domingo, 30 de maio de 2010

Sem misturas

Na semana passada, contaram-me que um religioso, em plena celebração, pensando estar agradando, solicitou à assembléia rezar pela seleção brasileira de futebol. Chegou a dizer que, neste momento, a seleção representava a própria nação, portanto a todos nós. Fui buscar - no meu arquivo de memória - a diferença entre país e nação e, acreditem, o religioso fez uma grande e preocupante confusão.
Meus professores de sociologia diziam que um país se define por seus espaços territoriais (de forma simplista, os estados que o compõem) e nação é uma definição mais de afinidades ideológicas, culturais e de costumes. Lembrei, também, o que já foi dito um dia, ao jogar a seleção: “a pátria veste chuteiras”. Exagero. Ao longo da História, citações destas muito mais do que auxiliar, atrapalharam e criaram expectativas, sem corresponder à realidade.
Neste espaço já falei de guerras ideológicas ou religiosas que são, no fundo, disputas financeiras. Mesmo tendo um ideólogo ou um religioso à frente, por detrás estão fortes interesses financeiros capazes de alimentar contendas que, ao final, nunca os prejudicam. Mas lançam países em situações deploráveis, como vemos, hoje, no Oriente, onde uma pseuda disputa com fundo religioso tem por objetivo saber quem vai controlar o petróleo que alimenta as economias mundiais.
Recentemente, consultores internacionais estiveram no Brasil e afirmaram que a federação internacional de futebol, ao realizar uma copa do mundo num país, não está se importando com o quando o país vai lucrar, mas o que ela vai arrecadar, juntamente com seus patrocinadores. E mesmo jogadores que vão a estas disputas têm como interesse o que ganham diretamente, em patrocínio e a vitrine para futuras negociações.
Portanto, não vamos misturar as coisas: este será um período de entretenimento. Vamos aproveitar para ver um bom futebol e até torcer por aqueles que vestem a camiseta da seleção brasileira, mas não achando que eles podem solucionar nossos problemas. O máximo que conseguem é o que nossos políticos fazem: um recesso bem remunerado para que o barco continue andando depois... Já em ritmo de eleições...

terça-feira, 25 de maio de 2010

Eu volto

Tornou-se rotineiro: na segunda-feira, o balanço do final de semana aponta o número de acidentes com vítimas fatais e assusta. Alguns perguntam: “qual é a novidade?”, mas não há como se acostumar a uma realidade que dizima jovens, especialmente homens, cada vez mais novos. Os números arrepiam: morre nas estradas, por ano, o mesmo número de pessoas que morreram em três anos de guerra declarada no Afeganistão!
Garotos com 16 anos, como um caso recente, em que o pai contava: “ao sair, ele me disse: eu volto. E sorrindo, acrescentou: nem que seja nas tuas preces”. Terrível vaticínio. Restaram lembranças e preces, porque a presença física, nunca mais. Vivi algo semelhante com o Vinícius, quase 20 anos atrás, beirando os 15 anos. Não queria ir pra Serra, ficaria comigo. Mas, na véspera, decidiu o contrário e telefonou para dizer: “eu volto”. Não voltou. Ou melhor: recebi de volta o seu corpo e uma saudade dolorida.
Dizem que estas perdas é que vão cicatrizando a nossa pele e que doem permanentemente, deixando, além das marcas, a sensação de que diminuímos pela angústia e pela dor. Não há como esquecê-las e muito menos como curá-las definitivamente. Mas há como preveni-las. Não consigo entender o pai que julga um filho de 16 anos amadurecido para lhe entregar um carro. Mesmo que me contestem, creio que é aquela necessidade de se sentir “macho”, “meu filho é homem, assume perigos”. E vão dizer o quê quando devolverem seus corpos e ficar aquele sentimento de que eles nunca mais irão voltar?
Dias atrás, ouvi que pessoas adultas compensam frustrações com “brinquedos próprios para a idade”. O carro é um deles. Há pessoas que o vestem como uma armadura ou uma máquina de guerra. E saem pelas ruas procurando desafios: adrenalina que vem com a velocidade, o álcool, drogas, os rachas. Que pena, o que deveria ser apenas um final de semana tranqüilo e capaz de propiciar repouso e reposição das forças, acaba colocando um nó na garganta e o desejo de que “eu volto” seja, mais do que uma intenção, uma realidade que nos devolva aqueles que amamos e que não queremos perder.

