sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Sorrir, abraçar e amar...

Quando se vislumbra o ano novo

Que surge com a aurora

Que delineia no horizonte o dia que chega,

Tenhas no rosto o sorriso bobo e feliz

De quem ultrapassou a realidade,

Já não se importa com o tempo e o espaço,

Plana nas ondas que acariciam teus passos...

 

No instante em que o sol suplica por mais cor

E a noite, aos poucos, apaga o luzir das estrelas,

Lá onde as esperanças não morrem

E há sempre um gosto de felicidade.

Quando a gaivota levanta o voo

Tendo o mar como sua moldura.

 

É um suspiro impregnado

Do desejo de também alçar voo.

A magia que encanta.

A vastidão do Infinito que somente

Quem ainda tem um resquício

De pureza no coração pode alcançar.

E enternecer um espírito cansado.

 

Quando se quer livrar das rugas do corpo

E, especialmente, as rugas da alma.

E já não importa mais diferenciar

O lugar onde se vive a sanidade ou a loucura.

Aliás, misture a sanidade com a loucura

Quando sentir que a falta de um sentido

Para a vida só pode ser encontrado

E compensado em um abraço.

 

Será o momento de liberar as tuas lágrimas,

Para que se misturem com o teu sorriso;

Liberar teu espanto,

Para que esgarce a surpresa em teu olhar;

Liberar teus sonhos,

Para que não percas aquela

Que é sempre outra realidade;

Liberar teu sorriso,

Na possibilidade de renovar a própria vida.

 

Acredite, existir passa sempre pelo reencontro:

Dos olhinhos que anseiam pela vida;

Do jovem e sua energia infinita;

Do adulto e suas eternas preocupações;

Do idoso e seu desejo de apenas saborear um momento.

Iniciar o novo ano, é um bom lugar para desejar

Que todos os dias, alguém te acolha, junto ao peito,

Reenergize e não te deixe desistir de

Sorrir, de abraçar e de amar...

 

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

O melhor jeito de iniciar 2023


A semana entre as celebrações do Natal e a virada do ano, comumente chamada de Semana Natalina, fecha um ciclo. Possibilidade de aliviar, nem que seja por pouco tempo, o estresse de algumas atividades. Fazer as contas do que se conseguiu neste que não foi o melhor dos anos – problemas na economia, na política, os fantasmas da pandemia ainda rondando por aí... Porém, pode – e deve – propiciar reencontros, boas lembranças e a certeza de que a vida sempre dá uma nova oportunidade.

Meu último texto do ano pretende ser um alerta. Sei bem que grande parte dos leitores é consciente dos excessos que se cometem. No entanto, não custa lembrar: costumo dizer que, hoje, não bebo nada de álcool, nem vinho de Missa, porque nesta encarnação, creio, já bebi todas. Nove anos sem álcool não me levam às tropas daqueles que se posicionam contra o seu consumo. Esta é uma “conversão” que precisa ser pessoal. Uma tomada de decisão, normalmente num momento de tensão e de algum sofrimento.

O que me preocupa é o consumo de álcool por menores, inclusive criança, nestes dias. Das coisas mais simples, como o vinho batizando a água, como se refresco fosse, e ajudando a dormir, até: “alguns golinhos de cerveja não fazem mal algum”. O primeiro passo para a dependência não acontece na juventude, como muitos acreditam, com as festas e baladas. A tolerância em casa por pais que muitas vezes também consomem, com a explicação de que “eu paro quando quiser”, são o primeiro e mais forte exemplo.

Seguem a necessidade de aceitação social e teste dos próprios limites e se encontram as razões mais comuns para o consumo precoce do álcool e do fumo, as chamadas drogas lícitas. Estranhamente, as meninas, em 2022, aumentaram o consumo a mais que os meninos, chegando a patamares próximos: uma em cada quatro das que participaram de pesquisa do IBGE disseram consumir regularmente. E vejam que pesquisas assim dificilmente não estão mascaradas pela vergonha de reconhecer a dependência.

Em conversa com amigos, de mais do que um, ouvi que somente se sentiram adultos, maduros, quando abriram mão de alguma coisa em favor dos filhos. Foi quando se deram conta de que seus pais fizeram exatamente o mesmo, por toda uma vida, sem que reconhecessem ou agradecessem... Por ilação, pode-se tirar para quem assumiu o cuidado dos pais, de algum familiar ou amigo, em questões de saúde, especialmente. É um longo tempo de redimensionar valores, sentido das pequenas e das grandes coisas.

Amigo e amiga, faço um brinde à vida: Tim-Tim! Se achar necessário, consuma alguma bebida. Sem perder a noção de quem está sob seus cuidados. São tantos os costumes que marcam a espera - roupa nova, casa limpa, troca de presente que não se deu no Natal – que não se deve iniciar o ano com a sensação de ressaca... Será fácil? Não, mas não desista. Tem alguém ao seu lado que o faz feliz? Então, sorria, abrace, beije, seja o motivo de esperança de quem não desistiu de você. Tem jeito melhor de iniciar 2023?

domingo, 25 de dezembro de 2022

2023: dê uma oportunidade à vida

A maior desculpa que se pode dar quando não se está suficientemente motivado para fazer algo é: “não tenho tempo!” E seus correlatos: “estou ocupado” ou ainda “isto é bobagem de criança!” Santas bobagens de crianças. Dizem que todos os problemas que vamos enfrentar na vida iniciam por aí. Especialistas pensam ser necessário utilizar a ludoterapia para os pequenos. Mas e quem auxilia as crianças grandes a vencerem seus preconceitos? Há gente que se pensa adulta porque cresceu e envelheceu. E isto basta?

A ludoterapia poderia ser estendida à “criança que todo o adulto um dia foi”, no dizer do Pequeno Príncipe, de Saint-Exupery. Lida com a aceitação da criança como ela é, as dificuldades de relações, a descoberta e o respeito por suas capacidades. Posso estar enganado, mas são questões que se passa a vida inteira tentando resolver, muitas vezes, com recaídas. Creio que avós que brincam com netos não significa um retrocesso mental, mas que outros adultos ainda não se deram conta de que também podem brincar.


