terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Um messias negro

É preciso reconhecer: foi um espetáculo emocionante. A posse de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos teve todos os elementos de um grande show: o ritual, a carga de emoção e a adrenalina própria das situações de perigo. Declararam ao Planeta que, embora fragilizados em função de todo o turbilhão que se abateu sobre a economia mundial, cujo epicentro foi os Estados Unidos, ainda lhes resta energia para continuar sendo a locomotiva que norteia o capital internacional.
A grande preocupação é saber o que vai acontecer, especialmente nestes primeiros tempos da crise. E nunca uma palavra foi tão certa – cenário – pois são tantos os atores, diretores, financiadores, que se movem para definir roteiros, dar força nas falas, ou vender o show, que parecer ser exatamente isto: um cenário onde se desenrola algo que não tem nada de espontâneo, mas medido ou colocado para saber qual será o resultado. Em suma, o que acontece conosco não se dá porque definimos nossos destinos, mas porque somos joguetes na manipulação dos cordames que dizem se teremos problemas ou não com a economia.
Neste quadro, entre o ridículo e o patético, um país conservador e racista ao longo de sua História promove uma mudança que deixa perplexos os analistas: pela primeira vez, uma mulher e um negro são candidatos do partido que todas as pesquisas indicavam iria vencer – os Democratas.
Venceu um negro, passando a ser o catalisador dos “espíritos bons”, buscando salvar a sociedade ocidental cristã e seus costumes. Pois é exatamente isto o que preocupa: não existe messianismo em economia. O que deu errado vinha sendo organizado para dar errado há muito tempo, por “especialistas” altamente graduados, em seus ternos e gravatas, mas também com seus exuberantes salários. Apostem: embora muitas economias tenham sido abaladas e empresas afundado, o mesmo não aconteceu com a pessoa física destes senhores que continuam posando de salvadores da pátria.
Barack Obama está bem intencionado, mas não é o suficiente. Ele não é um messias negro capaz de superar os obstáculos e recolocar a própria economia e a internacional nos trilhos. Hoje, o grande interesse dele e sua equipe é colocar ordem na própria casa. Se sobrar, olharão para o Mundo. Receio é que as forças silenciosas que atuam na economia, na política e, em especial, na indústria da guerra, sem respeitar fronteiras, o estejam preparando para uma crucificação a partir do momento em que os milagres não acontecerem.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Faltam três

Pelotas viveu a maior catástrofe de sua história quando o ônibus com os profissionais Xavantes não venceu a curva que levaria à BR 392 e tombou de uma altura de mais de 30 metros, fazendo três vítimas fatais – Millar, Régis e Giovane – e dezenas de vítimas físicas. A cidade amanheceu uma sexta-feira de sombras. Torcedores de qualquer dos times andavam sem conseguir entender e, muito menos, aceitar, que a desgraça tivesse aberto seus braços sobre uma torcida que sabia, literalmente, o que era “bombar” um time.
O meu espírito áureo-cerúleo sofre por conviver num local em que há uma autêntica “nação xavante”, coisa diferenciada em todo o Brasil, onde um time de futebol não conta com 11 jogadores, mas com 12, pois o “bafo” faz a diferença.
No acidente que vitimou os profissionais ficou claro que não há como, num primeiro momento, analisar apenas as questões futebolísticas, mas também o caráter de cada um. Cláudio Millar, um uruguaio, que transformou a camiseta do clube em sua segunda pele. Não só queria terminar a carreira como jogador, mas também ser presidente do Brasil, num futuro! Régis veio das categorias de base, percorreu todos os níveis e, além de um espírito alegre, era considerado um líder. Giovane, um professor de educação física, trabalhando com crianças carentes em escolinha, que somente estava no futebol porque era um torcedor xavante!
No entanto, quando, se discute o futuro do Esporte Clube Brasil, temos que registrar: embora considerada uma torcida violenta, quando provocada, o que se viu foi uma despedida emocionante e, no templo do futebol, um silêncio profundo e respeitoso por personalidades que já fazem parte da história de Pelotas. Marcaram seu espaço e merecem o reconhecimento da sociedade, que se divide entre três agremiações esportivas, mas, num momento como este, reconhece a tragédia que se abateu sobre o espetáculo: perdemos adversários de talento que, em qualquer apresentação, fazem a diferença para um bando de pernas de pau.
Millar, Régis e Giovane. Faltam três. Diferentes em seu estilo, mas com uma única paixão: o futebol, não deixando de lado um mar de torcedores, levando a qualquer lugar - em Pelotas, no Estado ou no Brasil – a certeza de que, ao dobrar uma página da História, haverá um guerreiro – como o Milllar – a estender o arco e apontar uma flecha para o futuro.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Minha reforma ortográfica

