segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Aposentado, mas não morto 3

A reforma na Previdência Social – diga-se o direito à aposentadoria – embutiu um item que só pode ser brincadeira de mau gosto: desconto nos proventos dos aposentados, como contribuição previdenciária. A explicação é de que mesmo não tendo o direito de reajustar o que recebe, faz - eufemismo - uma "participação solidária".
Quem paga, novamente, é o trabalhador. Desde que se criou este seguro aconteceram muitas mudanças, como a que instituiu o regime trino - governo, empresário e o trabalhador contribuindo. O governo não efetivou a parceria, mas raspou o caixa em diversas oportunidades, como foi o caso da construção de Brasília. O empresário, quando se vê apertado, deixa de recolher, mesmo que pague mais tarde.
Já o trabalhador tem o recolhimento compulsório. Paga pelo que deve e o que não deve e viu inchar o número de quem recebe proventos mesmo nunca tendo contribuído, muitas vezes com interesses políticos, sem qualquer planejamento. Mas há um outro lado que merece reflexão: a repercussão social. É o caso dos que recebem no meio rural e se tornam arrimo financeiro de muitas famílias.
"Aposentado, mas não morto" foram artigos publicados antes da minha aposentadoria, quando falava das perdas sucessivas que fazia com que as pessoas que programaram viver de um jeito - depois que parassem de trabalhar – diminuem sua qualidade de vida, se não conseguem renda complementar.
E os que não o conseguiram viram seus vencimentos defasarem até que, hoje, tenham chegado ao mínimo, quando imaginavam receber o equivalente a dois ou mais salários. Sempre alertei que era necessário haver mobilização não somente daqueles que estavam aposentados, mas também daqueles - como eu - que um dia iriam se aposentar.
Hoje, aposentado, sinto na carne este processo. A Previdência reconheceu que eu tinha 39 anos de contribuição. No entanto, dois estavam sobrepostos - não valiam. Quando ingressei no mercado de trabalho, o governo garantiu que, alcançando 35 anos de contribuição, eu teria direito a receber integralmente meu salário. Não aconteceu - o fator previdenciário abocanhou uma boa parte.
Digo em palestras que sou um "velho jovem". Pois são muitos os velhos jovens hoje mobilizados para enfrentar as manobras e artimanhas do governo. É preciso discutir, sim, a Previdência, especialmente a que paga polpudos salários e seus desvios, acabando com o tratamento diferenciado entre servidor público e privado.
Repito o que disse num dos artigos anteriores: "os aposentados estão unidos em busca de seus direitos. De bobos, não têm mais nada e podem ensinar técnicas de mobilização. Quem diria, estão reconquistando o lugar de onde nunca deveriam ter saído: estão aposentados, mas não estão mortos".

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Capaz de cuidar de gente

No dia 22 de outubro (quinta), vou estar na Catedral de São Francisco de Paula, preparação da Romaria de Nossa Senhora de Guadalupe. O tema é "o leigo e Maria", experiência com relação a Nossa Senhora, mas também com a Família de Nazaré. Não sou teólogo, portanto, quando converso com grupos, falo como leigo, com vivência de Igreja, e considero José e Maria os primeiros leigos e uma das grandes inspirações para os que são consagrados pelo batismo a pertencerem à fé cristã, sem nenhuma ordem.
Em qualquer grupo, a discussão incendeia quando se tenta descobrir porque Deus resolveu encarnar na realidade do Mundo, através de Jesus. Tenho uma tese: Deus queria aprender a cuidar de gente! Uma das histórias mais bonitas a respeito de "mãe" é aquela em que uma criança vai nascer e diz a Deus que não sabe falar, se cuidar, tomar iniciativas. Deus diz que alguém tomará conta dela. A criança, encantada com as maravilhas ditas sobre quem a cuidaria, quis saber o nome deste "Anjo". Deus sorriu e balbuciou: "Mãe"!
É exatamente o que se aprende em família. Pai e mãe devem exercer este papel sagrado e, depois, acontece o mesmo entre irmãos: eu até posso brigar com meus irmãos. Mas pobre daquele que resolver de alguma forma brigar com eles! Nem sempre nossos gênios são compatíveis, muitas vezes estamos à distância, mas fica pra sempre o laço da família que nos gerou e apresentou ao Mundo.
Santa Helena, a mãe do imperador Constantino, viveu no tempo em que seu filho reconheceu, pela primeira vez, o Cristianismo como religião. Sua conversão se deu quando uma empregada ficou doente e, como era o costume, foi colocada na rua. Depois de alguns dias, discretamente, Helena saiu em busca da moça e a encontrou numa igreja, sendo tratada. O impacto foi tanto que se tornou voluntária cuidando de outros doentes e entendeu a diferença das propostas da Religião Romana, individualista, e do Cristianismo, como proposta social.
Quando algumas pessoas dizem que perderam a fé na Humanidade porque ela é violenta e o que vemos no dia a dia é exatamente o contrário do que pregam as religiões, não consigo entender. Todas as religiões falam de paz e solidariedade. Fundamentalistas existem em todas elas, mas somente se tornam influentes pela omissão daqueles que poderiam redirecionar o sentido de suas práticas religiosas. Falar do "leigo e Maria", hoje, é lembrar que uma família, em Nazaré, há mais de dois mil anos, entregou um filho ao Mundo exatamente porque sabia que Ele seria, tendo aprendido da melhor de todas as fontes, capaz de cuidar de gente!

