domingo, 31 de julho de 2022

Um pedaço de bolo para Francisco

A semana foi marcada pelo dia dos avós, 26 de julho, quando se acompanhou muitas e lindas mensagens de lembranças e de carinho. O papa Francisco, em viagem pelo Canadá, que chamou de "peregrinação penitencial", teve momento para celebrar os pais de Nossa Senhora, São Joaquim e Santa Ana. Alertou para "a importância de preservar a memória dos que nos precederam". Falando dos idosos (e não tão idosos assim) que já têm a graça de serem avós, reiterou a importância da sua "ternura e sabedoria".

Nas mensagens dos não tão jovens (também não muito velhos) membros do Grupo de Jovens em Busca de Um Novo Sol – os GEBUNS – brinquei que estava gostando das mensagens aos avôs e avós, mas que também, como no meu caso, podiam lembrar dos “tios-avôs” e, tenho certeza, de muitas “tias-avós”. Foram poucos consolos e eu passei a sentir que fazemos parte de uma categoria menor e menos valorizada. Mas, na relação das lembranças afetivas das nossas sempre “crianças”, não menos importantes.

Dia dos avôs e avós era data reservada para um bolinho de padaria no lanche da tardinha, quando estava presente boa parte da família. Ao sair para as compras, recebia o alerta da mãe: “traz qualquer coisa, alguns salgadinhos, mas não esquece do bolo de aipim com coco!” Não, não tinha como esquecer da especiaria que fez parte dos cafés de muitas tardes na minha casa, assim como continuou presente nos últimos dias da sua vida, com o gosto agradável da mistura se desmanchando devagarinho na boca...

Infelizmente, pouco convivi com meus avôs e avós, tanto paternos quanto maternos. Mas fui privilegiado em privar da relação do meu pai e da minha mãe com seus netos. Meu pai, especialmente, era um caso raro de elemento agregador. Para onde fosse um filho, por onde andasse um neto, em algum momento, fazia a sua mala e tomava o rumo da estrada. Nos finais de semana, fazia questão de reunir toda a família que ainda residia por aqui. Não era de muitas palavras, nem de muitos conselhos, mas sabia ser presença.

Da viagem do papa, que tem cara de avô daqueles que são “cumplices” dos netos, vejo que não desiste da humanidade, que também se parece com os “filhos dos filhos” que ouvem muitos e bons conselhos, mas, na maior parte das vezes, entram por um ouvido e saem pelo outro. Imaginei meus pais recebendo com muito carinho o velhinho que hoje é um peregrino da paz e do bem. Não resistiriam em mostrar o pátio e reclamar que nestes tempos de umidade as lesmas estão fazendo parceria e comendo as plantas...

Depois, sentariam na sala. Seu prato seria servido com uma generosa fatia de bolo, daquelas que o visitante pode até não querer, mas tem vergonha de se negar a comer. Além do aroma da gostosura novinha e, muitas vezes, ainda quente, acompanhava o perfume de um café passado. Sorririam, contariam causos e eu me quedaria em silêncio bebendo do seu carinho e da sua sabedoria... Sentindo que não era apenas o que diziam, mas a sua história me deixando marcas que seriam referência para toda a minha vida...

sexta-feira, 29 de julho de 2022

O espelho e o encantamento...

Quando ficares diante do espelho,

Não te importa com as rugas

Que o passar do tempo desenhou em teu rosto.

Quando o outro que te confronta por detrás

Do vidro apresentar os traços

que contam detalhes das tuas andanças,

Diz que representam a tua própria vida.

Quando lembrares da infância e da juventude

Que escorreram pelos sulcos que marcam

Tua boca e, especialmente, teus olhos,

Ali sim, se encontra o perfeito registro da tua história.

 

É em torno dos teus olhos que guardaste

Recordações e saudades.

E são eles que interessam.

É por ali que se começa a morrer.

O fim se anuncia marcando a janela da alma.

 

Quem disse que apenas as crianças

Tem o olhar da curiosidade e do espanto?

A vida e o tempo podem te magoar de diversas formas,

mas não são capazes de acabar com o encantamento...

 

Quem disse que apenas as crianças

Têm a chama curiosa que encandece a vida?

Mesmo que cada fibra do teu corpo teime

Em fenecer, há um espírito que reluta em deixar de luzir.

No olhar que procura outro olhar

Sobrevive a curiosidade, a simpatia,

A atenção, alguém que mendiga por amor!

 

Sim, somos mendigos do amor por toda a vida.

Não importa que não nos ofereçam aquilo que desejamos,

Passamos cada dia tentando saciar o anseio

De que o outro esteja próximo e nos complete.

 

Não tenho medo de cerrar os olhos

Quando o fim toldar minha visão.

