segunda-feira, 30 de abril de 2012

O tempo dos abandonados

Fiz uma passagem, no sábado, pelo Encontro Arquidiocesano de Catequese. Falei sobre a ação pedagógica de Nossa Senhora, com um subtítulo: "um contrato de risco com Deus". Fui relendo as escrituras para mostrar como Deus escolheu uma mulher (que não tinha representatividade social) para ser a educadora de Seu próprio filho. Ao invés dos grandes sacerdotes ou educadores de seu tempo.
Tive tempo para, em determinado momento, falar sobre o costume que temos de dar "pêsames" àqueles que ficaram, num velório ou enterro. É uma coisa de muito mau gosto. Embora o querido defunto já tenha ido, para os que ficam, restam os "pêsames". Sempre acho que dizer: "estou rezando por ti (por vocês)" é bem melhor.
Pois foi o que restou depois que minha prima Leli informou da morte de outro primo, o Jairo. Poucos dias atrás, ele havia nos descoberto no Facebook e pediu notícias e que não perdêssemos o contato. Infelizmente, durou pouco tempo, ele se foi e fica a sensação de que vamos perdendo nossas referências.
Quando penso na família que tínhamos quando viemos do interior de Canguçu, éramos muitos entre avós, pais, irmãos, primos. Nossos encontros, ao menos uma vez por ano, na família pelo lado de meu pai, sempre era uma grande festa! De algum tempo para cá, todos os anos havia uma falta, até que deixamos de nos encontrar.
Pois, agora, falta o Jairo. Com ele acontece o mesmo que sinto com relação a amigos que já foram próximos. Por muitos motivos, deixamos de conviver e cada um foi viver a sua própria vidinha. O que restou foram muitas reclamações de que hoje as pessoas sentem-se solitárias, porque até seus pequenos núcleos familiares estão se esfarelando.
Vale a pena fazer um esforço maior para buscar aqueles que fomos esquecendo ao longo do caminho. Como diz Augusto Cury, "não basta esperar pelo outro, é necessário ir ao seu encontro". Chorar nossos mortos é absolutamente inútil quando não somos capazes de conviver e retomar o carinho por aqueles que continuam vivos e abandonados, emocionalmente.

domingo, 29 de abril de 2012

Ângela Maria


A figura fogosa de outros tempos deu lugar à mulher em que, embora o corpo tenha entrado em decadência, a voz continua a mesma. O programa “Senhor Brasil”, apresentado por Rolando Boldrin, na TV Cultura, trouxe uma mulher que, no palco, canta sentada, pois a diabete lhe tirou praticamente a visão.
No entanto, ao interpretar Roberto Carlos – O Portão – deu uma roupagem nova a um clássico da música popular, daquelas de ouvir de olhos fechados e absorver cada uma das nuances de uma das mais belas vozes do cancioneiro brasileiro.
Já não esbanja mais gestos, já não há teatralidade no seu jeito de entrar em cena, mas há uma intensividade no olhar e na voz que murmuram o que vem do coração.
Sei que para os mais novos, estas músicas são coisas ultrapassadas. No entanto, é comum que novos cantores redescubram estes clássicos da música popular das décadas de 60, 70 e 80. São músicas que não morrem e que, quando são apresentadas, gente de todas as idades repete a letra e a melodia.
Ver Ângela Maria, numa manhã de domingo frio e nublado é daqueles momentos que mexem com nossa sensibilidade. Que bom que a música faça exatamente isto, dure o tempo que durar, nos energiza, faz relembrar e acarinhar momentos já vividos. Para relembrar o poetinha: “que seja eterno, enquanto dure”.

sábado, 28 de abril de 2012

O balde de maionese e de café


Uma boa história para o final de semana. Autor desconhecido.
Quando as coisas na vida parecem demasiado, quando 24 horas por dia
não são suficientes...Lembre-se do balde de maionese e do café.
 Um professor, durante a sua aula de filosofia sem dizer uma palavra, 
pegou um balde de maionese e esvaziou-o... 
Tirou a maionese e encheu-o com bolas de golf.
A seguir perguntou aos alunos se o Frasco estava cheio. 
Os estudantes responderam sim. 
Então o professor pega numa caixa cheia de pedrinhas e mete-as no balde de maionese. 
As pedrinhas encheram os espaços vazios entre as bolas de golf.
O professor voltou a perguntar aos alunos se o frasco estava cheio, 
e eles voltaram a dizer que sim.
Então o professor pegou outra caixa, 
cheia de areia e esvaziou-a para dentro do balde de maionese. 
Claro que a areia encheu todos os espaços vazios 
e uma vez mais o professor voltou a perguntar se o frasco estava cheio. 
Nesta ocasião os estudantes responderam um unânime  "Sim!".
Em seguida o professor acrescentou duas xícaras de café ao frasco 
e claro que o café preencheu todos os espaços vazios entre a areia. 
Os estudantes nesta ocasião começaram a rir, 
mas repararam que o professor estava sério e disse-lhes:
- Quero que se dêem conta que este balde representa a vida. 
As bolas de golf são as coisas Importantes: como a família, 
a saúde, os amigos, tudo o que você ama de verdade. 
São coisas, que mesmo que se perdêssemos todo o resto, nossas vidas continuariam cheias.
As pedrinhas são as outras coisas que importam como: o trabalho, a casa, o carro, etc. 
A areia é tudo o mais, as pequenas coisas. 
Se puséssemos  primeiro a areia no frasco, 
não haveria espaço para as pedrinhas nem para as bolas de golf. 
O mesmo acontece com a vida. 
Se gastássemos todo o nosso tempo e energia nas coisas pequenas, 
nunca teríamos lugar para as coisas realmente importantes. 
Preste atenção às coisas que são cruciais para a sua Felicidade. 
Brinque ensinando os seus filhos, Arranje tempo para ir ao medico, 
Namore e vá com a sua/seu namorado (a)/marido/mulher jantar fora, 
Dedique algumas horas para uma boa conversa e diversão com seus amigos. 
Pratique o seu esporte ou hobbie favorito. Haverá sempre tempo para trabalhar, 
limpar a casa, arrumar o carro... Ocupe-se sempre das bolas de golf 1º, 
que representam as coisas que realmente importam na sua vida. 
Estabeleça suas prioridades, o resto é só areia...
Porém, um dos estudantes levantou a mão e perguntou o que representaria, então, o café.
O professor sorriu e disse:
- O café é só para demonstrar que não importa o quanto a nossa vida esteja ocupada, 
sempre haverá espaço para um café com um amigo.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