O brinquedo é lugar de inclusão. Do qual, “adultos” deveriam ser afastados para não contaminar ambiente de inocência. Têm regras estabelecidas desde sempre e quando um “maior” tenta adequar, viola princípio básico, mexe em time que está ganhando. Porque desvirtua com seus pré-conceitos de que “são apenas crianças”, então não importam as normas. Importam, sim. A exceção que beneficia alguém é o “desaprendizado”, pelo resto da vida, a possibilidade de que alguém acomode situações para que se dê bem...

Em brinquedos que passo na caminhada é comum encontrar marmanjos e marmanjas ocupando balanços e gangorras. Nada contra se ali não dissesse que há uma idade limite para o uso, possibilitando a manutenção e a durabilidade dos equipamentos. Não deve ser problema com a alfabetização pois já são adultos que também fazem caminhadas e exercícios. Serão crianças grandes que esqueceram as regras estabelecidas nos tempos de infância em que se respeitava a vez do outro e a fila para subir no escorregador?

Gostei da ideia da adaptação de equipamentos para deficientes físicos. Um jornal local publicou foto de um garoto usufruindo e outras pessoas, no seu entorno, igualmente alegres pela partilha. Só o preconceito impede que se pense o mesmo para idosos. Aliás, brincar é para a vida toda, inclusive com joguinhos de celular, que não devem ser exclusivos, mas auxiliam na concentração e destreza dos dedos. Gosto de ouvir notícias de grupos da terceira idade que incluem em suas dinâmicas os exercícios e brinquedos.

Brincar deveria ser incluído nas constituições como direito universal inalienável. A ludoterapia acontece em ambientes escolares, mas poderia estar presente em igrejas, associações, onde as pessoas se reúnem em busca de bem-estar. Aos jogos de carta, dama, dominó, podem se acrescentar as brincadeiras de salão e, porque não, a dança. Se as juntas já estiverem enferrujando, é uma boa oportunidade de ajudá-las. O importante é não ficar parado. Então: dê uma oportunidade à vida, em 2023. Vamos lá: mexa-se!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Uma prece ao Menino que chega


Menino Jesus, hoje é o teu aniversário.

Não sei como o comemoravas com

Teu pai José e tua mãe Maria, na vila de Nazareth.

No entanto, a alegria de um único filho deveria

Fazer deste dia, um dia muito,

Muito especial, um dia de festa!

 

Eras a realização do sonho de um povo e de um casal

Que desejava ver cumprida uma promessa,

Mais ainda, de te acolher em seus braços.

Foi difícil entender que reunias

O amor do primogênito de Deus

Com pais que te abrigaram no ventre e no coração.

 

Quando pequenino, foram muitas as vezes

Em que falaste, falaste tanto, que restava

A teus pais sorrirem porque viam em Ti

Uma criança em que a tagarelice

Tinha o som mavioso e angelical

Que os deixava embevecidos, sem necessitar de explicações.

 

Foste a síntese perfeita do sonho de cada mortal.

A criança que se emaranhava nas roupas de Maria,

Despertava curiosidade na oficina de trabalho do pai,

Corria pelos trilhos da aldeia,

Brincava nos córregos, enquanto a mãe lavava roupas,

Buscava frutas, gravetos, auxiliando nas lidas da casa.

 

Menino Jesus, hoje é o teu aniversário.

O que era para ti uma vida normal?

A humanidade não foi ofuscada pela tua origem.

Ao contrário, fez-se um desafio:

Deus quis ter o seu dia de nascimento,

Tornando divino o simples fato da existência.

 

Viveste intensamente 33 anos.

Fizeste cada um deles valer a pena.

Tão intensos que marcaste

Quem aceitou ser teu pai de coração,

Tua mãe que se tornou a primeira discípula,

E homens e mulheres, ainda hoje, te seguem.

 

Como vês, a humanidade está carente

De compartilhar momentos de festa.

Como eram as tuas?

Juntavas amigos para tomar banho nos rios?

Apressavas companheiros para chegarem à Sinagoga?

À luz de lamparina, encostava-te em Maria ou em José

Para ouvir as histórias dos santos homens de Deus?

 

Teu pai não chegou a assistir à tua pregação.

No Calvário, uma lança transpassaria teu corpo

E uma espada feria de morte o coração de tua mãe.

Mas, por enquanto, uma Estrela dá um rumo nos Céus

E faz presente a misericórdia de Deus.

Compartilha com cada um de nós o teu jeito de ser e de amar:

A ternura/loucura de uma manjedoura que acolhe o Senhor da Paz!

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

José: o sonho de um pai do coração

José acordou preocupado. Como todo o seu povo, tinha profundo respeito por aquilo que lhe aparecia em sonhos. E não podia negar: naquela noite, o que vira tinha sido muito estranho. Estava carregado de ansiedade porque havia uma jovem que lhe tinha sido prometida em casamento. No entanto, a menina estava grávida e, até o dia anterior, sua decisão havia sido de que a rejeitaria secretamente, para não difamá-la. Não queria expô-la à vergonha pública, à condenação por adultério e, como pena, a própria morte.

Mesmo sabendo que havia sido um sonho, ainda estava abalado com a clareza com que lembrava de cada detalhe da presença de um anjo de Javé. Não se considerava um dos maiores conhecedores da Torá e dos livros sagrados, mas a presença deste ser especial iluminara sua morada com o anúncio de que não deveria renegar Maria, mas que o menino que estava a caminho era o esperado por Israel. Nasceria pela ação de Javé, com a humanidade de uma mãe e a graça de um pai adotivo, um pai de coração.

Foi para a oficina, onde talhara as mãos e o espírito no serviço em que enrijecia o corpo, sem perder o perfume e a leveza do amor que tinha por Maria. Com certeza, não conseguia entender tudo, mas sentiu que faria parte de algo maior, sem reivindicar o direito de primogenitura do sim de Maria, certo de que Jesus encontraria um pai, apoiador, companheiro, capaz de segurar a mão da esposa e do filho. O filho seria mais do que uma expectativa, a realização de uma lufada de ar fresco sobre a humanidade.

Não eram tempos fáceis, bem sabia, mas, se dependesse dele, facilitaria os caminhos para que o despertar daquele dia fosse o motivo para continuar um belo sonho. Haveria muito trabalho para explicar para as pessoas que estava resignando a um filho biológico para ganhar o direito de trilhar não um caminho que explica, mas uma senda que acolhe. A fragilidade da criança precisaria ser vencida pelos cuidados com sua jovem esposa e com o recém-nascido, que em breve acolheria e haveria de ninar em seus braços.

