domingo, 30 de outubro de 2022

Tem cheiro de livros no ar...

Gosto de livros. Para mim, não importa se são impressos em papel ou apresentados de forma digital. Superei esta dicotomia quando, nestes tempos de aposentadoria e com a pandemia, me tornei ainda mais caseiro do que o habitual, e encontrei vantagens nos dois. O digital é prático para ser usado no tablet e faz companhia em deslocamentos, como viagens. O físico está ali, ao meu lado, no estande do escritório, pacientemente, fazendo companhia e me provocando para aventuras, conhecimentos, consultas.

Nos últimos meses, depois que uma equipe liderada pela arquiteta Miriam fez uma reforma no meu escritório, tenho saído à cata de obras das quais me desapeguei em três ocasiões: quando saí do Seminário, quando fui morar em Porto Alegre e, por fim, na minha aposentadoria. Nunca cheguei a contar quantos, mas o certo é que, até o início deste ano, não creio que o seu conjunto chegasse a 50 obras. Foi então que recuperei o costume de percorrer sebos em Pelotas e Porto Alegre. Mas ainda não é tudo.

Já citei que tenho alguns livros que viraram fetiche para mim. No bom sentido, é claro: o Pequeno Príncipe, do Saint Exupery; Fernão Capelo Gaivota, do Richard Bach; e o Profeta, do Gibran Kalil Gibran. Já estão nas minhas prateleiras, assim como completei o conjunto dos livros do Augusto Cury que tratam de “Maria, a maior educador da História”, “Análise da inteligência de Cristo”, e “Os segredos do Pai Nosso”. Também consegui um exemplar do livreto “Poemas para rezar”, do padre Michel Quoist.

Estou me empenhando em conseguir os três primeiros em outros idiomas, como francês, o italiano, o espanhol e o inglês. Amigos que se preparam para viagens internacionais sinalizam com esta possibilidade, já que a importação se torna mais difícil e mais cara. Diferente de quando estiverem lá e adquirirem para o próprio consumo. Mas um capítulo à parte tem sido tentar encontrar alguns especiais, como as brochuras dos livros da revista Seleções, com quatro histórias, assim como almanaques e manuais da Disney.

Esta virada de mês tem cheiro de Primavera e de livros no ar... Por um motivo simples: a realização das Feiras do Livro de Pelotas e Porto Alegre, que iniciaram na última sexta-feira, dia 28. A festa da literatura que, aqui em Pelotas, acontece bem ao lado da Biblioteca Pública, com a sua tradição de acolher e zelar pela literatura. Bem no centro histórico, com um passeio que inclui, é claro, sentar à sombra das árvores frondosas e, ainda, percorrer os corredores do Mercado Público, sorvendo um pouco da história.

Na praça Coronel Pedro Osório ou na praça da Alfândega, as pessoas, respeitosamente, andam em meio a expositores, atraídas por lançamentos, obras que sonharam ao longo do ano, cestos de liquidação ou, apenas, curiosidade. Mas é o livro, infelizmente, objeto que se torna raro, por não ter por objetivo, apenas, apresentar técnicas para lidar com máquinas e similares. Do papiro, passando pelo papel, e até ao digital, aguça o olhar para o diferente, o imponderado, o que aperfeiçoa a mente e a alma do ser humano.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

O espelho das estrelas

 Dedilho lembranças no teclado da saudade.

Recordações de quando estavas junto a mim.

São memórias fugazes que te fazem presença.

No instante em que sinto que me acompanhas

E repetes o nosso solo e o teu constante sorriso.

 

Aquele pedacinho da música

Que nos jogava à forma mais pura do prazer,

onde atentei para cada marca musical,

Atrás dos traços que marcaram teu rosto

Enquanto percorrias a juventude,

A maturidade e do tempo da partida...

 


A pauta que executo se torna dolorosa,

Mas, necessária, do jeito que ensinaste:

"Fazer de novo, outra vez, e ainda recomeçar..."

No etéreo dos sentidos,

Meus dedos se encontram com os teus

Na afinação que é o acorde que brincou

Com a minha sensibilidade

E fez encontrar sentido na tua ausência.

 

Não, não te importa se eu fechar os olhos

E as lágrimas aspergirem os dós, os rés, os mis, os fás...

A música já está no ar fazendo aquilo que

Garimpastes no último recôndito do meu coração:

Almas que se atraem e encontram um jeito

De permanecerem para sempre interligadas.

 

O dedilhar dos dias passando estampa a pauta

Em cada mudança dos nossos corpos.

