domingo, 30 de novembro de 2008

O preço da desgraça

Os ecologistas já tinham avisado: o desastre está próximo. Este foi o motivo pelo qual os tachamos de “ecochatos”, porque vivem repetindo a mesma coisa que nós, em toda a nossa “sabedoria”, tínhamos certeza de que não iria acontecer. Mas aconteceu: a utilização desordenada das encostas dos morros, das áreas de banhados e o assoreamento dos rios completaram a química necessária para que a natureza, desequilibrada, cobrasse alto pelo seu longo silêncio e fizesse muitas vítimas.
Os deslizamentos causados pela ação da chuva sobre espaços devastados resultam de ocupações desordenadas e áreas mal usadas, que o poder público deveria preservar. Por muitos motivos, especialmente econômicos e políticos, são toleradas e, depois, paga-se com a destruição do próprio e pouco patrimônio que as pessoas têm, quando não com a vida.
Aumentar o cimento e o asfalto sobre áreas urbanas retira a capacidade do solo de servir de “esponja” para as grandes precipitações de chuvas. Não podendo ser absorvidas, acabarão se transformando em pequenos rios caudalosos pelas ruas, causando destruição e todos os transtornos que vimos nas imagens da televisão.
O avanço da agricultura e da urbanização até as áreas próximas aos rios retirou as matas ciliares e a proteção das encostas. Resultado: deslizamento de terra, empurrada pelas chuvas para seus leitos, que se tornam menos profundos, conseqüentemente, alargando seu canal e ocupando áreas de produção ou de moradia, normalmente, de populações pobres.
Não é uma desgraça anunciada? Sempre julgamos que todos os benefícios poderiam ser tomados da natureza sem que esta nos causasse danos maiores. O que assistimos em Santa Catarina não é um sinal esporádico, um fenômeno localizado, pois está acontecendo em todo o Planeta. A natureza, descontrolada por um histórico de abusos, tem mostrado a sua fragilidade e a necessidade de que se repense a relação predadora que construímos.
O uso abusivo de recursos e a poluição desenfreada, com suas conseqüências, alertam: ninguém está livre de sofrer pelas feridas que impusemos ao planeta! O preço da desgraça é a consciência que precisamos ter de que nada é eterno em recursos naturais e eles têm ciclos a serem respeitados. Abusamos da sorte e estamos pagando. Deve haver uma forma de pedir desculpas à mãe Terra e tratá-la melhor. Só nos resta fazer isto, pois não temos alternativa.

domingo, 23 de novembro de 2008

30 anos de formatura

No próximo ano, minha turma de Comunicação Social faz 30 anos de formatura (na época fazíamos todas as disciplinas de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas, mas somente obtínhamos o registro em uma). Na semana que passou, aproveitamos aqueles que estavam mais próximos para iniciar os festejos e as infindáveis e doces lembranças. Não sou muito dado a este tipo de comemoração, mas senti necessidade de estar com a turma que já comemorou outras etapas.
Temos que reconhecer que a primeira coisa que mudou foram as fotografias. Elas têm a mania de nos mostrar mais magros, com mais cabelos, menos marcas do tempo em nossos rostos e um semblante despreocupado como quem diz: temos toda uma história pela frente! Ainda registram que alguns já ficaram pelo caminho, deixando as marcas da saudade. Um deles, nosso homenageado, o presbítero Cláudio Neutzling.
Como não sei se alcanço outros 30, resolvi acompanhar estes, e folhear programas das disciplinas, cadernetas, agendas, jornais da época, um pouco de nostalgia, disfarçada por risos e sorrisos, mostrava ser impossível impedir que invadíssemos o mercado em busca de nosso lugar e de uma oportunidade. O Vaz brincava com uma agenda de 78 da Claudete, onde a colega registrava os momentos mais importantes, como as notas, para serem repassadas aos companheiros faltosos. Também apontava as festas, madrugadas pelos pontos de lanche e a falta de dinheiro com a “vaquinha” para que tudo acabasse bem.
Dos 18 formandos no auditório do então Colégio Santa Margarida, com a Missa de Ação de Graças na recém inaugurada capelinha da Universidade (com olheiras e jeito de sono, pois a festa havia sido grande), conseguimos reunir dez, na esperança de que praticamente todos estejam conosco em dezembro de 2009.
É uma longa e bonita trajetória. Naquela época, tínhamos energia de sobra, e olhávamos para o futuro como se dependesse apenas de nós para se concretizar. Fomos aprendendo, com a vida, que a nossa influência é forte, mas há uma série de circunstâncias que fazem os caminhos serem trilhados com maior ou menor dificuldade.
Não posso me queixar. Quando me perguntam como é que foi para mim, confesso: esta não é a vida que pedi a Deus. Pois Ele me deu mais do que julgo ser merecedor! Melhor ainda, porque não foi somente a minha vida, mas as “vidas” com as quais fui agraciado ao longo destes 30 anos de formado, 53 de vida e, espero, me acompanharão, ao menos nos próximos 30 anos.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Sou um “sem celular”