Por onde andaria? Em que situações precisaria de cuidados? Poderia ser um pai normal, enquanto Deus explicitasse a sua vontade? Olhou pela porta e pensou que, logo, Maria estaria ali com seus pais. Conversariam, trocariam confidências, partilhando alegrias e preocupações. Apresentariam ao filho suas experiências de vida. Explicariam a Lei e os Profetas, como vivia e sofria seu povo, passeariam pelos arredores de Nazareth, mostrando o seu pequeno mundo, e viveriam intensamente cada instante em família!

Não tinha todas as certezas. E não precisava. Tinha a sua fé e um lugar onde vivê-la: o seu lar, a sua família. Queria tempo suficiente para ver se cumprir o que era anunciado nas sinagogas, para onde, logo-logo, iria, acompanhado de Maria e de Jesus. Colocaria o seu conhecimento e o seu coração para que Ele fosse apenas um menino, trazendo em si a presença de Javé. Descobririam que nem toda a lágrima precisa se transformar em dor, mas que todo o sorriso do menino, mesmo enquanto dormia, seria uma bênção!

Receba, no seu coração, um beijo da família de Nazareth!

Um feliz e abençoado nascimento do Senhor!

domingo, 18 de dezembro de 2022

O encanto e o espírito da festa cristã


“Então é Natal!” Verdade. Você nem vai sentir. Mais uma semana passa e estaremos em plena comemoração da véspera e o dia do nascimento de Jesus. Tem gente que fica animada com esta contagem regressiva, aprontando a casa, preparando comidas e bebidas, separando presentes, fazendo a ornamentação especial, inclusive com a fachada das moradias. No entanto, alguns já não querem comemorar (nem “bebemorar”), apenas aquietar, esperando que festejos de fim de ano sejam página e calendário virados...

Não importa. O importante é vivenciar o espírito de Natal que deve se fazer presente. Desnecessário dizer que tudo o que se elencou faz parte dos costumes de nossas famílias, mas precisa ainda: aproximar, reunir os mais próximos, amigos, quem sabe, parentes distantes. Motivo para abrir a casa e o coração, no abraço em que se repetem saudações como “feliz”, “próspero”, que podem – e devem – estar recobertos de carinho e afeto, tentando compensar o que não se conseguiu fazer ao longo do ano.

Se não consegue receber em casa ou ir até a morada de alguém que quer bem, ao menos telefone. Caso na sua lista estiver alguma pessoa idosa, quem sabe doente ou ainda que você sabe que repete não gostar destas festas por suas lembranças e saudades, então o benefício que fará – para si e para o outro/outra - é incalculável. Vai ser o “espírito de Natal” chegando não à casa, mas a um coração, que, possivelmente, não se arrumou, não se enfeitou, não se perfumou para ser a manjedoura que acolhe o menino Jesus.

Quem circula pela cidade repara que já tivemos épocas com mais ornamentação nas ruas. A dificuldade econômica influencia. Levantamentos mostram que o percentual do salário destinado a presentes é menor. Com maior número de desempregados ou subempregados, além do dinheiro contado para os gastos essenciais, quem ainda tem uma fonte de renda faz milagres para render. E os mais cascudos vão sendo deixados de lado em função das crianças, especialmente filhos, netos e sobrinhos.

Pode-se falar do bom velhinho ou procurar sentido para uma festa cristã. Triste ver o orgulho de quem diz que o filho “não acredita em Papai Noel”. Não é função dos pais acabarem com o encanto de Natal, se desgostam ou não tiveram quem as motivasse. Trocar presentes ou ser “explorado” por filhos que já não sabem o que querem e exigem tudo. É um tempo em que o religioso está sendo sufocado, as ornamentações são apenas mais um tipo de enfeites e o espírito das festas tem o gosto de ressaca no dia seguinte...

Passei por muitas fases na vida com relação ao Natal e Ano Novo. Não costumo esperar a meia-noite. Muito em função de que, em anos passados, enquanto meus pais estavam vivos, liberava os demais e cuidava do pai e da mãe. Apenas, envio mensagens de carinho a amigos e familiares. Teve época em que sequer as músicas de Natal me faziam bem. Mas já passou. Sinto-me animado a escrever, como agora, ouvindo Elvis Presley cantando clássicos em “Christmas Songs”. Tem coisa melhor que a gente possa fazer?

Então, recebe um beijo natalino no teu coração.

Uma feliz e abençoada festa do nascimento de Jesus!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

O badalar do silêncio


O badalo do sino que anuncia

O nascimento do Senhor,

Também tange para desvendar caminhos:

O Tempo que prepara a balança

Em que se descobre que a vida é uma tentativa

De equilíbrio entre ganhos e perdas.

 

A infância encanta os olhos com

A riqueza de perspectivas: há um mundo por descobrir.

A maturidade alcança a presunção do equilíbrio de discernir.

E se envelhece ao fazer as contas das nossas capacidades.

É quando o velho caderninho de anotações está borrado

Por riscos, rabiscos e anotações à margem...

 

Discernir que mais do que pedir, é necessário oferecer.

Quando pensei que alguém me tirava algo,

Minhas mãos estavam em garra segurando o que

Precisava escapar por entre meus dedos.

Quando esperava por um favor,

Dei-me conta de que poderia ter feito a primeira gentileza.

 

O Tempo não devolve aqueles que partiram.

Se hoje existe o silêncio, é porque calaram a música;

Se minhas páginas preferidas apagaram

É porque a poesia não resistiu ao clamor da saudade;

Se restaram meus olhos triste e profundos

É porque as lágrimas secaram ao sabor da minha dor.

 

Vagar pela casa é redescobrir fantasmas

Que se acomodam em cantos e recantos.

Não assustam, não gemem, não são presenças dolorosas.

São apenas os meus sentidos e as minhas perdas.

Na leveza da brisa que murmura na cortina

Desvelam aberturas e fachos de luz.

 

E é pela janela entreaberta que vejo a torre,

Pressinto o sino, a corda que se estica,

Aquele que vai tanger o chamado.

