terça-feira, 30 de agosto de 2022

Deixem o coração de dom Pedro em paz...

A comemoração dos 200 anos da Independência, em 7 de setembro, tem num dos seus eventos a “visita” do coração de dom Pedro I - aquele que a proclamou - ao Brasil. Somente para constar, seu corpo já está em São Paulo (Monumento à Independência). Tendo sido uma decisão do próprio imperador, que, antes de morrer, decidiu que seu coração ficaria em Portugal e seus restos mortais voltariam ao Brasil. Há controvérsias. Historiadores tem interpretações diferentes para esta separação, digamos, macabra...

Tenho ressalvas com o translado de corpos ou partes deles. Prefiro utilizar a expressão “descanse em paz” no lugar em que morreu, do que, mesmo após a morte, fazê-lo “turistar” por causas nunca bem esclarecidas... Me explico: a vinda é operação cara com esquema de translado, segurança, conservação, além de um estafe político. Embora as próximas eleições tenham feito alguns “milagres” na economia, sabe-se bem que, mais cedo ou mais tarde, o brasileiro pagará a conta e também a viagem dos restos mortais...

Creio que ninguém ficaria triste se voltássemos ao elementar desfile do 7 de Setembro, tanto o militar, quanto o estudantil. Assim como os protestos que o seguiam, mais recentemente. Mas se vê uma corrida armamentista desenfreada com a necessidade de expor publicamente o arsenal que se tem, com a perspectiva do que ficou guardado... Os números são claros: recursos astronômicos com as guerras - ou a preparação para elas - seriam capazes de acabar com praticamente todos os problemas sociais que se tem hoje.

Uma das mais perfeitas frases do marketing do mal da atualidade é a que diz que “se queres a paz prepara-te para a guerra”. Discurso que teria a aprovação do ministro da propaganda Goebbels, atendendo a interesses dos senhores da guerra e da indústria armamentista. Consegue-se, assim, uma sociedade apática diante dos noticiários que tornam "natural" a fome e a miséria e se coloca como torcida de futebol diante daqueles que morrem nos campos de batalha por uma ilusão de que defendem seu país...

Outro engano com relação à consciência popular é a tal de exploração de outros universos. Recentemente, ficou-se encantado ao ouvir o “ronco de um buraco negro”. Ora, alguém um pouco mais atilado sabe que por trás da disputa pelo espaço está a corrida armamentista e a conquista de novas fronteiras nos céus. Sem se contabilizar os gastos assustadores dos investimentos em viagens pelas galáxias em busca de vida, quando ainda não se aprendeu a cuidar do elementar na Terra: a vida humana.

O ex-almirante da Marinha dos Estados Unidos, Willian H. McCraven, disse: “se você quer mudar o mundo, comece arrumando sua cama”. É o caso dos nossos dirigentes, que precisam reordenar prioridades. A visão belicista suga recursos vitais para a solução dos problemas sociais. Suposto “patriotismo” em megaeventos desnecessários retira dos cofres públicos o que deveria ser direcionado para que o brasileiro garantisse direitos básicos. Com todo o respeito: deixem que o coração de dom Pedro descanse em paz!

domingo, 28 de agosto de 2022

Uma viagem pelo mundo do entretenimento

Já fui noveleiro (tipo o padre Edson) e, de vez enquanto, me vejo acompanhando cenas de novelas antigas que marcaram época. Recentemente, pelo retorno ao Canal Viva, apresentam partes de uma das mais deliciosas comédias que assisti: “O Cravo e a Rosa”. Impossível não se deliciar com as rusgas entre a Catarina (Adriana Esteves) e o Petrucchio (Eduardo Moscovis). Mas passou. E no horário do final da tarde, tradicional para a segunda rodada do meu chimarrão, encontrei nas séries um bom programa.

Garimpando, fui alertado para as produções que vêm da Coréia do Sul. Meu preconceito inicial foi vencido e me vejo acompanhando duas delas, que nem são consideradas as melhores: Alquimia das Almas e Vincenzo. Comédias do tipo românticas com uma boa produção, ao menos para o meu gosto e pouco conhecimento técnico. Ambientação bem escolhida, fotografia ágil e uma narrativa envolvente que não exige a presença constante do “tico e do teco”, mas disposição de aproveitar um bom seriado.

