segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Um país sério

Atribui-se a Charles de Gaulle a frase de que “o Brasil não é um país sério”. Ditos e desmentidos – até para não causar problemas de relações internacionais – pode motivar uma reflexão quando chegamos a segunda etapa das eleições presidenciais e para o governo de alguns estados. No mexer do caldeirão: um presidente que percorre o país em campanha eleitoral, um Congresso Nacional atirado às moscas e um Judiciário incapaz de dar respostas às demandas eleitorais.
O nosso último presidente populista arranca gostosas risadas e aplausos quando esquece que é um estadista e ataca adversários de seu partido, deixando de lado a divisa que deveria ser respeitada entre assuntos de Estado e interesses partidários e eleitorais. Deputados e senadores – com as duas casas já eleitas – esquecem de pacotes ainda amarrados – reforma fiscal, previdenciária, etc. – e partem para seus Estados a fim de fazer campanha para governadores ainda não definidos, ou para a presidência.
E o Judiciário entristece o país quando não desamarra o “ficha limpa”, fazendo com que a eleição, por incrível que pareça, não se encerre no dia 31 de outubro, mas dure quando tempo for necessário para que se julguem todos os processos, na morosidade que lhe tem sido peculiar.
Mais do que tristeza, o sentimento é de apatia. Embora todas as recomendações para que, especialmente a classe média, não saia a viajar no feriadão, a tendência é que as pessoas lavem as mãos e achem que descansar durante quatro dias é mais importante do que escolher o presidente que governará nos próximos quatro anos.
Já tenho dito que ambos os candidatos são insossos e mesmo quando criam factóides não conseguem empolgar. O bom momento vivido pelo Brasil na sua economia faz com que suas promessas beirem a raia do desespero: cumpridas, alcançaríamos os céus e viveríamos nas nuvens. No entanto, saúde, educação, segurança, moradia – para citar alguns – tem mais o cheiro de inferno, do que de graças divinas. De fato, ainda vamos precisar amadurecer mais a nossa insipiente democracia para que sejamos um país sério.

domingo, 17 de outubro de 2010

Tirando o bode da sala

A máxima que utilizo em sala de aula, na disciplina de Comunicação e Marketing, é que “marketing não é a capacidade de vender, mas sim de convencer”. No entanto, as campanhas eleitorais para a Presidência, por falta de candidatos com maior substância, têm apelado para “vender seu produto”, independente do seu conteúdo e valor político.
Convenhamos: a discussão a respeito de aborto é, literalmente, colocar na sala o bode para depois de muita conversa fiada, retirá-lo como se aí estivesse a solução. É função da Presidência propor políticas de saúde pública – e aí podem estar questões relativas ao aborto – mas a discussão tem que passar pelo lugar competente: o Congresso Nacional, onde estão presentes todos os credos e representações de segmentos existentes no País.
Nenhum candidato (ou candidata), em sã consciência, seria inconseqüente ao ponto de propor algo tão específico sabendo que é uma saia justa e que só pode resultar em ver as barbas queimadas. Também os credos religiosos têm tido posição discreta ao afirmar que não é a hora e o lugar para se falar a respeito.
Recentemente, no Chile, durante a cobertura do resgate dos 33 que passaram mais de dois meses soterrados, houve momentos em que os próprios familiares pediam para não dar entrevista. Outros passaram a cobrar. E caro.
Pois a soma destes dois elementos: a sanha da imprensa de ter algum elemento “diferente” para a sua cobertura - que pode ser uma lágrima, no caso dos chilenos; ou uma atitude destemperada, no caso dos presidenciáveis – juntando com o maquiavelismo de alguns marqueteiros, faz a receita ideal para que, mais uma vez, se confunda a população, ao invés de ajudá-la a entender o processo eleitoral.
Também nós temos parcela de culpa. A imprensa fiscaliza, mas, em muitos casos, quer fazer as regras do jogo e indicar o juiz. Não é assim: a bem da sanidade nacional, mesmo com candidatos insossos, burocratas, não se tira leite de cabra morta. Ao contrário, é um desrespeito, que já causou o descrédito da classe política e pode estar encaminhando o aviltamento de um bom segmento da imprensa nacional.