A virada do ano trouxe, também, a reforma ortográfica. Especialistas afirmam que, dos países de língua portuguesa, seremos os menos penalizados; outros, se tratar de uma fraude e há inclusive os que se negam a escrever conforme as novas regras. Não vejo motivos para tanto alarme: a língua é algo vivo e tem que se adaptar aos novos tempos, preservando valores e tentando chegar o mais próximo possível da maior parte da população.
Das mudanças nas regras, algumas eram inevitáveis, como a exclusão do trema. Alguns jornais - caso da Folha de São Paulo - já não o usavam. Mas nunca briguei com o trema. O mesmo não acontece com o hífen, que sempre me olha de um pedestal superior e, toda a vez que penso estar colocando-o no lugar certo, consultando as normas, dou-me conta de que errei. Seu desdém, então, é impressionante, mas é uma espécie de jogo entre gato e rato: um dia eu ainda acerto, nem que seja pelas novas normas.
Como disse, a língua é algo vivo e não é necessário que alguém se escabele se não conseguir assimilar de uma só vez cada regra e suas exceções. Temos dois anos pela frente e a prática ajuda a incorporar as mudanças.
Já passei por uma reforma ortográfica e, confesso, tive o prazer de encontrar dois referenciais para poder assimilar e criar algum estilo, mesmo que pobre, para escrever. O primeiro foi o padre Olavo Gasperin (hoje, pároco em Arroio Grande), que gastou o seu suor para que eu aprendesse o português, no Seminário São Francisco de Paula, e de quebra ainda me incutiu o gosto pelas letras e pela música. O outro foi o seu Clair Rochefort (hoje diretor de opinião do Diário Popular), que me auxiliou a criar um estilo em jornalismo, especialmente mostrando a necessidade de que a notícia tenha clareza e precisão, sem descuidar dos pequenos detalhes que podem garantir o interesse do leitor.
Se algo não deu certo, por favor, não culpem os dois. Tenho toda a responsabilidade, pois, hoje, ajudo alunos a complementarem seus conhecimentos de português e a criar um estilo em jornalismo. É neste caso que sinto o quanto é dinâmica a língua e a linguagem, onde não basta apenas aprender grafia, normas, técnicas, mas, tornar-se um profissional responsável pela comunicação - a intermediação entre o fato e aquele que deseja tomar conhecimento. Uma informação apenas “técnica” é para ser esquecida, mas, convenhamos, um texto com “sabor e aroma” envolve e seduz. Como todas as coisas boas da vida.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Criança tem cada uma