Tipo aventura juvenil. A primeira, de época, oportunizando conhecer costumes, com o seu mundo de lendas e feitiçarias; e a segunda, valendo-se de um deboche que coloca em cena um “mafioso”, com olhinhos puxados e tudo, mas a pinta de “ragazzo” italiano, só que de origem coreana... Ainda não sei diferenciar bem os personagens. Creio que eles devem dizer o mesmo de nós, mas, tem momentos em que me confundem. Não é somente pelo tipo de maquiagem, mas por postura mais contida e centrada.

Dos que vi, nem um tinha a preocupação de discutir grandes temáticas da humanidade. Embora, em alguns casos, já me contaram, abordam temas das relações humanas com muita sensibilidade. Propõem-se a ser apenas um entretenimento agradável ao contar uma história. Impossível não traçar um paralelo com os atores e atrizes ocidentais. E os “doramas” (a forma como a palavra “drama” é pronunciada pelos japoneses) coreanos ganharam espaço no Brasil, especialmente pelos canais de streaming.

Porém, a produção coreana surpreendeu, também, em musicais e, se não viram, vale a pena assistir ao grupo chamado Forestella, com canções populares internacionais, onde desfilam pelo inglês, italiano e russo, ao menos. Em apresentações esmeradas na produção musical, assim como nos cenários sofisticados e iluminação. Novas roupagens para clássicos conhecidos. É um luxo: mesmo ao cantar em coreano, entonação e expressividade dispensam versões por encantar por uma magia elementar: a da música!

Para quem busca preciosidades, especialmente nas áreas artísticas, a Internet é uma mina sem fundo. Também já fui atrás de circos, que meus pais gostavam, e gastei os arquivos da TV Cultura passando e repassando a Inezita Barroso para a mãe. Percorri os “The Voice” das Américas e Europa, encontrando artistas que levaria uma vida viajando para poder assistir. Prepare as malas, com a ansiedade e dúvidas de quem se encaminha para o embarque... Vai valer a pena! Boa viagem pela cultura e pelo entretenimento!

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Eu estive em tuas mãos...

Eu estive em tuas mãos...

 

Muitas e muitas vezes percorreste meu corpo de forma distraída.

Noutras, foste sôfrego, avançando com intensidade

por cada espaço que tuas mãos alcançavam.

Ainda houve momentos em que me desprezaste,

Deixando-me de lado como algo inútil e sem sentido...

 

Nunca mudei. Mas também não consegui

que percebesse a profundidade

que nossa relação poderia ter tido.

Mesmo quando me acariciavas

Enquanto descansava sobre teu corpo,

Era sem dar atenção, que me tinhas em teus braços.

 

Em qualquer situação, nunca me ouviste reclamar,

Pois mesmo não entendendo teu jeito de ser,

Preferia pensar que um dia me darias valor

E, enfim, poderíamos fazer a conjugação perfeita...

 

Percorrerias minhas páginas como

Quem bebe do mais sublime dos prazeres.

Começarias por sentir que eu

Docemente me acomodo em tuas mãos, 

Que meu perfume recende ao perfume das florestas,

Que percorrer minhas linhas tem o toque da vida

Que escorre por parágrafos, páginas, capítulos.

Todos os sentidos, em especial as carícias, e todos os devaneios...

 

Voltarias a dormitar comigo descansando em teus braços.

E eu acalentaria teus sonhos,

Te fazendo percorrer mundos que apenas

O encantamento e a imaginação conseguem dimensionar,

Sem que se precise diferenciar a realidade da fantasia.

 

Não me abandones num canto sozinho.

Faço parte de todos os tempos em que encontras

Razão para a tua vida.

Sou um pouco da estrada que percorres,

Sou parte da claridade que te mostra caminhos,

Sou o bastão que, em muitos momentos,

Reforça a energia necessária para não desistir.

Na imprecisão das palavras,

Sou a quem sempre retornas

Quando já não és capaz de encontrar

O que garimpaste em mundos para onde fugiste:

Sou o teu e o meu sentido de existir...

terça-feira, 23 de agosto de 2022

A sombra da violência que assusta

A tragédia acontecida com o Gabriel Marques Cavalheiro (18 anos), que morreu depois de abordagem policial em São Gabriel, expõe um problema sério: a necessidade de que agentes públicos sejam preparados para cuidar/servir. Infelizmente, é uma noção que falta a muitos servidores, quando há um relacionamento direto com a população mais fragilizada. Pode-se inferir que existem casos parecidos quando se fala do atendimento da saúde, da fiscalização de atividades públicas, assim como da educação.

