segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A mãozinha que para a vida

Uma mãozinha estendida na beira da rua, ao lado da faixa de segurança para pedestre. Já sabe: é o sinal universal para pedir preferência. A outra segura a mão da mãe. Rostinho redondo, cabelinho encaracolado e a certeza de que, para tudo, há esperança. Parado, vi atravessarem a rua, em segurança, e ainda recebi um abano de adeus. Foi no que pensei quando as imagens da invasão dos morros do Rio chegaram. Uma guerra civil não declarada, estarrecendo porque sempre nos pensamos um povo pacífico e que a nossa tranquilidade começa pela forma displicente como enfrentamos a vida.
Todo e irrestrito apoio às autoridades que agora tomam estas medidas. Mas... Porque isto não aconteceu antes das eleições? Porque se deixou chegar ao nível em que a autoridade - moral e de fato – nas zonas mais pobres passou a ser dos marginais? E não é somente no Rio, mas o mesmo está acontecendo em São Paulo, Porto Alegre e em todas as grandes e médias cidades. Saindo das eleições, nos damos conta de que os discursos de palanque não são coerentes com as práticas políticas: ações contundentes como estas tem a marca do marketing, necessário para que, em médio prazo, se recebam eventos esportivos que movimentam somas financeiras inimagináveis.
Nos morros do Rio, muitas mãozinhas estão amarradas. Em muitos momentos, a movimentação da polícia e dos delinquentes impediu que pudessem frequentar a escola, terem atendimento médico, jogar bola ou andar de bicicleta. A maior parte nunca fez parte de uma quadrilha ou consumiu algum tipo de droga. Foram marcadas por uma guerra que não provocaram, com os traumas da violência sistematizada.
A mãozinha que para a vida - estendida - é sinal de que na escola ou na família está se criando uma cultura de paz no trânsito. Pequeno sinal que faz a diferença na formação dos futuros motoristas e que deveria se transformar numa cultura de paz. Desta forma, ajudaria crianças e jovens a verem outra perspectiva, diferente de outra mão estendida, mas agora aprisionada, por detrás de uma janela, que fazia tremular um pano branco em busca da paz que ainda sonha viver.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A mulher de Deus

Leo Buscaglia participou de um concurso entre alunos que deveriam contar histórias de outras crianças. Um deles escreveu o que foi vivido por uma amiga da mãe: “Na véspera do Natal, a senhora - já com os filhos criados e distantes – passou em frente a uma loja de calçados, quando viu uma criança relativamente bem agasalhada, mas de chinelos de dedo. Pensou em seguir adiante, mas se deu conta de que não teria ninguém a quem presentear e que ali estava o momento para fazer uma boa ação. Voltou e quis saber se a criança precisava de calçados. A resposta foi de que só tinha o que estava em seus pés. Pegou-a pela mão e entrou na loja. Com a ajuda de um atendente, lavou os pés e experimentou meias e calçados. Na saída, a criança perguntou se podia fazer apenas uma pergunta. Curiosa, disse que sim. Olhinhos umedecidos de gratidão: a senhora é a mulher de Deus?”
Claro que não houve resposta, porque a emoção falou mais alto. Mas era exatamente o que ela sentia: “sou a mulher de Deus!”. O instrumento utilizado por Deus para dar àquela criança ao menos uma alegria num tempo de tantas contradições: excessos por parte de alguns e falta para muitos; exageros no consumo e olhos ávidos de recolher as migalhas que caem das mesas; sentimentos contraditórios entre viver Papai Noel e a lembrança do nascimento de Jesus.
Na sua infinita bondade, Deus não precisa de mãos, desde que possa contar com as nossas para atender àqueles que necessitam. Não é uma questão de anestesiar nossa consciência, em momentos marcantes, fazendo donativos, entregando esmolas que não mudam o jeito de viver de quem está precisando.
Aquele gesto simples fez com que a senhora se desse conta de que vivia no apego às recordações que os filhos tinham deixado e esquecido que o Mundo continuava a passar à sua volta. Ter sido vista como a “mulher de Deus” fez a grande diferença de vida, não apenas como a intenção de um Natal, mas de vivenciar o espírito natalino. O Jesus que nasce novamente quer olhar nos nossos olhos e dizer: “vocês são meus homens e minhas mulheres. Preciso da presença de vocês no mundo para que o mundo sinta a minha presença”. Feliz Natal, homens e mulheres amados por Deus!