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

A palmada que faltou

O pai alcançou o dinheiro para comprar o ingresso. O atendente informou: "crianças até 6 anos não pagam". O pai respondeu, com o filho atento ao lado: "Ele tem 7 anos". O atendente: "se o senhor não tivesse dito eu teria pensado que tem menos e o senhor teria economizado o ingresso". Sorrindo, o pai completou: "mas eu saberia que tinha mentido e, pior, meu filho pensaria que se o pai mente ele também pode mentir".
A história é simples mas mostra o papel que um educador exerce na vida de uma pessoa. E aqui estou falando de pais, professores, padres, pastores, lideranças... Aqueles que, de alguma forma, colaboram na formação do caráter de alguém, com a definição dos seus princípios éticos e morais.
A lembrança veio assistindo ao noticiário sobre o ex-deputado Eduardo Cunha, com a prisão já esperada e que se tornou emblemática da necessidade que temos de refluir o poço em que foram lançados todos os principais valores, causando os problemas que hoje enfrentamos na saúde, educação, transporte... por má administração e o desplante com que políticos utilizam dos recursos públicos em benefício próprio.
Deputados não surgem do nada. Foram votados, portanto, é bom repetir: o eleitor também é responsável por aqueles que hoje desviam somas inimagináveis, que, bem utilizadas, melhorariam substancialmente todas as áreas de atendimento à população.
Mas aqueles que foram eleitos também têm - ou tiveram - educadores. Que, um dia, não perceberam, em algum momento, um desvio de conduta e valores foram deixados de lado. O momento em que, esgotadas todas as alternativas, uma "palmada pedagógica" poderia delinear o melhor caminho.
Olhando as sacanagens praticadas e as negativas de envolvimento - com provas apuradas - e mais quando próximo da prisão limpa as contas onde reuniu subornos e propinas, sabendo que o seu rastreamento é só uma questão de tempo, mostra o quanto estes criminosos se julgam acima da lei. E bate o descrédito.
Conversando com quem foi beneficiado com uma "palmada pedagógica" sei que ela funciona como um divisor de águas. Não precisa ser física, mas um basta sério delimitando a diferença entre o certo e o errado. O que faltou para alguns políticos. Se os educadores não o fizeram, o voto deveria ter feito. E, se não o fez, a Justiça está dando uma segunda chance para redefinir os caminhos da nossa combalida cidadania.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Eleições: a justiça pelo voto

Uma charge irreverente: Jesus está pregado na cruz e, à sua frente, um religioso paramentado acusa-o com o dedo em riste: "viu, se não tivesse se metido em política não estaria nesta situação". Desde que começou a se consolidar a Doutrina Social, a Igreja vive este dilema: um grupo busca um maior envolvimento com as causas sociais, enquanto outro opta por mais cautela.
Diversos documentos da Igreja Católica recomendam que os cristãos se posicionem nas eleições. Mesmo que o clima não seja dos melhores pois os diversos escândalos que envolveram políticos em tempos recentes deixou um gosto amargo de que "não tem jeito" e que "nada pode mudar".
Esta é uma forma acomodada de ver as coisas. O documento de Aparecida já dizia que o leigo "é a presença da Igreja no coração do Mundo. E a presença do Mundo no coração da Igreja". Isto vale para a política - de forma mais ampla como o melhor jeito de administrar a "polis" (cidade) - como para a política partidária, que deveria executar o plano daqueles que pensam diferente a respeito do jeito de conduzir os recursos públicos.
O voto parte da formação do pensamento de forma individual: até se pode ouvir, mas quem tem que fazer uma opção é o eleitor. Infelizmente, algumas pessoas, mal informadas (ou até mal intencionadas) estão sugerindo que se anule o voto. Esquecem que já se viu este tipo de ação e foi desastrosa. A omissão premia o que de pior existe nos quadros da política partidária.
Jesus soube atuar politicamente. A política aconteceu - no Seu caso - quando defendeu pobres, preocupou-se com a saúde, criticou religiosos e homens da lei. No entanto, a história dos últimos anos mostra o distanciamento de Seu seguidores da esfera política. Vê-se a ascensão de governos afastados dos valores cristãos e, em muitos casos, contrários ao Seu espírito.
Madre Tereza de Calcutá tornou-se santa em setembro depois de ouvir uma voz que lhe dizia no tumulto das ruas da periferia: "tenho sede". A partir daí, começou a se questionar a respeito da vida religiosa que levava e perguntava às suas irmãs: "Deus não quer o bem de todos?"
Encontrar formas de saciar a sede e de concretizar uma sociedade inclusiva é diferente de tornar a população apenas um degrau para atender a ânsia de poder. Está aí um critério para escolher candidatos nas próximas eleições. O outro está na máxima de Aristóteles: "a politica não deveria ser a arte de dominar, mas sim a arte de fazer justiça".