Quando atuava na disciplina de Pastoral e Comunicação, dentro do curso de Teologia, discutia com seminaristas e leigos que somente se aprende a cuidar, cuidando. As teorias são interessantes, mas são muitos os casos em que “na prática, a teoria é outra”. Usava como exemplo o caso da assistência a pessoas idosas e doentes. Uma coisa é fazer uma “visita de médico” em que, muitas vezes, não se gasta mais do que 15, 20 minutos. A outra é um “estágio” quando se cuida de alguém por um tempo prolongado.

Explico, porque foi o meu caso: sempre tive pruridos com o corpo, especialmente o alheio. No entanto, o envelhecimento de meus pais e a necessidade de serem atendidos em carências básicas, como troca fraldas, cuidar feridas, vômito... dão outra noção à palavra “cuidar”. Particularmente quando se passam dias, muitas vezes meses e anos, em que as mesmas atividades se repetem, necessitando readequar a própria vida para a nova realidade. Aí sim, se aprende o que é “cuidar”, no sentido mais pleno da caridade.

Quem não aprendeu a valorizar a própria vida e a do outro nunca vai ser capaz de cuidar. Pode, em algumas situações, imaginar que é uma “autoridade” superior com a qual nada vai acontecer e da qual dependem os demais. Tratar de pessoas nunca é fácil, mas há um olhar de simpatia e empatia que faz a diferença de quem assume a função pública, lembrando que se responsabiliza por mais “familiares”, porque ali estão idosos, adultos, jovens e crianças que deveriam ver na farda a segurança da qual estão carentes.

Em muitas instâncias de formação se percebe o discurso fácil das teorias sobre cuidados sem que se veja a prática do pregador. Era uma das minhas questões básicas em sala de aula: “qual é a atitude de caridade prática que hoje fazes com quem está contigo no teu grupo, teus familiares e vizinhança?” Quem não percebe que é preciso ser “bom” primeiro com quem está mais próximo não vai aprender a se comportar de tal maneira que evite gestos agressivos, que muitas vezes fogem ao controle e acabam em morte...

A Brigada investiga o básico: fugiram ao protocolo de liberar ou recolher à delegacia. “Deram carona” até o lugar onde o corpo foi encontrado. Como assim? Seria diferente se os agentes tivessem aprendido a cuidar um doente, acompanhar uma criança na rua, orientar um idoso, conviver com situações em que se tornam arrimo... Quem, hoje, pede justiça não estaria assustada tendo a violência como uma sombra que não ronda apenas os recantos marginais dos becos e vilas, mas também quem deveria zelar pela paz...

domingo, 21 de agosto de 2022

Causos para contar a História

Na semana passada tive a alegria de reencontrar meu sempre professor (e mestre) Jandir Zanotelli. Ele pensa fazer vídeos compartilhando seu conhecimento de História, com vasta bagagem e rica experiência nas áreas por onde transitou. Como meus pais, tem uma capacidade ímpar de contar e contextualizar registros, que sempre precisam de um olhar atento e perspicaz para auxiliar e capacitar outros olhares. Foi bom saber que o velho amigo (e não um amigo velho...) continua afinado em pensamento e reflexão.

Há um bom tempo que queria conversar sobre sua participação na live Partilhando, da arquidiocese de Pelotas. Creio que, ainda este ano, teremos a oportunidade tê-lo falando a respeito da história dos leigos católicos nas atividades da Igreja e atividades sociais. Foi professor universitário (inclusive reitor da UCPel), assim como integrante do Conselho de Leigos que, na virada da década de 80, movimentou eventos, em especial com as comunidades eclesiais de base, quando viviam sua plena efervescência.

Foram boas lembranças: foi meu professor na disciplina de Filosofia, no segundo grau do Seminário, quando tinha a companhia do Pedro Bettin (já falecido) e do professor Gomercindo Ghiggi. Era um caso à parte: passamos um ano inteiro dissecando – literalmente – o livro do escritor Saint-Exupery, o Pequeno Príncipe. Foram discussões maravilhosas e que me fazem, ainda hoje, ter obras como O Profeta (Khalil Gibran) e Fernão Capelo Gaivota (Richard Bach) como referência em meus textos e atividades.

