segunda-feira, 28 de junho de 2010

Um par de tênis

O pedido veio por jornal e pelo rádio (AM, embora alguns “especialistas” digam que ninguém mais ouve esta banda). Foi o suficiente: juntamos - minha família e alguns amigos - casacos, calças, camisetas, abrigos, pares de tênis e... chinelos de dedo. A campanha pedia qualquer tipo de roupa de uso pessoal e calçado, pois a procura era grande por parte de pessoas pobres e o estoque não era suficiente.
Olhando no armário, ali estavam chinelos de dedo de diversos tipos e cores! Manias de solteirão – pensei - pois alguns não eram usados há muito tempo e mesmo que já tivesse decidido fazer seleção e doação a acomodação falara mais alto. Pois a campanha veio exatamente para quebrar este ciclo e mostrar o quanto ainda tem pessoas carentes para as quais faz uma vasta diferença um calçado tão simples que, muitas vezes, sobra em nossos armários, sem uso e apenas ocupando espaços.
Num momento em que não somente os pobres de nossas cidades estão precisando de abrigos - pelo frio e umidade persistentes - mas também todos aqueles que sofrem em regiões como o Nordeste com a devastação das águas, a única diferença fica na capacidade de sermos solidários. Na rua pela qual passo todas as noites, ao voltar do trabalho, próximo a um posto de gasolina, sempre encontro um garoto pedindo esmolas, usando chinelos de dedo. Numa destas noites mais frias, ele parecia mais alegre e calçava, ao invés dos chinelos de dedo, um par de tênis. Não fazia parte do “pacote” de nossas doações, mas indicava que mais gente tinha se desacomodado para propiciar aquele pequeno “luxo”.
Nosso olhar pelas ruas e periferia quase sempre levam a pensar que esta obrigação não é nossa e deixar que os governos e instituições religiosas e sociais exerçam seu papel. Mas ao ver a diferença que fazia um velho e usado par de calçados, tive reforçada a minha intenção de manter mais vezes a rotina de averiguar o quanto é supérfluo em meu guarda roupa. Neste gesto simples, pode estar a diferença entre andar de pé descalços ou pisar firme no chão com um par de chinelos, no Verão, ou diminuir o frio, no Inverno, usando um simples par de tênis.

sábado, 19 de junho de 2010

Apenas um novo recomeço

A criança segura confiante a mão da mãe, que a olha com ternura e a balança docemente (mesmo que depois tenha uma lágrima para derramar); o idoso dormita segurando a bengala, procurando manter firme o aparelho de nebulização (tendo a mão de um anjo - a filha – como apoio); a senhora, discretamente, retoca a maquiagem num tocante ato de vaidade e apego à existência (fiscalizada pelo filho que levanta o olhar da revista e sorri). Em comum? Esperam por uma aplicação de radioterapia.
Os três estão em etapas diferentes: o idoso recém iniciou, mas já se sente melhor, pois venceu percalços que o tumor lhe causava, drenando a própria força; a criança sofre com a debilidade, mas isto não lhe importa enquanto tem o porto seguro da mãe onde ancorar; e a idosa já está finalizando o processo, confiante de que, desta vez, venceu e poderá voltar à vida simples do seu dia a dia. Nenhum deles tem grandes exigências. Mesmo sabendo que os profissionais se desdobram em gestos de carinho e atenção, querem sair desta rotina, para voltar a fazer o óbvio: brincar, cuidar da casa, dos filhos, andar pelas ruas, encontrar amigos, ou apenas ficar em silêncio quando têm vontade.
Sempre acho estranho que as pessoas precisem de grandes emoções ou de coisas absolutamente novas para encontrar sentido na vida. Nunca consegui ver a vida assim: gosto de viajar, mas adoro voltar pra casa; como é bom um quarto de hotel com uma janela voltada para o mar, mas melhor ainda é dormir no colchão do meu quarto; acho ótimo andar por lugares povoados por gente bonita, interessante, inteligente, mas é melhor ainda circular pela minha rua, pelas calçadas onde posso bater um papo com vizinhos e velhos conhecidos.
O drama que se espera encontrar quando alguém faz tratamento contra um câncer é superado pela esperança de transpor todos os obstáculos e seguir vivendo. O sentido está em vencer juntos – o que é muito bom – mas, se também acontecerem perdas, que se perca como a criança que segura na mão da mãe e tem certeza de que não está sozinha. Em algum momento, vamos nos dar conta de que não há finais, mas apenas um novo recomeço.

