domingo, 26 de outubro de 2008

Apenas para ver gente

Algum tempo atrás se cunhou a expressão “babá eletrônica”, definindo a situação em que a mãe ou responsável por uma criança ligava a televisão para que a mesma tivesse entretenimento, muitas vezes, durante horas, em absoluta passividade. De lá para cá, esta ferramenta evoluiu em diversas direções: primeiro, pois já não são apenas crianças, mas adolescentes, maiores e idosos solitários que se utilizam deste instrumento como forma de passatempo.
Em segundo lugar, somou-se à televisão a Internet e, então, há casos, em todas as idades, de pessoas que passam dias e noites em companhia da televisão, navegando pela Internet ou em sites de relacionamentos. Não estou dizendo nada de novo, mas fiquei preocupado quando uma professora reconheceu que ficou um final de semana inteiro dentro de casa sem nenhum contato com pessoas, fisicamente, mas apenas pelos meios virtuais. E, mais ainda, quando fiz uma consulta e o médico recomendou, além das caminhadas para auxiliar a saúde, andar, nem que seja na volta da quadra, para “ver gente” e sentir o ar da rua.
Num outro dia, passei numa avenida em que caminhavam ou apenas passeavam desde crianças até idosos armados de suas muletas. Quando conversei sobre isto em casa nos damos conta de que são muitas as desculpas para não fazer nada e nos fechamos de tal forma que ficamos reduzidos ao enclausuramento de nossas casas.
Sei que não sou o melhor dos exemplos: devo a presença no aniversário de um amigo; a participação no casamento de uma pessoa querida; o convite de um chimarrão de final de tarde; o testemunho numa reunião daqueles que se esforçam por manter viva uma das mais profundas manifestações do ser humano: o convívio. Embora eu já esteja chegando ao “alvorecer da terceira idade”, fico preocupado com as crianças, os idosos e os deprimidos que deixamos alimentarem seus ressentimentos e frustrações diante de uma “babá eletrônica”. Ela cobra quase nada, raramente dá problemas e é incapaz de qualquer tipo de reclamação. Mas também não oferece um carinho, um sorriso, aquele ombro amigo, tão necessário em diversas situações.
Estas pessoas não precisam apenas de “distração”. Há sentimentos envolvidos, cristalizando-se, e, mais tarde, embora possam ser resolvidos, deixam marcas profundas e dolorosas. Da próxima vez que tiver alguém assim em casa, a receita pode ser bem simples, mas tente: convide para dar uma volta na quadra. Nem que seja apenas para ver gente.

Textos em pesquisa e material didático

Recebi solicitação da coordenação do núcleo de pesquisa do Curso de Letras da Universidade de Caxias do Sul - UCS - para autorizar a publicação de meus textos (todos em http://manoeljesus.ucpel.tche.br).
Eles foram selecionados a partir de autores gaúchos que têm material veiculado por jornais gaúchos - em especial a Zero Hora - levando em conta a clareza e desenvolvimento lógico do raciocínio.
Os textos serão utilizados em pesquisas acadêmicas realizadas pelo núcleo, assim como em material didático que será produzido pela UCS.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Uma cena para a mídia

Ela acreditava ser apenas uma jovem que tinha dado um basta a um relacionamento que não estava dando certo. Como em muitos casos em que o jovem é abandonado, Ele não soube aceitar o fora e achou que merecia uma explicação, mais do que isto, tinha que “provar” que estava certo e ela é que não o merecia. A história não é nova e não é a primeira vez que acaba em tragédia. Durante quatro dias em ações dramáticas que repercutiram na chamada grande imprensa, e - porque será que eu tenho esta impressão? - parece que em função da cobertura, muitos dos elementos deixaram de ser apenas integrantes de um contexto para viverem como “atores” de uma peça da vida real, representada para a mídia.
Não apenas as jovens em seu cativeiro, mas os próprios agentes de segurança, passaram a viver em função do aparato tecnológico que colocava, ao vivo, em alguns casos em tempo integral, cenas diretamente de Santo André, na grande São Paulo, para o Brasil e o Mundo.
Na mesma semana, uma batalha travada entre a polícia civil e a brigada, em São Paulo, e uma manifestação contida pela segurança pública, em Porto Alegre, deram a mesma impressão: mais do que direitos reivindicados, ali estava se fazendo uma “representação” para os meios de comunicação registrar e, depois, ser aproveitado politicamente.
O que todos estes casos têm em comum? Estamos vivendo um tempo cada vez mais mediado pelos meios de comunicação, em especial a televisão. Os mesmos recursos tecnológicos que, juntamente com a insegurança pública, nos levam a ficar mais tempo dentro de casa, diante de um instrumento que nos oferece todas as alternativas de entretenimento, agora pautam a atuação da coletividade.
Setores organizados da sociedade falam em “senso crítico diante dos meios”. Claro, é fundamental que se saiba separar informação do que é entretenimento e manipulação. Mas quantos sabem fazer isto? Na certa não é a maioria. Durante a campanha eleitoral, vemos a divulgação de fatos distorcidos: estavam próximos da realidade, mas não eram a realidade e influenciaram a muitos na sua decisão pessoal. Fizeram uma escolha soberana? Com certeza não, porque não puderam ou souberam fazer uma leitura crítica da informação que lhes era dada.
Este processo está se acelerando e tornando difícil, até, ajudar as pessoas a entender o que se passa. Na infeliz morte da menina, assim como nos confrontos, estamos representando a vida, numa cena para a mídia.