As cotas raciais

Quero deixar bem claro de início: não sou contra as cotas para populações marginalizadas no acesso à Universidade. Bem pelo contrário, gostaria de ver a Universidade ser um retrato da cara do Brasil que, hoje, ela não é.
Mas, creio que o problema não está no acesso à Universidade e sim no acesso à vida. O problema começa quando a vida começa. Um negro ou um índio já iniciam a vida em desvantagem, mas uma desvantagem que também é compartilhada por uma boa parcela de pardos e brancos.
Embora todos os programas de distribuição de renda, nossa questão é outra: uma cultura da igualdade. Enquanto alguns se julgarem no direito de terem salários e benesses que sugam os cofres públicos, outros terão que pagar pela discrepância.
Já disse aqui que o salário mínimo precisa crescer e que a diferença entre ele e o máximo não pode superar dez vezes. Depois disto, que o imposto passe a navalha e se aplique numa justa distribuição de renda.
Nossa sociedade brasileira é racista, sim. Embora, hoje, os negros tenham conquistado o direito de serem chamados de "afro-descendentes", sua realidade não mudou em nada. Mas somos preconceituosos, também, quando chamamos de "alemão", "gringo", "china" (todos os orientais). Um velho amigo dizia: "não sou preconceituoso, preconceituoso é coisa de nego".
Vencer preconceito e estabelecer igualdade racial é trabalho que o tempo faz prevalecer, quando os mais jovens já não têm receio dos pais em unir cores diferentes. No mais, é uma luta boa para que alguns convencidos não se achem e saibam que, um dia, perderão seus privilégios e terão que dar conta do porque, legalmente, embora injustamente, sacaram o que não deviam do bolso do povo.
Possivelmente, neste momento, já não teremos mais problemas de acesso à universidade. Porque, sendo branco, pardo, preto ou amarelo, todos tiveram as mesmas chances de frequentar boas escolas e, no frigir dos ovos, inteligência, tenacidade e garra foram os fatores definidores para a vitória na competição da vida.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Curiosidade de autor

Parto de um princípio: gosto muito de atualizar meu blog. Não me preocupo muito com o número de acessos, mas, claro, olho todos os dias, e tem um dado que me deixa curioso: embora o acesso pela língua portuguesa seja a maioria, há também um grande número de pessoas de língua inglesa, russa, alemã, francesa, indiana, etc.
Sei que este tipo de programa permite que se faça a conversão para outras línguas. Mas, meus textos, são extremamente bairristas, com ênfase em questões locais, porquê o acesso de mais da metade de línguas que não são o português?
Por favor, matem minha curiosidade e deixem recados que podem ser telegráficos (nem sei se o telégrafo ainda existe), mensagens curtas, dizendo de onde acessam e porquê o fazem.
Sei que, muitas vezes, abordar os problemas da aldeia é abordar os problemas do Universo. Porque o homem é o homem tanto no interior mais distante, quanto acessando internet no metrô de uma grande capital. Seus medos, suas angústias, suas dores, suas decepções, suas alegrias, são muito parecidas.
Não sou Bento XVI para dizer em mais do que uma língua. Meu português também tem seus problemas. Mas saber que faço parte da comunicação do Mundo e que existem seguidores que usam como referência os meus textos me alegra muito.
Não vou ser falsinho e dizer que isto me dá mais responsabilidade, porque não é o que penso. Creio que, em muitos casos, as pessoas procuram porque tento ser coerente com uma linha de pensamento: a minha. Onde meus textos tentam, em primeiro lugar, passar para vocês a alegria de viver, o prazer de ter uma fé, o respeito pelo outro, na sua integridade e, juntos, na realização plena de filhos de Deus.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Dodói: gripe e rei do trono

Estou dodói: gripe e rei do trono. Sensação de incapacidade. Não há nada a fazer, a não ser deixar o vírus cumprir seu ciclo. Um tempão em que o tempo parece que não passa. Tremores, calores, nariz trancado...
Todo mundo já sabe. O problema é viver esta situação. Fico pensando que eu estou em pé, fazendo minha vida quase normal, mas há aqueles que se abalam e que se entregam. Cama pra eles.
Mas não há de ser nada. Quem sabe vivendo um momento como este, quando as coisas voltarem ao normal, vou dar mais valor a todas as pequenas coisas que não posso fazer hoje. Por sinal, a lenha tá pra ser guardada, algumas plantas precisam ser cortadas, regar as plantas que estão dentro de cada... Pensando bem, acho que vou ficar um pouco mais na caminha. E quando os velhinhos começarem a tomar a vacina - 5 de maio - vou entrar na fila.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Violência: começando pelo início

Ainda existe um rastro de sangue no asfalto. O cruzamento das ruas Santa Clara e São Jorge - em Pelotas - presenciou os últimos momentos do seu Santos. No sábado à noite - cerca de 19h30m - foi assassinado quando entrava em seu carro. Ponto de movimento, início da noite, a tentativa de levar o carro ou a pochete que carregava, quase sempre armado, acabou com a vida de um ex-militar que, há muito tempo, era referência dos barbeiros da região.
Enquanto o corpo ainda estava no chão, o comentário era o mesmo: as ruas começam a ficar vazias cada vez mais cedo, cada um quer se recolher à sua casa, fechar as portas, trancar os cadeados, acionar os alarmes e rezar. Rezar para que a noite passe e nenhum tipo de violência aconteça.
Esta semana, em Porto Alegre, debate-se exatamente esta questão: a segurança. Chamou-me a atenção um técnico que disse ser necessário defender duas ideias. A primeira, que o cidadão precisa ter a sensação de segurança. Isto é, a presença de efetivos na rua, em viaturas, a cavalo, ou a pé, dando claro sinal de que há uma ação por parte das autoridades. A segunda, que o chamado "meliante", bandido mesmo, não tenha a sensação de impunidade.
Para o segundo, há um movimento nacional para que se mude a legislação, tornando a pena para certos crimes maiores, inclusive tratando mais rigidamente os crimes cometidos por menores.
A sociedade organizada vê com bons olhos que se tomem estas medidas: mudar a lei, aumentar os efetivos, preparar melhor quem lida com a segurança. Mas quer mais: quer uma cultura de paz. Começando pelo bullyng da vizinhança e escola, passando pelas relações sociais, dando melhor capacitação aos jovens carentes e lhes apontando um futuro onde a violência não renda mais do que alguma atividade profissional.
Infelizmente, seu Santos foi vítima da banalização da vida. As manchetes dos jornais repetem esta história todos os dias. Precisamos, de alguma forma, fazer a diferença. Quem sabe não está naquele pai que, até pouco tempo, quando torcia pelo futebol do filho, dizia: "bate, filho, bate". Depois que o filho teve um traumatismo numa partida, trocou de incentivo: "pega leve, meu filho, é só um jogo de futebol!"

domingo, 22 de abril de 2012

Sem teu abraço


Tenho medo do teu silêncio.
Ele me acusa,
Amedronta,
Intimida.

