segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Educação: começar pelo início

Em muitas discussões, ouço como um mantra: "toda a mudança começa pela educação!" Respeitosamente, discordo. A mudança inicia por uma repactuação das relações políticas, no seu sentido mais amplo, aquele que organiza as relações para o bem comum, do qual a educação é parte. A velha discussão: quem veio antes, o ovo ou a galinha. Mas não é assim. Deixamos se deteriorar as relações políticas - em todos os níveis e em toda a sua extensão - resultando no que temos hoje: vícios que degradam até mesmo o respeito do educando pelo educador.
O processo de educação já teve tempos melhores, onde agiam as famílias, as religiões e as escolas. A última fechando um ciclo, mais com a preocupação com o ensino formal. Infelizmente, hoje, as três áreas estão com problemas.
Não se pode generalizar e aí está a solução: encontrar pais que não se omitam, religiosos que não abram mão do seu ofício e educadores que assumam com ética o papel de formadores, de professores. Qual é o diferencial? as experiências mostram que são motivadores e transformam o tempo em sala de aula em preparação profissional e para a vida.
Numa discussão, alguém dizia que precisavam chamar os pais à responsabilidade. Outro, mais experiente, questionou: "e quem vai chamar os pais dos pais?" Nosso problema é de gerações e não vai se resolver de uma hora para a outra. No entanto, os protagonistas do processo precisam assumir suas responsabilidades pelo óbvio: pais são pais, pelas cobranças que fazem e pelo exemplo que dão. Já a mudança da educação inicia pela redefinição pessoal de cada um dos profissionais, agindo num meio que pode até ser hostil, mas onde brotam aqueles que estão sedentos para fazer o seu próprio processo.
Quando se demonizam velhas práticas, fico com um pé atrás: decorar textos enriqueceu meu vocabulário; o mesmo com a tabuada, que tornou mais ágil o meu raciocínio matemático. Então, não era tão ruim assim. Estas práticas foram suprimidas e não se ofertou alternativas que ocupassem seu lugar.
Precisamos, sim, discutir salários dos profissionais de educação; precisamos discutir seus espaços de trabalho; precisamos discutir a sua formação e a sua interação para que se tenha uma visão e atuação de conjunto. Nesta máquina pública já quase parando, hoje, é ponto chave valorizar o ensino básico e o profissional. O superior vai ser consequência. Quando o dinheiro é curto, é melhor começar pelo início, onde se definem princípios, ou as carências que deixam marcas por toda uma vida.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Isabel, a rainha de Castela

"Isabel, a rainha de Castela" é uma série que está disponível pelo sistema Globosat. Passa-se na virada do século XV para XVI, quando acontece a unificação da Espanha. Isabel, a Católica, é o título que lhe foi concedido a ela e ao marido pelo papa Alexandre VI mediante a bula Si convenit no dia 19 de Dezembro de 1496. É por causa deste título que o casal é conhecido pelo nome de Reis Católicos, título que, a partir daí, quase todos os reis de Espanha começaram a utilizar. Isabel era rainha de Castela, enquanto Felipe sucederia o rei de Aragão.
Casou-se com o seu primo em segundo-grau, o príncipe Fernando de Aragão e, devido ao seu parentesco próximo, tiveram de pedir permissão ao Papa. No entanto, com a ajuda de Rodrigo Bórgia (que se tornaria mais tarde o papa Alexandre VI), o pontífice Sisto IV acabou por aceitar o casamento, uma vez que considerava a união conveniente para os interesses da Igreja. Isabel e o seu marido Fernando criaram as bases para a unificação política de Espanha através do seu neto, Carlos I, que se tornaria imperador do Sacro Império Romano.
A série tem nos detalhes de cenários de época o seu forte, assim como nas indumentárias utilizadas pelos personagens. Juntando-se com a exuberante paisagem da Espanha, jogam um pouco de luz ao entendimento político de como se faziam as relações internas dos reinos, assim como o papel da Igreja Católica e da comunidade judia.
Sucessora de seu irmão, Isabel contestou a França e Portugal para fortalecer seu reinado e lançar as bases da navegação que expandiria sua influência comercial por todo o novo mundo. Para isto, celebrou acordos em nome de seu país e da fé com todos aqueles que lhe fossem úteis. É o caso dos judeus, que aparecem como parte das forças que a apoiam - especialmente que a financiam - mas, a História conta, mais tarde foram pela mesma Isabel perseguidos.
Mulher forte, dobrou seu maridos Fernando, que acabou em segundo plano diante da capacidade de articular estratégias de uma rainha que viu os horizontes de seu país se lançarem para além do Mediterrâneo e ocupar o Mundo com o início das navegações em direção à América.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Coração mole

De Marcos Piangers

Os tempos são, cada vez mais, individualistas e mesquinhos e, vocês sabem, é sempre muito difícil discutir com pessoas individualistas e mesquinhas. Perguntam “Qual a utilidade de um filho?”, como se uma criança fosse um eletrodoméstico, ou um novo modelo de celular. Como se um filho pudesse lhes economizar algum dinheiro ou lhes deixar alguns centímetros mais alto. Você não encontrará este tipo de utilidade em um filho.
Pelo contrário: um filho vai esgotar suas economias e minguar suas noites de sono. Vai sujar suas camisas novas e desenhar em suas paredes. Você não vai ter um filho para obter vantagens, descontos, deduções do imposto de renda ou balões de graça sempre que for ao shopping. Você vai ter um filho para aprender a amar outra pessoa mais do que você mesmo.
Esta é a utilidade secreta de um filho: ele nos torna imediatamente pessoas melhores. Nos preocupamos em ser mais educados com as outras pessoas, em dar o exemplo. Nos esforçamos para preservar o meio ambiente, para que o mundo continue sendo um lugar agradável pra ele.
Você passa a separar o lixo, dizer “com licença”, parar no sinal amarelo. Você passa a se preocupar com bullying, com piadas preconceituosas, com alimentação industrializada. Você devolve o troco errado, recolhe o lixo que outra pessoa jogou no chão. Você se torna uma pessoa melhor. Para que seu filho seja melhor que você. Melhor que seus pais. Melhor que seus avós. Para que o mundo dele seja melhor do que o seu mundo.
Os tempos são, cada vez mais, individualistas e mesquinhos. Contra eles, amor e abnegação. Ter um coração mole em um mundo cruel não é sinal de fraqueza, é sinal de coragem.
Vai que a moda pega.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Ser mãe, minha melhor opção

Creio que o texto é de Adriely Souza. Se não for, me corrijam.

Você me trouxe marcas...
Marcas que não podem ser escondidas ou apagadas...
Eu vi o meu corpo se modificar a cada grama que você ganhava.
Vi o meu rosto, antes tão bem maquiado, com traços delicados, serem marcados pela exaustão, pelo cansaço, pelo stress...
Ao tomar banho e lavar os cabelos, vi os fios finos rolando pelo ralo, e ao penteá-los os via ali, vários, entrelaçados junto ao pente.
Antes, meus cabelos tão cheios e volumosos...
Hoje, ralos e enrolados em um coque.
Vi a minha própria pele se rasgar, centímetro por centímetro, cada vez que você crescia...
Rolava a ponta dos dedos pelas estrias me perguntando se elas iriam desaparecer...
Vi minha barriga, antes tão definida e com um piercing de enfeite, se tornar flácida e feia.
Vi meu corpo pesar, inchar, secar, aumentar.. e ganhar uma cicatriz quando você chegou, uma cicatriz eterna...
Sim, eu me cortei por você...
Hoje, me olhando no espelho sinto que me perdi no meio de tantas marcas e cicatrizes...
A antiga eu, tão jovem, bela, e sempre impecável...
Hoje não existe mais!
Mas, em meio a tantas marcas eu olho para você, fora de mim, crescendo, e me proporcionando olheiras misturadas com covinhas de sorrisos...
E afirmo para mim mesma, que pouco me importam todas essas cicatrizes, se eu tenho seus bracinhos em torno do meu pescoço...
Se eu tenho suas mãozinhas e seu olhar, que confiam tanto em mim...
Se eu tenho sua admiração e seu amor...
Se eu tenho você aqui deitadinho(a) olhando fixamente para mim...
O que será que você pensa?
Talvez o mesmo que eu...
Ah, filho,
sim eu me marcaria por mais mil vezes, para ter suas pequenas pernas entrelaçadas na minha cintura.
Para ter esse olhar, esse cheirinho.
Você é a beleza mais magnífica que eu posso ter.
É a minha satisfação...
Você se tornou a minha vaidade e a minha virtude.
Você me fez mãe... E a mulher que ficou no passado, sem dúvidas, não brilhava metade do que eu brilho agora.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Cultura do desperdício