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O banquinho à porta

Sou resquício de um tempo em que identidade se fazia desde o berço, começando por coisas simples, como o lugar de origem – ali era a casa do seu Aldo, a casa do seu Borge, a casa do seu Nelson – e nos serviam de referência para enfrentar o Mundo, na certeza de que um dia voltaríamos. Depois de algum tempo, alguns daqueles que cresceram conosco foram se espalhando pelo Estado e pelo País e nunca mais se teve notícias, ficando um vazio.
Precisávamos da janela ou atravessar a porta da casa para estabelecer relações, com gosto de puxar um banquinho, uma cadeira de praia no final da tarde da Primavera e do Verão e colocar as conversas em dia. Hoje, ligamos a televisão ou o computador e a família inteira tem a “janela” aberta para o Mundo, com o sentimento de que está sendo informada, formada e ainda se divertindo.
A grande preocupação era com o final de semana, pois reuníamos o grupo de jovens para a brincadeira de sábado à noite, a Missa de domingo pela manhã e o passeio à tarde, programa de índio enfrentado em grupo chegando ao final da tarde cansados, mas felizes, prontos para a segunda-feira e já na expectativa de um próximo final de semana.
Não sou saudosista, mas em tempos de carência de convívio, gravou-me a expressão de um amigo que disse haver tantas facilidades em casa que já não fazia muitas visitas. A família e a estrutura da casa lhe bastavam. Mas que tinha prometido para alguns parentes da esposa que iria procurá-los. Cobram-me uma visita conjunta a um colega que se afastou do trabalho, mas que sucessivos finais de semana - por uma desculpa ou outra - não acontece.
Em pleno século XXI, a facilidade dos meios de comunicação não estimulou o convívio, mas fez - absurdo dos absurdos - com que pessoas sob um mesmo teto usem mensagens eletrônicas para conversar. Muitas são as janelas abertas, mas falta puxar um banquinho e trazer o chimarrão para uma boa prosa, gastar tempo com o outro, pelo simples prazer de conviver.

domingo, 14 de novembro de 2010

Alicerce da educação

A discussão em cada intervalo de aulas é a mesma: o que está acontecendo com nossos alunos? Porque não conseguimos fazer com que se interessem e demonstrem mais atenção e respeito pelo professor, colegas e conteúdos apresentados? Um bom número deles entra em sala de aula atrasados, mas com a empáfia de quem merece tapete vermelho para um desfile, além de conversar com colegas e arrastar cadeiras, gerando dispersão e irritação nos demais.
O que já ouvi de mais interessante a respeito diz que novos valores – embora não saibamos bem quais são – estão buscando espaços e reproduzir o que aprendemos de nossos professores já não é o suficiente. Diante da realidade, jovens apresentam apatia e medo, tendo pela frente um horizonte em que mesmo nós – mais velhos e mais experientes – não temos certeza do que poderemos ofertar de concreto.
Todas as experiências positivas em educação, hoje, passam por motivação e parceria. Mas são realidades que até apontam o futuro, mas ensinam a viver melhor o presente. Em periferias onde os professores foram criativos a ponto de buscar no esporte, na cultura ou na curiosidade um elemento de cumplicidade, o que vale é aquilo que pode ser feito agora. Parece que viver plenamente cada dia é uma forma de colocar tijolo a tijolo na grande construção da vida.
Conversas entre educadores mostram que também nós estamos com dificuldades de dizer o que vai acontecer. Brinco com meus alunos que eles podem aproveitar bem um professor ou não. Os que se fazem humildes diante do conhecimento - e que o buscam com determinação - vão ocupar lugar no mercado. Mas, o que demonstra saber tudo, esnobando professor, colegas e o conhecimento que poderia adquirir, pagará um curo – e bem – e voltará para o emprego que tinha. Educação não é sina. Educação é construção. Uma construção que se vive passo a passo, tijolo a tijolo. Não há como se determinar ao que vamos chegar, mas se é difícil fazê-lo, suando a camisa, fica pior se desistimos e deixamos desmoronar as poucas perspectivas que poderíamos ter tido.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A lição que deveríamos aprender