Tenho medo do teu olhar vazio.
Ele provoca tristeza,
Desfaz meus caminhos,
Atira-me na solidão.

Tenho medo quando cruzas os braços, solitário.
Envolvem o nada,
Afastam quem deseja estar entre eles,
Faz com que fiques apenas em teu pequeno mundo.

Teu silêncio, teu olhar vazio, teus braços solitários.
Símbolos da frustração de que não fui capaz de te amar.
Sinal do quando é difícil transpor mundos
Em que a vida desenhou caminhos diferentes.

sábado, 21 de abril de 2012

A mãe sentou à mesa

Hoje (sábado, 21), a mãe voltou a sentar conosco à mesa para o almoço. Fazia muito tempo que precisávamos servir aquelas doses quase homeopáticas – uma colher de arroz, um pouquinho de caldo de feijão, algum tipo de salada, uma parte da carne de frango – em uma bandeja, usando uma almofada e uma toalhinha como protetor para o peito.
A Vânia, minha sobrinha, almoçou conosco e perguntou se ela não chegava à mesa. Com a mania de reforçar a pergunta, também fiz a mesma coisa: “a senhora vai sentar na mesa?”. Olhar de carinho e deboche: “posso sentar na cadeira e à mesa?”
Talvez quem não conviva com um idoso e tenha sentido ele chegar ao fundo do posso, não saiba o quanto são saborosas as pequenas vitórias que vão mudando rotinas que, parecem, tornam-se cada vez mais difíceis, penosas e encaminhadoras do final.
O fato de fazer pequenas escolhas – entre uma fruta e outra, um tipo de pão e outro, usar a bandeja ou ir à mesa, deixar de utilizar a fralda geriátrica durante um período do dia – faze a diferença e alimenta novas esperanças.
Quando meu pai e minha mãe começaram a enfrentar uma fase mais difícil, a partir dos 85 anos, fiz uma opção: ficaria com eles, em qualquer situação, enquanto estivessem lúcidos, não importando suas condições físicas. O pai, infelizmente, um câncer abateu, mas a mãe tem uma madeira forte e, ao que tudo indica, ainda vai durar muito tempo.
O que as pessoas julgam que é um sacrifício, para mim acabou se tornando um exercício de solidariedade. No cuidado com uma pessoa, hoje, desapareceram toda e qualquer tipo de vergonha. Somente faço questão de que as atendentes respeitem aquilo que são situações em que o próprio paciente não admite. O resto é como plantar uma semente na esperança de que, num futuro, em momento semelhante, alguém faça o mesmo por mim.
Pequenas vitórias, grandes passos. Num final de semana, no aconchego do frio que chega, rezo a Deus para que me dê forças. A caminhada nem sempre é fácil, mas, ao longo dela, quando tudo parece faltar, há uma mão estendida em pedido de auxílio para reiniciar a caminhada e um sorriso em aconchego, no obrigado que já não precisa mais ser dito.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Política e religião: ação ou omissão


Afirmei no artigo “Desperta, cidadão” que “religião e política somente não combinam quando uma quer manipular a outra.” Prato cheio para discussão. Alguns, inclusive, dizendo que uma coisa não combina com a outra e que, realmente, não há como compatibilizar as duas.
Uma das frases que me marcou do Documento de Aparecida (Encontro dos Bispos das Américas) é que o leigo é “a presença da Igreja, no coração do Mundo e a presença do Mundo no Coração da Igreja”. Dizendo de outra forma: rezamos para que ser uma boa influência na vida da sociedade e trazemos suas tristezas e alegrias para serem iluminadas e enriquecidas com o poder da fé, inclusive em questões políticas.
Uma instituição religiosa é exatamente isto: uma instituição religiosa. Mas o que ela representa é que vai para além dela: o Divino, com o nome que lhe quisermos dar: Deus, Alá, Jeová, etc. Uma instituição é plena de acertos e erros, pena que, na maior parte das vezes, salientam-se os erros e esquecem-se os acertos. Os noticiários estão cheios de questões de pedofilia e outras mazelas causadas por religiosos, mas dificilmente dão o devido crédito a todos os trabalhos sociais que as igrejas fazem no tratamento de idosos, crianças em situação de risco, pessoas doentes de corpo e da alma.
“Política”, no seu significado pleno é a relação que estabelecemos com as pessoas, em busca do bem comum. Ora, isto todos queremos, inclusive nas igrejas. O que precisamos é qualificar nossos representantes para que eles também pensem desta forma e não de se valerem deste “emprego” para benefícios pessoais ou daqueles que estão à sua volta.
Não abro mão da frase que iniciou este texto. Até porque, temos que fazer opções, mesmo que, depois, possamos reconhecer que erramos. Afinal, errar por ação é pecado menor do que a omissão. Agir errado com convicção pode levar a que, reconhecendo o erro, mudemos de postura. Omissão é uma ação pensada em deixar de fazer alguma coisa deliberadamente.
Não sou eu quem diz o que Deus estabelece em seus critérios, mas creio que uma alma arrependida que voltou atrás tem mais valor do que alguém que deixou de agir, em muitos casos, porque não quis se incomodar ou deixou as coisas correrem para vê-las se acomodar no trotar da carroça. Isto é inadmissível em política: em tempos de tantas carências, erros e omissões têm que ter data e lugar certo para terem suas rotas redefinidas: urna eletrônica, outubro de 2012.Comece a pensar o que você pretende fazer nas próximas eleições: vai ser um erro se ausentar dela e uma omissão votar em branco ou anular seu voto.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Sonhar juntos