Quando assisto alguns filmes de ficção científica assusta-me uma imagem com presença constante em que um “universo” protegido de pessoas que detém recursos, faz contraste com uma periferia clandestina, com características “noir”, onde vive uma população sempre caracterizada como “violenta e marginalizada”.
As agressões que fazemos ao meio ambiente configura algo próximo. Por quanto tempo ainda teremos energia elétrica, água potável, fontes minerais? A partir de quando uma parcela da população dominará estes recursos e jogará a outra na marginalidade?
Dois elementos interligados: água e energia elétrica. Muito presentes, nas pautas jornalísticas, em função da falta de uma, em algumas regiões do país, e a conseqüente perda da produção de força geradora.
Sou favorável a que nossas autoridades constituídas, em especial as eleitas, sejam responsabilizadas pelos seus atos (ou pela falta deles) que nos levaram a enfrentar esta situação. No entanto, como efeito colateral, acabamos nos dando conta de que vivemos uma cultura do desperdício. Muitos amigos – e eu também passei pela experiência – conseguiram fazer grande economia de luz, com atitudes simples e um pouco de criatividade. O que significa que aquele percentual economizado era um gasto desnecessário.
Pois bem, senhores, o que me surpreende, como morador em Pelotas, é que, aqui, nós temos recursos disponíveis. E não sabemos aproveitar. Querem um exemplo?
A água. Esta maravilha que já está faltando em boa parte do globo, neste início de milênio, aqui tem de sobra. É claro que não é tratado e, por isso – vergonha das vergonhas! – falta em nossas torneiras.
Ao contrário, populações marginalizadas, à beira dos mananciais, jogam seu lixo diretamente neles. Afora o sistema de esgoto, que estraga nossas águas, impossibilitando seu uso, inclusive os saudosos bons banhos na Lagoa dos Patos, por exemplo.
No momento em que entidades sociais pedem o fim da corrupção – E só isso nos daria uma sensível melhoria na qualidade de vida – podemos pedir que a população acorde para brigar por aquilo que é graça de Deus: os bens da natureza.
No início deste novo milênio, isto é possível. Se não for assim, assusta-me a visão do futuro: alguém tomará conta de nossa água. Seremos nós a vivermos na marginalidade, na exclusão?

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Mulheres aprontam em Downton Abbey

Quando falei a respeito da série Downton Abbey citei o mordomo e a supervisora do castelo (pelo jeito na faixa dos 60 anos), que resolveram casar. Minha dúvida era o motivo do marido, que parecia procurar uma esposa cuidadora e cozinheira. Pois no último sábado, em plena década de 1930, as mulheres também armavam das suas.
O mordomo de longa data da família Crawley, mister Carson (Jim Carter), oficializou a união com Elsie Hughes (Phyllis Logan). É interessante como os dois, já com idade avançada (para a época), discutem a relevância do sexo no casamento. Para Carson, é importante. Elsie vê essa situação com mais receio. Mas ela tem a cumplicidade e o apoio da cozinheira, Mrs. Patmore (Lesley Nicol).
Incomodada com a insistência para que fizesse os pratos solicitados em casa, seguindo instruções nos mínimos detalhes, as duas armam para mister Carson. Simulam um acidente de Elsie no qual machuca a mão, que somente contam quando os dois estão em casa, com todos os ingredientes comprados para a ceia.
É hilário ver a reação de mister Carson que é "convencido" a ir para a cozinha, sendo acompanhado da sala (como ele sempre fazia), por Elsie que lhe dá as mínimas instruções, fazendo da sua estada entre pratos, panelas e fogão um autêntico inferno!
Servida a mesa, ele ainda tem tempo de perguntar se tudo está bem, no que se repara um excesso de caldo aqui, uma batata mais assada ali... Enquanto Elsie detalha a sua avaliação, a câmara volta a mister Carson que, de tão cansado... dormiu!
No reencontro das duas cúmplices, no espaço das confidências, Elsie e mrs. Patmore riem de que, no dia seguinte, resolvendo o problema da louça que ainda precisava ser lavada, mister Carson já se mostrava bem mais acessível em compartilhar responsabilidades na casa.
Pra ver, mulheres, se ainda há homens que não compartilham de responsabilidades da casa, assim como dos cuidados dos filhos, a história não é de hoje. Mas eles ainda mudam, podem cobrar a cada seis meses que, em algum tempo as coisas se resolvem. Pobre mister Carson!

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Bem-vindo, padre Ricardo Hoepers

As redes sociais fizeram meu primeiro contato com o novo bispo de Rio Grande, padre Ricardo Hoepers. Depois que o pessoal começou a fazer circular pelo Facebook as boas-vindas e um pequeno histórico do padre curitibano, também o vi na relação daqueles possíveis "amigos" do face. Durante a semana, não fiz contato. No sábado, enviei uma solicitação de amizade, prontamente respondida. Pensei que era graça de algum santo e resolvi abusar. Enviei mensagem de boas-vindas e colocando-me ao dispor, também resposta pronta, agradecendo e dizendo da importância da área da comunicação.
Padre Ricardo dará continuidade ao trabalho de dom José Mário, numa diocese pequena, mas com muitos percalços. Especialmente Rio Grande enfrentou problemas, primeiro por ser apenas passagem para a navegação, com a prostituição e consumo de drogas. Depois os tempos áureos da montagem de plataformas, inchando a cidade e todas as áreas urbanas próximas. Por último, o problema de ver a economia voltar atrás.
Nos últimos anos, muitos rapazes foram meu aluno no curso de Teologia e ordenados padres por Rio Grande. Então, o bispo que será sagrado em maio, em Curitiba, e empossado em junho, em Rio Grande, tem consigo um bom esquadrão para a tarefa de pastoreio. Pois é isto exatamente o que precisa ser enfrentado: diante dos problemas já existentes, perspectivas que se mostraram falsas e novas decepções, há um povo carente de pastor!
Quando pensei em saudar o padre Ricardo veio-me à ideia duas situações. No Evangelho de São Mateus: "Ao ver as multidões, Jesus sentiu grande compaixão pelas pessoas, pois que estavam aflitas e desamparadas como ovelhas que não têm pastor. Então, falou aos seus discípulos: De fato a colheita é abundante, mas os trabalhadores são poucos..." E daquele que é fonte inspiradora para os padres diocesanos, São João Maria Vianney, o cura D'Ars: “o padre não é para si. Não dá a si a absolvição. Não administra a si os sacramentos. Ele não é para si, é para vós.”
Pois este jovem bispo tem esta missão pela frente. Trabalhar na motivação para que homens e mulheres enfrentem o duro trabalho das paróquias, comunidades e serviços; incentivar a participação daqueles que estão afastados do convívio e voltar seus olhos para os problemas do Mundo - a nossa casa - como nos pede a Campanha da Fraternidade e onde Rio Grande e Região Sul têm tantas carências.
Bem-vindo, padre Ricardo, ser bispo não é uma honraria concedida, mas um desafio. Creia que a região espera por um bispo pastor, que usa os meios disponíveis (as redes sociais fazem parte), para aproximar e resgatar laços. Homens e mulheres de Deus empenhados em trabalhar para que esta casa de passagem seja boa e mostre cheiro de família e santidade para todos os que quiserem entrar pelas portas de nossas Igrejas.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Outlander - a série

Copiei do Wikipédia: "A inglesa Claire Randall, enfermeira durante a Segunda Guerra Mundial, viaja com seu marido Frank à Escócia para uma reaproximação após anos separados pela guerra (1945). Entretanto, Claire acaba, por meio de magia, voltando 200 anos no tempo e descobre-se sozinha no ano 1743, durante os levantes jacobitas. Nesse ambiente, ela conhece o jovem guerreiro escocês Jamie Fraser (com quem se casa) e o capitão inglês Jonathan Randall, antepassado de seu marido Frank".
Junte-se um bom enredo, uma boa ambientação e um bom quadro de atores e se terá uma série primorosa para quem gosta de ação, suspense, misturada com romance e uma dose de misticismo. A primeira temporada foi adaptada do livro "A viajante do tempo", de Diana Gabaldon, feito e veiculado em 2014 (mas que pode ser encontrado em sites que abrigam biblioteca de séries). Para 2016, a promessa é de que veremos a sequência - muito bom o livro - baseada em "a libélula no âmbar".
Para quem pensa que para por aí, está enganado. Mais duas obras já estão lançadas, gerando a possibilidade de, ao menos, mais duas temporadas: "O resgate no mar" e "os tambores de Outono".
Para quem gosta de ler, além da obra impressa nas livrarias, o primeiro e o segundo livros já estão também em pdf em sites como o "lelivros". Mas prepare-se, são mais de 700 páginas, onde personagens reais se misturam com a fantasia e os sonhos aterrissam em dois momentos distintos da História.
A primeira temporada se passa no interior da Escócia. Neste tempo, como em grande parte da Europa, houve uma grande crise na produção agrícola e a salvação da lavoura foi um produto levado da América: a personagem Claire introduz no meio rural a plantação de batatas, com sementes que os barcos estavam levando do nosso continente. A sua produção salvou muita gente de morrer de fome, transformando-se em comida típica de alguns países, como a Alemanha.
O misticismo presente é um bom fio condutor que, sem se tornar piegas ou justificar alguma doutrina, amarra os dois momentos históricos e tenta entender o que os fatos passados podem influenciar no momento presente, assim como a possibilidade de um retorno poderia alterar o curso dos acontecimentos e da própria História.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Gosto de bolo de aipim com coco