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Drogas: o amanhecer da esperança

Era serena a voz do pai ao contar a história do filho que se tornou dependente químico. Encarava o fato de que alcançaram uma vitória - o rapaz estava limpo há três anos - e havia também uma constatação: ser companheiro do filho não foi o suficiente para livrá-lo desta experiência que, se hoje é uma ferida fechada, nem mesmo o tempo apaga sua cicatriz.
Num programa de rádio, na manhã de domingo, abriu o coração para falar da instituição na qual colabora e que acompanha jovens em recuperação. O filho começou cedo no uso de drogas, provocado por amigos e em ambientes que julgava estar fora do alcance dos criminosos que a distribuem.
Reconheceu que, por seu trabalho, parava pouco em casa. Mesmo tendo procurado gastar todo o tempo disponível em ser presença na vida do filho, não foi o suficiente. Levaram um longo tempo até chegar ao fundo do poço e encontrar uma instituição que mostrava o quanto o torniquete da máquina assassina era capaz de asfixiar e que não havia guerras ganhas, mas a comemoração de pequenas vitórias.
Veio um chavão difícil de ser ouvido por um pai nesta situação: "quem consome a droga alimenta o tráfico". Mostrou que não é bem assim. Num momento em que se discute segurança pública há um diagnóstico dizendo que grande parte destes problemas acontecem, exatamente, porque o Estado - em todos os seus níveis - é incapaz de exercer seu poder de polícia e impedir que a droga entre no país, produção e comercialização.
Levantou outra questão: a partir de uma certa idade - cerca de 14 anos - quando um adolescente tem um temperamento mais forte, dificilmente os pais conseguem controlar seu desejo de estar na rua, com amigos, exposto aos perigos de certos ambientes. É aí que deveria atuar o poder público em blitz, fiscalização de espaços públicos, dando guarida aos pais quando pretendem resguardar seus jovens. Mas não funciona e o que se vê são "crianças" frequentando locais de adultos.
O filho passou a ser um amigo. As dificuldades estão no constante assédio para que retorne ao vício. É a vitória de um dia a cada vez. O anoitecer da família era sempre de angústia e a possibilidade de voltar à dependência. Hoje, juntos, em casa, se transforma em convívio e num amanhecer de esperança.
As muitas noites de insônia, as muitas lágrimas derramadas desaguaram numa certeza: precisam estar juntos, cuidar uns dos outros. Se o tempo da adolescência passou e o da juventude foi difícil, ainda há carinho e cumplicidade para compartilhar, ser a única "droga" necessária para alimentar uma relação que só pede o direito de reaprender a amar e ser, novamente, feliz.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

O caminho que leva à "Fofolândia"

Não foi notícia que mereceu destaque na capa de jornal. Estava na página em que se listam os obituários e uma nota curta na coluna de entretenimento: "morreu Fofão". O boneco criado por Orival Pessini (que efetivamente faleceu), como apoio ao programa Balão Mágico (Rede Globo) - um alienígena atrapalhado de enormes bochechas, nascido no planeta “Fofolândia”. Ganhou a simpatia das crianças e, em seguida, na Rede Bandeirantes, seu próprio programa.
Tornou-se um dos bonecos mais vendidos no Brasil, sendo que alguns modelos, hoje, são considerados peças de colecionadores, especialmente para aqueles que, passados dos 30 anos, tiveram sua infância na década de 80 e vibraram com o bom humor e a irreverência em brincadeiras e piadas inocentes.
Minha atenção ficou por conta de um fã do Orival (outros personagens: Patropi, típico hippie, e o macaco Sócrates, que, na década de 70, abria o programa "Planeta dos Homens"), que o convidou recentemente para participar de uma convenção, caracterizado de Fofão. O sucesso foi enorme com muita gente fazendo fila para tirar fotografias com o ídolo de sua infância. Outro disse que, já nos seus 50 anos, passou a colecionar bonecos do Fofão, pois na infância não tinha dinheiro para comprá-los.
Não tenho brinquedos da minha infância. Hoje, olho meio encabulado as lojas de brinquedo onde são expostos bonecos antigos. E, se for iniciar uma coleção, o Fofão estaria entre eles, agregando o Topo Gigio (o ratinho simpático que dava boa noite acompanhado pelo Agildo Ribeiro) e o robô "lata velha" (como chamava o doutor Smith), da série original "Perdidos no Espaço". Na turma Disney, incluiria a vovó Donald, o Pateta e os três sobrinhos - Huguinho, Zezinho e Luizinho.
Com esta lembrança, naquela noite, fiquei mais tempo contemplando a lua que estava quase cheia, quando passou uma estrela cadente. Fechei os olhos e no seu rastro seguia um balão mágico, onde crianças se eternizavam com seus risos contagiantes e olhos acesos. Brincavam com seus bonecos do Fofão, provando que seu criador se foi mas o personagem entrou na galeria dos que são eternos enquanto houver uma criança que o abrace e tenha seus sonhos povoados pela magia e encantamento.
Podem haver muitas explicações psicológicas. Possivelmente todas elas tenham sentido. O que não impede que, realizados em diversas áreas, ainda reste o sentimento de que não deveríamos ter perdido a inocência infantil. Na estrada que leva para as estrelas há um planeta para as crianças - e aquelas crianças que já cresceram - que torna impossível esquecer o caminho que leva à "Fofolândia".