Tenho medo de olhar para o espelho

E enfrentar uma sombra ainda mais dolorosa,

Quando, por sobre meus ombros, não encontrar

Os rostos que me deram momentos de felicidade...

Nas dobras do tempo e da saudade

Seus risos e sorrisos embalaram

O cansaço que adormece as minhas vistas.

Será então que se restar um sorriso em meus lábios

Terei a certeza de que ainda existe

Um resquício de vida em meu olhar...

terça-feira, 26 de julho de 2022

Saúde em tempos de pandemia

A live Partilhando da arquidiocese de Pelotas (quartas, às 20h30m, pelas redes sociais) conversou, semana passada, a respeito da Pastoral da Saúde. Os convidados foram os coordenadores Beno Konrad e Bernardete Lovatel. Fizeram avaliação de como andava antes da pandemia, como se viraram neste período e perspectivas. Nem é preciso dizer que a atividade de cunho social foi das mais prejudicadas, tendo que superar obstáculos como o negacionismo e a falta de uma cultura de cuidados em todos os níveis.

A preocupação, hoje, é mobilizar a estrutura das paróquias católicas e implementar atividade com três aspectos: da solidariedade, a comunitária e a político-institucional. No documento que embasa suas práticas (redes sociais da arquidiocese de Pelotas), diz que são “interligadas e interdependentes. Pode-se priorizar uma, sem deixar de lado as outras. Em todas as dimensões será momento para: acolher, orientar, promover a saúde, educar, libertar, reivindicar, organizar, assistir, evangelizar.”

 Na dimensão da solidariedade, destaca-se a presença junto a doentes tratados em suas residências ou nos hospitais, necessitando de cuidados domiciliares e da comunidade, num atendimento ao ser humano, de forma integral, nas suas dimensões física, mental, social e espiritual. A segunda é a dimensão comunitária, pela educação para a saúde, em que se valoriza, também, a sabedoria e religiosidade popular, promovendo encontros educativos sobre doenças, mas, também, alimentação, saneamento básico e higiene.

Por fim, a dimensão político-institucional atua junto aos órgãos e instituições públicas e privadas que prestam atendimento e formam profissionais na área da saúde. Incentiva a que aconteça uma reflexão bioética, uma formação ética e se definam políticas que, de fato, beneficiem a população. Esta atuação se dá pela presença nos conselhos de saúde, em todos os níveis, e nas conferências da área, tendo como preocupação o Sistema Único de Saúde, que precisa ser bem utilizado, cobrado e fiscalizado.

É um trabalho de formiguinha... Os grupos paroquiais que retomam suas atividades estão superando a ideia de uma saúde curativa por uma saúde preventiva e integral. Vale a pena repetir: a saúde se dá nas dimensões física, mental, social e espiritual. Quando chega ao ponto de ser somente lugar onde se descarrega a produção da indústria farmacêutica, existe algo errado. Quando um paciente chega a um postinho e recebe, apenas, exames e medicamentos, significa que se errou no processo de conscientização.

Os entrevistados destacam a riqueza da parceria com as demais pastorais e movimentos sociais. O empobrecimento da população causa estragos no presente e aponta sequelas para o futuro. A pastoral da criança, em um texto, diz que “somos o que comemos...” Na verdade, somos o que fazemos com nosso físico, com os desafios mentais, a capacidade de interação social e a paz que se precisa alcançar pela espiritualidade. É uma mão estendida, um longo caminho e uma jornada que não se pode fazer sozinhos...

domingo, 24 de julho de 2022

Uma bala de menta

A visita do padre Michel a uma escola no interior de Canguçu rendeu histórias. Jovem, costuma de andar de batina preta e brinca com a criançada que é um “padre Batman”, personagem de filmes que, nas últimas produções, anda pelas sombras. O padrezinho precisa facilitar a vida dos meninos e meninas que desejam conhecer a fé cristã e encontra momentos de convívio, que devem ser engraçados, especialmente quando inventam, depois de um almoço, de subir numa bergamoteira, em busca de sobremesa.

Um dos causos que contou foi do aluno, depois das conversas e perguntas (não muitas, porque ficam encabulados), do qual granjeou simpatia e aceitação. Estavam no recreio, depois do almoço, em pleno inverno, satisfeitos em comer bergamotas, “lagarteando”, quando um “alemãozinho”, segundo ele, passou e ofereceu uma bala de menta, que foi parar no seu bolso e descoberta alguns dias depois. Confesso que não gosto de bala de menta, mas quando enviou a foto, tive que pensar no seu simbolismo.

Pensei que já estava distante o tempo em que padres costumavam ter bolsos cheios de balas e santinhos. Me fez voltar à minha infância, nos tempos de catequese, em que, na hora do recreio, tanto nas dependências da igreja de Santa Teresinha, quanto nas vezes em que éramos reunidos pelas catequistas para ir ao campo do Esporte Clube Silveira, aparecia o padre Roberto para jogar futebol. Eram 15 minutos felizes que encerravam com o surgimento, dos bolsos da batina, de um poço sem fundo de guloseimas...