Sou professor universitário há 17 anos e, hoje, sinto sérias dificuldades em sala de aula. Num primeiro momento, pensei que era o despreparo dos jovens para chegar a uma etapa profissionalizante sem maturidade e condições emocionais. No entanto, conversando com outros professores, pude fechar um quadro que é, verdadeiramente, preocupante.
Nos últimos anos, além dos jovens não se sentirem atraídos por supostos conhecimentos que podem conseguir por outros meios - internet, por exemplo - ainda há o caso das instituições de ensino que tiveram que se preocupar com questões administrativas e deixaram de lado a discussão do processo educacional.
Hoje, na maior parte das reuniões, sabemos das questões financeiras, o que foi comprado, que novas tecnologias serão utilizadas, em detrimento de pensar o fazer educacional. Somos o que não deveríamos ser: "técnicos em educação".
Não é este o nosso papel. Ao mesmo tempo em que não sinto disposição de um bom número de alunos de estarem em sala de aula - o que se caracteriza pelas permanentes conversas durante as aulas ou acesso às redes de computadores - também sinto que os próprios professores desgastaram-se e se acomodaram em cumprir tabela.
Mas há, também, o envolvimento da sociedade: pais ausentes do processo de formação, sociedade que não auxilia a que os futuros formandos vejam e sintam o papel que têm a desempenhar no convívio social e as próprias instituições organizadas - as igrejas, por exemplo - auxiliando na preparação de futuros quadros, mais que profissionais, conscientes do seu desemprenho social.
O Sindicato dos Professores flagrou que este é um dos piores momentos no quesito saúde dos mestres e mestras que entram em sala de aula. O motivo é simples: definimos nosso papel por critérios técnicos e pusemos de lado a vocação para o ensino, que é mais do que transmitir conhecimento, indicar caminhos. Perdidos nesta estrada que leva ao futuro, amargamos um tempo em que a infelicidade chega porque não somamos esforços; perdemos a capacidade de sonhar e ensinar nossos alunos a sonhar juntos. O que, como diz o ditado, verdadeiramente constrói a realidade.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Violetas

 Era uma espécie de corrente, repassada pela minha mana Leonice, mas acho que o que estou reproduzindo dá o que pensar.

 "O destino une e separa as pessoas, mas nenhuma força é tão grande para fazer esquecer pessoas que, por algum motivo, um dia nos fizeram felizes".

Do poetinha:
 "Antes de julgares a "minha vida" ou meu "caráter"... 
Calça os MEUS sapatos e percorre o caminho que EU percorri, 
vive as "minhas tristezas", as "minhas dúvidas",
as "minhas alegrias" !!!
Percorre os anos que e EU percorri, 
tropeça onde EU tropecei e levanta-te assim como EU o fiz!!!
Cada um tem a sua própria história !!!
E então, só aí, poderás "julgar-me!"
(Mário Quintana)

terça-feira, 17 de abril de 2012

Desperta, Cidadão.

Estamos vivendo uma espécie de limbo eleitoral. Ainda não estamos em tempo de campanha eleitoral, propriamente dito, mas todos os juncos já estão se movimentando. Além disto, vivemos um tempo em que a memória do cidadão passa a ficar ativa (como dizem os especialistas, cinco meses antes das eleições) e, consequentemente, perigoso, especialmente para aqueles que estão no executivo e legislativo e, hoje, são vidraças.
Já avisei para a Clotilde, Bia e Paula que estou na área. Pretendo fazer campanha eleitoral ativa, nos dois níveis. Para mim fica cada vez mais claro que precisamos ter escolhas mais condizentes com o momento em que vivemos. Mais que isto, pretendo fazer memória do que aconteceu durante os últimos quatro anos. Sim, porque não basta, agora, alguns se travestirem de competentes administradores se as suas ações neste período deram exatamente um indicativo contrário.
No facebook aparece uma mensagem dizendo que o cidadão/eleitor deve pedir o currículo dos candidatos. É verdade, para além de terem fichas limpas, precisam ter comprovada atuação em favor da comunidade de onde vêm, ou do setor que representam. Ninguém surge para a vida pública do nada. Há uma história a ser comprovada e indicando que caminhos pretendem seguir.
Inclusive, nós, cidadãos religiosos, temos a obrigação de desmanchar esta ideia errônea de que política é coisa suja, ou onde entram aqueles que não se preocupam em sujar as mãos. Pois, se for necessário, vamos todos sujar as mãos para fazer uma grande limpeza. As mãos omissas poderão até ficar limpas, mas terão que prestar contas. Religião e política somente não combinam quando uma quer manipular a outra. Quando atuam em defesa do bem comum devem ter todas as bênçãos e um caminhar solidário que pode levar o cidadão à despertar para uma consciência de que ele, e somente ele, concretiza a democracia representativa.

domingo, 15 de abril de 2012

Amar mais ainda


De novo, do livro "Remendos e Arranjos".
A mão que se coloca sobre meus lábios tem uma força que nunca pensei ser capaz de enfrentar. Ela não apenas me induz ao silêncio, mas também me diz, reforçada por um olhar que grita, que já não são necessárias palavras. Os significados acabam se evaporando quando preenchemos os espaços que não é mais do dito, mas do quanto se é capaz de calar.
Neste momento, o coração fecha os olhos do corpo e aconchega-se numa serena oração. A oração que não pede a Deus que abra espaços para que Ele possa entrar, mas que já é a porta capaz de provocá-lo, assim como Ele é capaz de fazer as suas próprias provocações.
Não há grandes explicações para estes momentos em que o espírito foge do próprio corpo e, então, é capaz de se manter em contato, ser absorvido, retornar aos braços do Eterno Descanso.
Quem ainda não conseguiu fazer esta experiência, ainda não foi capaz de viver. Porque o sentido do viver está em que, passando por este corpo, nossa energia precisa revitalizar-se em contato com a fonte primeira. E é ela quem pode dar sentido ao viver. Viver, por viver, é perda de tempo. Um tempo precioso demais para ser desperdiçado. E que precisa, olhando para o horizonte sempre a construir, ser capaz de viver o aqui e o agora com a intensidade de quem sabe que não pode desperdiçar nenhum momento.
Este sentido está na finitude das pequenas coisas: uma bela manhã de sol, esfregar o rosto no rosto de uma criança, “amassar” uma pessoa amada, viver o trabalho não como um fardo, mas como um espaço onde se partilha felicidade.
A receita é, na verdade, muito simples: é preciso amar, amar e, quando faltar tempo, amar mais ainda.