Você já provou o bolo de aipim com coco? Eu encontro ali na padaria Modelo, daqueles redondinhos, tipo feito em forma de pudim, onde, confesso, o gosto do aipim e do coco eu não encontrei. Mas ele é tenro, daqueles que se desmancham na boca, dando a sensação de que "isto não é bom..." (para o regime, claro), mas "é muito bom!" para quem está com vontade de tomar um bom café da tarde sorvendo pequenos prazeres em suaves prestações.
Bolo de aipim com coco é a sensação dos finais de semana. Aliás, é exatamente assim: precisa-se cumprir determinados ritos. Aqui em casa, compro um que deveria durar o final de semana, mas todos querem tirar uma lasquinha e, portanto, já fico contente se durar o café da tarde e sobrar uma amostra para a janta da dona França.
Gostos e cheiros marcam nossa vida: lembro dos tempo de criança de que, na segunda-feira, a mãe fazia pão em casa e cozinhava uma panela de feijão, que deveria durar toda a semana. Aquela mistura de pão assando, com os temperos que davam sabor especial ao feijão, faziam do primeiro dia da semana um dia pra lá de especial.
Especial mesmo era quando, no "fristique" das 10 horas, éramos agraciados com uma fatia de pão assado a pouco com pedacinhos de torresmo recém fritos e que iriam fazer parte do cozimento do feijão. Refeição em que até os santos se ajoelhariam para degustar!
Lembro, também, do cheiro do café recém passado, embora, hoje, não faça grande distinção entre o café que é passado do solúvel. Sou prático: o que cair na xícara, morre! Para aqueles que têm gosto mais definido, dizer isto soa como heresia. Torcem o nariz. Mas, desculpem, ataques de pobreza também tem destas recaídas!
Gostos e cheiros nos marcam por toda a vida. Trazemos da infância e da adolescência aqueles que eram comuns em nossas casas: comida, roupa, limpeza da casa, de corpos suados ou do sabonete e do shampoo que nossos pais usavam... Dá uma certa nostalgia andar pelas ruas e sentir, dobrando uma esquina, algo próximo despertando nossas memórias. Não há explicação para o sentimento que se tem quando isto acontece, mas a sensação de que se viveu algo de bom, marcadamente humano numa trajetória de recordações.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Sensação

Dona Braulina, Hélio, Janete, Santos, Iolanda, Paulo. Nomes desconhecidos para a maior parte das pessoas, mas personagens que fazem parte do universo da Vila Silveira, que encontro na minha primeira caminhada das 10 horas. Os personagens podem variar, o caminho é sempre o mesmo, como também é a mesma sensação: acolhida, respeito, consideração.
Moramos na Vila Silveira há 56 anos. A sua "evolução" fez dela um conjunto de condomínios. No entanto, a parte central da vila se conservou com praticamente os mesmos moradores, mantendo hábitos semelhantes, mas usufruindo de bem mais serviços... e bem mais problemas.
Toda a vez que me incomodo com barulho, descaso de motoristas, má educação de quem não respeita o silêncio da noite, lembro que, embora não sendo impossível, teria que refazer os laços que tenho por aqui se quiser reconstruir relações em outro lugar.
O vileiro é conservador. Gosta de manter aquilo que tem, sem se meter muito na vida dos outros, mas com a preocupação (e não é só por fofoca, não)de saber de seus vizinhos.
Compramos comida ao meio-dia da Gilse e da Léka. Já é hábito chegar próximo às 12 horas, bater um papo e retornar para casa. Mas, no meio do caminho tem a Helena. Uma vizinha da Gilse, que teve um AVC, bom papo, torcedora do Pelotas e que mostra preocupação dizendo: "tu não veio ontem"!
A Beatriz (Pininha) disse que o "vileiro pode sair da vila, mas a vila não sai do vileiro". Creio que a expressão é bem mais ampla. Não é somente a questão do espaço físico da vila. Mas o seu significado na história de cada um. A Iolanda disse que saiu da vila, por questões de proximidade com o trabalho e que agora está de volta. E não se arrepende. Não creio que deva se arrepender, nem de ter ido, nem de ter voltado. Cumpriu um ciclo, é bom viver bem o novo que está atravessando.
Ficar ou sair da vila vai depender do quanto os laços criados ao longo do tempo que ali permanecemos estabeleceram raízes. Não que estas pessoas sejam aquelas que um dia, na necessidade, irão cuidar de nós. Necessariamente, a coisa não funciona assim. Mas sabemos de sua preocupação, da sua atenção. Uma pequena caminhada nos dá a sensação de pertença. É aqui o meu lugar. Com todos os seus problemas, com todas as suas perdas, a vila ainda nos dá momentos de alegrias, sorrisos e espaço para energizar nossas outras caminhadas.

Liberdade poética: um coqueiro semelhante ao da foto existia no meio da rua, quase entre a casa da dona Braulina/Neida e dona Gisela, lugar de brincadeira para as crianças. E ponto de assombração num tempo em que não havia energia elétrica instalada.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Formação do educador

A mensagem que educa não são os conteúdos curriculares, e sim o "embrulho" em que eles são ensinados

Rubem Alves - Revista Educação

Sonho com uma escola em que se cultivem pelo menos três coisas.
Primeiro, a sabedoria de viver juntos: o olhar manso, a paciência de ouvir, o prazer em cooperar. A sabedoria de viver juntos é a base de tudo o mais.
Segundo, a arte de pensar, porque é a partir dela que se constroem todos os saberes. Pensar é saber o que fazer com as informações. Informação sem pensamento é coisa morta. A arte de pensar tem a ver com um permanente espantar-se diante do assombro do mundo, fazer perguntas diante do desconhecido, não ter medo de errar, porque os saberes se encontram sempre depois de muitos erros.
Terceiro, o prazer de ler. Jamais o hábito da leitura, porque o hábito pertence ao mundo dos deveres, dos automatismos: cortar as unhas, escovar os dentes, rezar de noite. Não hábito, mas leitura amorosa. Na leitura amorosa entramos em mundos desconhecidos e isso nos faz mais ricos interiormente. Quem aprendeu a amar os livros tem a chave do conhecimento.
Mas essa escola não se constrói por meio de leis e parafernália tecnológica. De que vale uma cozinha dotada das panelas mais modernas se o cozinheiro não sabe cozinhar? É o cozinheiro que faz a comida boa mesmo em panela velha. O cozinheiro está para a comida boa da mesma forma como o educador está para o prazer de pensar e aprender. Sem o educador o sonho da escola não se realiza.
A questão crucial da educação, portanto, é a formação do educador. "Como educar os educadores?"
Imagine que você quer ensinar a voar. Na imaginação tudo é possível. Os mestres do vôo são os pássaros. Aí você aprisiona um pássaro numa gaiola e pede que ele o ensine a voar. Pássaros engaiolados não podem ensinar o vôo. Por mais que eles expliquem a teoria do vôo, só ensinarão gaiolas.
Marshal McLuhan disse que a mensagem, aquilo que se comunica efetivamente, não é o seu conteúdo consciente, mas o pacote em que a mensagem é transmitida. "O meio é a mensagem." Se o meio para se aprender o vôo dos pássaros é a gaiola, o que se aprende não é o vôo, é a gaiola.
Aplicando-se essa metáfora à educação podemos dizer que a mensagem que educa não são os conteúdos curriculares, a teoria que se ensina nas aulas, educação libertária etc. A mensagem verdadeira, aquilo que se aprende, é o "embrulho" em que esses conteúdos curriculares são supostamente ensinados.
Tenho a suspeita, entretanto, que se pretende formar educadores em gaiolas idênticas àquelas que desejamos destruir.
Os alunos se assentam em carteiras. Professores dão aulas. Os alunos anotam. Tudo de acordo com a "grade curricular". "Grade" = "gaiola". Essa expressão revela a qualidade do "espaço" educacional em que vivem os aprendizes de educador.
O tempo do pensamento também está submetido às grades do relógio. Toca a campainha. É hora de pensar "psicologia". Toca a campainha. É hora de parar de pensar "psicologia". É hora de pensar "método"...
Os futuros educadores fazem provas e escrevem papers pelos quais receberão notas que lhes permitirão tirar o diploma que atesta que eles aprenderam os saberes que fazem um educador.
Desejamos quebrar as gaiolas para que os aprendizes aprendam a arte do vôo. Mas, para que isso aconteça, é preciso que as escolas que preparam educadores sejam a própria experiência do vôo.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Sublime


Quando querias deixar tua imaginação
viajar ao infinito, fechavas os olhos.
Ficavas livre de todo os males.
No silêncio, esquecias que tuas pernas
se negavam a te obedecer.

Mas, agora, outros te cerraram os olhos.
Não sabes bem para onde vais.
Estás te acostumando com a ideia
de que finalmente não há mais correntes que te prendem à vida.

Ergues tuas mãos para os céus,
tentas e consegues subir na cadeira de rodas,
estás inebriado por uma sensação de liberdade
Que não desfrutastes em teus poucos anos de vida.