Na década de 90, a convite do professor Cilon Rodriguez, comecei a lecionar na UCPel, tendo o Jandir como reitor. Sou grato pela oportunidade de ingressar na academia e me reciclar na preparação dos profissionais da comunicação. Foi uma experiência única, assim como ser convidado por ele, quando presidia a Academia Sul Brasileira de Letras (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná - hoje sob o comando do Carlos Eugênio), a ocupar a cadeira de número dois, tendo como madrinha a querida Olga Ferreira.

Em seu apartamento, revi a Denise e a Cema, figuras que sempre estiveram presentes na vida da sua família. Degustei um cafezinho e a oportunidade de um salutar reencontro, além da chance de reforçar valores fundamentais como o diálogo, o respeito, o carinho, retomando sendas esquecidas num tempo em que a pressa fez com que se percam valores tão importantes. Ocasião para ouvir e narrar lembranças, evoluindo para pensar espaços pelas redes sociais onde se compartilhem “Causos para contar a História”.

Sim, meu professor, alinhavei até um nome para sugestão. A ideia me seduziu e, sei, agora compartilhada, vai mexer com a imaginação e o desejo de muitos dos que veem a História não apenas como registros embolorados, mas cerne da própria vida. O senhor abriu as portas e se descortina o encanto que aquece a alma e a faz capaz de alçar novos sonhos... Um lugar em que o passado não está sepultado nas nebulosas do tempo, mas reforça acertos, evita erros praticados e dá a cada um a perspectiva renovada de futuro!

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

A cumplicidade de uma lágrima

Eu te vi abrir os olhos para o Mundo...

O teu primeiro olhar para mim era

Um pequeno milagre às portas do Mistério.

Definia a mística da nossa relação por uma

Caminhada que sequer engatinhava...

 

Foi depois de teres protestado por te tirarem

Do cantinho escondido no corpo da tua mãe,

Um lugar sagrado onde te preparavas

Para os rituais da vida que eu apenas imaginava.

 

Te vi abrir os olhos pela primeira vez.

Miraste bem os meus, na curiosidade

que te acompanhou por toda a vida.

 

Já estava cansado de chorar,

Em silêncio, compartilhando a preparação do parto

E a angústia com o teu nascimento.

 

No entanto, a lágrima que viste rolar por meu rosto,

pela primeira vez, foi a mais doce,

o maior encanto pelo jeito

Como teus olhos descobriram minha face.

Da forma como, mais tarde, concentrarias

a atenção, me chamando com a palavra

Que sempre me soou como um encanto: Pai!

 

Meu Mundo estava mudado para sempre.

Tudo o que havia visto, ouvido, lido, assistido,

Transformou-se numa trouxinha que a enfermeira

Depositou em meus braços

E que ia se acomodando ao meu corpo,

Com a vontade de a envolver

Sem jamais deixar que se fosse.

 

Sei que vou ter muitas preocupações contigo,

Por meus acertos e erros,

Por tuas tentativas, frustradas ou não...

Que haverá momentos em que

Terei dúvidas de tudo o que fiz e que fui para ti.

O que me consola e anima é que, sempre,

Restará a lembrança daquele primeiro momento,

Em que nossa cumplicidade foi selada, apenas,

Por uma lágrima de amor e de felicidade...

A nossa primeira lágrima,

O nosso primeiro gesto de gratidão pela vida!

terça-feira, 16 de agosto de 2022

Um Santo para as causas políticas?

O período que antecede as eleições de outubro tem a marca da indiferença. As pesquisas junto à população demonstram que ela não acredita que a solução dos problemas esteja nas classes políticas, executivo e legislativo, assim como no poder judiciário. No entanto, estas categorias são, sim, responsáveis pelos seus problemas. Recentemente, o caso do reajuste do poder judiciário, assim como os “super salários” conseguidos por parcela dos militares, demonstra que tudo o que fazem é legal, embora beire o imoral.

Num país em que muita gente não consegue sequer o salário mínimo (R$ 1.212,00), a suprema corte se dá ao direito de colocar como teto salarial (R$ 46.366,00) a importância que referenda diversas categorias públicas, que, rapidamente, se valem da lei para ganharem mais, o que equivale a 38 vezes a referência para as categorias da base. Algo é ilegal? Não, tudo é feito dentro da lei, só que de tal forma que as categorias mais beneficiadas dos agentes públicos aumentam o fosso da desigualdade social.