sábado, 14 de abril de 2012

Caminhando ao encontro do chamado


Ainda do livro "Remendos e Arranjos"
Encontrei o pequeno garoto em frente de uma janela. Olhava para a praça que havia do outro lado da rua. Perguntei:
- Pequeno menino, o que te chamou a atenção na praça?
Levou algum tempo para responder. Estava com as mãos postas embaixo da túnica e a única indicação que tive foi que direcionou o olhar.
- Mestre, vê aquelas crianças? Porque elas não têm as mesmas chances que a gente tem?
Voltou-se para mim. Havia angústia. E uma tristeza silenciosa naquele olhar.
- Porquê? Deus não é Pai? E se é Pai, como é que deixa que crianças fiquem abandonadas assim?
Segurei seus braços e o acolhi contra meu corpo, direcionando, novamente, o seu olhar para a rua.
- Tu sabes que eu não tenho as respostas que queres. Sabes também que posso te dizer um monte de coisas que não são a verdade. Seriam apenas para te enrolar. Mas uma coisa, eu sei. Elas não estão sozinhas. Deus é pai, é verdade, mas tem muito pai, pelo mundo, que não soube ser pai à imagem e semelhança de Deus. E somente soube atirar mais um filho no mundo. Aí não é só culpa de Deus. Mas de fazermos, com nossa liberdade, as coisas erradas.
- Mas e por que as crianças é que têm que sofrer com isto?
- Confesso que não sei. Eu confio que elas têm o seu Anjo da Guarda. Alguns dias atrás ouvi de uma Mestra que trabalha com crianças que vivem na rua, que eles mesmo se protegem, partilham o que recebem, vigiam uns pelos outros.
- Mas eles estão indefesos, nas ruas!
- Às vezes é o mal menor. Estariam pior ainda em suas casas.
- Mas a situação não pode mudar?
- Pode. E tu podes ajudar.
- Eu? De que jeito, Mestre?
- Tem muitos grupos trabalhando, inclusive, com menores abandonados, até aqui no Mosteiro. Porque não dedicas algum tempo para fazer isto?
- E o que é que eu faço?
- Um trabalho voluntário. Vais começar a aprender que não basta a gente ver que tem coisas erradas. É preciso ajudar a mudar.
- E o que a gente ganha com isto?
Tive que sorrir. Já olhando bem em seus olhos.
- A alegria de ver que ao menos alguns meninos saem das ruas, são alimentados, recebem educação, porque tu te importastes com ele.
- Isto é trabalho?
- Não, mas em muitos casos pode ser um bom caminho para descobrires a tua vocação.
- De que jeito?
- Lembras que tens duas orelhas e uma só boca. Então, aproveita e escuta bastante e fala pouco. Vais notar que, mesmo estes meninos, têm muitas coisas para ensinar.
- O senhor deixaria?
- Com certeza.
Ganhei um abraço. Um beijo. E saí dali com a certeza de que o pequeno Aprendiz acabara de encaminhar sua vocação. Não estava mais no mundo das idéias para descobrir qual será o seu caminho. Tinha já uma pequena estrada concreta para percorrer.
Afinal, será que não é isto que Deus pede para construir o mundo? Que apenas iniciemos por uma pequena estrada, que pode ir se ampliando quando respondemos ao seu chamado?
Bem que esta estrada poderia ser uma alameda. Uma grande alameda de acácias que pudesse levá-lo até o nascer do sol.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Eu não creio em bruxas...

"Eu não creio em bruxas, mas que elas existem, existem". Esta é a frase da qual recordo nestas ocasiões, como hoje, em que existe a coincidência de ser uma sexta-feira e dia 13. Para muitos, uma combinação macabra, aterrorizante, daqueles dias em que todo o cuidado é pouco, em especial deixando de passar sob escadas, ou torcendo para que nenhum gato preto atravesse a nossa frente.
As raízes das crendices estão no medo que temos do desconhecido. Minhas lembranças de infância incluem histórias contadas junto ao fogão, ou na hora de ir dormir, onde sempre havia um elemento de suspense ou de terror. Era comum que ficássemos assustados e, em muitos dias, custássemos a dormir por conta de algum personagem que poderia surgir do meio das trevas.
Eram tempos em que nossa Vila não havia ainda sido contemplada com luz elétrica e, além dos nossos contadores de histórias - meu pai e minha mãe - acompanhar novelas, por exemplo, somente pelo rádio.
As superstições chegam a todos os níveis e em todas as classes. É só ver aquele empresário que não entra na empresa se não colocar antes o pé direito; o jogador de futebol que se benze ao entrar em campo; as casas que ainda mantêm um pé de arruda ou um pé de espada de São Jorge, na entrada, evitando maus olhados.
Estava na casa de um amigo e o filho tirou os chinelos, ficando um virado. Em seguida, pedi que o menino arrumasse. O pai, surpreso, perguntou porquê. Dei-me conta de que também é uma superstição antiga, pois sempre nos ensinaram que deixar o chinelo virado dava azar.
O homem armazena seus medos e tem que, de uma forma ou de outra, trabalhar com eles. Não há regra que sirva para todos, a não ser a tentativa de, cada vez mais, obter uma fé esclarecida, livre de preconceitos. Mas, se isto não acontecer, olhe embaixo da cama, atrás dos móveis, porque é uma verdade: "eu não creio em bruxas, mas que elas existem, existem."

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Waldeir da Paixão


Postei no facebook para o Waldeir:
"Waldeir, estou rezando e torcendo para que, para além de todas as ordenações, penses e ajas como um bom pastor: há um rebanho sedento de padres que se preocupem com cada uma das ovelhas. Tudo o que temos na Igreja é muito bonito, mas, para além dos nossos muros, há um povo carente de fé, que a religião pode dar, desde que sejamos carinhosos e amáveis em testemunhar Jesus Cristo. Grande e confiante abraço."
Esta é a primeira ordenação que acompanho, depois que retornei a trabalhar no Seminário Arquidiocesano de Pelotas. Na sequência, são duas ordenações de rapazes muito especiais: o próprio Waldeir e também o Domingos (segundo nome, Manoel, consequentemente um abençoado), na Diocese de Bagé.
Do muito que tenho conversado com eles, no Propedêutico, Filosofia e Teologia, tenho ressaltado a importância de repetir um pastor evangélico que dizia: "a pregação se faz tendo a Bíblia numa mão e na outra o jornal do dia".
Jovens com plena consciência do seu tempo, com suas dificuldades, entraves e obstáculos. Mas também com a maravilha de se ter uma gente cheia de fé, que talvez tenha dificuldade de entender e aceitar as diversas religiões, não por elas, em si, mas por seus religiosos, que se valem da simplicidade popular para manipular as massas.
Hoje, não há chances para profissionais da religião. Precisamos de gente com vocação para servir. Não se pode, burocraticamente, pensar em turnos de trabalho, mas, sim, em testemunhar em tempo integral, por todos os becos e recantos das nossas cidades.
Nos jovens que encontro, hoje, no Seminário, vejo a alegria desta vocação. Se, no meu tempo, de 60 rapazes e jovens, dois ou três se ordenariam, hoje, não tenho medo de errar, dos 20 que lá estão, talvez dois ou três não sejam ordenados.
E serão padres maravilhosos. Porque estão se livrando de alguns vícios. Um deles é da mania de que sempre estão muito ocupados. Talvez sim, mas não é preciso reclamar disto. Como dizem os jovens: "faz parte".
A alegria do seu testemunho demonstra que assumem uma vocação que já esteve em alta, hoje nem tanto, mas que exige maturidade e entrega total. Testemunhar a fé é enfrentar toda e qualquer turbulência com alegria e a certeza de que se modifica a História e se planta a esperança no amanhã da Ressurreição.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