E eu acaricio cada linha, cada traço,

Numa partitura em que meus sonhos

Fazem valer a pena cada vez que

Me surpreendeste chegando de mansinho

Para fazer o duo em que a harmonia

Surtia o efeito do encantamento.

 

Se ouvires que desafinei, não te importa.

Ali onde o céu encontra a terra é o lugar

Em que o Divino e a natureza conspiram

Para que as estrelas, brincando com o espelho do mar,

Energizem a canção que não é para ser ouvida...

 

O último acorde tem sempre o eco

Em que se vislumbram as lembranças.

Quando dormita a lágrima

Que se nega a fazer o seu percurso,

Assim como o rio que já não quer correr para o mar.

E ficam suspensos entre o tempo e a Saudade...

terça-feira, 25 de outubro de 2022

O retrocesso em negar a vacina


Se você já passou dos 30 anos, lembra das campanhas de conscientização que ocorriam para a vacinação das crianças, especialmente. Os meios de comunicação recebiam fortes investimentos para que ninguém pudesse dizer que não havia escutado falar a respeito de ações que cobriam o território nacional e faziam com que o alcance fosse suficiente para que, gradativamente, doenças fossem controladas. Os mais velhos ainda têm na memória o convívio com pessoas que sofreram com sequelas destes males.

É o caso da vacinação contra a Poliomielite, também chamada de pólio ou de paralisia infantil. Já nos últimos dias de campanha, o Rio Grande do Sul havia conseguido atingir 72% do público-alvo, acima da média nacional que estava em 65,74%, mas abaixo do objetivo necessário para dar um alívio nos recentes aparecimentos de casos, que seria de 95%. Oficialmente, a campanha encerrou sábado, 22 de outubro, mas a rede pública ainda atende para atualizar a caderneta de crianças e adolescentes menores de 15 anos.

Vale lembrar que a paralisia infantil é doença contagiosa aguda causada pelo poliovírus, que infecta crianças e adultos pelo contato direto com fezes ou secreções eliminadas pela boca das pessoas doentes. O pior são as consequências, quando podem, até, provocar a paralisia. Nos casos graves, em que acontecem as paralisias musculares, os membros inferiores são os mais atingidos. São estas lembranças de casos com vizinhos e conhecidos, ou mesmo parentes, que se pensava estarem sepultados no passado...

Dando uma breve descrição, com certeza, memórias de outros tempos podem ser recuperadas. As sequelas da doença estão relacionadas com a infecção da medula e do cérebro pelo poliovírus. Normalmente, são sequelas motoras e que não têm cura. As principais são: problemas nas articulações; pé torto; crescimento diferente das pernas; osteoporose; paralisia de uma das pernas; paralisia dos músculos da fala e da deglutição; dificuldade para falar; atrofia muscular e hipersensibilidade ao toque.

A universalização da vacina é um dos grandes avanços da civilização. O negacionismo e o partidarismo estão colocando a sociedade num processo involutivo. Exemplo mais claro é a vacinação contra o coronavírus, que andou a passos de tartaruga até que a própria população se deu conta de que estava embarcando numa canoa furada ao atender aos desmandos de figuras públicas. Esta mesma vacina que agora chega às crianças e que precisa da atenção e responsabilidade dos pais para evitar problemas.

Infelizmente, nos últimos anos, não somente governantes não deram a devida atenção, como se espalham informações distorcidas sobre supostos perigos da vacina; mau exemplo de políticos que negam sua eficácia e prioridades eleitoreiras que drenaram recursos da saúde. Como resultado, o que se acreditava morto e sepultado ressurge como zumbis dispostos a fazer terrorismo. A “bala de prata” está nas mãos do cidadão. E nem falo do voto, mas o caminho dos postos de saúde para não se arrepender depois...

domingo, 23 de outubro de 2022

A educação e a roda dos expostos

Ainda era muito criança, no interior de Canguçu, quando ouvi falar pela primeira vez da roda dos expostos. Não sei porque, mas sempre tinha a impressão de que também era chamada de roda da esperança. Mas, vamos lá. Uma tia mais velha retornou de Pelotas, que era uma viagem longa, quem sabe como voltar do Rio de Janeiro, hoje, e, entre todas as suas aventuras, havia visitado um parente internado na Santa Casa. Curiosa, quis saber o que era o mecanismo giratório e oco encravado na parede lateral do prédio.