sábado, 9 de outubro de 2010

Vou envelhecer

Amiga viajou com a mãe, de quase 80 anos, e acabaram num parque de diversão, com todos aqueles brinquedos que desafiam a gravidade e a sanidade mental. A mãe, no entanto, não se fez de rogada e quis provocar os próprios limites, inclusive na Montanha Russa, que a filha passou ao lado. A rapaziada que estava na fila fez festa ao ver a velhinha “radical” que iria acompanhá-los no grande desafio. Resultado, ao final, muitas fotos e promessas de postagens em diversos recursos da Internet.
Envelhecer é sempre um mistério. O sonho de consumo é que se possa ter saúde razoável e qualidade de vida para enfrentar os problemas que, naturalmente, acontecerão. Os geriatras dizem que o envelhecimento é resultado de tudo o que fizermos (“plantamos”) ao longo da vida. Isto é: fumar, beber, comer mal ou em excesso lança uma fatura que será cobrada exatamente na chamada terceira idade.
Tenho o privilégio de conviver com diversos grupos de idosos e me arrisco a dar algumas dicas: o primeiro é de que a pessoa não fique na volta do próprio umbigo, mas tente fazer algo pelo outro – pode ser apenas tricotar meias para outras pessoas idosas. O segundo, procurar um grupo de convivência, pois precisamos de momentos de silêncio, mas também daqueles em que se atua comunitariamente ou, até, se diverte, em grupo. E o terceiro, por uma exigência natural, buscar um arrimo na espiritualidade. Alguém que teve o sustento da fé, dificilmente deixará de enfrentar cada momento com o respaldo de uma silenciosa compreensão.
Sei que vou envelhecer. Um tempo para saborear a recordação de cada momento que passou: as diabruras de criança; a contestação da juventude; os anseios da maturidade; e a proximidade do fim, quando envelhecemos. O que me seduz em viver é a capacidade de passar por cada um destes momentos como se fossem únicos: Não vivo apenas porque vai haver o amanhã, vivo pelo simples fato de que posso sorver, em cada instante, o ar que respiro num parque, na rua, na Montanha Russa, ou da janela de minha casa.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Marcas da vida

Cartão de crédito produziu peça publicitária de rara sensibilidade: menina perde um dente e, na sua vaidade, tem medo de enfrentar o Mundo, porque, ao sorrir ou ao falar, ali está a “porteirinha”. O pai parte para o humor, que não dá certo. Tenta um lance diferente: compra uma caixa de lápis coloridos e dá de presente. A criança abre a caixa e falta um - entregue pelo pai - que abre a boca e lá está “faltando” um dente (pintado de preto). A reação impressiona porque a ousadia da cumplicidade vem recheada de emoção e carinho.
Tenho ouvido relatos desta experiência ao conversar com educadores e pais: não há receitas para encaminhar bem um filho ou aluno na vida, mas é necessário dedicação, atenção e, sobretudo, criatividade em tentar o novo ou o diferente quando as coisas não vão bem. Especialmente, ocupando a crianças em áreas pelas quais demonstra interesse.
A ideia de um dente “faltante” é o jeito de dizer que, se possível, o pai gostaria de estar no lugar da filha, assumindo a sua tristeza e mágoa por aquele deslize da natureza, que derruba os dentes de leite, mas, em seguida, dá uma nova dentição. Como a criança ainda não entende, o gesto de solidariedade é o arrimo para vivenciar a situação, certa de que não está sozinha neste aprendizado.
Quase sempre me deparo com situações familiares e educacionais as mais diferentes possíveis e imagináveis, mas que não passam longe deste problema e da forma como o pai a encarou. Não havia a necessidade de muitas palavras, mas fica-se com a certeza de que a criança vai guardar por toda a vida o momento em que o pai soube mostrar o quanto a amava, num gesto simples, capaz de modificar o comportamento diante da insegurança.
Coisas que, então, nos pareceram banais são valorizadas por filhos ou alunos, anos depois, pois estava presente a solidariedade, a compreensão e o desejo de reiniciar novamente – tantas vezes quanto necessário - não tendo medo do ridículo, se vislumbramos um caminho onde deixamos marcas da vida.