Enquanto não chega o sonido,

Ouço o badalar do silêncio

E me acomodo com o lápis e o caderno...

 

Ainda não posso fechá-lo e deixar

Que a poeira deixe suas marcas

Por sobre a capa.

Meus dedos acarinham-no

Como uma extensão do meu corpo,

Das minhas memórias e sentimentos.

 

Ao sabor do vento da tarde,

As páginas flutuam pelo meu passado.

Quando criança, queria ver o futuro,

Quando adulto, acreditava que o tinha sob controle,

Ao final desta tarde que se insinua na chegada da noite,

Resta o sorriso cansado de quem já não se importa

E quer apenas ouvir o sino, flutuar no vento e dormitar no silêncio...

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

O pênalti, a monja e o brasileiro...

Quando se diz que “nada mais me surpreende...” sempre fica exatamente isto: as reticências. Uma das situações que me pareceu esdrúxula foi a da monja budista Coen, colunista de diversos jornais nacionais, além de espaços pelas redes sociais, quando postou vídeo criticando a escalação dos batedores de pênaltis do Brasil contra a Croácia. Já pronta para ser escalada e comentar os próximos jogos (brincadeirinha), detalhou o despreparo do primeiro batedor, o Rodrygo, que errou a primeira batida.

E do goleiro Alisson que foi pouco exigido durante o jogo e, consequentemente, estaria frio, no final, quando mais se precisava dele. Ora, ora... Acho que ainda tem coisas que me surpreendem, confirmando que o brasileiro comum também é treinador e juiz de futebol. Não tiro o direito de um padre, pastor, reverendo, pai de santo, líder espírita se manifestar sobre esportes ou agenda social. O que preocupa é que no agito do “câmera e ação” está faltando comedimento, da parte de quem fala e de quem escreve...


Repórteres nas ruas estão sedentos de uma brecha que auxilie a fazer pauta, em especial quando vêm de pessoas famosas. Sendo assim, é meio caminho andado para que se multipliquem os números de acesso e o compartilhamento. Este é um fenômeno destes tempos em que as gerações do século XX podem se considerar analógico/digitais: vive num tempo com a cabeça formada em outro. Ainda somos lerdos em reagir diante de tantos e sofisticados recursos, num tempo em que, literalmente, a palavra voa.

Gosto da expressão “foco”. Não há dúvidas de que um profissional focado sai na frente. É a forma de garantir competência falando da área de atuação e, quando se mete nas demais, não o faz como especialista, mas, no presente caso, como cidadão que tem o direito de manifestar a sua opinião, sem precisar se transformar em referência. Todos ganham se, periodicamente, se ouvisse pessoas que simpatizam com o que se faz e pudessem dar “palpites”, desde que não travestidos de “verdades doutrinárias”.

A monja Coen é referência espiritual e humanista no Brasil. Seus livros, vídeos, artigos, palestras têm forte influência sobre budistas e simpatizantes. Confesso que me surpreendi quando li a matéria contando que a religiosa havia perdido a paciência com a seleção brasileira de futebol. Uma expressão forte do texto foi a sua “revolta”. Não creio que ela tivesse sequer pensado em tal palavra. Não é à toa que as postagens bateram recordes, com mais de 7,5 milhões visualizações e 16 mil comentários, até sábado (10).

Num tempo de cultura descartável, as palavras, muitas vezes, se perdem ao vento. O destaque de hoje, vira segundo plano e cai no esquecimento. A população não consegue compreender personagens como a monja Coen, que referenciam vidas. O que disse nos últimos dias é como a própria copa: vai passa. Porém, em tempos de expectativas, se torce para que, entre pênaltis, goleiros e batedores, figuras públicas, como a própria, façam o elementar: não deixem o brasileiro perder a alegria de viver e de sonhar...

domingo, 11 de dezembro de 2022

Futebol, política e a vida que segue

É muito estranho estarmos a apenas duas semanas do fim do ano e haver uma copa do mundo de futebol em andamento. Até agora, não assisti nenhum dos jogos integralmente, não que não me interesse por futebol, embora não entenda muito (como diria o Jorge Malhão), mas porque sempre tinha outra coisa por fazer, nem que fosse acompanhar a família. Dos meus tempos de seminário, fiquei com a ideia de que poderia ser um torcedor razoável e um jogador medíocre (e olha que isto é um elogio!)

Claro que tenho minhas preferências: além da torcida pelo Brasil (depois explico o porquê) estavam na lista a Coreia, a Croácia, Uruguai e Argentina. Pelos latino-americanos nunca tive aversão, bem pelo contrário, uma admiração pelo seu futebol e pela cultura de origem espanhola. Com vontade de voltar a roteiros que incluem os centros históricos de Montevidéu e Buenos Aires que, mesmo com todos os problemas econômicos e políticos, ainda transpiram um charme especial da sua história.


A Croácia é a simpatia por um povo que passa por uma guerra que nenhuma gente merece. Na maior parte das vezes, as pessoas que sofrem as consequências sequer sabem das razões que as envolveram. Os motivos por disputas territoriais, de poder, de dinheiro, do mal que transforma em suposto patriotismo aquilo que somente prejudica a grande maioria. No entanto, ter visto a sua seleção ser vice-campeã no torneio passado e estar em destaque este ano pode ser um bálsamo que minimize os seus sofrimentos...

A Coreia, é sabido, tem meu carinho por diversos motivos: os doramas (séries asiáticas jovens); os grupos musicais, com cancioneiro local e internacional; mas, especialmente, a opção que fizeram, ainda no século passado, pela educação e que tiraram de um patamar de pobreza para referência na área do conhecimento, especialmente da pesquisa e novas tecnologias. Próximo da China e da Coreia do Norte, seria “natural” que carreassem investimentos para a guerra, mas tiveram o bom senso de não fazê-lo.

Na certa, especialistas acabarão fazendo análises do momento de transição política vivida pelo Brasil e a copa do mundo. Vou meter a minha colher: torço, sim, pelo Brasil, não porque seja a “pátria de chuteiras”, mas porque ainda é um entretenimento de alcance popular. Nestes tempos de picuinhas eleitoreiras, que ninguém merece, ouso dizer que acompanhar o Brasil jogando e se saindo bem nas suas partidas dá uma aliviada num clima que, com certeza, seria ainda mais pesado neste tempo de espera.