Recebeu com surpresa - para ela e para nós - que ali eram deixadas as crianças ditas enjeitadas. Não deu outra, como as histórias sempre se adaptam ao universo de cada ouvinte e quem “conta um conto aumenta um ponto”, passamos a sofrer ameaças do tipo: “se não te comportares, quando a tia fulana for a Pelotas ela vai te colocar na roda” ... Ou, quando alguém começava a incomodar: que não era seu filho e que somente pegara para criar quando ninguém mais queria uma criança desobediente...


Muitas histórias foram construídas com esta referência, presente na sociedade até o início do século passado. Era um grande número de registros daqueles e daquelas que as famílias não tinham condições de criar por situações financeiras; “um mau passo”, quando nascera antes do casamento ou de um caso extraconjugal; também filho de escravos recém libertos. A Santa Casa de Porto Alegre, que foi pauta de uma matéria para o jornal Zero Hora a respeito, contabilizou mais de 3 mil crianças nesta situação.

O registro em bilhetes que acompanhavam o pequeno fardo, muitas vezes colocados em cestos ou apenas enrolados em panos, dá a dimensão do drama vivido pelas mães que colocavam a criança na roda e tocavam um sino que era ouvido na portaria da instituição hospitalar. Recolhidos sem maiores explicações, recebiam o atendimento de irmãs religiosas que tinham ao seu encargo providenciar abrigo e alimentação. O anonimato era mantido e começava o esforço para pensar no futuro daquela criança.

Durante muito tempo, a própria Santa Casa recebia apoio dos governos para conseguir famílias que os criassem até uma certa idade. Começava, então, uma saga em busca de lares que os quisessem adotar. Não sendo viável, os meninos eram encaminhados para o Arsenal da Guerra, a fim de aprender um ofício, enquanto as meninas iam para o orfanato, onde permaneciam até os 18 anos. Com esta idade, eram encaminhadas como serviçais em casas de famílias ou para casar, recebendo um dote do próprio hospital.

Em 1940, o costume trazido por portugueses foi extinto. A roda dos expostos poderia ter sido chamada de “roda dos enjeitados”, mas, também, de “roda da esperança”. Pensei no Instituto de Menores e outras entidades que acolhem crianças em situação de risco. Atendidos por católicos, evangélicos, espíritas, sem credo, instituições que procuram ser um diferencial na vida da criança. Ainda se precisa aprender que uma sociedade que não respeita suas crianças sufoca a semente do seu próprio futuro.

sábado, 22 de outubro de 2022

O tempo que açoita as reminiscências...

No silêncio em que afloram as tuas memórias,

O ringir que chega com a aragem

É o das dobradiças da porta do teu coração.

A madeira empenada reclama com as dificuldades

De entreabrir um espaço que permita que tuas lembranças

Alcancem a rua, o sol, o passante.

 

Desconfiado, frestearás a vida que escorreu

Pelas calçadas, pelos meios-fios, pelas sombras

Que projetam nos muros a tua solidão.

Para tricotar os fios da saudade que apertam o teu peito,

Precisarás fazer brotar um pouco da tua história

Já sem a certeza se escorre por memórias ou pelos teus sonhos.

 

A luz é diferente e incomoda a tua retina.

É tempo de adaptar-se a um novo olhar.

Como quem filtra as cores pela primeira vez,

Vais te encantar não apenas com uma ou outra cor

Mas com o arco-íris tecido e ao alcance das tuas mãos.

Os gostos e sabores entrelaçados na beleza e no encanto

De rostos, formas, flores, perspectivas...

 


E até quando elas se fizerem ausentes,

Sentiras a falta do que apenas pressentias

E precisastes tocar, apalpar, redescobrir

Num festival de sensações em que

A presença e a ausência se complementam

Pela necessidade de reabrir portas.

 

Percorre a rua como um pedinte:

Esmola um toque de mão, a carícia de um afago;

No roçar dos sentidos, encanta-te com as marcas

Que outros deixaram em teu coração.

E, depois, olha com atenção

Quando passares por outras portas.

As que estão completamente aberta e não escondem nada.

As fechadas que se recolhem ao mistério.

As entreabertas que aguçam o olhar...

 

São as muitas portas que ressignificam nossas vidas.

No seu jeito de acolher, expõem

Um pouco dos nossos encantamentos.

E à noite, quando usares a tramela das tuas inseguranças,

Que na intimidade te descubras sossegado

Pelo eco dos passos das tuas nostalgias

Que seguem ecoando nos paralelepípedos

Onde o tempo açoita os vestígios das tuas reminiscências...

terça-feira, 18 de outubro de 2022

As eleições, a Educação e o futuro...

