quinta-feira, 23 de junho de 2016

A vovó e o Google

Por: Nílson Souza
Em tempos de comunicação instantânea, mecânica e apocopada, uma vovó britânica surpreendeu a comunidade digital ao encaminhar uma consulta ao professor Google. Em vez de simplesmente digitar as palavras-chave de sua dúvida no espaço apropriado do buscador, como todos fazemos, a senhora de 85 anos escreveu:
– Por favor, traduza estes números romanos: MCMXCVIII. Obrigada.
A consulta bem educada foi flagrada pelo neto da mulher, que fotografou a tela do notebook com a busca e tuitou:
– Ai, meu Deus, eu abri o computador da minha avó e, quando ela pesquisa algo no Google, usa "por favor" e "obrigada".
Viralizou. O próprio Google tomou conhecimento da história e apressou-se em responder à miss May Ashworth que sua busca referia-se ao número 1998, cumprimentando-a pela educação.
Escrevi nesta semana um texto sobre palavras mágicas, depois de ler sobre um estudo de pesquisadores norte-americanos e australianos que identificaram a relação entre a nossa linguagem e o nosso sucesso. Garantem os cientistas que o uso de palavras positivas condiciona nosso cérebro ao êxito e nosso corpo a uma vida mais longa e saudável. Já o uso de termos negativos induz ao fracasso e às doenças.
Vale para o que dizemos e para o que escrevemos.
A ciência apenas confirma a crença. Textos bíblicos ensinam que "a murmuração atrai serpentes", para ensinar que palavras torpes voltam-se contra quem as pronuncia. No vale-tudo das redes sociais, ninguém pensa muito nisso. Falamos com os dedos e eles nem sempre refletem nossos pensamentos mais elaborados.
Por isso surpreende quando alguém fala com o coração, como a doce dama britânica. O professor Google deve ter ficado desconcertado com tanta educação. Mas o efeito mágico das palavras amáveis é tão poderoso, que até o gigante tecnológico lembrou-se de agradecer.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Vossos filhos não são vossos filhos....

Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.
Khalil Gibran

terça-feira, 21 de junho de 2016

A inutilidade e o amor

Ter que ser útil pra alguém é uma coisa muito cansativa. É interessante você saber fazer as coisas, mas acredito que a utilidade é um território muito perigoso porque, muitas vezes, a gente acha que o outro gosta da gente, mas não. Ele está interessado naquilo que a gente faz por ele. E é por isso que a velhice é esse tempo em que passa a utilidade e aí fica só o seu significado como pessoa. Eu acho que é um momento que a gente purifica, né? É o momento em que a gente vai ter a oportunidade de saber quem nos ama de verdade.
Porque só nos ama, só vai ficar até o fim, aquele que, depois da nossa utilidade, descobrir o nosso significado. Por isso eu sempre peço a Deus para poder envelhecer ao lado das pessoas que me amem. Aquelas pessoas que possam me proporcionar a tranquilidade de ser inútil, mas ao mesmo tempo, sem perder o valor.
Quero ter ao meu lado alguém que saiba acolher a minha inutilidade. Alguém que olhe pra mim assim, que possa saber que eu não servirei pra muita coisa, mas que continuarei tendo meu valor.
Porque a vida é assim, fique esperto, viu? Se você quiser saber se o outro te ama de verdade é só identificar se ele seria capaz de tolerar a sua inutilidade. Quer saber se você ama alguém? Pergunte a si mesmo: quem nessa vida já pode ficar inútil pra você sem que você sinta o desejo de jogá-lo fora?
É assim que descobrimos o significado do amor. Só o amor nos dá condições de cuidar do outro até o fim. Por isso eu digo: feliz aquele que tem ao final da vida, a graça de ser olhado nos olhos e ouvir do outro: "você não serve pra nada, mas eu não sei viver sem você".
Padre Fábio de Melo