Tens a eternidade para refazer teus sonhos.
Talvez nem precises deles.
Completas o ciclo da vida.
É palpável o que sempre foi apenas um sublime desejo:
enfim contemplas a Esperança!

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Mundo - nossa casa, hoje, e para as futuras gerações

A Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) 2016 foi lançada oficialmente no dia 10 de fevereiro - Quarta-feira de Cinzas. O tema é “Casa Comum, nossa responsabilidade”. O lema bíblico: “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca”. O objetivo é chamar atenção para a questão do direito ao saneamento básico para todas as pessoas, fortalecendo o empenho, à luz da fé, por políticas públicas e atitudes responsáveis que garantam a integridade e o futuro da Casa Comum, ou seja, do planeta Terra.
A Campanha é realizada pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), assumida pelas igrejas Católica, Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Anglicana, Presbiteriana e Sírian Ortodoxa de Antioquia. Além delas, estão integradas a Aliança de Batistas do Brasil, Visão Mundial e Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (CESEEP). Terá dimensão internacional, em parceria com a Misereor – entidade da Igreja Católica na Alemanha que trabalha na cooperação para o desenvolvimento na Ásia, África e América Latina.
Quando de seu lançamento, bispos, pastores e reverendos mostraram números preocupantes: o Brasil é um dos países com o índice mais alto de pessoas que não possuem banheiro com quase 7,2 milhões de habitantes, em 2014. Cerca de 35 milhões de pessoas não contam com água tratada em casa e quase 100 milhões estão excluídas do serviço de coleta de esgotos.
Para piorar, a cada 100 litros de água coletados e tratados, em média, apenas 67 litros são consumidos. 37% da água no Brasil é perdida, seja com vazamentos, roubos e ligações clandestinas, falta de medição ou medições incorretas no consumo de água, resultando no prejuízo de R$ 8 bilhões. A soma do volume de água perdida por ano nos sistemas de distribuição das cidades daria para encher seis sistemas Cantareira - famoso quando, recentemente, deixou sem água grande parte da grande São Paulo.
Falar desse assunto é, como escreveu o papa Francisco, na encíclica “Laudato si", "cuidar da casa comum", uma vez que afeta a saúde pública, a dignidade humana, a sustentabilidade do planeta e a economia. Há um trio de preocupações para quem lida com estas relações. Precisamos aprender a cuidar de nós mesmos (aí incluindo a parte física, psicológica e espiritual), dos outros (somos uma sociedade interdependente) e do Mundo, o lugar onde vivemos e pelo qual somos responsáveis, tanto no aqui e agora, quanto no que iremos deixar para as próximas gerações.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Downton Abbey - a série


Uma das séries que acompanhei em 2015 foi Downton Abbey. Sua maior parte se passa em uma propriedade fictícia, localizada em Yorkshire, chamada Downton Abbey e segue os Crawley, uma família aristocrática inglesa, e os seus criados, no início do século XX, a partir de 1912. Toda a pompa e circunstância estão presente na família que se julga merecedora por algum direito divino de todas as mordomias e seus criados, que existem para fazer a máquina funcionar em benefício de seus patrões.
Eram anos difíceis. Seu início se dá com o comunicado de que alguém da família estava num navio - Titanic - que recém naufragara quando ia em direção aos Estados Unidos (primeira temporada). Em seguida, vem a Primeira Guerra Mundial - 1914 a 1918 - quando ao menos um membro do lado de cima da casa e outro da parte debaixo convivem com os horrores da conflagração que envolveu praticamente toda a Europa (segunda temporada).
Tendo como pano de fundo a própria história mundial, mas também discussões mais específicas - família, mulher, voto universal, direitos dos trabalhadores, homossexualismo, a trama encanta porque há sensibilidade em mostrar os diversos atores. As cenas deslumbrantes do interior do castelo servem de fundo para personagens que nos dão raiva, mas também ganham nossa simpatia, numa alternância onde a questão do "bom" e do "mau" é bem humano: ninguém é totalmente um, como ninguém é totalmente o outro.
A sexta e última temporada está agora no ar, no Brasil, pelos canais GNT e Globosat, tendo passado seu quinto capítulo no sábado (13). Para quem gosta de filmes com boa construção de relações sociais e costumes, assim como de contextualização histórica, vale a pena assistir. Para os que vão pegar o barco andando, é procurar um banco de séries e ver as edições anteriores (vale a pena).
Do sábado passado, chamou a atenção a relação entre uma dupla de idosos recém casados e que o senhor já começa a mostrar sinais de que procurava uma "empregada cuidadora", ao invés de esposa. Também do personagem que declarou sua homossexualidade e que embora todos digam que o respeitam têm todas as precauções, numa relação em que se disfarça o preconceito. Uma lição fica clara: o discurso das mudanças sociais é uma coisa. A prática das mudanças sociais... bem, esta é outra coisa completamente diferente!

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Um longo caminho em meio às estrelas

Periodicamente, o cinema revisita clássicos da literatura, dando chance a que desfrutemos de um novo enfoque, um novo jeito de perceber a vida e os sonhos que são eternizados na tela grande. É o que está acontecendo com o filme em cartaz, o Pequeno Príncipe. Baseado num livro infantil com mensagem para adultos, publicado por Saint-Exupéry, ainda durante a 2ª Guerra Mundial (1943), cativou gerações e, mesmo hoje, passar os olhos por suas poucas e densas páginas e desenhos é mergulhar num turbilhão de emoções, reflexões e contínua busca de nossas origens, assim como do nosso destino.
Na nova versão, uma mãe quer encaminhar a filha "bem na vida". Para isto, acha que ela precisa começar a ter disciplina de adulta em miniatura, com compromissos, aprendizados e comportamento típicos. Mas... sempre há um "mas"... próximo mora um velho que resolve provocar a menina para uma aventura diferente e colocar o seu mundo de cabeça para baixo. Evoca a figura típica do contador de histórias que sobrevive desde os menestréis, atravessa as rodas em torno das fogueiras, até o pai ou a mãe que julgam não ser perda de tempo sentar na beira da cama de uma criança e estimular a sua imaginação.
O instigante é que, pelos olhos deste vizinho, a garota encontra o Pequeno Príncipe e a sua saga desde que se desentendeu com sua rosa, em seu pequeno asteroide, percorrendo diversos planetas até chegar à Terra. Mais de 60 anos depois, o escritor e aviador desencadeia bons motivos para resgatar linhas, sentenças, situações, relações, figuras que o tempo pode esmaecer, mas não consegue apagar.
Nos ecos da memória, passam frases como: "tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas"; "só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos"; ou ainda "amar não é olhar um para o outro, é olhar juntos na mesma direção", entre tantas outras que lemos, um dia ouvimos alguém citar ou, quem sabe, murmuramos no ouvido de quem se quis bem...
Estas frases, assim como muitas outras, na essência dizem a mesma coisa: é preciso cativar! Não é a arte mais fácil. Normalmente, usamos como escudo a desculpa de que os outros são difíceis e que fica melhor quando nos ensimesmamos. Fechados, nos protegemos contra tudo e contra todos. Mas não se pode ficar assim por muito tempo. Tocando a vida, a jornada se apresenta com longos períodos de caminhada, muitas quedas e, sempre, a esperança de que, ao levantar, haja um novo rumo na estrada!
Em 2004, encontraram no Mar Mediterrâneo restos de fuselagem do que supostamente teriam sido os destroços do avião que era pilotado por Saint-Exupéry. Morreu em 1944, um ano antes do fim do conflito mundial. Lamentei aqui a descoberta. Naquela época, como hoje, creio que há coisas que ficam melhor quando são guardadas pela Eternidade.
Acreditava - e acredito - que na hora em que o avião perdeu altitude e arremeteu em direção ao mar, uma mão pousou sobre o ombro do homem angustiado por saber que era seu fim. Foi o suficiente para superar o medo e todas as incertezas. O menino que o acarinhava tinha um olhar brilhante e a certeza de que estava perto de reencontrar sua Rosa. Apenas murmurou: "Estamos voltando pra casa. É um longo caminho em meio às estrelas!"