A campanha eleitoral em segundo turno para a presidência da República e o governo do Estado tem sido pródiga em ataques pessoais e pobre em detalhar propostas. Repetem-se promessas que já foram feitas em eleições anteriores, com um mesmo problema: sem dizer o como serão concretizadas e em quanto tempo. A polarização acirrou os ânimos e já não importa pensar no que pode ser concretizado, mas em não perder espaços de influência que representam controle sobre a máquina pública e recursos financeiros.

Pode-se até falar em disputa ideológica, mas a impressão que fica é de que os ideólogos estão sendo usados para justificar uma luta por poder entre direita e esquerda. Com um motivo para espanto: o erro acintoso das pesquisas eleitorais é tão surpreendente quanto o avanço significativo da direita que trabalhou o antipetismo e o voto envergonhado e emergiu das urnas praticamente com os parlamentos gaúcho e nacional sob controle. É fato. E criticar o que aconteceu não desfaz o que vai se dar a partir de 1º de janeiro...

Num Estado que já se ufanou por ser um dos mais esclarecidos politicamente, como resultado de um


histórico de investimento em educação particular e pública, o que se percebe é um claro retrocesso. Enquanto o ensino particular ainda consegue manter o nariz fora da água, o público, infelizmente, está sucumbindo. A crise salarial recente, com o ajuste de cortes nos gastos, abalou o número de matrículas em colégios particulares e lançou crianças na rede pública com muitas dificuldades de se adaptar.

Aí reside um dos temas que precisam ser detalhados pelos candidatos. O chamado orçamento secreto e investimentos com cunho eleitoral aumentaram ainda mais a dificuldade para que secretarias e ministérios destinassem recursos para o básico: manutenção de espaços físicos, alimentação de criança, preparação e salários de professores... Como resultado, o fosso entre alunos que precisam do Estado para aprender e aqueles que podem pagar pelos seus estudos aumentou exponencialmente.

Se percebe claramente que alunos de escolas públicas demoram mais para se apropriar de conhecimentos elementares, enquanto o outro é estimulado ao aprendizado não somente do básico, como também do que é complementar, e pode fazer a diferença. As oportunidades são desiguais nas áreas físicas, atividades complementares, aprendizado de línguas, conhecimento e aplicação de informática, para citar alguns dos aspectos. Basta olhar para as denúncias que os meios de comunicação publicam todos os dias.

Direcionar recursos para escolas públicas capacita crianças em ambientes que muitas vezes não têm em casa; receber alimentação que compensa um problema social; passar o dia em atividades de ensino, cultura e esportes, num aprendizado de cidadania. Retirar recursos desta área é crime hediondo. Triste é ver que homens e mulheres que negociam a política partidária não estão interessados. Em tempos de tanta animosidade, ignorar a Educação aborta a esperança no nascedouro e rifa a possibilidade de um futuro.

domingo, 16 de outubro de 2022

O sorriso de quem faz o bem

A véspera do Dia das Crianças dificilmente será esquecida pelos 88 pacientes internados no setor pediátrico do Hospital de Clínicas, em Porto Alegre. Quando sua atenção foi chamada e olharam pelas janelas, lá estavam seus super-heróis preferidos, devidamente caracterizados, fazendo alpinismo na fachada do prédio. Imaginem a felicidade das crianças em idade, mas também as “crianças mais velhas” - pais e profissionais da saúde, especialmente - quando a interação se deu e a algazarra se formou...

No dia seguinte, um grupo de rapel iria proporcionar algo semelhante no Hospital da Criança Santo Antônio (também na capital), mas o mau tempo inviabilizou a atividade dos voluntários, que percorreram lugares onde as crianças se encontravam, conversando e entregando presentes. O noticiário deu conta de ação semelhante concretizada num hospital de Caxias do Sul. Quem acompanha noticiários sabe que estas proezas já foram realizadas em outras ocasiões, mas sempre tem um toque de carinho e merece o registro.

Um depoimento importante foi dado pelo chefe da unidade de internação pediátrica do Clínicas, Guilherme Guaragna, ao jornal Zero Hora. Conta existirem crianças internadas há meses ou mais de um ano e que as ações “dão um gás”, trazem alegria aos pacientes. O mais importante: “tudo o que a gente consegue ter de recreacional especialmente nesses momentos é um bálsamo para uma criança que às vezes está longe da família. Não é porque a criança está fazendo tratamento que vai deixar de ser criança!”