domingo, 16 de outubro de 2016

Cristão de atitude

Que relação pode-se estabelecer entre o momento que se vive, na política, e o texto evangélico de São Lucas onde se narra a saga dos Discípulos de Emaús? Lembrei disto quando, semana passada, tinha que preparar uma conversa sobre um dos mais fortes momentos vividos pelos seguidores de Jesus e um desabafo de um colaborador de jornal que mostrava toda a sua decepção com a preparação para as eleições de 2 de outubro.
O articulista tinha mandado uma mensagem depois do último texto que publiquei sobre eleições. Mas mostrava sua decepção com o momento atual, em especial com o discurso e a postura dos candidatos. Repliquei com o carinho especial que merece quem, mesmo decepcionado, dá a cara a bater. Em qualquer caso, não se pode deixar a esperança morrer. Lembrava da frase: não penses no mundo que prepara para teus filhos, mas que filhos prepara para fazer um mundo diferente.
O paralelo com Emaús é que na célebre passagem são dois companheiros que tiveram seu momento de glória na vivência com um grupo privilegiado. Durante três anos passaram por um processo de formação único na história da humanidade. Aí veio a decepção: morreu seu mestre e o grupo se dispersou. Cabisbaixos, precisavam voltar à sua vidinha. No caminho, encontram um forasteiro que lhes abre os olhos, mostrando que tudo tinha que ter acontecido para que não morresse a esperança. Já não mais deslumbrados, amadurecidos pela própria caminhada, tinham uma certeza: o que viram e ouviram era muito grande para guardar apenas para eles!
Na volta, era preciso anunciar e testemunhar. Nada de proselitismo (conversão à força). Lembrando a imagem do padre Attillio Hartmann, em religião (como em politica) é preciso ter cuidado para não arrombar a porta, pois a pessoa pode estar observando à janela.
A distância entre Jerusalém e do que hoje se acredita tenha sido Emaús é de aproximadamente 12 quilômetros. A pé, cerca de três horas. Tempo suficiente para muita conversa, falar, perguntar e ouvir. Entre o caminho e um jantar muito especial, um tempo para tomar uma atitude. A frase motivadora da minha conversa é: “eu vou a Emaús!”. Um chamado para uma atitude religiosa mas também política.
Meu amigo articulista é um homem de atitude. Dá pra ver pela forma como vive família, seu casamento e criação de dois filhos. Mas também porque tem uma preocupação em externar seu pensamento sobre as temáticas atuais - inclusive a política. O desafio é nos darmos conta de que não são os outros que nos fazem felizes ou infelizes, mas nós mesmos, pelos nossos erros e omissões, acertos e engajamento.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Um dia de cada vez

O Francisco Assis tem postado no Facebook imagens do seu tratamento com quimioterapia, uma das formas de combate ao câncer. Em textos sempre com algum detalhe técnico - mas também com a irreverência que lhe é peculiar - deixa os amigos a par, de um jeito em que se fica solidário tendo a certeza de que o Chico é daqueles vasos que duram, duram muito e apesar das batidas e quedas, não quebra.
A evolução na cura dos diversos tipos de câncer é inquestionável. Quem acompanha pacientes desde a segunda metade do século XX sabe que o diagnóstico era a certeza de entrar no corredor da morte. Pesquisas se desenvolverem, medicações foram testadas e tratamentos já conseguem controlar grande número de variáveis. Mas, infelizmente, continua sendo uma doença terrível e um estigma angustiante.
Os meios de comunicação têm dado destaque ao quadro médico e ao tratamento necessário. Inclusive novelas já tiveram personagens vivendo este drama, sendo o mais emocionante quando Carolina Dickman (Laços de Família) precisou se preparar para a quimioterapia e seus cabelos foram sacrificados em longos minutos em que o Brasil suspendeu sua respiração diante da representação da dor.
Mas, para além do glamour da televisão, há a vida do dia a dia de quem enfrenta um câncer. E ela não é fácil. Em casa vivemos a doença do meu pai, vitimado por um câncer no pulmão. Depois foi a vez de minha irmã acusar um caroço na perna. Por fim, precisei extirpar um câncer de próstata. É um longo tempo de espera, tratamentos e incertezas porque, à frente, lida-se com a perspectiva de perder a vida.
Os estigmas são neutralizados quando se consegue entendê-los e lidar com os seus efeitos. Mas ainda há uma distância a ser percorrida para que as pessoas não transformem doentes em párias. Esta é uma luta que não tem sentido sozinha. Embora hoje os números sejam bem melhores - entre as crianças a cura chega a 80% - o doente precisa é de esperança. A própria e aquela que o cerca dizendo que, muitas vezes em meio a tubos e cateteres, ainda vale a pena buscar um olhar de cumplicidade na dor.
Desde que criou a ADOTE (Aliança Brasileira de Doação de Órgãos e Tecidos), o Chico sabia dos obstáculos, mas que há também uma rede de solidariedade conspirando a seu favor. Agora não vai ser diferente. Ele vai sobreviver a mais este desafio que a natureza do seu corpo impôs. Foram muitos momentos em que teve que cuidar da sua própria saúde assim como de seus familiares, com uns ganhando, com outros tendo que deixar partir. Por tudo o que diz, está vivendo um dia de cada vez. Ainda é capaz de ensinar que, quando a tempestade passa, também se pode dançar na chuva!