Num tempo em que o respeito humano prescreve que não se deve falar ou testemunhar a própria fé para, supostamente, deixar que as crianças façam as suas escolhas mais tarde, uma falácia que se aplica a princípios religiosos, mas não serve para paixões do futebol, políticas e até sexuais. A meninada que estava reunida no colégio beira a adolescência e, num turbilhão de emoções e descobertas, já deveria ter vindo de família com a base necessária para não enfrentar, também na fé, as dificuldades e os percalços deste tempo.

O papa Francisco fala de uma “Igreja em saída”, conceito mais fácil de teorizar do que de praticar. Em um meio indiferente e hostil, o anúncio da religião é elemento que, muitas vezes, se presta à curiosidade e não auxilia na vida diária. “Uma bala de menta” é sinal de mão estendida quando religiosos têm coragem de sair de seus muros e se confrontar com o mundo. Tempos de crise são ocasião para, além de buscar bergamotas no pé, encontrar terreno sedento por testemunho e anúncio da Palavra de Deus!

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Um rastro de Eternidade

Usa a tua imaginação.

Faz escolhas como quem percorre as estações do ano.

Não tenhas medo do Inverno.

Pensa nele como a oportunidade de

Hibernar sentimentos e ressentimentos.

Um tempo de novas perspectivas, de novos recomeços.

 

Não te deixes seduzir com a fugacidade da Primavera.

Mesmo que ela derrame em tuas mãos o perfume

E nas lembranças o encanto das cores,

Ela sabe ser doce e efêmera...

 

Não pensa no verão como o tempo da dolência,

Mesmo nas noites escaldantes,

há sempre a esperança de

uma brisa que tranquilize o teu espírito.

 

Não teme o outono.

O vento que varre as folhas

É o mesmo que areja teus pensamentos,

Quando as cores são mais aconchegantes

E as árvores se desnudam do que perdeu a essência

Para que o frio as purifique.

 

As estações do ano ressignificam os sonhos.

Somente as entenderás quando não precisares

fugir da realidade para concretizar teus anseios.

No lusco fusco dos sentidos e das paixões

é preciso dobrar-se sobre si mesmo

para, enfim, reencontrar as próprias origens.

 

O tic-tac do relógio é a música que marca

o compasso de todos os Tempos.

O que impede de entender as estações da vida

É o medo de que se precise escolher

entre a mudança e a estagnação...

Não tenhas medo dos teus próprios medos.

Os ciclos da vida acontecem pelo encantamento

Dos horizontes que vão se definindo ao se caminhar.

O tempo que escorre por teus dedos,

marca teu corpo e precisas lhe dar o significado

Que te conscientiza da tua própria identidade.

 

Os sinais da mudança estão para além do significado das palavras.

Saboreia o encanto do que murmuras mesmo

Antes de alcançar a sua compreensão.

E se eles apenas se mantiverem como mistério

Terás o doce encantamento do que é um rastro de Eternidade!

terça-feira, 19 de julho de 2022

Peço ajuda para a Celeste

Quinta-feira da semana passada postei pedido de ajuda pelas redes sociais para a Celeste. Com 44 anos, casada com o Leandro e tendo dois filhos, o Davi e a Júlia, a família está numa encruzilhada: ela foi diagnosticada com câncer no intestino e metástase no fígado. A luta vem de longe pela sobrevivência e, como se não fosse suficiente a preocupação com a saúde, atingiu um estágio em que precisa de medicação que não é dada pelo atendimento público, necessitando da solidariedade de todos nós.

Com dificuldades financeiras, Celeste, filha de uma prima, apelou para a comunidade e usando da Vaquinha (pelas redes sociais – 2922306@vakinha.com.br – email/pix) e do pix/CPF do seu marido: Leandro Pereira da Silva – 00085778036, para chegar ao montante necessário. Com anemia, necessitou de transfusão de sangue para iniciar a medicação com o dinheiro arrecadado. Mas é só o começo. Precisa de apoio, como o do almoço beneficente que o CTG Unidos da Querência realiza no dia 31 de julho.

Encontrei nas redes sociais o texto que motivou o meu engajamento. Com simplicidade, ela mesma conta sua história: “em fevereiro de 2021, fui diagnosticada com câncer de intestino com metástase no fígado que estava com dois nódulos de mais de 10 cm cada. Fiquei um mês internada no hospital da FAU, passei por uma cirurgia para retirar a lesão do intestino e colocar uma bolsa de colostomia. Em maio do mesmo ano, comecei a fazer sessões de quimioterapia para tentar diminuir os nódulos do fígado”.

