terça-feira, 25 de junho de 2019

Especiais: mundos e caminhos diferentes...

The good doctor (o bom doutor) é daquelas séries de televisão que, periodicamente, nos permitem fazer uma reflexão sobre nossas limitações e o quanto ainda estamos longe de entender as limitações alheias. A síndrome da qual o jovem residente é portador o faz diferente, sem necessidade de rotular se isto é bom ou mau. Apenas que é aspirante a uma carreira, buscando tocar sua vida, encontrar o seu espaço e aprender.
A Síndrome de Savant (como diz a Wikipédia: síndrome do sábio, do idiota-prodígio é distúrbio psíquico com o qual a pessoa possui uma grande habilidade intelectual aliada a um déficit de inteligência) se caracteriza por possuir habilidades ligadas a memória extraordinária, com pouca compreensão do que acontece no seu contexto.
Shaun Murphy vem do interior trabalhar em um famoso hospital. Enfrenta os desafios na área médica, precisando provar sua capacidade para colegas e superiores. Um dos problemas é o de relacionamento com quem trabalha ou mesmo com os pacientes. Afinal, os códigos de linguagem mais sofisticados não fazem parte do seu entendimento. Neste sentido, tem dificuldades de aprendizagem, mas se transforma num desafio para aqueles que entendem o potencial da sua atuação.
Diálogo que demonstra a ausência de maldade é feito com a colega que luta por compreendê-lo: "porque você foi grossa comigo quando nos conhecemos? Depois gentil na segunda vez que nos vimos, e agora quer ser minha amiga? Qual destas partes você estava fingindo?" Não há meios termos, sem as nuances próprias do sarcasmo ou do cinismo. Para ele, o que se diz é textual: pedra é pedra, terra é terra e não existem figuras de linguagem que lhes possam alcançar uma outra significação.
Lembrei de outros casos: a mãe que carregava o bebê especial abordada por vizinha que desejava ver o que chamavam de "doentinho"; os pais que internaram o rapaz com síndrome de down e tiveram dificuldades de que os atendentes tratassem como apenas mais um paciente; o autista agredido porque também na prática de esportes ou nos exercícios do dia a dia sua mente percorria mundos e caminhos diferentes...
Pais de especiais trabalham mais a fim de que suas potencialidades sejam descobertas e atuam numa sociedade culturalmente preconceituosa. Enquanto o jovem Shaun tem sua capacidade colocada à prova, os demais têm as benesses de serem "normais". Sua presença incomoda: abandonar os padrões de comportamento convencionais desafia a fazer uma medicina onde a técnica não exclua o fator humano. E isto vai acontecer, até com alguns percalços, mas tendo as dores amenizadas por muito mais compreensão, mais sorrisos, mais carinhos e, quem sabe, muito mais abraços!

Morrer: o direito a um porto seguro

Quando a mãe faleceu, no início do ano, eu tinha em mente algumas coisas que não desejava que acontecessem: que sofresse, morresse sozinha, dormindo ou em um hospital. Fui abençoado: faleceu pela manhã, em meus braços, tranquila, sem dizer uma palavra, apenas olhando para mim. Não sei se, na realidade, idealizei o que havia pensado ou se já era um pouco por estar marcado por outras mortes.
Fazendo parte da vida, o nascimento e o fim continuam e, seguidamente, ouço conhecidos contarem experiências com pessoas doentes ou idosas. Recentemente, um amigo acompanhou o pai com câncer num hospital. Chegou o momento difícil em que já não há mais nada o que fazer. O idoso se mantinha consciente e pediu: queria voltar para casa. Sabia que não restava muito tempo e desejava morrer em sua cama, no lugar que construíra para viver com a esposa e os filhos.
A família se envolveu na discussão. A maioria contrária a que deixasse o hospital. Mas, em última instância, quem devia endossar ou não o pedido do pai era o filho. Ele esqueceu de tudo o que os "sensatos" lhe disseram. Aprontaram o quarto para dispor de equipamentos básicos e voltou para o que, por toda uma vida, foi um lar. Na porta, uma parada e uma lágrima rolou enquanto o idoso olhava, possivelmente pela última vez, para o jardim onde em tantas ocasiões passara as tardes com sua esposa.
"Tua mãe me espera", ainda comentou. Dali em diante não falou mais, até falecer, uma semana depois. Meu amigo repetiu o que ouço de muitos cuidadores: o pai chamava sua esposa pelo nome de sua mãe; o chamava pelo nome do próprio avô e perguntava quando iriam voltar para casa e onde é que estavam. A memória próxima que se perde e a busca desesperada por um passado onde justificar a própria solidão...
Michael Bublé, na canção "Home" fala de suas andanças pelo mundo (Paris, Roma...), "talvez cercado por um milhão de pessoas, eu ainda me sinto totalmente sozinho. Eu só quero ir para casa. Eu sinto sua falta, sabe?" É o caso de uma pessoa idosa ou doente que se pensa estar melhor num hospital onde, apesar de toda a sofisticação e preparo técnico, não consegue servir como referência emocional e afetiva.
Embora o que se passe já não é o que entendemos por ausência, o "voltar para casa" de uma pessoa que está fragilizada é também um ponto físico, mas, mais do que isto, sentimento de que, em algum lugar, ancorou o coração e este é o porto onde acaba a grande viagem que se chama vida. A saudade do Infinito, como fala o padre Zezinho, é apenas caminhar em direção ao reencontro com tantas pessoas amadas, que fizeram o mesmo caminho e apenas desembarcaram um pouco mais cedo...