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O silêncio do papa

Estava num lugar público quando vi as primeiras imagens: apenas um senhor idoso, semblante abatido, caminhando lentamente, consciente do peso da responsabilidade que carrega sobre os ombros, mas também da energia negativa que impera sobre aquele ambiente.
No burburinho entre os presentes, um pedido de silêncio e olhos se voltaram para a televisão onde o papa Francisco percorria os caminhos de Auschwitz, rezou diante do paredão de fuzilamento e sentou alguns minutos para refletir sobre um dos mais tenebrosos crimes cometidos pela Humanidade.
Embora os jornalistas pedissem uma declaração, o papa fez a mais contundente avaliação ao afirmar que, diante da monstruosidade do que representavam aqueles caminhos, paredes e calabouços somente era possível protestar e pedir a atenção pelo silêncio.
Uma outra imagem correu o Mundo: o fotógrafo levou um susto. À sua frente uma menininha em um cenário de guerra. Para ele, algo comum já que faz a cobertura dos conflitos instalados na Síria. Mas a reação da criança surpreendeu. Ao ver a câmera voltada para ela pensou que fosse uma arma e levantou os bracinhos, num gesto aprendido com pais e irmãos para escapar da violência que assola o lugar onde mora.
Ver uma criança portar-se como uma adulto diante de uma cena de violência é o triste reconhecimento de que o olhar infeliz da menina já aprendeu a conviver com o descaso com o ser humano e a sua existência. Levantar as mãos é um pedido para poupar a vida, único bem que lhe resta, num entorno de devastação e desesperança.
O papa afirmou que não vivemos em paz. Durante a Jornada Mundial da Juventude exortou jovens a se desacomodarem e não aceitar a situação de guerra declarada ou não em nível internacional, com reflexos na vida das sociedades locais. Nas paredes dos campos de extermínio estão os nomes de judeus, ciganos e homossexuais vítimas do nazismo, mas igualmente da omissão da comunidade internacional.
A menina Síria, morta, não terá seu nome inscrito numa placa e sequer vai merecer a memória da sociedade. Emocionou ver um ancião não fugir à luta e dizer em todas as instâncias que precisamos reaprender algo simples: cuidar de gente. Os homens, mulheres e crianças que sucumbiram ao nazismo morreram em vão se não aprendermos esta lição.
A memória afetiva de Francisco viu naqueles caminhos uma outra via crucis, impossível de ser estancada enquanto houver a omissão dos bons. Muitas crianças ainda vão levantar seus bracinhos diante de ameaças contra suas vidas. Sua inocência está sendo violentada enquanto o Mundo não parar diante do silêncio do papa.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Depois das Olimpíadas: a vida continua

Passadas as Olimpíadas - embora também tenhamos que prestar atenção nas Paraolimpíadas - é hora de voltar a atenção para as questões internas do Brasil. Em especial, as eleições municipais, já no início de outubro. Mudanças no governo federal, com o afastamento da presidente Dilma. E a preocupante situação econômica que levou o Brasil ao número assustador de 12 milhões de pessoas desempregadas.
Num período em que a política está em baixa, vai se ouvir muita coisa, inclusive o que nada tem a ver com as funções que entram no seu voto. É o caso do vereador. Qual é a sua função? legislar, fiscalizar a Prefeitura, promover debates públicos, medir os interesses da população perante o Executivo. Não é função: distribuir cesta básica; pagar churrasco; festas; oferecer emprego ou vagas; tapar buracos e prometer obras.
As mudanças no governo deveriam servir para um processo de conscientização. Há, no Congresso, uma proposta para que se moralizem as relações em todos os níveis. Seu debate nos últimos dias mostrou que os políticos tentam fazer modificações para que, ao fim, mude a forma, mas não a essência dos problemas éticos e morais.
A saída da presidente Dilma trouxe o presidente Temer, que vociferou mais do que fez. Patina em relações que, se não são promíscuas, estão na fronteira de relacionamentos escusos e oportunistas. Quando se achava que o presidente teria coragem para fazer mudanças, a possibilidade de uma nova eleição o deixou refém dos mesmos grupos que dominam o governo federal e o Congresso. Houve uma leve melhoria, mas manteve os agentes econômicos em estado de alerta, sem a volta da geração de empregos.
Mesmo que a agenda seja pesada, não perca as Paraolimpíada. Ainda há muita emoção pela frente. Nas Olimpíadas, vimos situações em que a superação e a garra falaram mais alto por desempenho de atletas e suas equipes. Com todos os nossos problemas, sentimos orgulho de congregar os povos num evento esportivo.
Mas as Paraolimpíadas são especial: desde que os soldados saídos da 2ª Guerra Mundial resolveram se encontrar para mostrar seus avanços em recuperação de traumas físicos e psicológicos este evento traz uma mensagem singela e carregada de empatia. Um tempo para demonstrar a capacidade de superação, afinal, é dos embates que nascem as vitórias.
E quando olharmos para os esforços destes atletas pode-se pensar que superação é pouco para tudo o que fizeram e passaram para conquistar o direito de estar no Rio de Janeiro diante dos olhos do Mundo. Que reluzam e nos ensinem a valorizar cada um por aquilo que são. Foi feliz um anônimo quando postou na Internet: "até os planetas se chocam... E do caos, nascem as estrelas".

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Reinventar a política partidária

O fato: o futuro político da presidente Dilma será decidido esta semana pelo Senado Federal. A dúvida: e daí? a partir deste evento que se transformou num grande espetáculo midiático, o que muda no cenário político nacional? No que é que evoluímos nesta que é uma das cenas mais constrangedoras que levou senadores a reconhecerem que a casa não tem moral para se posicionar e que as diversas articulações e pronunciamento transformaram o senado em um "hospício"?
Há muitos ângulos para se discutir, desde o que representa para as eleições de 2 de outubro, até o estrago que faz na já combalida imagem internacional, prejudicial em negócios, tratativas de intercâmbio e respeitabilidade.
O que chama a atenção é bem simples: quando custa este "circo", envolvendo gastos do três poderes, com suas estruturas, o que ganham os atores que deixam de atender o cotidiano para se dedicarem a ações que propiciam diárias, transporte, contas pagas em hotéis e restaurantes, gastos com sua engrenagem?
Engraçado é que todos os que dizem que "este é o custo da democracia" de alguma forma vivem dela! Os participantes das esferas pública defendem com unhas e dentes a sua necessidade e seus gastos. Infelizmente, comprovam que os meandros, cada vez mais, funcionam menos, porque se transformaram numa máquina que se auto consome.
Tudo o que vimos nos últimos dias tem um custo. E alto. Pagamos salários do Executivo, de senadores, Poder Judiciário e uma sequência de funcionários bem remunerados à disposição de um processo que não vai mudar em nada a vida do cidadão brasileiro comum.
De todas as campanhas que tenho visto nos últimos tempos, uma merece atenção: diminuir a máquina pública, iniciando pelo Congresso Nacional (menos um terço de senadores e deputados), incluindo a diminuição de seus salários e o custeio das estruturas que lhes dão apoio.
Quando nos preparamos para eleger prefeitos e vereadores é tempo de - como eleitores, portanto responsáveis pelos que aí estão - fazer um exame de consciência. Incluindo escolher homens e mulheres amadurecidos que dêem respostas adequadas a este momento de instabilidade do Brasil, refazendo os passos da política partidária.
Ulysses Guimarães tinha razão: “o poder não corrompe o homem; é o homem que corrompe o poder. O homem é o grande poluidor, da natureza, do próprio homem, do poder. Se o poder fosse corruptor, seria maldito e proscrito, o que acarretaria a anarquia.”