Manoel Jesus palestra na Unijuí

O professor Manoel Jesus recebeu convite da diretora do Curso de Fisioterapia da Universidade de Ijuí (Unijuí), professora Simone Eickhoff Bigolin, para ministrar a aula de abertura das atividades de 2009, quando o curso alcança dez anos.
Manoel Jesus, professor de Comunicação da UCPel, falará, no dia 12 de março, às 19 horas, sobre “Comunicação e vida”, abordando os processos de interação entre paciente e fisioterapeuta.
“Meu contato com grupos de pessoas na terceira idade aponta para a necessidade de redimensionar a relação da sociedade com este segmento”, dizendo que levará para Ijuí experiências realizadas na Universidade Católica - Centro de Extensão em Atenção à Terceira Idade e Voltando à Sala de Aula – assim como no Serviço Social do Comércio.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Um olhar sem futuro

Foram muitas as matérias a respeito de crianças, na semana passada, culminando como seu dia. Diversas iniciativas positivas, incentivando valores e referências naqueles que não podem ser vistos apenas como “o futuro”, mas precisam ser trabalhados como um dos mais preciosos bens que temos no presente.
No entanto, depoimentos vindos de duas fontes preocupam: pais que não conseguem dar alimentação suficiente aos filhos em casa e crianças que não têm a merenda necessária nas escolas. No primeiro caso, o olhar entristecido dos que dizem comer até terra quando sentem fome. E pais desesperados porque já sabem que não têm como providenciar alimento para o dia seguinte. Por outro lado, professores e diretores denunciam a falta de recursos para merenda, em muitas circunstâncias, a refeição mais substancial que as crianças recebem ao longo de todo um dia.
O primeiro caso leva à subnutrição, com seqüelas para toda a vida, como foi mostrado em reportagem na qual um garoto, com dez anos, não sabe contar, ler ou entender um texto. O segundo causa problemas de atenção em crianças e jovens, que dormem durante as aulas, por não estarem alimentados. Educadores dizem que elas chegam entusiasmadas porque vão iniciar o turno pelo alimento e a decepção visível quando se vêem privadas da refeição.
A responsabilidade legal é dos pais. Até creio que lhes cabe uma grande parte, mas não só. Uma parcela significativa é das autoridades públicas e da própria sociedade, que se omite em dar o devido acompanhamento. É interessante que se estabeleçam bolsas para famílias em situação de carência. No entanto, isto não é suficiente se não existirem programas que as livrem da mais trágica das misérias: a cultural. Em muitos casos, os recursos são recebidos e destinados para outros fins. Não se transformam em alimento.
Sabemos que responsabilizar legalmente apenas os pais, em situação de carência, não é suficiente. Então, é preciso a ação do estado tomando as devidas providências para que estas crianças não sejam privadas - em casa ou na escola - do sustento necessário que lhes dê condições de sonhar com um futuro.
O momento é difícil em todos os sentidos. Mas há alguns casos em que a urgência é assustadora: ou nos responsabilizamos por elas, juntamente com seus pais, e se tomam atitudes corajosas e oportunas, ou teremos um desfile de mortos vivos, sem perspectivas e sem futuro.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Minha identidade

Semana passada, encontrei um amigo advogado que foi logo dizendo: “leio teus artigos, apesar dos teus ataques católicos, algumas vezes”. Não tivemos muito tempo para conversar, mas fiquei matutando a respeito e tive que sorrir da resposta que pensei em dar: minha formação é cristã, conseqüentemente, humanista, e tento fazer das minhas reflexões registros desta influência. Assumi como missão, no dizer do documento de Aparecida, resultado da assembléia dos bispos da Igreja Católica, de 2007, ser “um homem da Igreja no coração do Mundo e um homem do Mundo no coração da Igreja”.
Talvez as pessoas achem fácil dizer que não sofrem influência de sua formação para expressar alguma idéia, especialmente nestes espaços em que atuamos como formadores de opinião. Enganam-se, pois não há neutralidade ao se fazer algum tipo de análise, ou mesmo ao expressar uma opinião, porque selecionamos argumentos, em detrimento de outros, que terão a marca da nossa identidade, dos nossos valores e referências.
Quando falamos no papel do leigo ligado a alguma igreja na sociedade, fica claro que não somos “miniaturas de padres”, “miniaturas de ministros”, “miniaturas de religiosos”. Somos leigos, com o papel de influenciar positivamente em todas as relações humanas, onde se encontra a política, a administração, o ensino, a saúde, etc.
Existem os que desejam conhecer a nossa opinião, mas, também, por interesses próprios ou de grupos, os que esperam que voltemos para a sacristia, onde tratemos apenas de assuntos ligados à própria igreja ou ao assistencialismo. Mesmo que hoje não sejamos maioria – e talvez por este motivo mesmo - um homem ou uma mulher de religião consciente não pode se omitir de se expressar, bem pelo contrário, sem sua ação, mediante o testemunho, não há sentido em querer assumir-se como cristão. O pressuposto de que algumas atividades – em especial a política – estão contaminadas é uma bela desculpa para o maior de todos os pecados: a omissão.
Não tenho muita certeza se sou um bom sinal cristão no Mundo, mas o importante é que não me omito. Em cada artigo, comentário, palestra, tento deixar uma marca desta caminhada. E percebo a energia positiva vindo de crianças, jovens, adultos, idosos, portadores da síndrome de down, em suma, gente, que alinha a minha caminhada e reforça o sentido das minhas opções. Não vejo muita alternativa: é preciso testemunhar com os instrumentos que Deus me deu, o que faz parte da minha própria identidade.