O Brasil atropelou a Coreia e parou na Croácia. Que pena, como diz o dito popular: “vida que segue!” Voltou um futebol ágil, criativo, brincalhão e festeiro. Recuperou as origens do nosso futebol, herdado dos ingleses e que aqui passou pela ginga de um esporte que vai dos grandes (e muitas vezes desnecessários) estádios a campinhos de peladas em vilas e colônia. Afinal, já se cantou que “este é um país que vai pra frente.” Hoje, na instabilidade política, não retroceder já é gol de placa, uma grande conquista...

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Uma trégua com o passado

Há um tempo na vida em que o mais importante

É organizar os arquivos já existentes,

Mais do que abrir novos compartimentos.

O que se acumula com o passar da existência

É suficiente para que se acarinhe lembranças,

Saudades e ausências.

 

Elas podem ser encontradas em meio aos livros.

Pequenos pedaços de papel, onde ficou

Eternizada apenas uma frase, um desenho,

A sensação da incompletude

Porque não se conseguiu chegar a alguém

No clamor das horas de angústia e de solidão.

 

Estão no objeto guardado numa pequena caixa

Fazendo eco ao passado com o detalhe

De um botão, um brinquedo, um fetiche

Esquecidos até do que ainda resta da memória,

Mas dispostos a reavivar chamas,

Reacender melancolias.

 

Estão nos retratos que se misturam

Com as reminiscências que evocam.

Onde se precisa de esforço

Para delinear rostos, relembrar situações,

Tomar posse de lembranças

Que hoje têm a dolorida sensação de ausências.

 

O lugar de onde vêm os sorrisos e as lágrimas.

Que matreiramente, agitam as nossas

Faces, onde também se misturam

Pontadas de dor e momentos de doces recordações.

Este é um dos arquivos que apenas se precisa

Fechar os olhos para que se faça presente.

 

Aqueles momentos que - nos pareceram -

Duraram pouco, mas foram ressoando

E deixando marcas que não podem ser esquecidas.

Uma folha em branca em que se rabiscou

O destino e as relações de quem nos marcou,

Com vozes que insistem em se fazer saudade.

 

Não basta guardar as boas lembranças,

Tentar esquecer as ruins

E conservar as que foram especiais.

Elas condicionam e exigem que

Se volte a todos os arquivos que

Não tem jeito de se apagar.

 

Guardo de um lado do peito lembranças e saudades.

Fiz uma trégua com o meu passado:

Entre reminiscências e ausências,

Desejo viver em paz com o presente.

Já que o tempo que me brinda com a vida

É o mesmo que brinca com o sentido da minha existência...

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

A pobreza das nossas ambições


Minha caminhada matinal passa, em alguns dias da semana, pelas ruas do bairro Quartier, que ficam próximas à sanga, ao lado contrário das instalações da Unimed, no bairro Três Vendas, em Pelotas. Recentemente, começou a se perceber obras em uma quadra que estava fechada, onde, segundo a maquete exposta, inclusive na Fenadoce, vai ser uma rampa que possibilitará acompanhar o pôr do sol, acompanhado de boa conversa, quem sabe, também, de um bom chimarrão ou a bebida que preferir...

Meus 45 minutos de andança fazem atravessar também o Quinta do Lago, com ruas e estrutura prontas para circulação, entretenimento e cuidado ambiental que prometem um diferencial na qualidade de vida, tanto para os moradores das duas áreas quanto para os vizinhos, que já ocupam seus espaços no final da tarde e finais de semana. Um fenômeno interessante é que um dos condomínios populares – o Moradas Pelotas – que fica contíguo já teve seus valores de aluguel aumentados em função desta proximidade.

Fomos acostumados a não pedir infraestrutura urbana e serviços, achando que são luxos e existem outras carências a serem atendidas. Hoje, percebe-se que a penúria de recursos tem a ver com a incapacidade dos gestores públicos. Quando não conseguem alcançar algo que a população precisa omitem-se e se fica com a ideia de que se está pedindo demais. Vamos sendo acostumados à pobreza das nossas ambições. Deveriam, sim, estabelecer parcerias para compensar a incapacidade administrativa.

Pensava nisto quando li sobre o Pacto Educativo Global, pedido pelo papa Francisco e que motiva um seminário da Pastoral da Educação no sábado (10). Provocação para pessoas, instituições, igrejas, governos, priorizando a educação humanista e solidária, a forma mais provável de se transformar a sociedade. Estava me preparando para ser o mediador quando escrevi meu texto anterior sobre “Educação: a hora é agora”, falando da mudança de governo e a necessária pressão para cumprirem promessas de campanha.

A Educação é a área social mais sensível para resgatar as populações marginalizadas. São sete compromissos propostos por Francisco no pacto educativo: 1. Colocar a pessoa no centro de cada processo educativo; 2. Ouvir as gerações mais novas; 3. Promover a mulher; 4 Responsabilizar a família; 5. Se abrir à acolhida; 6. Renovar a economia e a política e, finalmente, mas não menos importante, o item 7. Cuidar da casa comum. Simples, mas com a profundidade cirúrgica de uma sangria que precisa ser estancada...

Perdão, professora Dora, Alexandre, padre Martinho, Bete, Andrei se não estarei com vocês. Tenho certeza de que mentes que vivenciaram vitórias e revezes com a educação têm um diagnóstico que permite avançar. Exatamente no que diz Francisco: a pessoa ao centro; chamar a família e, especialmente, a mulher; percebendo que os jovens tem o que dizer e renovando práticas que estão pervertidas – na economia e na política – por quem, discursando, não quer cuidar das pessoas, muito menos da casa comum...

domingo, 4 de dezembro de 2022

As cores de que tanto se precisa


Conversava com uma vizinha em frente à casa e fiz uma provocação: “participas de um abaixo-assinado comigo?” Perguntou logo qual era e expliquei: “pela volta do colorido dos prédios do condomínio à nossa frente”. Deu uma risadinha e concordou: “assino, sim”. O dito tem poucos anos e no projeto inicial todos os edifícios eram pintados com cores diferentes, sempre combinando duas em que uma se destacava e a outra dava fundo. Depois de uma reunião, os moradores optaram por um cinza, uma cor neutra...