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Idoso: o prazer de dar sentido à vida

Pai idoso e filho sentados num banco. O filho lê jornal, o pai contempla o entorno. A pergunta: "filho, que pássaro é aquele?" Irritado, o rapaz joga o jornal para o lado e diz: "o senhor já me perguntou uma dezena de vezes, já lhe disse que pássaro é aquele!" Olhar magoado, levanta em silêncio e entra na casa deixando o filho com jeito de quem exagerou. Volta com um caderno envelhecido - um diário. Folheia e cita: "quando tinhas 9 anos me perguntastes mais de dez vezes que pássaro estava pousando na árvore. Eu te respondi todas as vezes!"
Todas as segundas-feiras vou a um supermercado onde, seguidamente, encontro uma amiga. Numa ocasião, contei que tinha visto sua mãe, numa calçada, com dificuldades. Falou da preocupação com a senhora considerada "teimosa", insistindo em andar pela rua e fazer serviços de jardinagem, para os quais os filhos julgam que não tem mais condições. Pedi apenas que deixassem a mãe viver. Um idoso precisa ter seus espaços e o cerceamento se transforma em problema tanto para ele, quanto para a família.
No nosso horário de chimarrão - 10 horas - recebi outra amiga que falava do trabalho que passam depois que optaram em morar num sítio e cumprem jornada cansativa para um casal já com problemas físicos. O marido não pensa em deixar de cuidar do que planta e de seus animais, assim como a mulher não quer abandonar as flores que cultiva. Não precisam de retorno financeiro, então, o que fazem, é dar prazer e um sentido aos anos em que ainda podem andar com as próprias pernas.
A primeira história é da Internet e mostra o quanto, no convívio com um idoso, pode-se usufruir de uma grande escola de paciência, ou cavar o próprio Inferno. É possível fugir de um idoso, mas é impossível escapar da velhice. No segundo, que as famílias não estão preparadas para cuidar de um idoso à distância. Por muitos fatores, perde-se a noção da individualidade e se quer tutelar alguém em pleno gozo de suas faculdades e atividades físicas, podendo sim fazer o que bem entender, ter prazer em dar sentido à própria vida.
O casal é o típico dilema de quem está envelhecendo e precisa se conscientizar do quanto é bom ser útil, em primeiro lugar, para si mesmo. Não há nenhum sentido em abrir mão daquilo que se gosta porque "vozes" alertam filhos para "supostos" perigos.
Velho não é vasilhame descartável. O ritmo mais lento, o olhar mais demorado, o sorriso mais cansado é um desafio à consciência de que ao acompanhar quem envelhece também se envelhece junto, morre um pouco enquanto aquela vida se esvai. O importante é fazer valer a pena cada dia, os toques de mão compartilhados, as marcas de saudade que ficam no peito ao se fazer uma despedida.

domingo, 9 de outubro de 2016

Competência em multar, mas não em investir

Quem sobe a Serra Gaúcha em direção a Caxias do Sul, saindo de São Leopoldo, tem uma bela vista de pequenos aglomerados urbanos e áreas preservadas nas encostas dos montes. Com alívio deixamos para trás as grandes cidades e desfrutamos, durante algum tempo, o privilégio de mirar ao longe, por entre espaços onde o Sol brinca com a variedade de verdes, ou a névoa dá a ideia de que pairamos acima das nuvens.
Numa estrada de conservação precária, o bom mesmo é, além de algumas vezes fazer a contemplação com o canto do olho, seguir firme procurando manter-se sobre o asfalto, em espaços mal remendados, carentes de sinalização, em especial a que delimita a lateral e o centro das pistas.
Nos últimas meses, algumas vezes tenho feito este percurso. Embora todas as crises que o governo do Estado enfrenta, sempre fico pensando que, municiado de impostos e pedágios, bem que poderia ser mais competente e, ao menos, dar como retorno, se não uma estrada duplicada, a sinalização adequada para a que existe.
No dia 15 de julho, subi a Serra. Em São Sebastião do Caí deparei-me com uma série de controladores de velocidade que não controlam absolutamente nada, já que a maior parte dos motoristas sabe onde estão e diminui a velocidade apenas ao passar pelos locais dos aparelhos. Não foi o meu caso. Com uma eficiência inesperada, no dia 21 de julho, recebi a notificação de que havia sido flagrado por excesso de velocidade.
Pode-se discutir a forma como os controladores são distribuídos e também a eficácia para controlar imprudentes. Mas não se pode deixar de reconhecer que se há competência para ser tão ágil em apontar uma falha, porque também não há em prestar um serviço, numa tripla tributação, já que impostos são recolhidos, as cancelas dos pedágios funcionam implacavelmente e há o reforço das multas.
Há muito tempo se fala na indústria da multa, que funciona em prejuízo do bolso do cidadão e não com fins educacionais. Por ali circulam carros de passeio, ônibus, mas também veículos de grande e médio porte para o transporte de produtos. Estes já tem um mapa dos controladores e freiam abruptamente para não serem alcançados pelo leitor de velocidade.
Gosto do silêncio das estradas. Dirigir com tranquilidade é um bom momento de reflexão, arejar a cabeça e recarregar baterias. Dirijo pelo prazer da viagem ou por compromissos familiares. Ao darmos nossa "contribuição" forçada para a máquina pública esperamos que nos devolva em serviços e que não seja autofágica. Porém, o Estado arrecada mas não faz. Exigir ação do governo não é privilegiar quem usa as vias por prazer, mas buscar segurança e conforto para as legiões de trabalhadores que cortam o país sentindo na carne o descaso por nossas estradas.

