moça, bem vestida, bem maquiada, postou-se em atitude de espera. Não precisou muito tempo para ser advertida em voz alta: “a fila é para idosos, doentes ou deficientes!” Sem graça, mas com firmeza, a moça olhou de forma triste para o início da fila e perguntou: “preciso levantar a blusa e lhe mostrar a bolsa de colostomia, para provar minha deficiência?”

Infelizmente, não sabemos conviver com o diferente. Uma pessoa que utiliza uma bolsa de colostomia – para recolhimento de dejetos do próprio organismo – já está fragilizada e merece um apoio especial, não precisando ter, no corpo ou no rosto, marcas que identifiquem suas carências. No entanto, partindo do princípio de que “todos são culpados até que provem que são inocentes” (invertemos a máxima jurídica!), encontramos sádicos que se divertem com o sofrimento alheio e já não lhes basta identificá-los, é preciso expor suas mazelas!

E não para aí: jovens e adultos ocupam vagas de estacionamento dedicadas a deficientes, descendo livres, lépidos e faceiros de seus carros, privando quem efetivamente necessita, enquanto há vagas mais distantes; menosprezo por idosos com dificuldades de locomoção, colocando-os em situação de risco, quando o simples oferecimento de um braço amigo pode prevenir uma queda ou algum transtorno; valorizar a atuação de uma criança, jovem ou adulto que possui alguma excepcionalidade, mas capazes de tantas atividades profissionais e sociais, para as quais são preparados, e a capacidade impar de pedir e de dar carinho!

Aprender a viver com o diferente é aprender a confiar, pois a confiança nos faz capazes de superar dúvidas e receios e alimentar nossas almas com atitudes de gentileza. Gestos que incluem o dar a vez numa fila, quando necessário; caminhar um pouco mais num estacionamento para manter as vagas especiais para quem delas precisa; estender o braço numa oferta generosa e desprendida; receber um olhar que não pede nada a não ser uma expressão de carinho e amor.

Mudar o foco para o outro é o jeito de perceber o quanto as coisas que pensamos serem nossas dificuldades são pequenas. Estas podem ser superadas com o tempo, mas o outro problema – a carência de espírito – infelizmente, não, porque atrofia a sensibilidade e torna a alma incapaz de superar os seus próprios limites.

domingo, 10 de junho de 2018

Deitado eternamente...

Ano de 1970, em pleno regime militar. No Seminário, era o tempo da inocência. Alguns começavam a se antenar para os problemas que a ditadura propiciava, mas até isto parecia não nos atingir. Vivíamos o auge da Música Popular Brasileira, o Rock invadindo as emissoras de rádio e, com grande parte das lideranças amordaçadas, éramos convencidos de que a Copa  do Mundo era a "pátria de chuteiras".
Hoje é fácil identificar aquilo que os militares - e seus apoiadores, em todos os setores - fizeram para convencer que os opositores eram o mal, não querendo ver o desenvolvimento. A máxima era: "Brasil, ame-o ou deixe-o!" Com a omissão e silêncio das instituições, alguns pereceram, desapareceram ou foram silenciados...
Completava 15 anos quando  ganhei meu primeiro rádio de pilha. Iria acompanhar os jogos com a euforia que contaminava a maioria da população. De lá para cá, pouca coisa mudou. A não ser... Que se olhe com mais atenção para os preparativos, a vontade como certos meios de comunicação tentam vender a ideia de que praticamente toda a população está na torcida pela seleção, na Rússia.
Pela incompetência com que se comporta o atual governo - veja-se a forma como tratou a greve dos caminhoneiros, ainda com sequelas que não sabe resolver - não creio que haja alguma cabeça pensante capaz de, nos próximos dias, motivar a população a ir para as ruas, vestir camisetas e discutir o futebol internacional.
As pessoas com as quais converso vão acompanhar os jogos por diversão. Colocam o futebol no seu lugar: entretenimento. Os jogadores são atores de um espetáculo que a mídia transformou em mina de dinheiro e vende os segundos de comercialização a peso de ouro. os atletas são tratados e remunerados da mesma forma, juram que ainda são povo, pois a grande maioria veio das classes menos favorecidas...
Estas classes amargam uma recessão e inflação que os órgãos do governo maquiam, fazem leis que favorecem categorias e que a população, em última instância, paga a conta. E começa, sorrateiramente, a retirar subsídios de elementos fundamentais - como farmácia, por exemplo - tornando difícil a vida de doentes e aposentados.
Campanhas motivando a troca de televisores levou apenas incautos às lojas. Não é hora de fazer contas novas, mas pagar as velhas. Assistir aos jogos sabendo que há vida depois da Copa. Desembarca numa eleição e precisa sair do torpor e assumir o protagonismo para não ser sempre a "nação do futuro", Esquecer o pensamento de que para tudo pode dar um jeitinho e  está "deitado eternamente em berço esplêndido"!

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Dez coisas que aprendi com os meus 60 anos...




Quando completei aniversário, em junho, compartilhei pelas redes sociais uma reflexão a respeito das "dez coisas que aprendi com os meus 60 anos". Foi o suficiente para que grupos como "Voltando à Sala de Aula", da Universidade Católica de Pelotas; Rotary Club Pelotas Centenário, Cursilho de Cristandade e o pessoal do Centro de Extensão em Atenção à Terceira Idade - CETRES, também da UCPel, me convidasse para conversar a respeito. Transformei em texto compartilhado por jornais, mas que também acredito ser interessante dar à atenção dos leitores do Jornal da Catedral.