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Inutilidade do envelhecer

Dois funcionários de uma empresa que atua no tráfego ferroviário urbano de São Paulo. Ela como manobrista, ele como controlador. Namoraram e resolveram casar numa estação de trem. Nenhuma novidade no Dia dos Namorados (12 de junho) quando, para o "show business" da televisão, o que importa é mostrar matérias de conteúdo humano, com amplo poder de empatia e, se possível, fazer chegar às lágrimas.
A noiva chegou à plataforma previamente preparada num trem, com padrinhos e sua corte, anunciando que iria até o altar acompanhada do pai. É então que as palavras desaparecem e as imagens fazem o efeito que mesmo os produtores mais experientes não esperavam: o pai era cadeirante, sendo empurrado pela filha, com toda a pompa e circunstância, para "levar" a noiva até o altar!
O padre Fábio de Melo brinca numa palestra que ao ficar velho espera que haja alguém que o coloque na rua, mas também alguém que o tire do sol. Fala do envelhecimento e do quanto é cansativo o papel que nos propomos desempenhar - e que os outros esperam de nós - de sermos permanentemente úteis. A velhice é o tempo da "inutilidade" - quando nos damos conta de que não podemos fazer tudo, por todos, todo o tempo. Então fica claro quem realmente nos amou e quem apenas nos usou!
Emociona ele dizer que "só nos ama, só vai ficar até o fim, aquele que, depois da nossa utilidade, descobrir o nosso significado". Acrescentando ser relativamente fácil descobrir quem vai ficar ao nosso lado no tempo de ocaso: "quem nessa vida já pode ficar inútil pra você sem que você sinta o desejo de jogá-lo fora."
O casal era jovem e conseguiu uma grande cobertura dos meios de comunicação. Tudo fazia parte de um grande sonho, que a mídia fez chegar às casas numa noite de domingo. Uma grande produção rendendo muitos comentários, muitas lembranças. Mas a filha não abriu mão de que, consigo, no seu momento de maior glória, entraria um símbolo da "inutilidade": um idoso, cadeirante.
Fui à cata do vídeo que vira da palestra do padre Fábio. Do conjunto da obra, ficou ressoando em meus ouvidos a serenidade com que ele chegava ao final de sua pregação. Deixou o gosto de uma lição de vida, daquelas que despertam alguma coisa em nós que não se basta por um momento de espetáculo: "é assim que descobrimos o significado do amor. Só o amor nos dá condições de cuidar do outro até o fim. Por isso eu digo: feliz aquele que tem ao final da vida, a graça de ser olhado nos olhos e ouvir do outro: "você não serve pra nada, mas eu não sei viver sem você".

domingo, 19 de junho de 2016

Depressão: um triste mergulho na solidão

Era uma pessoa alegre e expansiva num dia; no seguinte, o rosto estava marcado por uma noite mal dormida e as lágrimas haviam deixado sinais. O inchaço demonstrava que alguma coisa estava mal. De contragosto, o reconhecimento: tivera uma crise depressiva. Não precisou muito tempo para que deixasse o jeito de pessoa radiante para demonstrar a vivência de uma das mais incômodas doenças da sociedade moderna.
A depressão se caracterizar por mudanças no humor e perda de sentido em atividades cotidianas, antes prazerosas ou motivadoras. Minha conhecida tinha tudo isto: dizendo que alcançara uma profunda tristeza, falta de motivação e muito, muito desânimo.
Vinte por cento da população mundial já teve depressão. Este distúrbio do sistema nervoso ocorre mais em mulheres do que em homens. Mas não é tão fácil delimitar sinais, sintomas e consequência: entendidos falam de fatores psicológicos e sociais (perda da pessoa amada, fim de um relacionamento, demissão), fatores biológicos (alterações nos níveis de neurotransmissores ou hormônios) e uso de alguns tipos de remédios.
Quem acompanha alguém que chega no estágio mais difícil sabe que parte o coração ver um ser querido que se atrapalha entre desejar estar só e um mergulho mortal na solidão. Uma amiga dizia que era "alguém triste" e que apenas a medicação a mantinha no pique. Conversamos um pouco e lhe disse que não. Não existem "pessoas tristes". No máximo, pessoas que, durante algum tempo, ficam tristes, mas que o ser humano não foi feito para mergulhar permanentemente na dor, mas para viver saudáveis momentos de felicidade.
De quem está próximo, a grande sacada é manter a pessoa ocupada, dar-lhe tempo para que respire só, mas não deixar que se isole, por mais que seja tentador. Na receita para alcançar a superação da crise está a capacidade de voltar a cuidar de si, encontrando nos seus espaços aquilo que lhe agrade e satisfaça, sem a preocupação de agradar a outros.
Durante algum tempo as pessoas tinham vergonha de dizer que estavam em depressão. Hoje, com as informações que se tem, o primeiro passo para vencer uma crise é reconhecer que ela existe, facilitando muito se a pessoa disser o que está sentindo. Mal comparando, é como alguém que gosta de jardim: há plantas que são mais sensíveis, estas precisam de atenção permanente. Algumas são mais toscas, precisam que lhes dê o elementar, como água, luz, poda. E outras que subsistem apesar de nós.
Alguém propício a depressão merece cuidado permanente, sem ser sufocado. Basta encontrar a dose certa entre mantê-lo próximo e permitir que respire sua individualidade. Carinho, amor, afeto, fazem parte do "caldo de galinha" para minimizar uma crise. Ela mesma tem que encontrar seus caminhos. Augusto Cury tem razão: "nunca despreze a pessoa deprimida. A depressão é o último estágio da dor humana!"