terça-feira, 11 de junho de 2019

Cadeirinha: um direito da criança

Uma das discussões dos últimos dias tem sido a respeito das medidas tomadas pela presidência da República para mudar a penalização para infrações de trânsito. Especialmente a pontuação dos motoristas flagrados em alta velocidade pelos pardais de estrada, assim como deixar sob critério de pais e responsáveis o uso da cadeirinha para crianças com idade em que ainda não possam usar o cinto de segurança.
A respeito dos pardais, já falei: em muitos casos faz parte da indústria da multa. Sua colocação nas estradas atende mais ao intuito da surpresa do que do efeito educativo e preventivo. Mas apenas aumentar o número de pontos é medida simplista que atua na consequência e não na causa do problema. Dá-se o direito de errar mais sem que, de alguma forma, o motorista precise reciclar seu comportamento.
Do que se fala da segurança para os menores, frase marcante veio da deputada federal Christiane Yared, que perdeu um filho: "não sei o valor de uma cadeirinha, mas sei o o valor de um caixão." Verdade nua e crua para situação em que o desleixo e máxima de que "isto sempre se dá com os outros" justifica a imprudência e o pensamento de que em distâncias curtas correr o risco é o de menos... até que o pior aconteça!
Com a morte da mãe, fiquei com os gastos com funerária, enterro, indenização de cuidadoras... Descobri que o preço da morte é tão ou mais caro do que o preço do nascimento. Imaginem, então, para quem age de forma irresponsável ao conduzir os filhos e, num acidente, passa a viver com sequelas... Não são somente recursos despendidos, mas traumas no motorista e naquele que sofreu as consequências do agir insano de quem deveria zelar por sua segurança.
Está comprovado que o processo de educação não se dá apenas no ensino formal. No caso, não é apenas o "direito" dos pais de optarem por utilizar ou não de uma medida de segurança. Mas a atitude de autoridades (ir)responsáveis que precisam respeitar os direitos dos menores, fazendo o regramento que preserve a vida, a integridade física, o direito ao sonhos e ao futuro de uma criança!
Enfraquecer as leis não ajuda o desempenho dos motoristas. Educação para o trânsito pressupõe consciência de quem dirige, com regras claras a respeito do seu comportamento e da sua corresponsabilidade. Veículo de transporte é instrumento que pode ser utilizado para o bem ou para o mal. No caso da cadeirinha para as crianças, as consequências, tristemente, aparecem na campanha que está em outdoors pelas principais cidades do país: "ela não queria... eu aceitei... e nós a perdemos!"

terça-feira, 4 de junho de 2019

Vacinação: o direito e o dever à prevenção

Nesta segunda-feira (03), o sistema público de saúde abriu a vacinação contra a gripe para todos. Desde o dia 10 de abril, era para crianças, grávidas, idosos e pessoas que ficavam mais expostas. Infelizmente, a cada ano, aumenta o número daqueles que se negam a procurar a vacina como medida de prevenção a tantos problemas que podem ser causados, sequelando pessoas e chegando, inclusive, à morte.
Já se conhece a síndrome do cachorro vira lata, em que se menospreza o lugar onde se vive e se acha que a grama do quintal do vizinho sempre é melhor. Agora se fala da síndrome do cachorro louco, em que se desconfia de tudo o que vem de pessoa que não seja do nosso grupo. Então se vier de quem participa de religião, partido, associação, sindicato sem a nossa simpatia, é quase como se fosse obra do Demônio!
Fizeram isto com a vacina. Há tantas fake news circulando que os idosos, especialmente, que eram aqueles que mais cedo corriam para os postos, começaram a ficar reticentes, evitar a vacinação e, como consequência, ver sua qualidade de vida diminuída. Coloca-se em dúvida todo um sistema resguardado por pesquisas - nacionais e estrangeiras - que já demonstraram os benefícios da prevenção.
Mas não, se quem estiver no governo não faz parte do nosso grupo, desconfie-se. Mesmo que até pouco tempo atrás quem era situação tenha feito o mesmo. Então, vira gandaia, pois vemos os defeitos que os governos tem mas não nos damos conta de que, eleitos, querendo ou não, tem um período de administração onde torcer contra - nas questões que efetivamente atingem a população - é, no mínimo, burrice.
Posso ser chamado de homem de um discurso só, mas tenho claro o quanto tudo isto tem a ver com educação. Quem aposta no "quanto pior melhor" sabe que a desinformação fragiliza e dificulta aqueles que foram eleitos, sempre pensando que há uma eleição em perspectiva... A prevenção na saúde é um dos elemento mais importantes do processo de educação, que começa em casa, pelo exemplo da família.
A ausência é notada por coisas simples: desrespeito às normas básicas - áreas de segurança, limites de velocidade, faixas de pedestres... - por pessoas arrogantes, acreditando que normas existem para serem quebradas e pequenas infrações não dão em nada... Triste pensamento de quem não entendeu que viver em sociedade é, sim, procurar o bem estar próprio. Mas, mais ainda, que a vacinação é direito, mas também dever: vive-se em sociedade, onde a corresponsabilidade é princípio fundamental, que nos faz parte da grande família que se chama Humanidade!