Uma editora do centro do País publicava, a cada final de ano, uma obra chamada “Criança tem cada uma”. Durante o ano, especialmente pais e parentes, reuniam histórias em que o personagem principal era uma criança, enviavam e aguardavam pela seleção que rendia, além de um dos livros mais vendidos, gostosas gargalhadas. Tenho falado da minha vontade de realizar projeto parecido, pois, somente na minha família, já teria algumas dezenas a serem enviadas. Claro que não basta a história ser engraçada, precisa ter um toque especial que apenas uma criança sabe dar.
Meu sobrinho, Renan, ficou conhecido ao protagonizar algumas, criando bordões repetidos em família até hoje, como: “além de pobre, é surdo” ou “tu não sabes nem cuidar de uma criança!” No primeiro caso era a mania que tinha, ainda pequeno, de entrar na conversa dos adultos e querer vez e voz. Quando não era “respeitado”, registrava seu protesto dizendo que as pessoas “além de pobres, eram surdas”. Não bastava apenas uma desgraça, eram duas.
A segunda história se passou quando ele esperava pelo café, ajoelhado numa cadeira e balançando para frente e para trás. Avisado de que corria perigo, nem se importou. Meu pai foi para a cozinha e, em seguida, ouviu o barulho de cadeira indo ao chão. Voltou e viu o pequeno já se levantando sem problemas. Seu pecado foi ter rido da situação. Entre o chão e a cadeira, o pequeno sentenciou: “tu não sabes nem cuidar de uma criança!”
Mas as gerações se sucedem e se modernizam. Agora é a vez do Murilo, sobrinho-neto, de seis anos. Dia destes, em plena Missa, enquanto sentávamos e levantávamos nos momentos oportunos, ele sussurrou bem sério para a tia: “o que me cansa nestas Missas é este senta-levanta!”. Na mesma ocasião, ao anunciarem um cântico, olhou para mim e tascou: “qual é mesmo o canal?”
Estas são algumas das histórias que conto e despertam nas pessoas a vontade de narrar as suas, pois a sagacidade vem junto com a presença de espírito de pequenos que desejam ocupar um espaço na vida. Na simplicidade, dão lições que não esperamos ouvir. Infelizmente, as crianças, hoje, já não são as mesmas e se envolvem com as mazelas da vida cada vez mais cedo. Suas tiradas já não merecem a devida atenção, pois queremos - em muitos casos, pela miséria e a guerra, por exemplo – que sejam miniaturas de adultos. Não o são e merecem respeito em cada etapa, com suas características, especialmente, o encantamento.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Acabou a inocência

A manchete passou, praticamente, despercebida: “Israel autoriza a saída de estrangeiros da Faixa de Gaza”. Normal, se pensarmos pela ótica do governo israelense, que embora não se preocupe muito com a opinião pública internacional no presente caso também sabe das conseqüências em registrar um alto número de mortes de estrangeiros no atual confronto.
A mesma liberdade não foi dada aos palestinos residentes na região, apesar de constatado o número de mortos civis, cinicamente considerado como “baixas técnicas”. Mesmo sabendo que os grupos armados utilizam a prática de se instalar em meio à população para atacar seu inimigo, não se admite que inocentes paguem por uma guerra que não provocaram e da qual são tão vítimas quanto os israelenses.
Muitas matérias veiculadas recentemente mostram populares de ambos os lados demonstrando boa vontade para com seus vizinhos e que as fronteiras, demarcadas fisicamente ou não, são convenções que podem ser vencidas com facilidade se forem superados os interesses de grupos organizados.
A História registra que a Guerra do Vietnã somente acabou quando as imagens da televisão chegaram aos lares dos Estados Unidos, a cores, no horário nobre da noite, aparecendo seus jovens mortos, numa bravata que, até hoje, os próprios americanos querem esquecer. Se estamos embasbacados com o que vemos hoje, a preocupação maior deve ser com o que ainda pode acontecer, pois, diante da apatia das potências internacionais, aquela região do mundo está se transformando no que os entendidos chamam de “um barril de pólvora”.
Não há inocência em política. Todas as guerras, embora com desculpas de origem étnicas, credos religiosos ou diferenças culturais, acontecem por interesses de poder político ou econômico. E, muitas vezes, andam juntos. Não há inocência nem do lado de Israel, nem no caso palestino, mas a comunidade internacional não pode se mostrar indiferente diante de uma situação que, alastrando-se, terá conseqüências imprevistas, pois ambos os lados têm ao seu alcance artefatos nucleares.
Se este cenário ainda não for suficiente, há o sofrimento da população, sacrificada por interesses de seus supostos representantes. Também neste caso, como dizia o título de um filme (e, creio, que de um livro), aconteceu a perda da inocência. O pior é que ela acabou marcada nos corpos de crianças, jovens e adultos. Juntados a cada final de bombardeio.