Uma das primeiras declarações da presidente Dilma Roussef foi de que sua grande meta é acabar com a miséria no Brasil. Num país em que seus governantes se orgulham de terem incluído mais da metade da população na classe média, tem ainda uma significativa parcela que vive em situação crítica. Para se testemunhar, basta visitar as periferias das grandes e médias cidades. Lá está a nossa chaga social.
Infelizmente, boas intenções não são o suficiente para tornar realidade propostas estabelecidas. Recentemente, os presidentes Fernando Henrique e Lula estabeleceram metas para as áreas da saúde e as reformas política e previdenciária, por exemplo, mas chegaram ao final de seus mandatos do mesmo jeito que iniciaram.
O noticiário internacional mostra países africanos - fortes em extrair minerais - anos a fio, tendo à frente grandes empresas internacionais, sem que sua população tenha visto a cor de um centavo. Na América, Hugo Chávez, na Venezuela, tem na produção do petróleo a grande riqueza. No entanto, recente derrota eleitoral se deve ao fato de que prometeu e não cumpriu. As favelas cobraram no voto as benesses feitas em campanha.
Seria bom se aprendêssemos esta lição. Aqui, estamos em fase de encantamento com o pré-sal. Estimativas dão conta de que estamos bem na questão petrolífera (mesmo não entendendo como não repercute no preço da gasolina, por exemplo) e este novo achado nos colocará entre os maiores produtores e exportadores. Grupos da sociedade civil defendem que estes recursos sejam destinados, por lei, para programas sociais.
Todos querem erradicar a miséria. Não só a que o dinheiro resolve, mas a que se estabeleceu na cabeça das pessoas que apanharam do Mundo e, hoje, acham que não vale a pena viver socialmente, mas aproveitar-se e fazer a sua vida, do seu jeito, nas manhas e pequenos golpes que garantem a sua sobrevivência. Difícil vai ser vencer a miséria intelectual e moral. A lição que se precisa aprender é reeducar um corpo social doente e necessitado de uma reinvenção, iniciando pelo convívio familiar e a educação básica, onde são plantadas as primeiras sementes da arte de viver em sociedade.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A presidente de todos nós

Presidente ou presidenta? Entendidos dizem que poderá se utilizar as duas formas. Mas, o mais bonito de tudo o que muitos classificam como “festa da democracia”; é o fato de que a própria Dilma poderá escolher e nós, por uma gentileza linguistíca, também seremos gentis utilizando a forma mais adequada para designar a primeira servidora pública do país.
Passadas as eleições, Dilma Rousseff é a primeira mulher a assumir a presidência do Brasil. No entanto, é bom que não se fique na questão de gênero – homem ou mulher – mas do que mais importa: é a cidadã encarregada – como frisou – de zelar pela Constituição. E a constituição é a lei maior, pela qual - iniciando pela presidente e chegando a todos nós - deveríamos ter como preocupação de aperfeiçoar e zelar pelo seu cumprimento.
Dilma chega à presidência numa sequência de três mandatos de um mesmo partido. Então, sua responsabilidade é ainda maior, porque se atirar pedra sobre o governo anterior, vai ser sobre a própria casa. Seu desafio é avançar nas conquistas que o Brasil já obteve e guindar uma parcela da população desfavorecida econômica e socialmente.
Meu receio é de que se bata tanto nesta história de “primeira mulher”, que se esqueça que foram os homens os responsáveis pelos desmandos que aí estão. Falar em “sensibilidade social” do sexo feminino para tratar das questões é dizer que falhamos, pois, se olharmos todos os poderes, veremos que o gênero masculino é predominante e responsável maior por falcatruas, desmandos e escândalos com recursos públicos.
Hoje, enquanto os vitoriosos comemoram, sobra a expectativa: pode haver mudanças significativas num momento em que a economia internacional ainda está sestrosa? Sempre que um governante assume, há certa tolerância, dando um tempo para que mostre a que, efetivamente, veio. O importante é que, acabada a disputa eleitoral, nos demos conta de que, eleita, a presidente não é mais do PT ou dos partidos que a apoiaram, mas a primeira servidora de todos nós pelos próximos quatro anos.