É uma corrente positiva que passa por diversos voluntariados que recarregam suas energias: grupos musicais, de teatro, religiosos, os “amigos” que não conheciam, mas que os adotam sabendo que deixam suas marcas nas pequenas vitórias que lhes alcança o sentido da própria vida. Não são apenas as crianças que se beneficiam. Muitos pais e até profissionais da saúde dizem que estes “anjos” são, muitas vezes, colocados em seus caminhos em momentos em que já pensavam em desistir, sucumbir ao desespero...


Alguns hospitais, especialmente quando atendem pessoas mais carentes, reconhecem a atuação de quem se faz presente nas casas de saúde, mas também daqueles grupos organizados que providenciam alimentação, roupas, material de higiene... uma infinidade de detalhes que muitos dos internados não têm condições de providenciar. Encontram arrimo em “desconhecidos” que apenas querem que não desanimem. São as mãos invisíveis que agem sem qualquer outro interesse que não seja o de fazer o bem. 

Os “alpinistas” hospitalares têm o sorriso de quem faz o bem. Ver crianças levadas às janelas em cadeiras de rodas, com suportes que as mantém vivas ou buscando forças para caminhar depois da cirurgia, alegra olhinhos necessitados do encantamento de uma atitude “heroica” para não desanimar no tratamento. Trazem para dentro do hospital um pouco do quotidiano e do mundo da sua imaginação. Querem a cura, vencer o estresse da sua rotina. Precisam de ajuda para pensar que o amanhã vale a pena!

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Eu te desejo o bem

Com o tempo, fiz a paz com os meus medos.

Eles apareciam sorrateiramente

E asfixiavam meus sentidos.

Difícil dizer o quanto a angústia

Tolhia meus passos,

Comprimia meu peito,

Toldava o brilho do meu olhar.

 

Já tive medos... medo de azares:

De passar por debaixo de uma escada,

Encontrar um gato preto no caminho,

Um relâmpago seguido do soluço de um trovão,

O calçado da criança que, na pressa,

Ficou emborcado na soleira da casa.

 

Os medos da vida e da morte,

Das presenças que amedrontam

E das ausências que apertam o coração.

De não ter aproveitado a oferenda que se chama vida

E os mistérios do desafio que se chama morte.

 

As dúvidas existenciais:

O que fiz com minha existência?

O que farei com o meu fim?

Restará apenas o silêncio

Ou encontrarei o sentido da minha fé?

 

Entendi que mesmo já tendo os membros

Trôpegos, o medo não pode

Paralisar os meus passos.

Apoiado, ou apoiando,

Posso até me tornar prudente,

Mas ainda preciso de um desafio,

Que não está apenas em mim...

 

Tive medo de estar de bem com a vida.

Quando se fecha a mente para perguntas

E se cansou de procurar respostas.

Abri meus olhos ao perceber que o sentido

Estava escrita nas mãos da criança

Que amparei nos primeiros passos;

Na companhia de quem me ofereceu o ombro

Nos momentos em que me sentia abandonado;

No olhar do idoso que fenecia desejando,

Apenas, o aconchego do abraço que gerou.

 

Habita a forma mais radical da acolhida

Que pode se chamar paixão, entrega, ternura...

Ou, simplesmente, a alteridade de confessar:

Eu te amo. Me ama.

És a razão para que eu me esforce

para vencer os meus medos.

Eu te desejo o bem!

terça-feira, 11 de outubro de 2022

A surrada festa da Democracia

Outubro entra para a história como o período em que os brasileiros enfrentam a mais difícil das eleições. O resultado nas urnas apresentou a polarização que nada mais é do que um racha ideológico que acirrou o ódio da direita contra a esquerda e vice-versa. Os votos dados aos demais candidatos têm representação pífia servindo, no segundo turno, mais como jogada de marketing do que segurança de serem números que alterem o quadro atual. O que vai acontecer? Só Deus sabe. E eu creio que nem Deus se mete...

Começo por esta brincadeira de mau gosto, colocando Deus em meio a uma situação que Ele não merece. A virulência dos ataques que condenam à fogueira supostos infiéis acontece mais por crenças e interesses pessoais do que por conhecimento político-partidário ou a doutrina social de alguma igreja. É bom repetir que a necessidade de se candidatar pessoas ditas consagradas – padres, pastores, reverendos - significa que suas igrejas falharam em formar lideranças leigas, com princípios cristãos sérios.