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A palavra: entre o silêncio e o fazer

Em tempos em que a coerência do discurso anda longe de ser correta (vide o deputado Eduardo Cunha e o seu sofisma entre ter dinheiro e usufruir do dinheiro que entregou para alguém administrar), pode-se fazer uma varredura e encontrar problemas nas fontes mais diferenciadas: políticos, homens públicos, educadores, religiosos... Saint-Exupéry foi pontual ao dizer no seu Pequeno Príncipe que "a linguagem é uma fonte de mal entendidos". Verdade. Mas que, na maior parte das vezes, acontece porque não policiamos as palavras e a relação que elas têm com as pessoas que vão ouvir.
Uma conhecida, seguidamente, dizia ser humilde. Disse tantas vezes que acabei irritado. Um dia, ao repetir mais uma vez, a cortei: "uma pessoa que se diz humilde é porque não é humilde. É arrogante". Depois do choque, tive que explicar: humildade é qualidade que não é a própria pessoa que se auto intitula, mas, sim, que outros reconhecem como um valor e atribuem quando julgam necessário.
Assim é com a palavra "simples". Comum entre aqueles que falam a diversos públicos, em diversos níveis de conhecimento. Flagrei um "político", mas poderia ser de qualquer uma das categorias citadas: quando é mais humilde, tem-se o costume de registrar que se vai falar de forma "simples" para se fazer entender. O mesmo não se dá quando se fala a uma plateia mais sofisticada. Taxar de "simples" o que se vai dizer a um grupo é colocar uma faixa de ignorância! Esquecer que, hoje, mesmo nas reuniões mais periféricas, muitos fizeram ou fazem curso superior e flagram a "intenção" de quem discursa e as falhas de argumentação.
Entre os antigos era comum o aprendizado da retórica, "a arte do convencimento": a pretensão não era a de passar fatos, verdades, mas fazer com que a audiência tomasse para si a posição proposta. Isto foi e é usado na prática do direito. E foi deturpado na arte de fazer política partidária e representativa.
Ainda se tem na memória políticos e pregadores gritando em cima de palcos ou carrocerias de caminhões. Era um convencimento à força. O passar do tempo, sem exemplos que solidificassem as mensagens, fez com que muitos desacreditassem. Em meio a gritos e palavras, pelos mais diversos meios, o reencontro com a coerência tem uma receita: silenciar. O momento mágico do reencontro consigo, dos sentidos, em que se separa quem apenas diz daqueles que dão exemplo de vida.

Uma história mal contada...

Os homens e mulheres da França não têm culpa... Os homens e mulheres da Síria não têm culpa... Os cristãos da Europa não podem ser responsabilizados... Os muçulmanos do mundo não podem ser estigmatizados... Enquanto inocentes eram massacrados por estratégias de guerrilha que enlouqueceram Paris, na sexta, grande parte do Oriente transformou-se num campo minado ou alvo de ataques de potências ocidentais.

Já disse, mas vale a pena repetir: não há uma guerra envolvendo religiosos, mas fanáticos que deturpam o Islamismo, hoje, como deturparam o Cristianismo no passado. Mais, há uma mortífera atividade de produção de armas que nasce no ventre das grandes potências e que não se importa com a opção partidária, a cor da pele, a religião do sangue que corre como fruto dos seus ataques.

Guerras são frutos de estratégias políticas e econômicas, utilizando do fanatismo de pessoas e grupos. Esta mistura, sim, é explosiva. Neste caso, é só seguir o rastro do interesse por petróleo, dólares e euros que ensanguentaram as mãos de algumas das maiores fortunas internacionais.

Ao ver a discussão entre qual é a pior desgraça, se Mariana ou Paris, ou de que cores as redes sociais devem se cobrir em luto, percebe-se o equívoco em que as pessoas entram por questões emocionais: nosso caso é fruto de anos e anos de políticas equivocadas e omissão de todos nós; Paris é um alerta que preocupa a paz mundial.

As redes sociais estão jogando nas casas imagens dos ataques feitos por países como os Estados Unidos e aliados na Síria e adjacências.

Alvos militares foram exterminados, mas também população civil e, até, quem se dispôs a prestar serviços humanitários. Não é uma guerra "cirúrgica" como a mídia internacional reproduziu dos "relises". É um massacre inclemente que levou pessoas a buscarem o rumo da Europa, assim como grande parte da população da Europa buscou abrigo no norte da África e em outros lugares quando sentiu que a 2ª Guerra Mundial chegava às suas fronteiras.

Uma coisa as "autoridades" reconhecem: sabiam que algo iria acontecer. Mas foram incompetentes em barrar a ação dos "terroristas". Tudo ainda é muito recente. É previsível que haja retaliação e que a vida dos migrantes que cercam as fronteiras da Europa se torne pior do que já é. Isto acontecendo, as supostas "autoridades" esquecem que o mal maior que fizeram foi incentivar ditadores de plantão pelo Oriente ou insuflar rebeliões contra governos estabelecidos. Não acolhendo ou dando uma justa destinação para esta gente, é certo que cairão nas garras do Estado Islâmico.

Esta é uma história que precisa ser mais bem contada...

Pacto pela ética

A expressão não é nova: "tolerância zero". Olhando para os problemas que enfrentamos, percebe-se que a solução passa por um pacto ético. E o problema não está apenas nos políticos que se corromperam ou que corromperam. Está no estrago que acontece quando elegemos representantes que têm pendências com a Justiça, ou já estiveram envolvidos em escândalos políticos, administrativos e financeiros.
A "Constituição Cidadã" de 1988 elencou direitos e deveres, mas, a falta ou o excesso de regulamentação, escancarou brechas que permitem a sensação de insegurança que temos, causada pela certeza da impunidade que a prática da maior parte dos crimes encontra.
Quando cobram posicionamento a favor ou contra o governo, a favor ou contra a oposição, fico com a impressão de que não são diferentes. Fomos vítimas de estelionato eleitoral com a desculpa de que não sabiam o que recebiam: presidente Dilma jogou nos braços da população tudo aquilo que disse que não ia fazer (Aécio Neves deve ter levantado as mãos para os Céus agradecendo por ficar na oposição).
O governador Sartori sequer esperava ser eleito. O foi por um sentimento de contrariedade dos gaúchos com o petismo. Resultado: no primeiro mês, sequer tinha quadros para completar o segundo e demais escalões. Novamente, Tarso Genro colocou-se no papel cômodo de dizer que tinha previsto os problemas e que os enfrentaria de forma diferente.
O que seria um pacto ético? Acordar que esquerda e direita erraram e que, de seus quadros, aqueles que têm mais facilidade para o diálogo passem a negociar estratégias que nos tirem da crise. Ainda existem políticos em todos os partidos em condições de amarrar uma solução que viabilize o Brasil. Infelizmente, também existem aqueles que se acham donos da verdade e que, afora o seu credo, não veem qualquer tipo de solução. Preferem ver o barco afundar a dar o braço a torcer.
Não gosto da expressão "grupo de notáveis", porque é pomposa e arrogante. Ao contrário, precisamos de pessoas humildes e capazes de escutar, mas também com autoridade moral e intelectual para propor as mudanças necessárias, que passam pela economia, mas iniciam na educação. Não é um projeto de curto prazo. As transformações que se fizerem - "tolerância zero" - têm que estancar a ferida que drena o poder aquisitivo e também o respeito - próprio e pelo outro. Depois, pela educação, único jeito de investir nos "cidadãozinhos" que farão um novo Brasil.

Dois mil anos depois, "somos Lucas"

Texto publicado no Jornal da Catedral, em dezembro de 2015.

Até os anos 300, os cristãos tinham muitas preocupações e não estava entre elas a de fazer registros que ficassem para a História. Eram tempos difíceis em que sobreviver física e espiritualmente estava entre as prioridades, num tempo de perseguição, em que a religião daquela nova "seita" era considerada marginal e perigosa. Foi São Pedro quem pediu a São Marcos que fizesse o primeiro registro do que tinham vivido com Jesus. Depois, os demais evangelistas, cada um com suas características.
A partir do 1º Domingo do Advento - 29 de novembro, a Igreja Católica entra no Ano C, em que as reflexões são feitas predominantemente a partir do Evangelho de São Lucas. Nascido na Síria, de formação grega, percorreu um imenso caminho até chegar às portas de Jerusalém e sentar com São Pedro - designado por Jesus para liderar a Igreja que nascia; São Tiago - que teve forte liderança na Cidade Santa; e Maria, a fonte maior e que, por isso, muitos estudiosos chamam sua obra de "Evangelho da Mãe".
Sem ter conhecido Jesus, solteiro até o final de sua vida, com cerca de 84 anos, Lucas estudou Medicina que, em seu país de origem, era desenvolvida, pois confluência de pesquisadores que vinham de Roma, Grécia, mas também do Oriente e norte da África. Sua iniciação religiosa pode ter sido com um filósofo caldeu contratado por um dirigente romano que assumiu a educação do menino que demonstrava pendores para o conhecimento e a fé.
Peregrinou pelo mar Mediterrâneo em busca de respostas aos questionamentos que fazia em busca do conhecimento religioso, já tendo uma certeza: há um só Deus, já apregoado pelos Judeus, mas também presente na cultura dos caldeus e até em uma dinastia egípcia. A medicina era um jeito de servir, especialmente àqueles que eram marginalizados no atendimento da saúde. Então se propunha a chegar às fétidas e rejeitadas periferias das cidades e servir como médico de bordo de embarcações que, na época, eram latrinas em movimento por sobre as águas. Com todas as consequências de doenças e pestes.
Seu encontro com São Paulo, também um convertido depois da morte de Jesus, deu um novo rumo à sua vida. Paulo o convenceu a ir à Terra Santa e registrar um novo relato da vida de Cristo. Embora os cristãos da época tivessem sua preocupação focada nos "filhos de Israel", Paulo tinha muito claro e passou para Lucas a visão de que o Cristianismo era para todos os homens - universal.
Lucas, então, escreve para os gregos. Seu Evangelho tem a preocupação em mostrar a sabedoria de Deus pela encarnação, vida, morte e ressurreição. A beleza deste Deus solidário e que colocou em Jesus o parâmetro de homem ideal. Vai mais longe quando deixa clara a universalidade da oferta de salvação, marcando Jesus como redentor e salvador.
Lucas escrevia focado num público específico, mas tornou sua linguagem universal. É impossível não folhear suas páginas sem ter a nítida impressão de que se testemunha o encontro de alguém sedento por respostas e aqueles que conviveram com a fonte da Vida. Lucas nos representa quando faz memória de pessoas especiais que esperavam do Espírito um jeito de propagar a Boa Nova. Dois mil anos depois, "somos Lucas" querendo ouvir as palavras de Maria em ação de graças ou testemunhar seu último encontro como o Senhor.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Advento e crise