Recentemente, foi pauta nos noticiários de Porto Alegre a pintura de painéis em paredes laterais de imóveis. Quase sempre com registros do cotidiano ou de lembrança de personagens da história recente. Embora possa correr algum perigo por nossas calçadas serem mal conservadas, vale a pena erguer os olhos e se deparar com o diferente em meio a construções que primam pelo cinza e cores mais baratas e sem graça. Painéis que muitas vezes ultrapassam cem metros quadrados e desafiam a lógica na sua execução.

Não gosto de prédios com cores agressivas, mas daqueles que se harmonizam com o ambiente. São diferenciados exatamente porque chamam a atenção sem serem “exibidos”. Sabem vestir-se de cores adequadas para conviver e deixar as suas marcas. Pode-se destacar que a correta utilização das cores ajuda a equilibrar os ambientes, faz bem aos que habitam, gerando bem estar. A consequência é a redução do estresse, facilitar o convívio, auxiliar no controle da ansiedade, da angústia e da depressão.

A psicologia das cores comprova que influenciam nosso comportamento social. As pesquisas feitas por esta área do conhecimento demonstram que muitas das nossas decisões diárias são estimuladas pelas paletas de cores que nos são apresentadas. No seu sentido mais amplo: trabalhar em lugares com cores neutras ou estimulantes; andar por onde se tem vontade de afundar as mãos nos bolsos ou dançar pela rua; Frequentar ambientes em que as cores acolhem ou estimulam atividades físicas e sociais...

Somente para citar dois exemplos: o uso da cor amarela traz leveza, descontrai, gera otimismo. É utilizada em ambientes em que se precisa de criatividade produtiva, lidar com jovens e tornar lugares mais alegres. Veja o caso da cor roxa, que é considerada a cor da sabedoria, mas remete, também, à fantasia, ao mistério e à espiritualidade. Seu uso adequado pode, além do conforto, dar a sensação de bem-estar tão necessário em lugares de estudos, trabalho, convívio familiar, áreas urbanas recuperadas.

Estamos longe de ter uma cidade em que se privilegiem os ambientes como espaços de harmonia e relaxamento. Nossas ruas, na maior parte das vezes, são feias e sem graça. Quando, ainda, os moradores não auxiliam, torna-se pior. Pode ser o descarte adequado do lixo, a pintura mais exuberante, a planta que roube o verde do asfalto e da calçada de cimento... Não é gasto, é investimento. Quando se melhora a casa não está se fazendo um favor, mas dizendo que viver em sociedade é fazer do coletivo a própria felicidade.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Me chame pelo meu nome...

Muito daquilo que a gente não entende

Acaba por parecer estranho.

O desconhecido assusta,

Então, se prefere as sendas rotineiras,

Que terminam em tédio,

Na mesmice, a repetição que anula a vida.

É triste quando a memória faz esquecer

Daquilo que já nomeamos...

 

Sabes aquela música que eu não sei o que diz,

Numa língua que eu não conheço,

Porém acompanho a melodia, cantarolando,

E me faz cerrar os olhos em doces devaneios?

 

Sabes aquela necessidade de procurar por um nome,

Especialmente quando é alguém diferente,

Que pode ser um autista, um down, um deficiente, um idoso,

Quando se esquece que também tem a bênção de ter um nome

E se chama Luiza, João, Margarete ou André?

 

Sabes aquela criança que apenas consegue se manter em pé,

Desengonçada, e cria o ritmo que harmoniza

O riso com a surpresa, a gratidão com o carinho,

E ginga como se o compasso da vida lhe regesse os passos?

 

Sabes aquele velhinho que ao sorrir

Traça no rosto todas as lembranças da sua história,

Página por página, conta os casos que

Não cabem apenas na realidade,

Mas precisam da imaginação?

 

Pessoas que gostariam de serem chamadas pelo próprio nome.

Por favor, não espere que eu tenha a palavra certa,

A maior parte do que digo emerge

Da profundidade dos meus devaneios...

É onde tenho a sensação de alcançar

A magia que me sintoniza com o Universo.

 

Talvez eu já não lembre de tudo

O que compartilhei contigo.

Se eu não sou aquele que imaginou,

Apenas, segure a minha mão,

Me dê um olhar de carinho,

Me abrace forte como numa despedida.

Lembre-se que um dia eu já fiz o mesmo contigo.

Me chame pelo meu nome.

Me ajude, apenas e tão somente,

A envelhecer com dignidade e a ter o direito de ser feliz...

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Educação: a hora é agora

Os administradores eleitos no estado e no país já estão bem alertados de que precisam voltar os olhos para a educação. É momento estratégico para realizar um pacto por um ponto de corte na linha do tempo do ensino. Eduardo Leite, eleito, se comprometeu com alguns partidos da sua base a implementar o ensino em dois turnos, em um número maior de escolas, afirmando que seu governo vai priorizar a área nos próximos quatro anos. E o governo federal traz nomes reconhecidos, tendo preocupação com o social.

O que é um “ponto de corte”? Não é novidade, países já o fizeram ao compreender que a verdadeira alavanca de qualquer processo de desenvolvimento se constrói priorizando a educação. Reação a um quadro semelhante ao atual: de infraestrutura, superlotação de salas de aula, evasão escolar, para citar alguns problemas agravados nos últimos anos pela Covid-19, que escancarou as diferenças sociais, já que, mal ou bem, escolas particulares conseguem sobreviver, enquanto a pública não tem como se manter.


Para quem acha que isto é conversa fiada, acesse a base de dados do Ministério da Educação. O Sistema de Avaliação da Educação Básica aponta que entre 2019 e 2021 o índice de crianças que não sabem ler dobrou. De 15,5% passou para 33,8%, entre alunos do 2º ano da educação infantil, na faixa entre sete e oito anos. O número mais trágico é apontado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância: dois milhões de estudantes, com idades entre 11 e 19 anos, no país, abandonaram a escola durante a pandemia.

Se já é preocupante a questão do conhecimento, fica mais difícil quando especialistas alertam que a Covid-19 foi elemento preponderante para a falta de sociabilização de parte dos alunos iniciantes. Houve recuo sócio emocional que afetou a individualidade e o desempenho na interação grupal. Com um ensino deficitário, foi atraso que compromete as futuras gerações. Escancara o pensamento de que o acesso qualificado à educação se transforma em privilégio de alguns e não num direito de todos.