Constituiu-se uma cultura do “achismo”, eivada de preconceitos, que se alimenta de uma visão popular deformada, já que fruto de uma educação capenga. Como inexistem “mentes” leigas capacitadas, “religiosos” se julgam no direito de exercer uma “missão”, que não é serviço a uma causa, mas a demonstração de vaidades. O chamado magistério da Igreja, de que falam os católicos, deveria referenciar as demais religiões para que também fossem espaços de conscientização e não para disputadas político-partidárias.

Um ponto em que a cidadania sofreu no primeiro turno das eleições, quando o destaque foi a escolha para a presidência, ficou por conta dos símbolos nacionais: a Bandeira, o Hino, as Armas e o Selo. Que são de todos, não importando se conservadores ou progressistas, de esquerda ou direita, religioso ou ateu, rico, remediado ou pobre, nativo ou naturalizado. Partidos de todas as ideologias têm o direito de usar as cores para sua identidade, mas não de se apropriar com exclusividade das representações nacionais.

Discussão que sempre rende incomodação, mas vamos lá: não vejo a camiseta da seleção brasileira de futebol como símbolo nacional, porque, de fato, não o é. É a representação de um esporte, uma das paixões dos brasileiros, hoje bem menor do que em outros tempos, quando se falava na “pátria de chuteiras”. O “esporte bretão” que tem seu lugar garantido em campinhos pelas periferias já foi uma possibilidade de ascensão social. Hoje é resultado de negócios que tem se misturado perigosamente com a política.

 Um velho amigo dizia que estamos atrapalhados. A surrada festa da Democracia já está deixando suas marcas. Feita a contagem de votos, os derrotados deveriam reconhecer e os vencedores ter a grandeza de não pisotear sobre os vencidos. Infelizmente, há muito déspota travestido de democrata. Queira Deus que me engane, mas teremos feridas sob panos quentes até o próximo pleito. Quando, novamente, mazelas serão expostas, sem a perspectiva de solução para problemas conhecidos e os que já aparecem no horizonte...

domingo, 9 de outubro de 2022

Um olhar de humanidade


Andar pelas ruas tem sempre a oportunidade de se aguçar sensibilidades. Não importa se a gente anda apressado como na juventude ou na maturidade, sempre existe aquele momento em que um detalhe nos desvia do olhar de sempre e se percebe que ali existe algo diferente, um outro comportamento, por uma mudança física ou alguém teve uma atitude diferenciada. Se já for um idoso, com mais tempo para perceber os detalhes, a rua é uma escola de vida, a adrenalina necessária para a curiosidade e o coração.

A ocasião em que o menino brincava na calçada com seu caminhão do lixo. Atento para ouvir a chegada do pessoal da limpeza pública, que o conhece e faz parada estratégica para receber da mãe um copo de água e um pedaço de pão. Depois, por longo tempo, o piá olha o veículo dos seus sonhos se afastando e seus amigos continuando a dura tarefa de recolher os resíduos das casas. A mãe já sabe que, no Natal, os garis se aprontam para lhe dar um traje igual ao seu e permitiu que o levassem numa volta pela quadra...

O momento em que o catador de lixo reciclável ouve o chamado do idoso por detrás das grades. Na porta da residência, dois sacos cheios de vasilhas descartáveis, higienizadas, que foram entregues, melhorando sensivelmente a possibilidade do seu ganho. O senhor queria, apenas, alguns instantes de prosa, no que era a necessidade dos dois: um outro que, simplesmente, prestasse atenção na sua existência. O idoso faz parte da estatística dos esquecidos; o catador, que percorre as lixeiras de rua, dos invisíveis socialmente...

A vez em que a mãe alcançava sacolas de roupas fruto do “desapega” para uma pedinte que circulava em sua rua. Era conhecida e, por isso mesmo, reservava peças do marido, próprias e dos filhos para a família. Foi surpreendida pelo filho, que oferecia uma sacolinha de brinquedos, que a dona da casa não viu quando fez, para as crianças que acompanhavam. Chegou a pensar em pedir para ver o que tinha dentro, mas decidiu que era melhor não o fazer, sem importar o que selecionara, e confiar no seu bom senso...

Ainda, a senhora idosa e viúva que gosta de cuidar das plantas na frente da casa e fica atenta às varredoras de rua, quando estão por perto. Ao chegar pelo meio da manhã ou da tarde, chama por elas para alcançar uma recheada e um copo com café, para um lanchinho. Conta para as amigas que é um dos melhores momentos do seu dia. Cuidar da casa a faz sentir-se ocupada; zelar por alguém que, nos poucos momentos em que descansa, muitas vezes, “não tem com que ocupar a boca”, a faz sentir-se solidária.