O Monge mordido

Um monge e seus discípulos iam por uma estrada e, quando passavam por uma ponte, viram um escorpião sendo arrastado pelas águas. O monge correu pela margem do rio, meteu-se na água e tomou o bichinho na mão. Quando o trazia para fora do rio o escorpião o picou. Devido à dor, o monge deixou-o cair novamente no rio. Foi então à margem, pegou um ramo de árvore, voltou outra vez a correr pela margem, entrou no rio, resgatou o escorpião e o salvou. Em seguida, juntou-se aos seus discípulos na estrada. Eles haviam assistido à cena e o receberam perplexos e penalizados.  
Mestre, o Senhor deve estar muito doente! Por que foi salvar esse bicho ruim e venenoso? Que se afogasse! Seria um a menos! Veja como ele respondeu à sua ajuda: picou a mão que o salvava! Não merecia sua compaixão! 
O monge ouviu tranquilamente os comentários e respondeu:  
Ele agiu conforme sua natureza e eu de acordo com a minha.

Em http://paxprofundis.org/livros/parabolas/parabolas.html

terça-feira, 10 de abril de 2012

Aprendendo dos dois lados do Atlântico


Angola ficou mais próxima, na medida em que um intercâmbio de formação universitária trouxe a Pelotas os padres Quintino, Martinho e, agora, Augusto. Foram e são fontes de conhecimento sobre o continente africano, que tem problemas muito semelhantes à América do Sul, destacando-se a pobreza de um grande contingente, assim como uma praga que crassa dos dois lados do Atlântico: a corrupção pública.
O convencimento de que é preciso colocar sobre as estruturas populares e locais uma representatividade democrática traz, junto, a estrutura de poder como conhecemos, hoje, tanto aqui, quanto lá: executivo, legislativo e judiciário. O problema começa quando esta máquina se torna insaciável e consome o que arrecada na sua própria manutenção.
Eles estão recém saindo de uma guerra civil. Contam o que é perder pessoas próximas, como familiares, ou até colegas de seminário, por barreiras ou mesmo as minas que explodindo além de ceifar vidas, também são responsáveis por um bom número de pessoas sem algum de seus membros. Esta experiência nós não tivemos. Mas temos, sim, guerra não declarada, nas periferias das grandes cidades, com “leis” também não declaradas, pelo tráfico de drogas e a satisfação das necessidades do crime organizado.
Da organização tribal, começam a recuperar valores perdidos na ocidentalização: a organização onde quem coordena está a serviço e não para se servir; o valor dos laços familiares e o respeito pela vida alheia, na própria tribo e com os quais se relacionam.
Outro problema comum diz respeito às riquezas naturais: o Brasil é olhado com cobiça pelo potencial na produção de petróleo. O mesmo acontece com Angola. Aqui, os Estados Unidos tramam relações que coloquem suas empresas no meio de um negócio com lucro certo. Por lá, Portugal, na origem da colonização e que fugiu daquelas terras, volta e quer “ajudar” a “administrarem” estas riquezas. Como esta gente é boazinha!
A troca de experiência faz uma grande diferença. Reaprender hábitos tribais pode refazer relações sociais. Se há riqueza nos solos, também há uma riqueza cultural e espiritual clamando por ser incentivada. Este é o maior intercâmbio: aprender com valores que, embora sufocados, teimam em renascer no encontro entre dois povos.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

A garça que traz o dia

A última garça marca o azul do fim de tarde.
Não sei qual o seu destino,
embora possa saber onde é seu pouso.

Poucas nuvens nos céus,
apenas o suficiente para moldar os últimos raios do Sol.
E são cúmplices de um pássaro desgarrado
que busca seu bando, no início do Outono.

Resta o silêncio de um final de domingo,
onde o azul do céu faz uma incursão
entre o arrojado da tarde e o chumbo da boca da noite.

Os galhos da Nogueira têm seus últimos agitos com a brisa
e também se aquietam e trocam de cor
na medida em que a Natureza adormece.
No breu que aquieta o espírito e sussurra
que amanhã, novamente, a garça voltará aos céus.

domingo, 8 de abril de 2012

Ao encontro da rua

Tenho obsessão por ruas. Explico-me: ao ver uma rua, ela naturalmente joga sobre mim o seu charme e provoca-me a percorrê-la. Então, se for o caso de uma rua com árvores, jardins que despertam curiosidade e prédios que escondem pequenas preciosidades, não há o que fazer: é colocar as mãos nos bolsos, olhar para o horizonte prometido e seguir, seguir e continuar seguindo.
Muitas vezes, fico com medo de que andando por ruas desconhecidas, um dia haverei de me perder. Até agora, isto não aconteceu, e muito ganhei em deixar minha curiosidade traçar o mapa das ruas de uma cidade qualquer, que, a partir daquele momento, passaram a serem únicas, inesquecíveis nas promessas que me fizeram, no sentimento de acolhida que propiciaram.
É como sentir um desejo irreprimível, guardado desde sempre em meu ser, que desperta quando algum indicativo, numa determinada rua, diz que é por ali que devo ir. E vou. Mais ou menos como segue a vida das pessoas. Embora pensando que, em algum lugar, haverá uma surpresa, elas são agradavelmente previsíveis, mesmo em suas diferenças.
Então, as ruas, para mim, são como as pessoas, somente que em silêncio. Elas atendem àquela outra necessidade que é a de, em determinados momentos, podermos esvaziar nossas mentes na pura expectativa do nada fazer, da plenitude de um respirar fundo e sorver ares diferentes daqueles aos quais habitualmente estamos acostumados.
Soltar o olhar em direção ao fim da rua onde uma árvore demarca uma esquina; ou voltar os olhos para um arranjo de flores que cai pela grade da janela; ou ainda sorrir para o cãozinho que brinca no jardim com a criança sentada na grama e apegada a uma bola.
Assim como as pessoas, as ruas também sempre fazem com que reencontre meu rumo. Não me assusto quando, muitas vezes, distraidamente, volto ao lugar de onde saí. Só assim é possível recomeçar de novo. Só que agora sabendo que, em algum lugar, há uma árvore, um arranjo de flores, uma criança e seu cão.
Esta é a plenitude de se viver em um meio urbano. Mais que isto, para quê?

sábado, 7 de abril de 2012

Olhar nos olhos de uma criança


Ainda do livro "Remendos e Arranjos".
 