Uma instância que, até pouco tempo, tinha o respeito da população, os militares, se envolveu em saia justa, com “jeitinhos” jurídicos, e alguns tornaram mais polpudos seus rendimentos, com penduricalhos que, em certos casos, fez com que, de uma única vez, fossem contemplados com quase um milhão de reais! Para tudo se tem explicação, mas não justificativa. Em plena pandemia, com dificuldades na saúde, alimentação e emprego, é deboche para quem se jactou de ser “guardião da Constituição Federal” ...

A indiferença à volta dos políticos às ruas para procurar um suposto apoio popular às suas intenções só não é maior do que o interesse pela copa de futebol, no final do ano. O brasileiro mergulhou de tal forma na descrença que até o seu esporte preferido perdeu a razão e a graça. Escândalos semelhantes aos que envolvem políticos de diversos níveis também permeiam este esporte, demonstrando que, mais do que uma indústria do entretenimento, se tornou um lugar de atividades que pecam pela transparência.

Daqueles que ainda discutem (não agridem) política em pequenos grupos ou pelas redes sociais há a preocupação com o baixo nível a que se chegou, quase sempre culpando a população pelo desinteresse, apatia, pouco ou nenhum conhecimento de causa. O alerta é correto sabendo que vai se ter uma guerra de foice no primeiro turno e, havendo o segundo, será um “salve-se quem puder”. Volta-se a uma tecla batida: a educação política se dá pelo conhecimento e pelos exemplos. E o que se vê?

Dados apresentados podem ser contestados, mas não negados. Pesquisas apresentam o perfil de um brasileiro que, para sobreviver, não vê alternativa senão a indiferença. Embora se considere o sistema representativo o melhor para a prática da democracia, atitudes nada republicanas de políticos e quem gravita no entorno causam desilusão e frustração que levam à apatia. Então, pergunto: além do Santo das Causas Impossíveis, existe algum Santo das Causas Políticas? Se assim for, a hora é agora: “rogai por nós!”

domingo, 14 de agosto de 2022

Ser pai, guia e referência para a vida

(do livro “Remendos e Arranjos”, de 2004)

 O Aprendiz tinha um jeito peculiar de fazer saber, ao Mestre, que ele estava com alguma preocupação. Passava a caminhar na volta da mesa onde seu orientador trabalhava, em silêncio, com a cabeça baixa e as mãos atrás das costas. Até que, num determinado momento, o Mestre parasse com seu trabalho e perguntasse:

- Pequeno menino, o que o preocupa?

Sempre fazia um certo charme.

- Nada, Mestre, nada.

E a insistência.

- Fale, pequeno menino. Algo o preocupa. Sei que você gostaria de perguntar.

Parou de caminhar, colocou-se em frente ao Mestre e, mais do que dizer, murmurou:

- Mestre, como é ter um pai?

Embora aguardasse toda e qualquer pergunta, para esta, especificamente, o Mestre não estava preparado. Levou em consideração que o menino fora abandonado na porta do Mosteiro e nunca soubera o que era ter uma família.

- Porque esta preocupação, pequeno menino?

- É que está chegando o Dia dos Pais e as demais crianças falam muito do que vão fazer para eles. É verdade que eu não tenho um pai?

Já sabia que abrandar a verdade nunca dava certo com aquele garoto. Preferiu ser direto.

- É verdade. Você não tem um pai como os demais meninos.

- E como é ter um pai?

Embora se sentindo incomodado, sabia que tinha que dizer alguma coisa.

- Pequeno menino, ter um pai é uma bênção. Mas também é uma bênção ter um filho. O pai acorda no meio da noite e procura a mãozinha do filho, sua respiração. Quando ele cresce, ouve seus balbucios, acompanha seus primeiros passos desengonçados. Quando se torna jovem, o pai é o ombro parceiro aonde vai se acomodar quando precisa. E sempre, mas sempre mesmo, é um olhar cúmplice e amigo com o qual pode contar. Infelizmente, você não tem um pai.

Os olhos do menino estavam marejados de lágrimas. Contornou a mesa, apoiou sua cabeça no peito do Mestre e sussurrou:

- Engano seu, Mestre querido, tenho no senhor o melhor dos pais. O senhor faz tudo isto por mim!