Histórias da vida real. Não são a regra, na maior parte das vezes são exceção. Importar-se com quem exerce funções que sequer são reconhecidas como dignas e vivem a sua fragilidade, é alerta para o resgate da cidadania. Uma legião de brasileiros nas ruas denuncia a sociedade organizada que, por omissão, se torna cúmplice deste sofrimento. As disputas político-partidárias não solucionam os problemas, mas embotam os sentidos e se perde a capacidade de ter um olhar de humanidade...

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Quando a luz se extingue no olhar...

A jornada da vida faz o trajeto

De quem peregrina à beira de um rio.

Se não tiveres um cajado em tuas mãos, paciência,

Há outros arrimos que auxiliam no percurso.

 

Não deixa de te encantar com a paisagem,

Sem perder o sentido do horizonte.

A curva à tua frente é ponto crucial.

Não é o fim, mas a possibilidade de

Conseguires olhar para o passado

Já com a perspectiva do futuro.

O cajado em tuas mãos carrega as experiências

Marcantes por todos os teus tempos.

As resistências e preocupações,

Os sonhos e pesadelos.

O cajado tem as marcas de quem tatuou

 Na epiderme da alma lembranças e saudades.

 

É um longo tempo para entender que, até no amor,

Somos nômades, na eterna busca.

Para sempre mendigos, insatisfeitos e incompletos.

Sôfregos por um instante, um lampejo de compreensão,

Da melhor forma, do melhor jeito,

De não desperdiçar o instante vivido com o ser amado.

 

O amor é sempre um pedido, uma carência,

Um selo que vai despertando cada parte do corpo

E que, mesmo nesta longa jornada,

Quando os pés e as mãos roçam nas pedras,

Ou se percorrem águas profundas,

Mantém-se como enigma, tão misterioso quanto a morte,

Tão doce quanto o mais sublime dos sentimentos...

 

Viver sem amar não tem sentido.

A morte é a luz do olhar que se extingue

Quando não encontra correspondência num outro olhar.

O que mata a vida é a carência que vai afastando do outro,

Entorpecendo sentidos e paralisando emoções.

 

A jornada do rio segue em direção ao mar.

Simples, como a água que corre,

O sentido da vida é a própria vida.

A caminhada tem sempre um poente e um sol nascente.

Inspire-se para fenecer e inspire para renascer.

É o jeito de descobrir, mesmo depois de cada curva,

Que se vive melhor quando, até o fim,

Ainda se desperta no encanto de um novo dia

E se adormece sonhando com o amanhã...

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Cilon: as lembranças de um educador

Creio que foi em 1994 que recebi o convite para ir conversar com o professor Cilon Rodriguez, que então era diretor da Escola de Comunicação da UCPel. Já o conhecia: no final da década de 70 havia sido meu professor na mesma instituição, assim como tivemos algumas atividades em conjunto na paróquia de Santa Teresinha e na Diocese Católica de Pelotas. Mas para mim foi surpresa saber que desejava que eu assumisse duas disciplinas de redação em jornalismo, assim como a de planejamento gráfico.

Claro que fiquei feliz, afinal, sempre tínhamos na agência, da qual era sócio – a Empório de Comunicação - alunos que estagiavam e, em algum momento, convidavam para ir palestrar em Semanas Acadêmicas. Surgiam os computadores para a redação e já dispúnhamos desta tecnologia, bem como para fazer o desenho gráfico de jornais e revistas. Melhor ainda ficou quando encontrei o Jorge Malhão que também tinha sido “convocado” para assumir as disciplinas de rádio e faríamos a estreia juntos.

Se levei conhecimento técnico na área de informática para dentro da Escola, em compensação, fiz um longo aprendizado pedagógico na relação com professores e alunos. E o mais importante: uma autêntica “especialização” em humanidade, com o professor Cilon. Era um agregador, no seu sentido pleno. Incentivava as discussões conjuntas de projetos pedagógicos, bem como encontros para jantares ou mesmo no sítio que comprara e já punha um olho no futuro pensando na sua aposentadoria.

Quando a pandemia deu sinais de que já se podia participar de eventos presenciais, alguns ex-colegas professores aventaram a possibilidade de se fazer um reencontro. Poderia se aproveitar que agora o Cilon tinha um empreendimento turístico - o sítio Sonho Meu - e fazer um pacote em que se acertaria um valor para tirar um domingo com o almoço, que era bastante elogiado. Fomos protelando, naquela história do “deixa pra depois”, da qual sempre se reclama e nunca se faz nada, que acabou vencendo...