sábado, 8 de outubro de 2016

Dá o prefixo e sai do ar...

Estudando, trabalhando, namorando ou apenas passando o tempo, o rádio foi e é presença em muitas noites em que se precisa de companhia. Mas, em épocas passadas, tinha um porém: pela uma da madrugada, solenemente, um locutor anunciava que a emissora estava dando o prefixo (sua identificação) e saindo do ar para voltar... Daí nasceu a expressão "dá o prefixo e sai do ar", usada quando se quer afastar algum chato.
Dei esta dica para um aluno que me olhou perplexo, perguntando: "como assim?" Só então flagrei que a expressão já não fazia mais sentido, são novos tempos, em que as emissoras não interrompem mais a sua programação. E que não adianta querer se livrar dos chatos, que eles não saem do ar!
O rádio é um dos grandes amores da minha vida. Sinto falta de atuar nele (um dia ainda volto), mesmo que em praticamente todas as atividades em que participo a discussão a respeito venha à tona. Especialmente agora que a faixa do rádio AM está desaparecendo (terão que migrar para FM). Aqueles que passaram dos 50 anos ainda ouvem AM, com sua proposta mais informativa - em notícia de geral ou esportiva. A faixa dos 30 aos 50 anos ouve bastante FM, na busca por entretenimento.
A grande pergunta: e os mais jovens, ouvem o quê? A impressão é que já não ouvem mais o rádio convencional - se ouvem, o fazem raramente. A maioria monta suas "rádios" pela internet, com seleção musical própria e, de vez enquanto, escapa para o AM ou FM.
Diante deste quadro, senti uma aragem agradável com dois recentes eventos do rádio em Pelotas: o radialista Wolney Castro lançou seu livro Histórias do rádio, recuperando memórias, sua trajetória especialmente nas emissoras AM da cidade - do pitoresco aos bastidores de veículos que merecem ser melhor conhecidos.
O surgimento do programa do Sério Correa, nas manhãs da Rádio Tupanci: com notícia atualizada e comentada, a participação do ouvinte, fazendo valer a memória coletiva e afetiva daqueles que reconstroem o imaginário da cidade a partir de seus "causos", lembranças que, ao serem despertadas, cerram fileiras em torno da própria história.
Não sei qual é o futuro do rádio. Como todos os meios de comunicação vai acabar se reinventando. Migrar do AM para o FM é uma determinação técnica. Encontrar seu espaço nas novas mídias - como a Internet - é a forma de atender àqueles que deixam o radinho de pilha pelo sinal digital nos smartphones. Talvez não seja o caso de "dar o prefixo e sair do ar", mas, com certeza, é possível continuar sendo o companheiro que acalenta sonhos e, pelo desfile de vozes, sons e cadência musical recria mundos pelo imaginário de cada um, como somente o rádio sabe fazer.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Uma súplica pela vida

O fotógrafo levou um susto: à sua frente uma menininha em um cenário de guerra. Para ele, algo comum, já que faz a cobertura dos conflitos instalados na Síria. Mas a reação da criança surpreendeu. Ao ver a câmera voltada para ela, pensou que fosse uma arma e levantou os bracinhos, num gesto que deve ter aprendido com seus pais e irmãos como um jeito de escapar da violência que assola o lugar onde mora.
Ver uma criança portar-se como uma adulto diante de uma cena de violência é o triste reconhecimento de que o olhar triste da menina já aprendeu a conviver com o descaso com o ser humano e a sua existência. Levantar as mãos é um pedido de que lhe poupe a vida, possivelmente o único bem que ainda lhe restou, quando se vê um entorno de devastação e desesperança.
Muitas organizações lutam por recuperar as crianças em cenários de guerra. Mas estamos perdendo batalhas seguidas. Não apenas com aquelas que ficam nos locais de conflagração, mas também as que são obrigadas a se instalar em locais de refúgio, assim como as que migram com suas famílias, enfrentando o esfacelamento dos vínculos familiares, afetivos e, mesmo, das referências de origem.
Isto sem falar das muitas e múltiplas violências que sofrem as crianças em periferias das grandes e médias cidades. Pintar um quadro assim pode ser chamado de catastrófico. Mas não há outra forma de mostrar à sociedade o quanto estamos sendo incompetentes em preservar aqueles que dependem de nós para verem um Mundo diferente.
Um pensador dizia que não devemos pensar num Mundo melhor para nossos filhos, mas sim em preparar filhos melhores para construírem um Mundo melhor. Creio que uma coisa não impede a outra. Fazer a nossa parte não significa que deixemos um legado de coisas prontas somente para serem usufruídas por futuras gerações. Mas que não nos omitimos, também educamos para que sejam conscientes do quanto é necessário ter consciência da fragilidade do ser humano e do planeta em que vivemos.
Uma criança que levanta os bracinhos numa súplica pela vida ainda tem esperanças. Quer continuar vivendo e, para isto, precisa da solidariedade de todos nós.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Entre a aurora e o ocaso