Desde domingo (29 de novembro), os cristãos vivem o Advento, quatro semanas antes do nascimento de Jesus. A época é especial, pois se reveste de euforia e boa-vontade em que os sentimentos de solidariedade e de festa ganham destaque. Tradicionalmente, para o comércio, é um dos melhores tempos para as vendas, estimulados por anúncios em profusão pelos mais variados meios de comunicação, em que a tônica é: gaste o quando puder e, se possível, o que não puder!
Este ano, há uma crise econômica. Na ponta do lápis, ou da calculadora, a maior parte da população está fazendo as contas de como pagar as pendências e brigando para chegar empatado com o caixa até o final do ano. Ou deixando o mínimo de saldo negativo para 2016.
Mas não se pode desperdiçar este tempo. Quem sabe, não seja uma chance de aproveitar melhor para investir em relacionamentos. Uma amiga disse que sempre gostou deste período porque tem algo de mágico: as pessoas parecem mais dispostas e mais abertas. Muitos são os grupos que vivem momentos de oração no Advento, se motivam para auxiliar famílias que enfrentam problemas financeiros, assim como instituições de caridade.
Alguém disse que a Primavera propicia mais disposição para se ir à rua. Há menos pressa em andar pelas calçadas, mais olhos erguidos e mais disposição para dar um simples "olá" ou um "bom-dia". Não há tantos arranjos natalinos nas casas. Mas a singeleza de algumas guirlandas nas portas demonstram que um valor não foi esquecido: o menino que nasce não pede presente. Pede predisposição para o outro.
Ouvi o relato de uma pessoa solteira da arrumação que fez em seu apartamento. Reconheceu que raramente alguém vai à sua casa. Mas já fez uma boa limpeza, trocou todas as toalhas e trilhos por outras com elementos de Natal, enfeitou uma pequenina árvore, uma Coroa do Advento e recuperou do baú da família o Presépio.
Natal pode ter muitos significados. Mas também pode não ter, se, antes de servir para dar presentes ou fazer festas, não se cuida da própria casa. Arrumar o espaço em que se vive, sem a preocupação com o que os outros pensam, é saber que ninguém nos valoriza se não formos os primeiros a fazê-lo. Tempo de crise, pouco dinheiro, pode fazer sobrar relacionamentos e solidariedade. Organizar nossos espaços interiores e a vida com quem convivemos no dia a dia é um dos caminhos para viver bem as propostas de quem não precisou de luxo para chegar a este Mundo. Ainda hoje, este é um bom jeito de se viver o tempo de Natal!

A paz e o silêncio dos bons

Quando os Anjos anunciaram: "paz na Terra aos homens de boa vontade!" não esperavam que, dois mil anos depois, a humanidade estivesse tão dividida entre aqueles que renegam a paz e os que lutam pela utopia da convivência pacífica. Próximo ao Natal, são muitos os elementos que demandam uma reflexão, nos sinais que vêm da comunidade internacional, mas também de nosso país.
Quando as bombas e os tiroteios pipocaram em Paris, a repercussão internacional foi imediata. Em muitos casos, as pessoas ficaram solidárias por questões humanitárias - somos todos parte daqueles que foram atacados e, em muitos casos, mortos. As 130 pessoas mortas e as centenas de feridos constituíram uma ferida na paz. E um triste sinal: era o que faltava para que diversos países acionassem suas máquinas de guerra e de morte para atacar o Estado Islâmico, colocando no horizonte o que não gostaríamos de ver nunca mais: um conflito de proporções mundiais.
Agora, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama usou da sua prerrogativa para, num domingo à noite (tradicionalmente um momento de mensagens pacíficas e de boas notícias para os norte-americanos e o Mundo), comunicar sua intenção de exterminar o Estado Islâmico. Era só o que faltava. Depois do 11 de setembro, quando terroristas atacaram pontos centrais americanos, os EUA agiram no Oriente e cometeram um dos maiores atentados contra o direito internacional: a Prisão de Guantánamo, numa das pontas da Ilha de Cuba, controlada pelo Exército Americano, mas longe da influência da Justiça do seu próprio país, para onde levaram todos os que consideravam suspeitos.
Para não dizer que não falei de flores, podemos pousar no território nacional e olhar as estatísticas sobre violência. Até o final do ano, chegaremos a 50 mil mortes, incluindo o crime e o trânsito. Como matamos aos poucos - um pouco a cada dia, especialmente, a cada final de semana - ficamos anestesiados e não nos damos conta de que já temos o nosso terrorismo interno, com a nossa própria guerra civil!
Pode parecer impróprio comentar a respeito na preparação de Natal, quando se fala d'Aquele que pregava a paz. Mas de que adianta uma falsa paz, ao estilo "túmulos caiados - brancos por fora e putrefatos por dentro"? A paz é uma construção utópica. Não no sentido de impossível de ser conseguida, mas de que sempre há o que fazer para que ela se concretize. A beligerância pode até ser própria do ser humano. Mas sempre é bom lembrar de Martin Luther King: "O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética... O que me preocupa é o silêncio dos bons."

Natal: quando Deus precisa de uma mãe

O evangelho de São Lucas serve de base para a maior parte das reflexões em Missas neste próximo Ano Litúrgico. Também é aquele que trata com mais elementos a celebração deste 25 de dezembro: o nascimento de Jesus. Dos quatro evangelistas, apenas São Mateus também narra a saga do anúncio, concepção e nascimento do Menino Deus.
Os teólogos podem até torcer o nariz, mas da forma como se apresentam as narrativas a impressão que se tem é de que Mateus conta os fatos pela ótica de José (o homem) e Lucas tem o enfoque de Maria (a mulher, a mãe). Mateus era judeu e conviveu com Nossa Senhora durante os três anos da vida pública de Jesus. Lucas foi procurá-la alguns anos depois, precisando de uma boa e confiável fonte para escrever o Evangelho pedido por são Paulo. Era sírio - portanto, gentio, como os israelitas chamavam os não-judeus.
Lucas era medico, com experiência de atender pacientes em sua terra, na Grécia - de onde eram seus pais - mas também de Roma e da costa do Mediterrâneo. Encontrar Maria depois de convertido e passar longas horas conversando sobre Jesus foi um bálsamo para seu espirito conturbado. Não queria apenas uma testemunha da Historia, estava diante da mulher que, na maior parte das vezes de forma silenciosa, soube ser protagonista.
A conversa fluiu para detalhes que passaram batidos para os outros evangelistas. No coração de mãe havia dois momentos que ficaram cinzelados: o motivo da riqueza de detalhes e palavras que a fariam lembrada "de geração em geração", do anúncio do Anjo aos 12 anos de Jesus. Também o fim - esperado, mas não desejado - quando a despedida gravou nas retinas de Maria o carinho pelo filho que sussurrava a palavra "mãe".
Em muitas tardes, depois das lides da casa, Maria sentou um tempo para organizar suas lembranças. Preciosista, Lucas pediu que repetisse detalhes, tornando a conversa metódica, mas cansativa.
Quando chegaram ao fim, Maria encostou-se na parede e semicerrou os olhos. Quanto mais as lembranças iam ficando longe dos olhos, também ficavam nas brumas do coração. Havia uma doçura indescritível em pensar no Menino que nascera desengonçado e recebeu como primeiro berço uma manjedoura, na falta de jeito em lhe dar de mamar pela primeira vez, na forma como colocava o dedo na boca enquanto dormia. Tudo agora eram boas e doces lembranças. Um dia o Mundo ainda iria lembrar do seu nascimento. Para ela, bastava ter ouvido seu primeiro choro, as primeiras palavras e sido companheira fiel por toda uma vida. Afinal, foi para isto que Deus quis precisar de uma mãe!

"Tim tim", um brinde à esperança!