Achava que não era verdade - ou exagero - quando as pessoas falavam no suplício em tentar cancelar uma linha telefônica ou de celular. É pior. A tortura é subliminar em todas as etapas pelas quais se passa em transferências onde as telefonistas fazem de tudo para tentar convencer a desistir, pois além de tudo o que se leu de “vantagens” em ter estes serviços, ainda aparecem descontos, bonificações, oferecimento de novos aparelhos...
Depois que emergi da ligação, com mais de meia hora tendo o aparelho ao ouvido, tive que dar razão às estatísticas que mostram ser este ramo de serviços um dos que mais tem reclamações junto às instituições fiscalizadoras.
Já vinha fazendo a experiência de não me sentir “disponível” 24 horas por dia, procurando andar com o aparelho celular apenas quando era rigorosamente necessário. Aprendi a lição, com a professora Maria Lúcia, de que “vamos de casa para o trabalho, do trabalho para casa”. Portanto, qual é o sentido em ter este tipo de serviço? Se acontecer algum tipo de desgraça não pode ser pior se estivermos caminhando ou dirigindo um carro? Nos casos médicos, por exemplo, os serviços de urgência e emergência são acionados antes de se procurar algum parente.
Esta é uma forma de “desacelerar” o mundo, como escrevi em artigo anterior. Além de falar e ouvir, pressupostos básicos da telefonia, novos aparelhos são oferecidos como se qualquer atividade perdesse o sentido se não o utilizar. Ficamos dependentes de uma parafernália que envolve, aprisiona, mas descartável a cada breve período de tempo, para se consumir a última novidade.
Pequenas ações nos afastam da possibilidade de sermos reféns de recursos tecnológicos e dão a chance de buscar mais qualidade de vida em que, acima de tudo, o máximo exigido é o olhar, o sorrir, o abraçar, do que estarmos quase imobilizados diante de um computador e de seus mafiosos achaques.
Suspirei aliviado quando tive a confirmação de que eu era um “sem celular”, expressão cunhada pelo professor Jorge Malhão, quando conseguiu a sua alforria. Confesso que, durante alguns dias, ainda olhava febrilmente anúncios em jornais e revistas, mas, aos poucos, estes sintomas passam. Esta abstinência ainda pode me levar a alguma recaída, mas, hoje, tenho a sensação de liberdade, impagável por saber que algo não vai tremer ou gritar no meu bolso e sorrir do susto que vejo levarem quando isto acontece. Em tempos de “stress”, nada melhor do que alguma tranqüilidade!