O Mestre estava encantado, quando se despediu do pessoal que trabalhava naquela casa que acolhia crianças. O trabalho era tão intenso, o envolvimento tão evidente, as pessoas tinham o maior interesse em atender bem aos visitantes, que a tarde passara sem que notasse.
O caminho em direção ao Mosteiro foi feito com o Mestre esbanjando comentários, até que percebeu que o Aprendiz estava em absoluto silêncio. Mais que isto, deu-se conta de que o pequeno menino permanecera assim durante toda a tarde.
- Pequeno menino, porque estás tão silencioso?
Percorreram um trecho do caminho sem que houvesse resposta. Parou no último declive da montanha, de onde podia visualizar o vale e, por entre as árvores, o Mosteiro - destino de seu retorno. Estendeu a mão para proteger os olhos do sol.
- É tão bom voltar para casa!
Voltando-se, viu que o Aprendiz ficara para trás. Foi ao seu encontro.
- Diga, pequeno menino, o que está te angustiando?
- Mestre, o senhor gostou do que viu?
- Vi, onde, pequeno menino?
- Naquela casa de crianças.
- Claro. vi que as crianças são bem tratadas, que as pessoas se preocupam com elas, que são alimentadas.
- Mas falta uma coisa, Mestre.
- Não diga, pequeno gênio, o que falta na casa?
- Carinho, meu senhor.
- Como assim?
- Aquelas crianças são muito tristes.
- Como tu sabes disto?
- Basta olhar nos olhos de uma criança para saber.
Pensou elencar uma série de razões que sustentariam seus argumentos em contrário. Mas uma penca de argumentos não seria suficiente para confrontar com aquela verdade que ele não quisera ver: os olhos tristes das crianças denunciavam que lhes faltava carinho.
- Elas sofrem com a ausência dos pais e aquelas moças estão ali só para trabalhar. O senhor, por exemplo, em nenhum momento tomou uma no seu colo, ou conversou com ela. Tudo o que ouviu, ouviu do que as moças diziam!
Ele parecia profundamente magoado. Embora o mestre ainda não se desse por vencido, fazia um exercício para não retrucar e pensar no que o pequeno menino argumentava.
- Eu sei que sou criança. Mas quando a mão de um pequenino tocou na minha eu senti que ele queria ir embora!
As lágrimas estavam em seu rosto. Em pouco tempo era um pranto sentido, com um soluço triste.
- Pequeno garoto, pequeno garoto. – Tomou-o em seus braços e começou a carregá-lo pelo caminho que levava ao templo. Não havia o que dizer. Havia muito que pensar. Como era difícil aceita uma lição com humildade! Desde que recebera esta dádiva dos deuses – que era o seu pupilo – muitas vezes abrira a boca e a fechara, em seguida, para pensar uma segunda vez nos argumentos que iria usar. Realmente, a vida era diferente quando vista pelo olhar de uma criança. Muito diferente. E mais bela. Apaixonantemente mais bela. Os soluços já haviam cessado. O embalo do caminho quase o fizera dormir. Aconchegado nos braços do mestre, até mesmo um sorriso já aparecia. Um sorriso que recompensava qualquer ingratidão que a vida tivesse cometido. Um sorriso que mostrava um ser caminhando ao encontro do chamado.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

A fábula das três árvores

Uma boa história, para uma boa Sexta Feira da Paixão:
Havia, no alto da montanha, três pequenas árvores que sonhavam o que seriam depois de grandes. A primeira, olhando as estrelas, disse:
- Eu quero ser o baú mais precioso do mundo, cheio de tesouros. Para tal, até me disponho a ser cortada.
A segunda olhou para o riacho e suspirou:
- Eu quero ser um grande navio para transportar reis e rainhas.
A terceira árvore olhou o vale e disse:
- Eu quero ficar aqui no alto da montanha e crescer tanto que as pessoas, ao olharem para mim, levantem seus olhos e pensem em Deus.
Muitos anos se passaram e certo dia vieram três lenhadores pouco ecológicos e cortaram as três árvores, todas ansiosas em serem transformadas naquilo com que sonhavam. Mas, lenhadores não costumam ouvir e nem entender sonhos!... Que pena!
A primeira árvore acabou sendo transformada num cocho de animais, coberto de feno. A segunda virou um simples e pequeno barco de pesca, carregando pessoas e peixes todos os dias. E a terceira, mesmo sonhando em ficar no alto da montanha, acabou cortada em altas vigas e colocada de lado em um depósito.
E todas as três se perguntavam desiludidas e tristes:
- Para que isso?
Mas, numa certa noite, cheia de luz e de estrelas, onde havia mil melodias no ar, uma jovem mulher colocou seu neném recém-nascido naquele cocho de animais. E de repente, a primeira árvore percebeu que continha o maior tesouro do mundo... A segunda árvore, anos mais tarde, acabou transportando um homem que acabou dormindo no barco, mas quando a tempestade quase afundou o pequeno barco, o homem se levantou e disse: "PAZ"!
E num relance, a segunda árvore entendeu que estava carregando o rei dos céus e da terra. Tempos mais tarde, numa sexta-feira, a terceira árvore espantou-se quando suas vigas foram unidas em forma de cruz e um homem foi pregado nela. Logo sentiu-se horrível e cruel. Mas, logo no domingo, o mundo vibrou de alegria e a terceira árvore entendeu que nela havia sido pregado um homem para salvação da humanidade, e que as pessoas sempre se lembrariam de Deus e de seu filho Jesus Cristo ao olharem para ela.
As árvores haviam tido sonhos... Mas as suas realizações foram mil vezes melhores e mais sábias do que haviam imaginado. Temos os nossos sonhos e nossos planos que, por vezes, não coincidem com os planos que Deus tem para nós; e, quase sempre, somos surpreendidos com a sua generosidade e misericórdia.
Importante compreendermos que tudo vem de Deus e crermos que podemos esperar Nele, pois Ele sabe muito bem o que é melhor para cada um de nós.
Autor Desconhecido - em http://www.adilsoncosta.com/2009/11/a-fabula-das-tres-arvores/