A cabeça do menino pendida sobre seu peito impedia de ver que as lágrimas também corriam pelo rosto do ancião. Era a revelação de Deus que lhe faltava: sempre se sentira estéril por não ter tido filhos. E Deus colocara em suas mãos muitos, mas muitos filhos para criar. Agora sabia que fora capaz de fazer cada uma daquelas coisas que sempre pregara para os outros. Murmurou uma oração e beijou a cabeça do pequeno menino. Sentia-se pai. E pai tem que fazer a vida continuar, ajudando a encontrar caminhos, alimentando a esperança do filho, carne ou não da sua carne... que Deus colocara em suas mãos!

Feliz e abençoado dia para todos os pais que, de muitas formas, são referência em nossas vidas!

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Uma valsa para a Eternidade...

Não dançamos a última valsa.

Ainda lembro da primeira vez em que

Estendeste a mãozinha e colocaste

Teus pezinhos sobre os meus.

Bailamos pelo Mundo dos sonhos,

Enquanto sorrias com a confiança

De quem enxergava a vida como

Uma longa e bela estrada pela frente...

 

Foste a mais bela das garotas

Que debutaram aos 15 anos.

Tinhas a graça de uma mulher

Que descobre a existência e se encanta

Com cada momento vivido,

Sem a preocupação com ilusões e tristezas.

Bailavas como se a vida se curvasse a teus pés

E o futuro estivesse à tua espera.

 

O tempo, sempre o tempo, fez com que,

De longe, acompanhasse a tua história.

Encontraste um outro companheiro para bailar.

Chegaram os filhos e deves ter feito com eles

O que um dia fiz contigo.

Mas, num reencontro, ainda tinhas

O olhar pleno de ternura e de encanto.

Continuavas fazendo da tua vida um grande baile,

Continuavas acreditando que havia muito

Da tua história ainda por percorrer...

 

Ainda tenho presente o primeiro perfume que usaste.

Aquele em que te apresentaste como mulher,

Com a fragrância que te identificava,

Aquele que te fez amante e mãe.

No nosso reencontro, já havias mudado.

Tinhas o perfume marcante e suave,

Com jeito de quem sabe o seu lugar,

Superando fragilidades e desencontros.

 

Mas partiste.

Não sei que música tocava quando

Cerraste teus olhos.

Ficou o sentimento de que

Não dançamos a última valsa...

Seria a nossa valsa de despedida...

Quando o tempo foge do tempo,

Onde as lembranças chegam

Estimuladas pelo ritmo da saudade,

No compasso de quem segue,

No rumo da Eternidade.

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Regar o sentido para a vida

Archie Battersbee estava com 13 anos quando, na semana passada, os equipamentos que o mantinham vivo foram desligados. Em abril, encontraram-no desacordado, com uma corda no pescoço, dentro de casa. Desde então, era mantido por aparelhos, com morte cerebral. Foram inúmeras batalhas judiciais para que continuasse “vivo”. Há suspeitas de que participava de um desafio entre jovens na internet, o “Ligature” (“brincadeira do desmaio”), que consiste em se estrangular durante o maior tempo possível.

Esta temática não é nova, mas precisa ser reprisada constantemente: a necessidade de regar o sentido da vida. Não importa a religião, crença filosófica ou política, é fundamental que se veja a própria vida, assim como a vida do outro, como necessária de ser cuidada, no sentido de ser preservada, mas, também, de ser qualificada. Diversos fatores no processo educacional, especialmente o que acontece em família, tem colocado, literalmente, muitas crianças, adolescentes e jovens em situação de risco.

Também é repetitivo, mas necessário alertar: nesta fase, pais e quem está mais próximo são a referência em todos os sentidos. O fato de que os progenitores, especialmente, não tiveram uma formação adequada não os isenta de suas responsabilidades. Ao contrário, provoca a que, como se diz no futebol, “corram atrás do prejuízo”. Insistindo que são as atitudes que marcam os seus comportamentos: o relacionamento entre o casal, a forma como se relaciona com os amigos, sua capacidade (ou não) de serem solidários...

São marcantes os exemplos quando pais, desde pequenos, comprometem as crianças em atividades domésticas, em cuidados com jardins e hortas; responsabilidade com irmãos, seguirem as regras estabelecidas nos jogos infantis... Mais adiante, fazer parcerias em esportes, como futebol, mas também em atividade sociais, assim como em doação de sangue, de órgãos, medula... E, já adultos, estabelecer vinculação forte com os netos, sem negar a autoridade dos pais e sua responsabilidade pelo processo educacional.