Infelizmente, a relação entre cidadão e governo, no Brasil, é clientelista: a candidatura é oferecida, conquista-se o voto e se espera algo em troca. A pregação do “vamos fazer juntos” é somente discurso diante da realidade de uma população que, entre outras, lhe falta a educação política. Por desconhecimento, torna-se refém da própria ignorância. Não é à toa que, por se ter “políticos de estimação” os resultados das urnas são contestados pelo simples fato de que o meu grupo não foi vitorioso. Então, não vale...

Os discursos dos candidatos precisam deixar de ser apenas cartas de intenção e virar propostas concretas. Não importa em quem o senhor ou a senhora votou. A eleição dividiu o estado e o país e vai levar um tempo para sarar as feridas, se é que serão curadas. No entanto, engessar atividades públicas é causar prejuízo maior à parcela da população que sequer consegue entender o porquê do seu sofrimento. A mudança real inicia com a sociedade assumindo que a hora é agora para dar uma virada na educação.

domingo, 27 de novembro de 2022

Minha doce e louca amiga...

Quem chegava ao memorial da Irmã Dulce, em Salvador, na Bahia, nos últimos dias, encontrava como recepcionista uma velha conhecida da população pelotense: a jornalista Carmem Lopes, que por aqui atuou como repórter de geral, na RBS TV, e, depois, também, na cobertura esportiva, especialmente em futebol, sendo a primeira mulher nesta área. Em seguida, alçou outros voos pelo estado e também em nível nacional. Recentemente, reatamos contato pelas redes sociais e pelo whatsapp.

Como se diria antigamente, nos conhecemos em “priscas eras”. Eu assumia a assessoria de comunicação da Prefeitura de Pelotas, no governo do Bernardo de Souza, e a Carmem iniciava como repórter. Facilmente nos tornamos amigos, pelo respeito que tinha pela profissional que já se vislumbrava. Fazendo cobertura de política, era fácil fazer a troca de figurinhas que, se a beneficiavam, também me davam a ideia do quanto alguns assuntos já haviam se tornado público e qual a sua repercussão.

Aposentada, continua com o espírito perspicaz e não sossega. Qual não foi a surpresa quando postou o primeiro vídeo dizendo que estava a caminho de Salvador. Até aí, nada estranho, muitos vão para a capital do Axé fazer turismo, se deliciando com a acolhida e a culinária baiana. Mas não era este o motivo da viagem. Havia se oferecido para trabalhar como voluntária temporária no memorial da Irmã Dulce. Levou a sua competência, o espírito determinado, vestindo, literalmente, a camiseta da instituição.

Por um período, ficou junto ao complexo hospitalar onde um mutirão de solidariedade atende população carente, de forma gratuita, pelos serviços do Sistema Único de Saúde. Na chegada, contou: “foram 2h15 conversando com pessoas e me surpreendendo. É difícil jornalista se surpreender, mas a estrutura que vi num hospital filantrópico, que se mantém só com doações e verbas do SUS, não vi em nenhum hospital que conheci, até hoje”. De surpresa em surpresa, a gaúcha conhecia uma nova e desafiadora realidade.


Confesso, não sabia deste lado espiritualizado da Carmem e a capacidade de fazer promessa intercedendo por amigos. E não pensem que o trabalho é apenas burocrático. Foi convidada a fazer um tour por onde a irmã Dulce andava, pedindo doações durante o dia e, à noite, recolhia os pobres para alimentá-los. Não é um turismo convencional, mas a oportunidade de conhecer o outro lado daquilo que comumente se vê em Salvador e será oferecido àqueles que também sentem a necessidade deste desafio.

A Carmem tem uma “loucura” que só pode ser de Deus. Fotos, vídeos e textos trazem a felicidade que fica além das palavras, com o sentimento de paz e tranquilidade que seu rosto estampa. É mais do que coragem, é arrojo, determinação, sentimento de cumplicidade com quem se beneficiou da sua promessa e a instituição que a acolheu. Não creio que as Obras Sociais da Irmã Dulce já tivessem visto outra “carmem”, assim. Nós já. Mas a gente reparte. Juntando gaúcho com baiano, tá aí uma boa “baiúcha”!

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Partidas e despedidas

Senta aqui,

Senta aqui ao meu lado.

Na despedida, as palavras são desnecessárias.

O olhar, a lágrima, um carinho

Dizem mais, calam mais fundos,

Deixam a sensação de que partidas

Têm sempre a possibilidade do retorno.

 

Procurar motivos para a despedida é inútil.

Como buscar sentido no rio que corre,

Cumpre seu destino,

Deixa marcas nas costas de onde

Recebe vitalidade e torna fértil as terras?

 


Quando o trem apitar na última curva dos trilhos

E as cancelas começarem a ser levantadas

Para apaziguar o trânsito,

Ainda terás tempo de pegar tua bagagem

E tomar o rumo da plataforma.

Embarcar ou não vai ser uma decisão tua.

Deixarás para trás lembranças e saudades.

Não te prende a elas,

Mas também não te faz refém

Do que te trouxe tristezas ou alegrias.

 

Por onde andares, quando encheres os olhos

Com tudo o que o Mundo te proporcionar,

Ainda restará a possibilidade de uma volta.

No entanto, não te enganes:

Nada mais será como antigamente.

 

Quando me encontrares cansado e alquebrado,

No mesmo banco, na mesma estação de trem,

Pelos mesmos trilhos que te levaram e aos teus sonhos,

Seguiu o tempo que um dia te encontrará

Aqui, sentado neste mesmo lugar.

 

Serás testemunha de outras despedidas,

Agoniado com as partidas.

Perdendo um pedaço do teu próprio ser,

Sabendo que o trem que parte,

Mais cedo ou mais tarde,

É aquele que acaba voltando.

 

Senta aqui,

Senta aqui ao meu lado.

Um dia a gente parte,

No outro, partem aqueles que amamos.

O gemido do trem que se afasta

É o mesmo que, um dia, vai apitar na chegada,

Encher teu coração de alegria,

Pois já terás teus próprios fantasmas para

Mostrar que estás mais próximo

De embarcar na viagem que

Dá sentido a todas as partidas...

E a todas as despedidas!