domingo, 16 de maio de 2010

Encantador de cavalos

Uma equipe de reportagem brasileira foi aos Estados Unidos conhecer o trabalho de um “encantador de cavalos”. Não usa métodos violentos para o que chama de “adestramento” e não “doma”. Métodos simples aprendidos com os indígenas, em que é preciso que homem e animal estabeleçam mútua confiança, pois têm em comum a busca pela liberdade em, ao menos, dois sentidos.
Recentemente, o “encantador de cavalos” veio ao Brasil. Além de mostrar sua técnica em fazer com que os animais superem traumas com chicotes, materiais perfurantes e transposição de águas, ainda apresentou outra faceta do seu trabalho: a preparação de cavalos para auxiliar no tratamento de pessoas com deficiência física, especialmente portadores da Síndrome de Down.
Era contrastante: na arena onde exibia sua capacidade de fazer com que animais ariscos o seguissem com absoluta docilidade, pessoas iam às lágrimas como reconhecimento de que gestos simples, impregnados de reconhecimento do valor do outro ser, são capazes de fazer a diferença entre adestrar e domar. Estava atendida a primeira qualificação: homem e cavalo cavalgando livres por espaços onde o mais importante é unir o pulsar da força animal com a Natureza.
Mas havia uma segunda qualificação, quando se via um cavalo, montado por um deficiente, acompanhado por profissionais da fisioterapia ou do Exército, e ficava um nó na garganta. Aqueles homens e mulheres não tinham no animal apenas um serviçal, mas um companheiro, um cúmplice na arte de restaurar sensibilidades. Também propiciavam um tipo de libertação: da restrição de movimentos e de sentir que poderiam superar o que uma deficiência colocou como restrição de movimento.
Aquele gringo, já de alguma idade, se sensibiliza ao preparar um animal e, em especial, quando o coloca no processo de recuperação de um paciente. Aqui está um belo exemplo: trabalho, solidariedade e uma boa dose de disponibilidade para vencer toda e qualquer barreira, liberando o corpo, mas, especialmente, o espírito aprisionado por restrições físicas ou por bloqueios emocionais.

domingo, 9 de maio de 2010

“Querido professor”

Expressões de carinho sempre encantam, enternecem, especialmente quando surgem de forma inesperada. Semana passada, recebi duas mensagens - de um aluno e de um ex-aluno - que iniciavam assim: “querido professor”. Pode-se dizer que é uma expressão diferenciada, porque no meio universitário não se chega a um vínculo afetivo, que mostre outro jeito de estabelecer a relação de educador e educando.
Mas acontece. Alguns alunos conseguem vencer, inclusive, barreiras afetivas, preconceitos de que estamos em situação e patamares diferentes e que somente isto mantém uma suposta “respeitabilidade”. Não sou das pessoas mais afetivas fora do âmbito da minha família, mas confesso que tem um aperto de mão, um olhar carinhoso e um abraço de pessoas com as quais convivo, inclusive alunos, que melhoram em muito a qualidade de vida, porque fazem esquecer momentos menos agradáveis, valendo a pena apostar na educação.
De alguns alunos, é comum que isto se estabeleça depois de concluído o curso, quando se dão conta de que poderiam ter aproveitado mais – e foram avisados – mas não o fizeram, e querem uma espécie de segunda chance, uma nova oportunidade, sem matrícula oficial. Talvez seja por este motivo que não consigo me acostumar com a expressão “ex-alunos”. Muitos deles continuam mantendo contados, fazendo consultas, procurando informações sobre redação de texto, oportunidades de trabalhos e, até... situações emocionais.
Minha experiência educacional não é das maiores: leciono em comunicação social há 16 anos. Alguns de meus colegas têm 20 e até 30 anos nesta área, mas já disse que não devo lecionar mais do que três ou quatro anos. Em respeito aos próprios alunos, pois nas áreas que atuo – gráfica, redação e marketing – as mudanças são constantes, exigindo renovação. Fica uma certeza: auxiliar jovens a descobrir seus caminhos, estimulá-los a enfrentar desafios, mostrar que mesmo diante de seus medos sempre há uma alternativa, faz esperar mais vezes recados eletrônicos que iniciem por um simples: “querido professor”.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Pelo prazer de apenas dirigir

Estamos fartos de ouvir, mas é uma verdade: nosso problema não é de legislação, mas de cidadãos sabedores da sua existência e autoridades dispostas a aplicá-la. Isto fica claro no trânsito, onde a falta de consciência coletiva e o sentimento de impunidade permite atrocidades. O resultado está aí: todos os dias os jornais estampam manchetes com acidentes envolvendo todo o tipo de veículo, trazendo consequências: mortes traumáticas ou seqüelas físicas e psicológicas para o resto da vida.
De quem é a culpa? Quase sempre do motorista que acha que por trás da direção pode tudo, isentando-se de responsabilidade e culpando o outro condutor ou mesmo o pedestre. Pessoas normalmente tranqüilas no seu dia a dia sofrem um transtorno quando assumem a direção: esquecem seus valores fundamentais, como a vida e o respeito pelo outro – veja-se a preferência para pedestres; o cruzamento à esquerda ou à direita, quando há acostamento; ou mesmo o som em altura impossível de ser suportado.
Ouvi histórias de arrepiar: uma senhora estacionou em frente a um colégio particular, em fila dupla, acionou o pisca alerta, fechou a caminhonete e foi lá dentro com toda a tranqüilidade, fazer o que queria. No outro caso, um filho cobrou do pai comportamento adequado no trânsito e ouviu a máxima: “se os azulzinhos não estiverem vendo, filho, pode fazer qualquer coisa”. E uma prefeitura da zona sul que teria quatro equipamentos para fazer a averiguação de ruídos, mas “não sabe como usá-los...”
Não se tem uma receita fechada para readquirir o bom senso, uma convivência harmônica, mas há sinais: o respeito à faixa de segurança em frente aos colégios pela maioria; sinais e reclamações com aqueles que estacionam em fila dupla e a cobrança para que as autoridades não se omitam, quando fogem dos pontos onde há mais problemas. O carro deve ser um instrumento a serviço do homem, assim como para o seu prazer, não uma arma. A esperança é que a maioria continue a agir de forma correta e nossas crianças e jovens tenham uma nova educação, mais solidária e fraterna. Não havendo receitas e na medida do possível, o bom em qualquer situação – trabalho, passeio, diversão – e usá-lo pelo prazer de apenas dirigir.