domingo, 13 de junho de 2010

O direito a um sonho

Diversos programas de televisão em nível nacional ganham audiência com quadros em que oferecem a reforma ou a construção de uma casa. Caso parecido aconteceu em Pelotas no final do ano passado quando dona Conceição, que adota crianças em situação de risco há muitos anos, viu realizado o sonho de transformar um conjunto de puxadinhos em um espaço funcional capaz de abrigar e atender às principais necessidades de crianças e adolescentes.
Quase sempre, quando os sorteados são colocados diante do dilema: reformar a casa ou uma casa nova, não há muitos que duvidem: tudo novo, casa e toda a mobília. Impressiona, sempre, a precariedade – e com certeza isto é o que dá audiência – dos lugares onde as pessoas vivem, com a torcida e a emoção de que uma casa nova signifique um novo tempo, com novas chances e novas perspectivas.
No entanto, o casal sorteado em um dos programas, por uma carta enviada pela filha, teve o pedido inusitado da avó para serem preservados os pertences do marido já falecido, porque ela precisava de um espaço que a mantivesse ligada ao seu passado, um elemento que a unisse a tudo o que passara com alguém com quem construíra uma vida.
O apresentador teve dificuldades para entender porque seria mantido um conjunto de móveis velhos, numa casa nova. Mas a insistência da avó tornou evidente que não era apenas uma questão de teimosia, mas sim de alguém que sabe o quanto é bom o novo que se pode conseguir, mas que são os elementos do passado que nos dão direito a um sonho. São os elementos do passado que nos dão as lições tão necessárias para que não erremos no futuro.
As cenas finais sempre são do comparativo entre o que era antes: móveis estragados, casa mal cuidada, pouca luz e muitos entulhos; com o que vem agora: mobiliário funcional, tudo bem arranjado, iluminação adequada e limpeza. Mas, a última sequência acabou sendo a imagem fechada num rosto idoso, marcado pelos sulcos do tempo e de onde uma lágrima procurava espaço para dizer que estava grata, mas que não abria mão do seu passado e da sua história.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Ainda vou ser presidente

A discussão entre Jornalismo e Literatura já tem alguns acertos: o Jornalismo busca na Literatura recursos que tornem os textos mais “saborosos”, deixando fórmulas pré-estabelecidas, repassando a informação para o imaginário do leitor com a maior fidelidade possível. No entanto, a Literatura diz que olha para alguns fatos narrados pelo Jornalismo e as coisas são tão “loucas”, que ultrapassam a capacidade do escritor em imaginar certos cenários, atores e roteiros da vida real.
Foi a idéia que tive ao acompanhar duas notícias. A primeira contando que o Governo Federal vai fazer um recadastramento para o “Bolsa Família” em que a inexistência de carteiras de vacinação, matrícula escolar, presença efetiva em sala de aula e notas podem servir para o descredenciamento de uma família. Por outro lado, o presidente Lula alcança a sua quinta multa por fazer campanha eleitoral antes do prazo marcado pela Justiça.
A pergunta que não quer calar - o que uma coisa tem a ver com a outra? Um elemento que está saindo de moda: comportamento ético. Se o governo pode e deve exigir das famílias, que se comportem como cidadãos – nem que seja de uma forma às avessas, porque penalizando pelo bolso – o próprio governo não faz o mesmo quando deveria se comportar diante da Lei. Antigamente, se falava de “moral de cuecas” (não sei qual é a responsabilidade desta parte da vestimenta masculina), quando alguém dizia uma coisa e fazia outra.
Infelizmente, em certos casos, a situação de miserabilidade de parcelas da população exige que, para alcançar resultados, se use da linguagem que eles entendem: a penalização financeira. No entanto, o governo utiliza-se de um recurso muito esperto e bem pensado: prefere pagar a multa (que dentro de uma campanha eleitoral é irrisória), mas mantém o principal apoiador da candidata em evidência e utilizando-se de um cargo público. Ficando na cartilha do politicamente correto da Literatura, a impressão é de que, se perguntarmos ao garoto que não quer ir à escola porque age assim, ele bem que poderia afirmar: “para quê? Eu ainda vou ser presidente!”