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Os caquinhos de Deus

A Catedral não estava lotada. Mas quem estava lá encheu-se de orgulho de ver todos os padres presentes para, nesta Quinta-Feira Santa, fazerem uma espécie de renovação dos seus votos. A Missa seria dos padres. Mas havia um quê de carinho em compartilhar, sendo leigo, seminarista, religioso, um pouco de história vivida por cada um deles.
Olhando seus rostos, os jovens demonstram dinamismo; os de meia idade, amadurecimento; e os mais velhos escorrem sabedoria pelas linhas do tempo que seus rostos já não podem esconder. Fui ver um dos meus padres favoritos, o padre Olavo (desculpem os outros), que olhou para mim e, como sempre, foi gentil: "tu estás mais novo". Tentei, também, ser gentil: "o senhor também". A resposta tinha tudo o que o tempo não destrói do caráter: "não é verdade, não é verdade".
Fui olhando para os rostos que fazem parte da minha história, lembrando daqueles que já passaram - padre Guerino, Cláudio, Palmor, Roberto - e pensando que fiz a opção certa: hoje, faço parte do processo de formação dos sacerdotes (trabalho com o Propedêutico ( um tempo de discernimento para futuros candidatos ao sacerdócio), aqueles que cursam Filosofia (pré-requisito para a Teologia) e Teologia), buscando fazê-los discernir a comunicação num tempo de tantas contradições.
O tempo que passa também deixa suas marcas na gente. Hoje, trabalho com jovens que não terão alguns vícios dos antigos, pela própria preparação. Mas a busca é para que eles tenham uma marca consagrada dos antigos: sejam bons e santos pastores.
O resto, o tempo se encarrega de fazer e Deus faz a sua procura e a sua escuta com alguns que já deveriam ter pendurado a chuteira, mas sabem que são necessários para continuar uma santa e fantástica obra, sendo apenas e bons "caquinhos" de Deus.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Semana Santa: tempo de silêncio


Esta semana, duas matérias a respeito de seleção para emprego me chamaram a atenção. Em ambas, a questão central dizia respeito às dicas de como se preparar, como enfrentar e cuidados que se devem ter na relação entrevistado/entrevistador. Um dos depoimentos que me chamou a atenção era de um entrevistador que se queixava da falta de capacidade de concentração, especialmente entre os candidatos jovens. Esta é uma observação que tenho feito em sala de aula. Embora muito se fale de uma suposta “atenção dispersiva”, na prática, isto não se comprova e o que se vê são jovens sem a capacidade de trabalhar com um foco.
O exemplo da criança ou do jovem que está ao computador e que manipula diversas janelas abertas, estudando, estabelecendo relações, acessando sites de curiosidade não significa um “treinamento” para maior eficiência, já que, em tese, “administra” todos os contatos. A mentira começa exatamente por aí: em muitos casos, janelas são deixadas abertas por esquecimento, ou por falta de interesse no seu manuseio, assim como pessoas são escanteadas se não mostrarem algo de interessante para a sua satisfação.
Uma das receitas dadas para a capacidade de concentração é algo tão antigo quanto a própria humanidade: a reflexão. Um tempo especial para ser gasto na leitura de um livro, ouvir música, ou apenas ficar em silêncio num lugar especial, que pode ser o próprio quarto, um cantinho da casa ou do pátio.
A Semana Santa é propícia para isto. Os cristãos utilizam para rezar, que é uma espécie de reflexão. Os demais poderiam aproveitar este tempo de menos festas (baladas, mesmo), para procurar um tempo para si mesmo, exercitar seus espaços de sanidade mental.
Não vai fazer mal silenciar um pouco. Bem pelo contrário, não conheço alguém que tenha saído deste exercício sem que tivesse feito uma boa experiência. Aprendendo a silenciar, também vai aprender a refletir. E este pode ser um bom caminho para, num futuro, fazer uma boa entrevista para emprego. Aprendendo a lidar com suas próprias emoções, ao menos vai conseguir viver mais intensamente e melhor.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Saúde e fraternidade


A Semana Santa já chegou. Ficou a impressão de que o tempo da Quaresma não foi suficiente para que trabalhássemos devidamente o tema da Campanha da Fraternidade: “Fraternidade e Saúde Pública”, apostando no lema “Que as saúde se difunda sobre a Terra”.
Historicamente tem sido assim, são grandes temas, com interessantes motivações, mas que, no início do ano, concorrem com diversos eventos: muita gente voltando das férias, início de aulas, a retomada das atividades pastorais. Falta o devido tempo para apostar na reflexão e na decisão de assumir práticas efetivas.
Mas este ano vai ser diferente. A Arquidiocese de Pelotas resolveu que, embora o tempo da campanha tenha sido delimitado à Quaresma, na prática, há um calendário que vai abranger o ano todo, com o envolvimento das comunidades, das paróquias, dos setores de serviços, mas também provocando a sociedade organizada para dar a sua contribuição.
Embora as Igrejas Cristãs tenham uma capilaridade que leva a todos os cantos e recantos de Pelotas, não é bom que se restrinja uma aposta que influencia, literalmente, a vida de todos. E todos se entende por todos mesmo: em algum momento, de alguma forma, podemos precisar do Serviço Único da Saúde, seja por um atendimento médico, um pronto-socorro ou, quem sabe, num acidente, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU – 192).
Infelizmente, quem dele se vale direta ou indiretamente tem muito a contribuir porque, dificilmente, alguém ainda não sentiu na pele o quando alguns destes serviços podem ser precários. Embora se saiba dos esforços de profissionais que se doam para salvar vidas, há também aqueles que apenas arrumaram um “bico” profissional, muitas vezes sem as necessárias condições técnicas, na estrutura de atendimento e na disponibilidade de medicação.
A proposta é clara: saúde também é uma questão de fraternidade, porque é o momento em que a pessoa está fragilizada e dependente de familiares ou da estrutura do Estado. Não podemos permitir que falte nenhuma delas, pois a nossa luta, com certeza, será para que a “saúde se difunda sobre a Terra”.