Quem já tratou de um câncer ou auxiliou a cuidar de alguém sabe que é uma saga que inicia: “no começo obtive bons resultados e as células cancerígenas diminuíam. Mas em abril de 2022 elas voltaram a subir muito e a doutora trocou a quimioterapia para uma mais forte, que não está dando resultado. Como essa quimioterapia é a mais forte para tratar esse tipo de câncer não tem como tentar outra. A última esperança é o medicamento imunoterápico (ERBITUX ou CETUXIMABE) que o SUS não fornece”.

As dificuldades se transferiram para outra área: “tentamos conseguir judicialmente logo no início que comecei as quimioterapias, mas o juiz negou. Recorremos, mas ainda não obtivemos resposta. Por isso criamos uma vaquinha, na tentativa de comprar algumas doses do medicamento para dar início ao tratamento, pois preciso começar o mais rápido possível até que se resolva a questão judicial. A prescrição médica é de, no mínimo, seis meses de tratamento. Sendo uma aplicação a cada duas semanas.”

O valor aproximado da medicação e da clínica é entre 10 e 15 mil reais. A pretensão é conseguir ao menos para duas aplicações e ver o resultado. É uma luta contra o tempo. Mas ainda há esperança na forma como encerrou o seu apelo: “ter essa doença e todas as reações que causa é muito difícil, mas saber que posso morrer em pouco tempo e deixar todas as pessoas que eu amo, principalmente os meus filhos, que ainda precisam tanto de mim, é mais difícil ainda”. É uma guerreira. Eu peço ajuda para a Celeste...

domingo, 17 de julho de 2022

“Olha a gentileza”: Tem crianças distribuindo abraços

Na semana passada, quem circulava pela PUC, em Porto Alegre, foi surpreendido por um forte e carinhoso abraço de criança. Alunos do 1º ano do Ensino Fundamental do Colégio Marista Champagnat tiveram uma aula prática de gentileza, com a professora Clarissa Petersen. Voltaram de um período de isolamento causado pela pandemia e foram estimulados a praticar ações em que demonstrassem generosidade. A brincadeira entre eles é de que, quando um sai da linha, o outro alerta: “olha a gentileza”.

Li o texto onde o colunista Nilson Souza falou a respeito, com o título de “Abraços e livros”, no jornal Zero Hora. A vinculação com o livro é porque o escritor pesquisou e encontrou o fundamento pedagógico da professora na obra “Gentileza”, de Alison Green. Educadora americana que teve títulos sugestivos como “Um mundo melhor”, em Portugal, e “Amables”, na Espanha. Há um tripé básico na formação das crianças que sustenta seus valores e referências por toda a vida: a generosidade, a amizade e o afeto.

Conviver não precisa ser complicado. Elenca receitas básicas para relacionamentos que sejam maduros emocionalmente: “ouvir com atenção a outra pessoa, segurar a mão de quem se sente assustado ou desprotegido, contar uma história para animar, incluir e cuidar, deixar passar na frente, ajudar, ser solidário, distribuir abraços...” Se existe um receituário para auxiliar a melhorar o Mundo, tenho certeza de que inicia por coisas que podem parecer banais, mas que estão na essência do dia a dia, da própria vida.

Não pude deixar de lembrar do vídeo em que uma criança está numa celebração religiosa e, quando as pessoas se deslocam para receber a Eucaristia, sobe na ponta de um banco e as abraça. Os olhares são de surpresa, seguidos de sorrisos e retribuição pelo carinho. Meninos e meninas, homens e mulheres, idosos e idosas recebem o seu quinhão de afetividade num momento inesperado. Se encaminham para um momento importante da Missa ou do Culto e tem o coração acarinhado por um pequeno anjo.

Ou das crianças com Síndrome de Down que iniciaram uma corrida. Quando uma delas tropeçou e caiu, a mais próxima ficou para trás para ajudá-la e, na medida em que as outras também se davam conta, voltaram e cercaram aquela que estava no chão. Foi o tempo suficiente de erguê-la e não tiveram dúvida: dois a amparavam enquanto as demais formavam uma linha e assim chegaram ao final da prova. Não houve um vencedor, venceram todos, especialmente pela lição de solidariedade que deram.

A gente podia aprender com as crianças. Atentados à vida cometidos por motivações supostamente políticas é exatamente o contrário: a falta da capacidade de empatia, o sentimento de gentileza que deve ser o algodão entre os cristais, nas relações humanas. Neste tempo em que se estimula a violência através de gestos como “arminhas”, dou razão ao Nilson Souza quando termina seu texto num alerta que todos nós deveríamos endossar: “O mundo só será melhor com mais bibliotecas e menos clubes de tiros.”

sexta-feira, 15 de julho de 2022

A loucura de sonhar

Não te importa se me encontrares sorrindo à toa pela rua.