Professores reclamam que jogaram nas suas costas grande parte das responsabilidades pela educação. É verdade. A carga é pesada para muitos que ainda estão despreparados para enfrentar as suas próprias vidas e, ainda, deixar as suas casas, com os seus problemas, e passar um ou dois turnos ajudando a reparar o que se passa em outras famílias. A escola não é o pronto socorro do processo educacional. Ela tem seu quinhão na responsabilidade, mas depende, também, que a sociedade cumpra a sua parte.

Não deixe que um “Archie” esteja dentro da sua casa. A existência é uma graça quando se alimenta o seu sentido. Encontrar razão para não desistir não é apenas uma frase motivacional, do tipo “receita de autoajuda”. Inteiro ou sequelado, jovem ou idoso, em plena posse das faculdades mentais ou não, a incapacidade para conseguir esta motivação é o elemento que faz definhar o gosto por sorver cada etapa desta grande aventura de forma plena. Com certeza, a vida é única, é pessoal... e é intransferível!

domingo, 7 de agosto de 2022

O dia em que me tornei “pai do meu pai”

A semana que inicia é de preparação para o dia dos Pais. Muitos vão dar um abraço e, quem sabe, um presente pela comemoração. Outros, como eu, ficaremos na lembrança do quanto foi feliz se ter uma referência masculina, enquanto pessoa. Porque a ressalva? Simples, porque são muitas e variadas experiências de filhos com progenitores que podem ser de todas as raças, credos, níveis de formação e informação. Não existe (e não existiu) um tipo de pai específico que atende a um modelo pré-estabelecido.

Tive a graça de conhecer desde pais que atenderam quase que integralmente o que penso de ser pai até quem apenas contribuiu com o processo e, se tivesse se mandado em seguida, teriam dado uma boa contribuição... Há uma receita para ser pai? Se existe, eu não sei. Mas existem alguns atributos que são essenciais: carinho, capacidade de ouvir, firmeza em auxiliar no processo educacional, convicções, disposição para ser amigo, mas, quando necessário, também ser aquele que auxilia a estabelecer limites.

Para isto, não é necessária uma grande formação. Qualquer um de nós conhece pais que não passaram da terceira série primária (caso do meu pai), mas que valores e experiência de vida foram fundamentais para que se colocassem como referência. E também tem isto: mesmo que os pais tenham os atributos necessários, as circunstâncias sociais também influenciam para que, numa mesma família, um filho reaja de uma forma, enquanto outro acabe tomando rumo e destino completamente diferentes.

Característica necessária que encontrei em tios e vizinhos foi a do bom humor. Meu pai era o rei das tiradas, aprontando com adultos e crianças, assim como em comentários engraçados. Porém, tinha o lado sério e perspicaz. Numa ocasião em que cheguei de reunião em que tudo o que planejei dera errado, conversamos e ele resumiu numa frase que tenho como mantra até hoje: “o povo é devagar”. O errado não eram eles: eu queria apressar um processo de conscientização para o qual não estavam preparados.

As lembranças de infância: retornar à casa da sua mãe, com longa caminhada beirando o rio Camaquã, onde se tomava banho e, em algum momento, boiava, colocando-nos sobre a barriga... Cuidando do armazém, com lugar reservado embaixo do balcão para decorarmos a tabuada e depois a tomava de cor e salteado... As vezes em que o esperava na frente do Seminário, ao me levar as roupas lavadas, sábado à tarde, e eu preparava o meu coração, como dizia o Pequeno Príncipe, do jeito que se faz com quem se ama...

A primeira vez em que, atravessando uma rua, sentindo que estava confuso, ofereci um braço desocupado (no outro já estava minha mãe) para que se fizesse a passagem em segurança, foi o dia em que me tornei “o pai do meu pai”. Aprendi que o tempo é o senhor dos nossos aprendizados. Ser pai, hoje, é preparar um filho que, um dia, vai lhe dar o apoio necessário para qualificar a sua velhice... este privilégio em que se estende a mão não apenas como um pedinte, mas com a necessidade de partilhar a própria vida.

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

O caminho para o mar...

Deixa que eu siga o meu próprio rumo.

Vou precisar contornar obstáculos,

Quem sabe não consiga compreender

O percurso do meu destino,

Posso até ter dificuldade de entender que

O meu horizonte será sempre o caminho do mar.

 

Correr sobre os seixos é murmurar uma sentida oração,

As árvores jogam seus galhos e sombras sobre meu leito

Dando o refrigério de um momento fugaz.