domingo, 9 de novembro de 2008

Desacelerar o Mundo

A receita é simples, o complicado é a forma de fazê-lo: chegamos a uma encruzilhada em que as alternativas são poucas, ou diminuímos o ritmo com que “conquistamos” benefícios para certos contingentes da população, ou não vai sobrar muito que contar às futuras gerações. O que está acontecendo com os recursos financeiros e naturais é de uma imaturidade impressionante, apenas percebido quando há algum problema, como, recentemente, o das bolsas. Neste momento, todos sabem o que aconteceu e porque aconteceu. Mas, até então, muitos se aproveitaram dos rendimentos provenientes da especulação para “fazer a sua fezinha”.
O mesmo se dá com os recursos naturais. Tomemos o exemplo do petróleo, que levou séculos para se formar e consumimos de forma desenfreada, chegando ao ápice, hoje, de aumentar o tráfego de carros, mesmo que já não tenhamos infra-estrutura urbana, enquanto diminui o número dos que usam ônibus. O discurso, dizendo que é preciso preservar os recursos naturais para o uso das futuras gerações, não sobrevive ao lobby da indústria automobilística e de motos que, praticamente, coloca na garagem um carro novo, preferencialmente, trocado a cada ano.
Dos dados recentes a respeito do baque nas bolsas em nível internacional tornaram-se visíveis dois números que assombram e preocupam: os recursos destinados a salvar os bancos poderiam resolver o problema da fome no Mundo! Pensando em todos os seus efeitos colaterais como repercussão na saúde, no desenvolvimento infantil, etc. De “brinde”, ficamos sabendo também que os recursos gastos em material de guerra dobrariam o montante, sendo capazes de resolver os principais problemas de infra-estrutura das populações mais pobres.
Então, soa falso salvar categorias já favorecidas quando diminuem sua capacidade de especular com o capital. Mais falso ainda aparelhar exércitos para uma guerra, em nível internacional, que, se acontecer, será resolvida acionando um botão – o de uma bomba nuclear – que nós não temos e já, pela quantidade existente na Terra, não precisamos ter.
As mudanças não vão partir dos Estados Unidos, mesmo com Barack Obama, pois conquistaram um “nível” do qual não vão abrir mão. Mas confesso que não quero ser o culpado de deixar para as futuras gerações um planeta já machucado e sem condições de curar suas feridas. Então, não há outro jeito, chegou a hora de encontrarmos formas de desacelerar o Mundo.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Vai chegar a minha vez

Noite de sábado, bom para buscar um lanche, mesmo em dieta, que ninguém é de ferro! Combinado o pedido, com os devidos ingredientes, sobra tempo para um papo e, pelas vias escuras do subúrbio, o tema vai e volta e, quando se está nas ruas, acaba sendo a violência: a violência anunciada e, resignadamente, esperada.
Pela principal rua do bairro, 9 horas da noite, passam as figuras mais bizarras e estranhas, algumas bêbadas, outras drogadas, outras ainda encarando cada um como se desafeto fosse. Uma “fauna” que aparece depois que o sol se põe e faz deste horário a sua própria “madrugada”. Vão perambular pela cidade, enquanto os cidadãos comuns recolhem-se, trancam portas, reforçam as grades, acionam alarmes, cercas elétricas, e rezam quando querem entrar ou sair de suas casas ou apartamentos.
Mas na pastelaria da Regi (para os íntimos, senão, Regina) quando aparece algum destes personagens o aviso é sempre o mesmo: “o patrão chega daqui a pouco”. Pois ainda existe um pouco mais de respeitabilidade quando um homem é o proprietário e responsável pela segurança de um estabelecimento.
Mas ela reconhece, com certa nota de tristeza na voz, que é só uma questão de tempo, pois o seu dia vai chegar. Ainda vai ser assaltada e só espera ter a tranqüilidade para não reagir ou criar uma situação que possa dificultar ainda mais a ação do delinqüente, que pode reagir de forma adversa e ferir ou matar alguém, pois o estrago pode ser bem maior do que apenas o financeiro.
Infelizmente, a cultura da violência está se estabelecendo entre nós. Disseram-me estes dias que o percentual daqueles que já não registram mais as ocorrências de pequenos furtos é grande porque não acreditam na capacidade da polícia de esclarecer estes casos. Contou-me também um amigo que, ao ter seu carro quase demolido por outro que invadiu uma preferencial, telefonando para a brigada, foi questionado se havia alguém ferido. Como a resposta foi negativa, recebeu como orientação que resolvessem entre si, ou registrassem uma ocorrência, porque não haveria o deslocamento de uma viatura.
Este é mais um direito que nos é sonegado: o da segurança, no ir e vir, sem qualquer restrição, em via pública, em determinados horários. O movimento do final da tarde, quando crianças, jovens e idosos aproveitam para um passeio, transforma-se em ruas vazias, depois do escurecer, pois cada um tem consciência de que pode sofrer algum tipo de violência. A certeza é apenas uma: ainda vai chegar a minha vez.