Não fica preocupado se meu olhar estiver perdido em algum lugar do passado.

Não te angustia se me ouvires falando sozinho,

Falo com os meus fantasmas ou apenas um tardio reencontro.

É o meu jeito de envelhecer com o direito de retomar aquilo que perdi pelo caminho...

 

Já fiz tanta coisa pensando em agradar a outros:

Fui me enquadrado socialmente

E, com o tempo,

Esqueci a minha identidade,

Perdi a rebeldia em que a juventude me incentivava a discordar.

Mudei até as roupas que vestia,

O tempo que gastava comigo e com meus amigos,

Tornei-me um modelo de adulto de que sempre duvidei que valesse a pena.

 

Não quero mais participar das rodas de pessoas crescidas,

Não quero mais falar coisas sérias,

Não quero o engessamento dos modos e trejeitos

Que são a armadura que me afasta

E me mantém isolado dos outros...

 

Quero a loucura das pessoas que conseguem negar a realidade,

Quero me embebedar com o sorriso e o riso de uma criança,

Quero o suspiro do idoso que anseia por um abraço.

 

O que entendes ser a minha senilidade é apenas

A forma de fugir do mundo que me agride

Para um outro, que pensas ser imaginário, mas que me acolhe.

Minha loucura é mansa e tranquila.

Sei que já faço confusão e quando falo

Das minhas memórias afetivas, muitas vezes,

As confundo com meus sonhos e ideais.

Não tem importância, já aprendi que a verdade

Cabe perfeitamente dentro da minha imaginação.

 

Eu não quero a lucidez dos homens sérios.

Eu não quero a religiosidade de quem negocia com Deus.

Eu não quero um humanismo que dispensa o próprio homem...

Se possível, quero o sono dos justos,

Quero o sonho da ousadia,

Quero a lágrima que derramo enquanto durmo.

 

Desejo o direito de envelhecer com minhas marcas,

Aquelas que alquebraram meu corpo

E as que pensaram dobrar o meu espírito.

Almejo a paz que reguei e que, agora,

Já posso descansar à sua sombra

E colher do seu próprio fruto!

terça-feira, 12 de julho de 2022

Envelhecer com dignidade

Seu Armando perambula pelas ruas durante a manhã. Na casa, onde vive com o filho, esposa e netos, não encontra sossego. Depois que o filho sai para o trabalho, começam os problemas. Para “cuidar” da casa, a mulher faz com que se desloque diversas vezes, utilizando, como expressão mais carinhosa, a pecha de “velho inútil”. Acaba na praça onde dá um descanso para o espírito. Não quer incomodar. Prefere silenciar quando está em casa, em família. Tem medo de que, se irritá-los, o coloquem num “asilo”.

Especialistas dizem que o caso do seu Armando não é isolado. Em tempos de pandemia, muitos foram negligenciados em detrimento do núcleo mais próximo; passaram a sofrer de algum tipo de demência ou perda de memória, tipo um apagão “conveniente” para não causarem mais problemas para os outros; recolheram-se ao isolamento, inclusive com claros sinais de depressão e, o que é mais triste, acentuou-se o receio de que os ataques com palavras, como as repreensões, se transformem em agressão física.

O problema maior não é a violência que acontece nas ruas, mas aquela que se dá dentro de casa, especialmente nas áreas psicológica e financeira. Alguns são de expressão verbal, como no caso, mas outros são mais sofisticados, numa tortura que visa provocar desconforto com a sua presença através do menosprezo, desprezo, preconceito e discriminação. Num tempo em que, em muitos casos, a necessidade de carinho aumenta, são palavras duras que conseguem aterrorizar, humilhar e restringir a liberdade.

A constatação de que já possuem renda fixa é um chamariz para pessoas interesseiras, inclusive membros da família, quando passam a ser responsáveis por suas contas com o intuito de explorá-los. O leque se amplia quando há a apropriação ilícita de patrimônio por aqueles que são próximos, mas também por “profissionais” e instituições. Existe uma autêntica indústria da “aposentadoria” com informações de dados pessoais, que deveriam ser sigilosas, sendo vazadas, e começa uma autêntica caça aos aposentados.

Em junho, no dia 15, a Assembleia Geral das Nações Unidas alertou para o Dia Mundial da Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa. A pandemia confinou pessoas em suas casas e exacerbou muitos dos problemas sociais, como a violência doméstica, onde se inclui o idoso. Considerado assunto privado das famílias ganha evidência assim como a violência contra a mulher e a criança. Que somente não se tem a sua total dimensão porque o medo ainda impede que se animem a fazer qualquer denúncia.