As estatísticas mostram que a história, infelizmente, já não é incomum: um acidente de carro, pais mortos, uma criança que sobrevive, avós que precisam lutar para que a vida continua. E duas visões. Do neto: "quando vovô fica triste, senta na cadeira de balanço. Fica olhando o nada pela janela. Então, eu sento no colo dele e embalo meu avô". E do avô, refletindo sobre a tristeza de ter enterrado um filho - quando deveria vir a ser o contrário. Mas também certo de que há um projeto de vida a alimentar: "fecho os olhos e choro em silêncio sobre sua cabeça. Eu não posso deixar que morram os seus sonhos".
Em ambos está o sentido da esperança. No casal de idosos que perde o filho e lhe resta um vínculo com todos os seus projetos futuros que não sobreviveram a uma curva de estrada. Mas também o menino, com a certeza de que a utopia é pretensiosa, querendo mais do que de fato pode fazer, "embala" seu avô, sem saber que move uma réstia de vida e também alimenta a esperança.
É a isto que nos apegamos quando precisamos renovar nossa caminhada. Um final de ano e as expectativas que geramos ao proclamar nossas boas intenções - perder peso, deixar de fumar ou beber, arrumar emprego, continuar estudando... É quando se percebe que a esperança dá sentido à utopia. É uma questão de perspectiva - não é o que a gente faz, mas o jeito e a intenção com que se faz. Se não podemos mudar o mundo, talvez possamos apenas "embalá-lo".
O dia a dia nos chama para desafios nos espaços em que vivemos. Na religião, com o intuito de socializar nossos aprendizados de fé e a partilha do divino; na política, com a sempre sonhada prática do bem comum; na educação, com os sonhos de que todos ainda possam ter as mesmas chances e que a realização pessoal dependa não das muletas que são oferecidas, mas das opções de vida de cada um.
A utopia é pretenciosa. Serve de arrimo nos momentos mais difíceis: o fato de que não podemos concretizar alguma coisa neste momento não significa que sejamos incapazes de realizá-la, mas sim que ainda não amadurecemos o suficiente para fazê-la. Esperar também é um bom jeito de se aprender.
Festas de final de ano não são dias apropriados para se tomar grandes decisões. A meditação ajuda a focar na perspectiva necessária para que boas intenções sobrevivam durante o ano inteiro. Então, hoje, façamos um momento de encontro: "tim tim", um brinde à esperança!

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

O tempo do Miguel

Miguel é meu 13º sobrinho-neto. Nasceu e vive em Caxias, com seus pais. Semana passada fui até lá para curtir um final de semana na Serra e, na segunda, retornar com minha sobrinha e o moço de, agora, três meses. Fiz um intensivo de como cuidar de um recém nascido, com direito a arrotar, depois da mamada; ter minhas camisetas batizadas pelo vômito do que foi descartado e... a candura de fazer dormir aquele pequeno ser que, aconchegado em meus braços, pedia apenas que o cuidasse.
Vendo minha sobrinha Daniele lembrei da imagem veiculada por redes sociais pela jornalista Maíra, também mãe recente: olhos fundos, quase bêbadas de cansaço, mas com uma luz fulgurante de encantamento: ser mãe mistura momentos difíceis com ternura e faz da vida uma dedicação exclusiva ao pequeno que, num futuro, nem vai lembrar o que os pais passaram. Mas não importa, os pais lembrarão o que fizeram por seus filhos. E isto vai ser suficiente para saber que valeu a pena cada um dos sacrifícios!
Fui um tio reserva. Passei muito tempo com ele no colo. Conversamos - com o Miguel, é lógico. Passeamos pela cidade. E fiz dormir, de barriguinha contra meu braço, que era o jeito de aliviar as cólicas. Depois da segunda vez que isto aconteceu, passei a ser chamado de "tio camomila"! Quando diziam que estavam abusando do meu tempo de descanso (aposentado também descansa), parodiei a famosa frase: "não basta ser tio (o original é pai), tem que participar".
Juntando tudo, fiquei pensando como é bom chegar aos 61 anos e continuar aprendendo. A respeito de solidariedade, aprendi muito na teoria. Mas a vida tinha caminhos muito estranhos para que eu aprendesse na prática: grande parte dos conceitos precisaram ser revisto quando, para além das palavras, o importante é alcançar uma medicação no horário certo, não enrolar o estômago quando se ajuda a trocar uma fralda pela manhã, baixar a voz quando a vontade é gritar; saber que cuidar não é apenas o tempo de uma visita, mas o quanto se gasta para conviver com alguém; respirar fundo para melhorar o autocontrole, quando a situação está em risco.
A criança precisa sentir que aquele momento é dela, podendo sorrir ou chorar, balbuciar ou arrotar, jogar as mãos em todas as direções ou apenas gemer no sono dos justos. Nesta escola somos educadores e educandos, aprendendo com as mães: depois da maternidade, não é o melhor momento para pedir que participem de concurso de maquiagem. Mas, se o quesito for capacidade de superação, olheiras fundas, jeito cansado, fora de peso não são fatores de menosprezo: todas elas transformam-se em leoas para ver o seu filho feliz!

Pequenos gestos do bem

Domingo pela manhã, próximo ao meio dia. Entre os inumeráveis canais da televisão a cabo nenhum programa que agrade. Vasculho a grade e caio nos canais abertos, onde a Rede Record transmite "Domingo Show", por Geraldo Luis. Uma cópia do estilo popular iniciado por Sílvio Santos e que encontra adeptos (com algumas variáveis mais sofisticadas ou mais escrachadas) em praticamente todos os canais.
Na tarefa de preparar o almoço vou pescando um elemento aqui, outro ali. Vejo uma imagem, escuto uma informação já na cozinha. Uma mistura de música sertaneja, dramas de famílias, pretensas denúncias sociais, um buffet de entretenimento. Lá pelas tantas, uma história chama a atenção: a caminhoneira Morgana, aposentada, que deixou Curitiba, depois da separação, e partiu para Navegantes (SC).
Passado um tempo, a pergunta: o que fazer? Resolveu trocar de carro e, na revenda, encontra uma van adaptada para viagens, com a estrutura de uma casa em miniatura. A intenção não era acampar pela costa litorânea ou pontos de turismo do interior, mas ir atrás de um sonho - levar comida, roupa, água e atendimento a mochileiros e famílias que perambulam pelas estradas, ou se abrigam às margens das rodovias!
Parei. O que contava tinha tudo a ver com experiências que ouço e vejo em Pelotas - sopão comunitário, por exemplo, feito por espíritas, católicos, evangélicos - onde a característica é uma: o outro precisa, saio da zona de conforto e vou fazer o possível para suprir a sua carência, independente do que ele seja e do estado em que está!
Muitas e muitas histórias. Pude, então, perceber que o ritmo devagar como são contadas é, também, para prender audiência. Mas, mais, uma forma didática de que repetindo elementos importantes as pessoas mais simples entendam a mensagem. Em sua van lotada de sacos de alimentos, roupas, água, elementos de primeiros socorros, lá vai a "andarilha do bem", como é identificado na lataria de seu transporte, mostrando no espaço na televisão o que muitas mulheres e muitos homens fazem em seus condomínios, ruas, vilas, cidades, no mais absoluto silêncio.
A história mais comovente foi a da menina que disse sonhar em ter um pacote de bolachas. Isto mesmo, apenas um pacote de bolachas! Na ocasião, a andarilha do bem não tinha, mas fez questão de voltar e trazer não um, mas muitos pacotes, além de roupa, outros alimentos e material escolar, pois a menina iria para a escola já no próximo ano. São muitas "morganas" pelo Mundo. Elas não chegam de vans, nem tem a cobertura da televisão. Mas dão lição na arte de conviver: ser feliz e fazer feliz depende apenas de pequenos gestos do bem!

"Minha mãe vai falar por mim"

No feriadão de Ano Novo, duas manifestações chamaram a atenção: emissora de rádio repetiu diversas vezes institucional sobre doação de órgãos e a mãe que revelou ter combinado com o filho a necessidade de estar alerta para o caso de um deles virem a morrer pela violência, devendo o outro se responsabilizar para que seus órgãos fossem utilizados para salvar outras vidas.
É bem difícil falar a respeito - alguns nem gostam de tocar no assunto - mas, da forma como estamos vivendo, a morte ainda jovem ou em idade adulta, sem atingir a velhice, é uma realidade. Quem quiser, bata na madeira, mas o certo é que a violência é um horizonte que não está distante de quem precisa sair às ruas: um assalto, uma indisposição por motivo fútil, um acidente de trânsito, um afogamento... e uma vida é ceifada.
Depois do choque, é necessário prevalecer o bom senso. E o bom senso, hoje, é de que uma vida apagada muitas vezes quando tanto ainda se esperava dela é a chance para que uma outra, duas ou muitas possam sobreviver ou melhorar sua qualidade de vida pelo transplante de um coração, fígado, pulmão, olhos...
O institucional de rádio focava em duas premissas: a voz de um pai, falando por uma filha; a voz de uma mãe, falando por um filho. No frigir dos ovos, sentido semelhante: "se me acontecer alguma coisa, meu pai (mãe) sabe o que fazer. Sou doador de órgãos. Conto tudo para ele(a). Embora meus amigos não acreditem". O estímulo é para que se converse em casa e que os filhos saibam que os pais são doadores. E que os pais saibam que os filhos também o são. Acontecendo o pior, que se atue com a rapidez necessária para cumprir a vontade de quem se foi.
A campanha se concretizou na voz da mãe que recebeu o corpo do filho de 19 anos, no Instituto Médico Legal, e resolveu fazer a sua parte: "a gente brincava muito. Mas nos últimos tempos sempre que havia uma chance ele falava a respeito. Guardamos como nosso segredo. Ele iria cumprir a minha vontade (sempre pensei que eu iria antes), também prometi que cumpriria a sua. Ele era festeiro. Não bebia, mas a noite era seu vício, nos finais de semana. Pegou uma carona com alguém que tinha bebido demais..."
Em tempos de tantos conflitos entre gerações, falar de vida e de morte pode ser um estímulo à cumplicidade entre pais e filhos. Neste caso, a frase que motiva a campanha que está nas emissoras de rádio faz todo o sentido. Tem momentos em que se espera que alguém próximo faça o que já não podemos fazer. Infelizmente, do jeito que nunca se deseja, embora se possa esperar: "se acontecer alguma coisa, minha mãe vai falar por mim!"