Eis aqui o meu aprendizado:

- Distinga: sua fé é uma questão pessoal. Sua religião é uma prática coletiva. Em princípio, todas as religiões são boas. O problema está nos homens e mulheres que se tornam “donos de suas verdades”.

- Guarde um tempo para “tomar um chimarrão com Deus”. Preserve seus espaços de sanidade mental. Guarde seus momentos de silêncio. Mesmo quando tudo parece tumulto à sua volta, sua paz interior ninguém pode roubar.

- A sua felicidade não depende dos outros. Eles podem ajudar a aplainar caminhos, mas não podem caminhar por você.

- Abra seu coração apenas para quem o souber conquistar. Amigos de oportunidade podem compartilhar momentos, mas não devem penetrar no templo sagrado do seu coração.

- Enquanto puder, cuide de si mesmo. Também ajude a cuidar dos mais próximos. Mas se prepare: um dia você vai precisar de alguém que o cuide. Então, cada vez que visitar um doente, atente para aquele que está sendo cuidado, mas também para o seu cuidador.

- Todos temos virtudes e defeitos. Não idolatre para não se decepcionar. Mas também não despreze quem pode lhe auxiliar um dia.

- As pessoas não mudam porque envelhecem. Com o passar do tempo, amadurecidas, a maior parte aprende a controlar seus impulsos.

- Manter-se sempre ereto tem duas vantagens: faz bem para a coluna e para a sua autoestima.

- Possivelmente, a vida não vai lhe dar grandes aventuras. Saboreie os pequenos instantes felizes. São estes que o alimentam quando você enfrenta os seus problemas.

- As novas tecnologias dão oportunidade para preencher o seu tempo. Mas, tudo isto um dia cansa. Selecione o que alimenta seu espírito. Leia um livro, ouça música, assista filmes. Não importa o que os outros pensam dos seus gostos. O importante é que você se sinta feliz.

Estes pontos não tem a pretensão de ser "mandamentos". Sequer sei se servem para outras pessoas. No entanto, foi um aprendizado. Seria falsidade dizer que foi "difícil". Não foi, porque tive o privilégio de ser, em muitos casos, um observador da vida de muitas pessoas conhecidas que, estas sim, tiveram dificuldades, tropeços, amargaram agruras.

Se há uma lição que aprendi é de que, em qualquer circunstância, sempre vale a pena viver. Mesmo nos preparando para a morte - como a única coisa certa desde que nascemos - o que temos em mão é uma mistura de sentidos e sentimentos que, bem vividos, demonstram o quanto atingir a paz conosco mesmo é o melhor jeito de atravessar a existência. Ficar refém do final de nossas vidas é perder o melhor que podemos fazer: saborear o aqui e o agora como únicos e insubstituíveis!

domingo, 3 de junho de 2018

Um tempo para contemplar as estrelas


O papa Francisco faz o discurso teológico que se espera de um pontífice. No entanto, os elementos mais importantes da sua homilia aparecem quando aborda outro tipo de pregação, que diz respeito ao cuidado com gente: fofoca, amizade, crianças, idosos, doentes, aborto, "mães solteiras", homossexualismo… Em suma: o lugar por excelência para a pessoa ser acolhida, amada e respeitada - a família - onde se pode exercer a misericórdia, esta palavra com sabor da presença de Deus.
Em crise, assim como as duas instituições que com ela faziam o tripé necessário para o processo de educação: a religião e o ensino. Depois de iniciar o aprendizado em casa, a criança recebia os primeiros elementos de socialização acompanhando os pais em atos religiosos e, ao ir para a escola, havia base suficiente para que o professor pudesse cumprir com o seu papel: auxiliar na aquisição de conhecimento.
Em muitos casos, as crises com as quais nos deparamos, acontecem, exatamente, por insuficiência de formação nas três áreas. E não se dá apenas no acúmulo de conhecimento enciclopédico, mas todo o processo que capacita para que se forme um cidadão, abrangendo seus aspectos espirituais, físicos e psicológicos.
Num momento de crise, ainda jovem, procurei por um religioso que me disse: "comecei a amadurecer espiritualmente ao distinguir o que é fé do que é religião". Frisava: "há pessoas que passam toda a vida atrapalhadas". Falando a respeito da confusão que se faz, hoje, sobre vivência religiosa, onde as pessoas já não querem responsabilidade, mas usufruir de seus benefícios, numa espécie de buffet, pois, sem convicção, buscam o que lhes agrada e não exige compromisso.
Calei-me ao ouvir que também tivera sua crise espiritual e chegou ao fundo do poço abandonando as pessoas que considerava mais queridas: "levei muito tempo para me dar conta de que não sou um ator - seria no máximo um ator canastrão. Apanhei muito para entender que, antes das teorias, deveria ter praticado a misericórdia, pois me preocupei tanto em ser um homem de religião, que esqueci de ser um homem de fé. Procurava um jeito de ver a luz, uma nesga que fosse das estrelas".
Amadurecer significou atitude diante da vida, reencontrar valores elementares na relação com as pessoas e - mesmo com os pés no chão - não perder a dimensão do Sagrado. Diante das mais diversas situações, por mais difícil que pareça o momento, é preciso um grande esforço para não soltar a mão de um familiar, um amigo, um conhecido. Enfim, ser misericordioso, para levantar a cabeça, única forma de, mesmo em meio às brumas - e quem sabe às lágrimas - se contemplar as estrelas!