Para que envelheçam com dignidade, há dois elementos: um é de polícia. Quem usa algum tipo de violência com idoso não pode ser tratado como “cuidador e responsável”, mas agressor, sujeito às penas legais. A outra é social: problemas econômicos distorcem valores, especialmente para quem se equilibra na busca pela sobrevivência. Quando se veem idosos bem tratados em grupos familiares se tem noção do que perde seu Armando andando pela rua, carente do elementar: o direito de terminar a vida em paz...

domingo, 10 de julho de 2022

A bicicleta branca da saudade

A bicicleta sempre fez parte da minha vida. Aprendi a pedalar pelas calçadas da minha rua da forma mais difícil. Tempos antigos, bicicletas de ferro, andando com uma perna por dentro do quadro e, o que pode parecer temerário – e para nós era uma aventura – não sabia travar, precisando diminuir a velocidade e, num lugar mais macio, jogar-se ao chão. Como se dizia: depois que se pegava o jeito, “zuníamos” pelo espaço entre a valeta e a cerca, tendo como resultado, no fim do dia, arranhões e as roupas sujas.

Claro que os tempos são outros, com bicicletas tendo mais recursos e sendo mais leves. Mas, afora quando passam os trabalhadores e estudantes, em horários de pico, ainda é uma algazarra de pequenos grupos que fazem seu alarido no final das tardes ou aos domingos. Como nos velhos tempos, tem o exibidinho que quer levantar a roda da frente; o preguiçoso que segura no bagageiro para não precisar pedalar; o “mocinho” que fica para trás flertando com uma das meninas que acompanha a turma.

Foi com agradável surpresa que voltei a encontrar o que, pensei, havia perdido na minha infância: a possibilidade de que a bicicleta ficasse encostada ao lado da casa, muitas vezes jogada ali, na pressa, já pensando nas brincadeiras em que se ia participar. Hoje, andando pelos passeios de alguns condomínios de casas populares se encontram as bicicletas, bolas e outros brinquedos sobre o gramado, em frente das residências, certos de que os seus donos já partiram para outras atividades e ficarão, ali, a esperá-los.  

No início da manhã e no final da tarde, há uma procissão de bicicletas de quem a usa para se deslocar ao serviço ou à escola. É diferente da passagem da gurizada. São pessoas de mais idade, num ritmo constante, preocupadas com horários e suas responsabilidades. Não creio que pensem nos benefícios físicos, para a saúde, que advém desta prática. O fator que influencia é outro: a possibilidade de economizar no preço da passagem de ônibus, que acaba pesando no orçamento no final do mês.

Também, ao longo do dia, passam ciclistas que fazem seus trajetos pelo prazer de pedalar e em busca de aperfeiçoamento físico. Os desportistas, normalmente, em boas e caras bicicletas, com roupas adequadas, usufruindo dos novos espaços onde podem fazer seus exercícios em segurança. No entanto, também passam casais ou até famílias que passeiam em grupo, com crianças menores em bicicletas também menores, quando não consigo deixar de pensar que, cansadas, naquela noite, vão dormir como um anjo...

Na última semana, chamou a atenção a bicicleta branca estacionada junto a uma árvore, na entrada da minha rua. Cestinho e bagageiro são, agora, o lugar onde as pessoas colocam flores. Um “monumento” à lembrança da dona que sofreu acidente e perdeu a vida no cruzamento. Lugar difícil de se atravessar, já que o interior das vilas há muito tempo espera ser contemplado com ciclofaixas. O sinal que serve como alerta de perigo. A parte que mostra a sentida lembrança e, certamente, uma dolorida saudade...

sexta-feira, 8 de julho de 2022

O detalhe que acalenta nossos sonhos

Não consigo entender porque as pessoas discutem o tempo.

Quem controla o tempo?

Quem influencia as mudanças e os humores das estações?

Fazer previsões é um bom jeito de se errar a conversa.

As mudanças do clima são como as mudanças do coração:

Podem estar turvas pela manhã... aparecer um sol à tarde...

E se tornar uma bela noite enluarada!

 

Numa tarde chuvosa, nublada e com cerração

O olhar vai à distância e tudo é cinza, apagado, entristecido...

As pessoas passam encolhidas, escondidas

Por guarda-chuvas, capas e capuzes.

Andam apressadas, puxam as crianças pela mão,

Na espera de que chegar em casa é a recompensa

Pelo tempo em que foram andarilhas nas ruas.

 

Diferente dos dias de sol, quando grupos de jovens e crianças

Se arrastam pelas calçadas em brincadeiras e risadas,

O mau tempo apressa o passo e mantém o silêncio.

A chuva dolente e fria que cai não é um convite

Para o frescor de uma tarde de verão...

Sequer se ergue o rosto, com os olhos fixos

Nos lugares por onde os passos nos levam.

 

No carro fechado, o rosto de uma criança se esfrega contra o vidro.