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Guerra e ecologia: um roteiro de omissões


O que se pensou ser um pesadelo, infelizmente, se transforma em realidade: o sonho de paz de homens e mulheres de boa-vontade é destruído por mãos que potencializam a morte. Recentes episódios na guerra da Ucrânia e a realização da Conferência do Clima, no Egito, são a demonstração da incapacidade de alguns seres humanos para o convívio social. As provocações demonstram o perigo que é andar na fronteira da sanidade, com a possibilidade de que Rússia e Estados Unidos usem seus arsenais nucleares.

O encontro de preservacionistas – delegados dos países signatários da Convenção, que têm poder de voto; jornalistas e organizações não governamentais (ONGs) - precisa ser mais do que “turismo ecológico e político” para se transformar numa freada, já que sinais de alerta foram dados pela Natureza há um bom tempo, e se tem a oportunidade de que ações levem o mundo a conter o impacto das mudanças climáticas a um aumento de, no máximo, 1,5 graus centígrados na temperatura média da Terra.

Quem assistiu a filmes em que se mostra a devastação de áreas atingidas pelo impacto nuclear tem ideia dos efeitos de curto prazo, em áreas possíveis de serem delimitadas. Mas, a médio e longo prazo, todo o planeta irá sofrer naquilo que foi simbolizado por céus enegrecidos pela radioatividade, abandono das estruturas urbanas, formação de escombros, diminuição na produção industrial e agrícola. A consequência será a falta de serviços e uma multidão de famintos e esfarrapados perambulado desnorteados.

O ufanismo do século XX precisa dar lugar ao alerta. Pensar que os recursos do planeta são inesgotáveis é falácia. Embora a pompa política que envolve a Conferência Climática, um dado é fundamental: definir as capacidades e os limites do mundo e da sociedade para se adaptar às mudanças. Elas são fato e discutir é perda de tempo, atrasar medidas que já deveriam ter sido tomadas. Não é somente por nós, hoje, mas pensando nas gerações futuras, que não podem ser responsabilizadas por nossos erros.

A perspectiva é catastrófica quando se junta no mesmo roteiro a omissão de países e os discursos inflamados, mas sem substância, de quem usa de verborragia diante da mídia, mas não atua no concreto das necessidades sociais. Nossos problemas estão em áreas como preservação, reciclagem, água tratada, esgotos... e a relação é enorme e complexa! Imaginem, então, com os problemas que já se tem, ainda sofrer as consequências da insanidade de países que incentivam a produção armamentista e da guerra.

A humanidade se surpreende diante da televisão pela descoberta de formas elementares de vida no espaço e joga para baixo do tapete a fome na África, Ásia e América. Líderes políticos tiram casquinha do que hoje é pauta mundial, que iniciou em meados do século passado, quando “ecochatos” alertaram que seríamos arrastados para conflitos sem sentido se não aprendêssemos a cuidar dos nossos semelhantes. É um tempo difícil: nunca precisamos tanto falar – e praticar -  a solidariedade, a compaixão e a ternura...

domingo, 20 de novembro de 2022

Irmãs que fazem a “igreja em saída”


Não lembro desde quando ouvi falar da irmã Assunta. Os ecos das suas passagens eram sentidos em paróquias e comunidades. Em dias de atendimento, acorria gente das redondezas, mas também por onde uma vizinha ouvira falar e fazia a propaganda “boca a boca”. O destaque ficava por conta do atendimento fitoterápico - preparo de medicações e pomadas, em especial - também as célebres e benéficas massagens, assim como as entrevistas/consultas que serviam de orientação da saúde do corpo e da alma.

No dia 16 de novembro, a live Partilhando (da arquidiocese de Pelotas) conversou com as irmãs quem mantém uma comunidade no bairro Areal, congregação do Imaculado Coração de Maria. Era a nossa homenagem e uma despedida, afinal, religiosas que dedicaram sua vida inteira atendendo às populações mais pobres, nas periferias, agora têm o direito de descansar. Irmã Fiorinda, com 85 anos; irmã Assunta, com 98; irmã Ida, com 90, são “meninas” a quem devemos a nossa gratidão e muito carinho.

Quem primeiro me convidou para ir até o atendimento da irmã Assunta foram meus pais, seu Manoel e dona França. Não tenho muitas lembranças de outros lugares, mas a memória bem clara de quando estavam nas dependências do Anglo, onde hoje está a Universidade Federal. Depois, já na Casa do Caminho, em frente ao Jockey Club. Ali, sim, foram muitas visitas testemunhando os passeios pela plantação, as conversas sobre como eliminar lesmas, a troca de mudas e as dicas da melhor forma de usar cada planta.

O atendimento físico é acompanhado pela preocupação espiritual, atuando de forma ecumênica que a levou a investir em hortas comunitárias (ali existe uma) nas vilas e interior, sempre no sistema de trabalho conjunto e de partilha. Quando entrevistamos o pessoal da Pastoral Carcerária, uma informação chamou a atenção: antes que pensassem em atuar no presídio local, a irmã Assunta e sua equipe já estavam presentes fazendo o atendimento do corpo na sua integralidade e sendo uma semente de esperança.

Busco seguidamente própolis para meu uso e um sabonete anticéptico para minha irmã, a Leonice. Impossível não notar que pessoas chegam à Casa do Caminho, muitas vezes, depois de não terem conseguido respostas em outros lugares. São acolhidas, num tempo diferenciado da pressa com que queremos que tudo aconteça, ouvidas e alertadas de que, se estão fazendo tratamento, continuem com ele e saibam que o que lhes será oferecido é em apoio, muitas vezes para minimizar ou eliminar os efeitos colaterais.

Atender a periferia, a saúde, idosos e doentes é o que o papa Francisco chama de “igreja em saída”. As irmãs dão testemunho, sem buscar reconhecimento público. A irmã Assunta diz que já andou por muitos lugares e sempre voltou a Pelotas. Que bom, irmã, que assim seja: Podem ir, mas voltem, a diocese tem uma dívida de gratidão e, aqui, serão sempre bem vindas. Quem trabalhou com vocês, cada um daqueles que foram atendido gostariam que não fossem, mas se é preciso ir, que voltem um dia, nem que seja para uma visita... Rezem sempre por nós. E que Deus as abençoe!