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Amamentar - a Natureza segue seu curso

Recentemente, acompanhei o desenvolvimento de três sobrinhos - a Júlia, o Pedro e o Miguel, assim como o processo de cuidados e de amamentação das mães. Para quem está próximo sabe que uma criança, quando está na hora de mamar, não se importa se está em casa, fila de banco, praça, restaurante, em lugar público ou privado. Julga-se no direito - legítimo - de ser alimentado e reivindica com todas as forças que seus jovens pulmões.
Num debate pela televisão vi pela primeira vez e, depois, pelas redes sociais que há muitos defensores de que as mães recolham-se a lugares mais privados para desnudar seus seios e dar de mamar. Os defensores do "não fica bem" esquecem que uma mãe amamentando não é um ato erótico ou nudez gratuita, mas a realização plena do seu sentido de mãe: partilhar com o filho um pouco do seu próprio corpo.
Esta discussão cria um paradoxo mostrado por uma charge na Internet: no primeiro desenho, uma mulher amamentando e pessoas ao seu redor reprovando seu ato. O segundo desenho era de uma modelo em plena passarela do Carnaval, praticamente nua, com os seios à mostra e a aprovação daqueles que assistiam ao desfile.
O papa Francisco, numa cerimônia em que dez meninas e dez meninos foram levados à pia batismal, interrompeu sua pregação quando um deles começou a chorar e foi claro ao dizer que as mães deveriam, sentindo que os filhos pediam, amamentar as crianças ali mesmo, nos bancos da Igreja.
Quem já presenciou esta cena não tem como não se encantar e saber que uma mãe com o seio desnudo entregue à ânsia do pequenino é um ato de amor que, em qualquer lugar, para o tempo, e transforma em único o instante de relação entre mãe e filho. Todas as circunstâncias são apagadas, todas as pessoas presentes são esquecidas e a mãe somente tem olhos para seu filho, assim como todos os sentidos do filho estão concentrados em saciar sua fome, alternando os seios que o remetem aos doces momentos em que ainda estava naquele corpo que o concebeu.
Saciados, ambos, existem ainda momentos que são puros instantes de ritual: erguer a criança para que arrote e, depois, perceber que vai ficando satisfeita, já no caminho do sono. Por toda a história, as mulheres preservaram este momento como sagrado. Respeitá-lo é permitir que a Natureza siga seu curso: estar presente é um privilégio que nos torna mais humanos... quem sabe até mais próximos do Divino!

Pais maus

A respeito da relação pais e filhos, a partir do texto que publiquei sobre jovem e bebida, aqui o testemunho de Carlos Hecktheuer, Médico Psiquiatra, de Passo Fundo - RS

Quando meus filhos forem crescidos o suficiente para entender a lógica que motiva os pais e as mães, eu hei de dizer-lhes: Eu os amei o suficiente para ter perguntado aonde vão, com quem vão e a que horas regressarão.

Eu os amei o suficiente para não ter ficado em silêncio e fazer com que vocês soubessem que aquele novo amigo não era boa companhia.

Eu os amei o suficiente para os fazer pagar as balas que tiraram do supermercado e dizer ao dono: “Nós pegamos isto ontem e queremos pagar”.

Eu os amei o suficiente para ter ficado em pé junto de vocês, duas horas, enquanto limpavam o seu quarto, tarefa que eu teria feito em 15 minutos.

Eu os amei o suficiente para os deixar assumir a responsabilidade das suas ações, mesmo quando as penalidades eram tão duras que me partiam o coração. Mais do que tudo: Eu os amei o suficiente para dizer-lhes“não”, quando eu sabia que vocês poderiam me odiar por isso, e alguns momentos até me odiaram. Essas eram as mais difíceis batalhas de todas.

Estamos contentes, vencemos! Porque no final vocês venceram também!

E em qualquer dia, quando meus netos forem crescidos o suficiente para entender a lógica que motiva os pais e as mães; quando eles lhes perguntarem se seus pais eram maus, meus filhos vão lhes dizer: “Sim, nossos pais eram maus. Eram os pais mais malvados do mundo.”

As outras crianças comiam doces no café e nós tínhamos que comer pão, frutas e vitaminas. As outras crianças bebiam refrigerante e comiam batatas fritas e sorvete no almoço e nós tínhamos que comer arroz, feijão, carne e legumes. E eles nos obrigavam a jantar à mesa, bem diferente dos outros pais que deixavam seus filhos comerem vendo televisão.

Eles insistiam em saber onde estávamos à toda hora. Era quase uma prisão. Mamãe tinha que saber quem eram nossos amigos e o que nós fazíamos com eles. Papai insistia para que lhe disséssemos com quem iríamos sair, mesmo que demorássemos apenas uma hora ou menos.

Nós tínhamos vergonha de admitir, mas eles “violavam as leis do trabalho infantil”. Nós tínhamos que tirar a louça da mesa, arrumar nossas bagunças, esvaziar o lixo e fazer todo esse tipo de trabalho que achávamos cruel. Eu acho que eles nem dormiam à noite, pensando em coisas para nos mandar fazer. Eles insistiam sempre conosco para que disséssemos sempre a verdade e apenas a verdade. E quando éramos adolescentes, eles conseguiam até ler os nossos pensamentos.

A nossa vida era mesmo chata. Enquanto todos podiam voltar tarde da noite com 12 anos, tivemos que esperar pelos 16 para chegar um pouco mais tarde. O papai, aquele chato, levantava para saber se a festa foi boa só para ver como estávamos ao voltar.

Por causa de nossos pais, nós perdemos imensas experiências na adolescência: Nenhum de nós esteve envolvido com drogas, em roubo, em atos de vandalismo, em violação de propriedade, nem fomos presos por nenhum crime. Foi tudo por causa deles.

Agora que já somos adultos, honestos e educados, estamos fazendo de tudo para sermos “PAIS MAUS”, como os nossos foram.

Jovem e bebida - uma companhia que cobra alto preço

Uma atendente de saúde registrou pelas redes sociais sua presença num grande evento musical do Litoral Norte, quando milhares de jovens estiveram em Atlântida para celebrar dois dias de intenso agito, muitas festas, muitos encontros e desencontros e... muita bebida! A discussão não é de hoje entre autoridades, pais e educadores. Vamos combinar que a maior parte dos jovens - embora os números venham invertendo esta tendência - ainda não consome álcool.
Mas, o que impressionou a jovem profissional foi o grande percentual de "crianças", na faixa dos 14 aos 17 anos recolhidas, abatidas pelo consumo de bebidas e em estado lastimável, pois tinham vomitado, urinado, defecado, com roupas rasgadas, quando ainda estavam com roupas.
A festa foi somente o momento da azaração. Potencializou aquilo que iria acontecer em muitos pontos do Estado, mas que concentrou em Atlântica e ligou o sinal de alerta para quem já percebeu que alguma coisa está errada quando um jovem não sabe mais se divertir se não encher a cara.
O debate pode ser repetitivo: jovens imitam seus pais e adultos no consumo de álcool; ter bebidas em casa estimula seu uso; ambientes em que a bebida serve para quebrar o gelo, ou a competição para ver quem fica mais "soltinho", dão uma ideia do quanto as drogas legais - entre elas o álcool e o fumo - estão chegando mais cedo ao consumo daqueles que não têm estrutura física para resistir e emocional para saber quando devem parar.
De diversas formas, todos somos bombardeados por mensagens que tornam sedutoras as bebidas mais leves. Mas o que era para ser mais leve, chega nos espaços de festa "incrementado" por misturas de sucos e energéticos com bebidas que são puro álcool!.
Podem até me dizer que o álcool não é o maior dos problemas diante de tudo o que um jovem enfrenta, hoje. Pode até ser. Mas esta companhia que anestesia os sentidos e se faz companheira do dia a dia quando não consegue resolver seus problemas, mais cedo ou mais tarde vai cobrar um alto preço ao debilitar sua saúde, afastá-lo do convívio social, impedir a realização de muitos de seu sonhos.
Para um adulto que diz: "eu sei o que estou fazendo" não há muito o que dizer. No entanto, o sonho vira pesadelo como para aquele jovem que pedia, em coma alcoólico: "minha mãe... eu quero minha mãe", depois que fugiu de casa para viver a grande aventura de sua vida e acabou num leito de hospital. Tomara que descubra que o grande lance é viver. "Sem ter a vergonha de ser feliz". Para isto, não vai precisar de sermões. Mas de ombros amigos. Muitos e queridos ombros amigos!