Um desenho nos lugares embaçados pela respiração contida.

Mãozinhas umedecidas traçam figuras nas laterais e no vidro de trás.

Restam as digitais do pequeno artista/arteiro em reconhecimento de culpa.

O agito de uma carga preciosa que vai esquecer que um dia deixou

Seu traço efêmero num veículo que transportava sonhos e ilusões...

 

O garoto que caminha displicente sob a chuva

Segue seu caminho chutando as poças que se formam na beira da rua.

Não tem destino traçado. Zig-zagueia pelo asfalto.

O capuz nas costas, o cabelo escorrido, a roupa umedecida.

Não se importa com os carros que passam e levantam a água.

Já está molhado e, mesmo assim, não acelera o passo.

Cansado? Entristecido? Porque não vê motivação para chegar?

 

A chuva de Inverno é o convite ao aconchego de um lar.

Lugar para reencontros, livrar-se das roupas incômodas,

Sorver uma bebida quente,

Aquecer o corpo e o espírito.

Chegar é sempre o motivo para se andar por todos os climas.

As manhãs ensombrecidas dão lugar aos raios de sol

Que esperançam a tarde.

E quando a noite aconchega as tormentas,

A chuva é apenas um detalhe

Acalentando os sonhos que ainda nos restam...

terça-feira, 5 de julho de 2022

“Razão” e pouca sensibilidade

Desde que a capital do Brasil deixou o Rio e migrou para o centro do país, cunhou-se a expressão que diz muito da realidade que se vive hoje: Brasília é a “ilha da fantasia”. Sem querer ofender os personagens, senhor Roarke e o pequeno Tattoo, do seriado que leva o mesmo nome, do final da década de 70. O que se ouviu no Senado Federal para justificar a “PEC do desespero”, demonstra uma duvidosa “razão” e o quanto a classe dos políticos tem pouca sensibilidade para com a realidade em que vive o brasileiro.

Com a corda no pescoço pela incompetência política e administrativa, o Senado dobrou-se ao governo federal e aprovou medida classificada pelo ministro Paulo Guedes como “kamikaze”. Uma série de benemerências que poderiam ter sido feitas na medida em que os problemas foram aparecendo. Mas, então, com a pouca memória do brasileiro, não teriam o efeito de serem realizadas às portas das eleições. Já tisnada pela fumaça, a oposição, simplesmente, lavou as mãos com o argumento da “necessidade iminente”.

Não há dúvidas. Meios de comunicação denunciam todos os dias problemas sociais que se agravam: como é possível dormir tranquilo quando se sabe que um em cada quatro brasileiros tem problemas para colocar refeição decente na mesa da família? Muitos vivem de forma precária em favelas, cortiços, cantos e recantos distanciados dos benefícios das políticas urbanas. O homem e a mulher das vilas sofrem, assim como é sobre quem recaem as suspeitas da violência que entranha como câncer o tecido social.

O que faziam os senhores senadores – e o que farão os senhores deputado? Homens e mulheres que, despudoradamente, fazem sofismas para explicar o inexplicável. Todos os discursos eleitorais perdem sentido quando, na prática, precisam fazer as negociações que julgam necessárias para manter seus redutos e seus “empregos”. Da forma como está engessada a estrutura política/funcional da representação legislativa e executiva (sem falar do judiciário), pouco ou nada o cidadão consegue fazer para mudar.

Na Bienal do Livro, iniciada em São Paulo, muitos autores falaram da necessidade da leitura para consciência social. Sendo repetitivo: mudanças políticas não se fazem sem educação. O que se vê, mesmo nas recentes “medidas de bondade”, é o assistencialismo que passa longe dos bancos escolares e do processo que pode fazer a diferença. Manter cidadãos a cabresto é o jeito para que ouvindo não entendam e acreditem nos discursos bombados e inflamados, vazios da elementar substância que revigora a cidadania.

O filósofo Leandro Karnal diz que “democracia não é o paraíso. Mas consegue garantir que a gente não chegue ao inferno”. De fato, dos regimes que se conhecem até hoje é a forma que se mostra mais adequada para o convívio social. Perspectiva que precisa ser alcançada com muito trabalho. Os produtos do marketing que agora se apresentam como candidatos nas próximas eleições deveriam ouvir Nelson Mandela: “democracia com fome, sem educação e saúde para a maioria é (apenas) uma concha vazia...”

domingo, 3 de julho de 2022

Pelas ondas do rádio

O Reinaldo é o faz tudo aqui em casa. Na última vez que organizou as bagunças que eu vou deixando, resolvemos arrumar um depósito/sumidouro que o pai enjambrou na garagem. Dali, literalmente, saiu de tudo, especialmente, lixo. Fiz seleção que incluiu um moedor (para triturar milho), um cepilho (aplainar madeira), um estojo de injeção, com o aparelho, onde se aquecia a água para esterilizar... Meu encanto foi para os rádios à pilha com mais de 50 anos, meus primeiros objetos de consumo, ainda no Seminário.