No final do dia, ainda não tenho descanso,

É preciso continuar sempre, sem chance de voltar atrás.

 

Deslizar mansamente sobre um leito de areia

É oferecer um lugar para que alguém descanse seus pés.

Sentado numa pedra, poderá brincar

Mergulhando as mãos, enquanto sigo meu percurso.

Não posso negar o que é um simples carinho.

Ao entardecer, numa pequena queda d'água,

Borboletas farão o encanto oferecendo

A dança que mistura corpos, cores e luzes.

 

Não tente me impedir.

Ao continuar minha jornada

Sou o teu sonho mais profundo,

Que atinas quando é madrugada;

Sou o medo transpirando por teus olhos,

Assustados pela compreensão que não chega;

Sou o sentido de tentar entender o teu presente,

Já que não aceitaste teu passado

e não vislumbras os contornos do teu futuro.

 

Sabes quem sou eu?

Sou o rio que, semelhante à vida,

Não se importa com as curvas e os obstáculos.

Como as lágrimas, que nunca deveriam ser contidas.

O sussurrar do vento...

Que enruga as águas nos momentos difíceis

Ou as torna tépidas e tranquilas

Quando chega a idade em que seguir o próprio caminho

É encontrar a direção para desaguar no oceano...

terça-feira, 2 de agosto de 2022

Um duro caminho para Francisco

Duas histórias de imagens impactaram, recentemente, os crentes, especialmente da Igreja Católica: a visita do papa Bento XVI ao campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, na Polônia. Mais do que as palavras, foram os momentos de silêncio de um idoso, depois de afirmar que “num lugar como este faltam as palavras, no fundo pode parecer apenas um silêncio aterrorizante, um silêncio que é um grito interior a Deus...  torna-se um grito ao Deus vivo para que jamais permita uma coisa semelhante”.

Semana passada, foi a vez de se receber pela televisão, jornais e redes sociais as imagens do papa Francisco em sua “peregrinação penitencial” pelo Canadá, visitando um cemitério onde renovou o pedido de desculpas pelo papel da Igreja Católica na violência infligida a crianças de povos originários do país. No silêncio da sua prece junto ao campo santo, afirmou: “o lugar que nos encontramos e a lembrança daquelas crianças ecoa um grito de dor. Desperta em mim tristeza, indignação e vergonha”.

Quem convive ou já cuidou de pessoa idosa sabe que alguém com a idade de Francisco, 85 anos, enfrentando dores e dificuldades para se locomover, precisando de uma cadeira de rodas, despende um esforço redobrado para qualquer atividade. Muito mais quando estas ações demandam uma carga emocional negativa por todo o sofrimento causado a pessoas: adultos, no caso da Polônia, e crianças, no Canadá; e por aqueles que, dentro ou fora da Igreja Católica, não concordam com suas atitudes e tentam desmerecê-las.

O papa parece enfrentar uma corrida de obstáculos. Cada uma de suas atitudes é passada no crivo da crítica. Quando não conseguem demovê-lo, a indústria do fake news planta notícias como, das mais recentes, de que sua condição física o levaria a renunciar. Não duvido. Porém, creio, não o fará antes de que, em outubro do próximo ano, coroe o Sínodo que traçará os destinos da Igreja. Ainda será um longo período pela frente, com muitas contendas e dificuldades, que possibilitam uma depuração da própria instituição.

No que vai dar? Só Deus sabe. O certo é que a maior consulta já realizada no seio da Igreja e a gradativa substituição de bispos, arcebispos e cardeais lhe dão um novo rosto. Mais avançada ou conservadora? Nem uma, nem outra. Literalmente, incomodados, de ambos os lados, estão se retirando. O que não significa que venha a se ter “uma paz de cemitério”, com todo mundo rezando pela mesma cartilha, enquanto fervem os desentendimentos internos. Um novo patamar nas relações institucionais e pastorais.

Não se pode negar a história. O presente é tempo de perdão e reconciliação. E mudar a perspectiva do futuro. Um duro caminho para Francisco, em busca de uma Igreja do Evangelho e do Homem de Nazaré, perseguindo o “vede como eles se amam” dos primeiros cristãos. Pensavam da mesma forma? Não. Buscavam o mesmo rumo e eram presença na sociedade. O diferencial? a fé, justificada na prática religiosa; a esperança, como horizonte existencial; e a caridade, a efetiva realização do amor ao próximo.