No velório, encontrei a velha guarda da Escola: Margarete, o Recuero, o Fábio, a Raquel, a Ana Amélia para uma despedida e lembranças. Dos mais antigos aos mais jovens, de alguma forma, brincadeiras, conversas na sala dos professores ou pelos corredores, eram a marca do Cilon que foi professor, diretor e amigo. Sua experiência como educador se estendeu para fora da Comunicação, onde auxiliava na formação de lideranças religiosas, tanto na Igreja Católica, quanto em outros credos cristãos.

O Cilon faleceu na sexta (30), no espoucar da Primavera. Quando deixou de lecionar, junto com a Elizete, sua esposa, mudou-se para Morro Redondo, onde realizou um sonho: viver em meio da natureza, recebendo amigos beneficiados pela acolhida, albergados, bem alimentados e podendo fazer uma trilha inspirada em São Francisco de Assis. Imaginem. Para que mais? Só podia ser o Cilon... Que descanse em paz. Ficamos em dívida do reencontro contigo. Nos perdoa. Já estamos sentindo saudades!

domingo, 2 de outubro de 2022

“Isso, isso, isso”, bordão com sabor de saudade

Já contei que meu horário de fim de tarde e à noite, enquanto tomo a segunda rodada de chimarrão, não é preenchido assistindo novelas, mas minisséries. E que, recentemente, descobri as produções coreanas, sendo a telenovela da vez as “Crônicas de Arthdal”. Falei, mas repito, que as séries coreanas guardam uma certa inocência, neste caso, ao revisitar suas lendas, com ação, suspense, romance, uma pitada de humor e o que se poderia chamar de “jeitinho brejeiro”, espichando a última palavra e fazendo biquinho.

Depois, infelizmente, é assistir noticiários, debates ou procurar reprises de produções que ainda guardam algo do velho e bom humor. Começo, às 9 horas, com o Vai que Cola, do Multishow, e passo para a Warner, onde assisto o The Big Bang Theory. Sabem a fala dos Teletubbies: “de novo, de novo”? Pois é, é o que os canais fazem. Mas entre o humor escrachado do Vai que Cola e o “nonsense” do The Big Bang, passa o tempo e a diversão é garantida por gostar ou ficar com raiva dos personagens...

Tudo isto pra contar que numa noite da semana passada, a troupe do Vai Que Cola resolveu fazer a festa temática “A Turma do Chaves”, com direito à imitação do próprio Chaves, o Kiko, Chiquinha, Nhonho, Chapolin Colorado, a Bruxa do 71, seu Madruga, dona Florinda, professor Girafales e o seu Barriga. Este último fez uma participação especial vivendo situações em que, de alguma forma, sempre lhe era proporcionado um “acidente” que o afastava do cortiço aonde ia tentar receber os alugueis.

A série mexicana encantou a criançada na década de 80, quando entrou no ar, no Brasil, pelo SBT e mesmo tendo sido encerrada em 1992 continuou sendo reprisada “ad eternum”. Difícil era encontrar uma criança que não soubesse um dos bordões repetidos pelos personagens. Os que se tornaram clássicos vinham do Chaves, como “foi sem querer querendo”, “ninguém tem paciência comigo” ou “isso, isso, isso”, que ainda lembro do meu sobrinho Renan ou meu afilhado Edinho juntarem os dedos e repetirem.

Bordões, na televisão, são palavras ou frases repetidas, muitas vezes fora do contexto original, quando o artista ou autor se dá conta de que grudaram na memória. No Brasil, foram o Chico Anísio (“Ainda morro... disso”, “eu tô prejudicado”) e o Jô Soares (com seu “beijo do gordo”, “tira os tubos” e “cala a boca Batista”). De programas do rádio que migraram para a televisão, eram comuns na “Turma da maré mansa”, onde havia um edifício que se tornou “símbolo” em todo o Brasil: “balança, balança, mas não cai!”

Não reclamo das novidades consumíveis e descartáveis. É o tempo de hoje. Quem sabe ainda se aprende a aproveitar melhor o que vem com a própria história. Admiro quem se delicia com clássicos da literatura, artes, cinema. Mas me emociono vendo quem é sensível em lidar com crianças no seu encantamento, bem como as que cresceram e não desapegam do olhar de surpresa. “Isso, isso, isso...” é remexer no passado, quando a gente se dá conta de que rever bordões também guarda um doce sabor de saudade!