Depois que falei sobre as cercas dos vizinhos, em duas ocasiões, amigos comentaram a respeito da saudade que tinham das conversas sem barreiras, uma delas falando sobre as novelas de rádio, motivo de reunião de amigas para tomar um mate. Mas, também, o Sérgio Correa, com a sua preocupação com a sobrevivência deste meio de comunicação. Bastou se comentar na segunda, pela manhã, pelo programa Hora Marcada, para que também outras pessoas trouxessem suas lembranças das transmissões e programas.

Ganhei meu primeiro rádio aos 15 anos. Quando a seleção brasileira foi campeã de futebol e acompanhei as transmissões dos jogos pela rádio Guaíba. Éramos “guaibeiros” de plantão. Em 1970, outras emissoras de rádio, mesmo na capital, não tinham a força que, ainda por muitos anos, era a marca da Guaíba. Noticiários, transmissões esportivas, programas de entrevistas e um toque muito especial para uma rádio AM: “a boa música da Guaíba”, fechando a programação na madrugada e com espaços na tarde e na noite.

O rádio foi o precursor dos programas de entretenimento que, depois, migraram para a televisão. Radionovelas ocupavam bons espaços, com público, especialmente feminino, fiel. Já eram feitos eventos em auditório, com shows de calouros, os humorísticos e a presença de artistas consagrados. Tudo ao vivo, porque não havia o recurso da gravação. Então, quando chegava a hora do intervalo, os “artistas” contratados faziam os anúncios de produtos, seja utilizando a voz e fundos, com bandas musicais, ou mesmo cantando.

Recebi um dos rádios recuperado das tralhas do seu Manoel do padre Olavo numa das atividades que ele inventava para que concorrêssemos em gincanas. Ainda não se tinha o FM e, muito menos, o “streaming”, mas o radinho era metido, sintonizando emissoras de Porto Alegre, onde despontava a Guaíba; surgia a Gaúcha, naquele tempo investindo no tradicionalismo; assim como a Farroupilha, com maior apelo popular. Aparecia, também, a Rádio Difusora, hoje rádio Band, que pertencia aos religiosos Franciscanos.

Gosto de rádio. Exatamente pela possibilidade de se reinventar. A internet chegou não para acabar com os meios de comunicação antigos, mas afim de provocar mudanças. As redes sociais permitem a criatividade, com novas formas, e chegar às populações mais jovens. O rádio estende o olhar para além da nossa porta. Junto com novas mídias, instrumento que amplia horizontes. Uma janela para o Mundo, com direito a que idosos – assim como eu – sintam o privilégio de viver a riqueza destes tempos de mudanças.

sexta-feira, 1 de julho de 2022

O tempo e a palavra

Falar e escutar são necessidades básicas dos sentidos.

A forma humana de interagir, na busca pelo

equilíbrio entre o dizer e o ouvir.

 

Quem tem a fala como profissão sabe

dos momentos em que anseia pelo silêncio,

O jeito de recarregar energias.

A sensibilidade para não agredir

Ou tornar-se apático quando repetem

Argumentos ou têm dificuldades de se expressar.

 

A palavra, usada rotineiramente,

Pode envelhecer e se acomodar.

É quando há um grito silencioso por socorro.

Tempo de deixar a zona de conforto,

O desafio para encontrar o a mais do que o dito,

Que murmura significados.

 

Na ausência da sensibilidade,

As palavras podem machucar.

Na presença da empatia,

As palavras podem seduzir.

 

Não desista da palavra.

Feche os olhos e baile no seu entorno.

Encorpadas, borbulham por entre os lábios,

Mesmo quando não dizem tudo o que você imaginou.

Mas surpreendem sendo as suas palavras...

 

O tempo é inclemente com as palavras repetidas.

Elas são esquecidas, mal entendidas, desgostadas.

Quando são bonitas podem ser apenas fúteis;

Quando são fortes, podem ferir e deixar marcas;

Quando acolhedoras, tornam-se bálsamo

Que inebria, dando sentido ao eterno recomeço.

 

Há um tempo em que as palavras não são necessárias.

É o tempo de rezar, meditar, refletir.

Quando se tecem os fios invisíveis

Que envolvem a alma, o coração e o cérebro.

Um alinhamento que cria e fortifica convicções.

 

Descubra que não importa o que está passando,

O certo é que não se precisa caminhar sozinho.

É o jeito humano de perceber que o sabor das palavras

Se intensifica na procura pela parceria,

Ao contemplar o tempo que ultrapassa os limites do relógio,

Naquilo que te dá um gosto de Eternidade!