No final de semana passei por duas experiências interessantes: fui a Caxias do Sul e tive minhas primeiras "12 horas de babá", assim como estive no hospital Pompeia, onde boas lembranças fluíram. Em ambos os casos, a impressão era semelhante: entre a primeira infância e o tempo de aprender a se resguardar fisicamente o fio condutor é o mesmo: carinho, o direito de apenas ter uma mão que receba outra. Ou um olhar que acaricie em silêncio.
Meus sobrinhos Elisandro e Daniele trabalham na área da saúde, com horários desencontrados. Sempre que possível, alguém da família faz presença, especialmente para os momentos em que os dois trabalham. Com 9 meses, o pequeno Miguel já sabe até a hora em que os pais chegam e fica procurando a porta com a cabeça. Preparei-me para o pior quando tivemos que ficar sozinhos pela primeira vez durante duas horas. Engano meu: passamos um dia em que aprendi a esquentar mamadeira (mas não cheguei às fraldas - meu sobrinho chegou antes). Depois foi curtir o clima da serra em família.
No domingo, tive a chance de encontrar uma pessoa especial: padre Olavo Gasperin. Ele visitava familiares em Bento Gonçalves, quando teve uma queda séria. Conduzido ao hospital, precisou ficar em Unidade de Tratamento Intensivo. É um choque ver alguém que sempre foi dinâmico, orgulhoso do seu Grêmio, com um comentário brincalhão e sagaz na ponta da língua estar ali, com movimentos restritos, ligado a aparelhos, sem o seu toque pessoal de cuidados com o corpo e a aparência.
Entre ter o Miguel nos braços e poder segurar a mão do padre Olavo havia duas coisas em comum: a intensidade do olhar e a troca de carinho possível e necessário seja ao vislumbrar a aurora que se anuncia, ou quando nos preparamos para o ocaso, um tempo especial de amadurecimento na chegada da noite.
A fragilidade da infância e de uma idade mais avançada é um tempo privilegiado para eles saberem com quem podem contar entre os familiares e amigos. Para nós é o jeito que a natureza tem de dizer que é sempre tempo de aprendizado, até quando nos sentimos próximos da nossa finitude.
Tenho certeza que ambos ainda vão me ensinar muito. O Miguel vai crescer e ter um tio avô babão e amigo. Com o padre Olavo espero falar de futebol, bons textos e da boa música italiana. Dos dois vou guardar a lembrança de que num final de semana gelado ambos me disseram muito quando apenas procuraram minha mão, reforçado por um olhar, em silêncio, por onde passou uma torrente de palavras.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

A criança invisível

Estatísticas sobre violência chegam às nossas casas pelos meios de comunicação todos os dias. A enxurrada de dados é tão grande que já não conseguimos processar e vamos nos tornando insensíveis àquilo que é um escândalo. A Rede Globo de Televisão fez o seu "Criança Esperança" e mesmo que se discuta todo o seu processo, não há como refutar os números apresentados. E um deles é estarrecedor: a cada 24 horas, no Brasil, uma "criança" na faixa dos 12 aos 19 anos morre vítima da violência!
Há muito tempo quem trabalha com educação sabe das discussões a este respeito. O que podemos fazer para reverter este quadro? Embora algumas respostas pontuais feitas por alguns educadores ou grupos sociais, o espectro geral é de um processo educacional que faliu, infelizmente causando prejuízo para um bom percentual de crianças e jovens e às futuras gerações. Esta geração já é fruto de descalabros cometidos anteriormente e já temos filhos de pais que foram negligenciados pelo sistema, tornando-se crianças invisíveis, somente aparecendo em estatísticas para solicitar verbas.
A Unicef distribuiu um vídeo em que uma criança está sozinha, na rua, bem vestida, bem penteada. Em seguida aparece mais do que uma pessoa interessada em saber onde está sua mãe ou seus pais, até buscando apoio. A mesma criança, em roupas simples, desgrenhada, não merece qualquer consideração por parte dos passantes. Atenção semelhante é dada quando a criança bem produzida chega a um restaurante e é rechaçada quando veste a pobreza. A própria criança se emocionou com o anonimato que teve quando mais precisava de ajuda.
Não é somente no Brasil que os números assustam: a organização Médicos Sem Fronteiras levantou dados das regiões em que atua e constatou que 13 milhões de crianças estão fora das escolas graças aos conflitos armados no Oriente Médio e Norte da África. Seus voluntários já propiciaram mais do que uma cena em que se percebe que nem tudo está perdido: toda a sua atividade, toda a relação com as populações carentes de atendimento médico passam por relações humanas.
Só poderia ser desta organização que orgulha tanto a gente como possibilidade de reverter o jeito como tratamos nossas crianças: "só quem pode salvar a vida de um ser humano é outro ser humano." Têm razão. Desistir é reconhecer que perdemos a única guerra que não poderíamos perder. E nos brutalizamos. Lutar pela educação de nossas crianças e jovens é humanizar relações, fazer valer o que mais nos aproxima do Divino!