segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Uma campanha para a fraternidade

Um grupo de Igrejas Cristãs propõe que se discuta na Quaresma (entre a Quarta-Feira de Cinzas e a Semana Santa), dentro da já tradicional Campanha da Fraternidade, o tema “vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro”. O assunto tem grande importância e repercussão, porque lida com um ponto sensível e “motor” para a sociedade. No entanto, lideranças religiosas reconhecem que é “utópico” refletir a respeito, num tempo em que o Mundo se acostumou a viver o capitalismo e formas alternativas não deram resultado ou foram “convertidas” ao mesmo sistema. Pena que se use indevidamente o termo “utopia”.
Se as igrejas querem lutar contra cata-ventos (ao estilo de Don Quixote) não deveriam desacreditar algo que está no cerne da própria fé: a sensibilidade para olhar um horizonte de esperança baseado no que esperamos de Deus, de atender ao que Jesus pregou e da própria salvação. Antes de propor aos outros que façam uma mudança radical na sua forma de viver, estamos precisando rever nossos próprios conceitos. Afinal, temos universidades, escolas, hospitais, creches, asilos, instituições filantrópicas capilarmente estendidas a toda a organização social. Estas instituições já estão fazendo a grande mudança que pregamos aos outros? Nossas próprias lideranças já alcançaram este espírito, ou apenas o fazem no discurso?
O papa João XXIII disse que gostaria de ter a fé de uma mulher do interior que acorda na madrugada para tirar o leite de uma vaca, rezando o terço. Significa que apesar de toda a nossa erudição, intelectualização, o mais importante ainda está no que diz o coração, porque aí se manifesta o momento único de encontro do Criador com a criatura. No Santuário de Guadalupe, na Cascata (em Pelotas), as borboletas voam livremente e em grande número. Segundo os ecologistas, é sinal que o ar naquela redondeza é bom e saudável. Para mudarmos a sociedade e a sua economia, precisamos dar sinais de que também queremos mudar, fazendo a diferença pela presença viva, limpando nossos próprios ranços, também do discurso, mas em especial no testemunho daquele que disse: “Daí a César o que é de César. E a Deus, o que é de Deus”.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Um sinal para a mudança

A permanência do governador de Brasília, Roberto Arruda, na prisão durante o Carnaval não virou samba, mas alenta uma esperança: a de que nem tudo está perdido e há uma expectativa com relação aos poderes constituídos. Infelizmente, diante do descrédito em que se encontram o Executivo, Legislativo e Judiciário, a questão era: em quando tempo um habeas corpus colocaria nas ruas um político corrupto que foi flagrado debochadamente recebendo e oferecendo propinas, com a desfaçatez de quem confia na impunidade? Confiava, porque a Justiça deu um sinal de esperança ao mantê-lo na prisão, embora políticos tenham manifestado insatisfação com a operação da Polícia Federal. Ora, no Brasil se diz que vão para a cadeia os pobres, pretos ou pardos. Pois há uma exceção, que nos remete exatamente àquilo que falávamos antes: um sinal.
O presidente Lula disse que a prisão iria fazer com que outros não façam o mesmo. Infelizmente, não é verdade. O nível de corrupção e de desmandos no país chegou a tal nível que, no máximo, alguns tomarão cuidado, especialmente em se deixarem ser filmados. Mas a repetição das prisões é que pode estancar a insistência com que recursos públicos, com grande facilidade, alimentam a corrupção. Estes mesmos sinais precisam ser vistos em outras áreas, como a educação, o mundo do trabalho e a religião. Tristemente, hoje, grande parcela da população acredita que não há como mudar nossa forma de convivência: pregamos a democracia e vivemos em ambientes autoritários; defendemos a justiça na distribuição de renda, mas as instituições não pagam salários justos; queremos o fim da impunidade, mas achamos que os nossos precisam ser protegidos.
A democracia não é feita de práticas esparsas; o salário mínimo é um avanço, mas ainda não é justo; nossos jovens também estão ao alcance da lei, quando erram por excesso de adrenalina ou consumo de álcool ou drogas. Um sinal para a mudança: sejamos democratas na teoria e na prática; abertos a discutir a justiça salarial e dispostos a não acobertar nenhum tipo de delito, próprios ou não. Este é o sinal de que está no horizonte a cidadania para um maior número possível de brasileiros.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Palavras repetidas

Os comunicadores fizeram suas palestras, os sociólogos defenderam suas teses e os pedagogos e filósofos mostraram a beleza presente na arte de existir. No entanto, a impressão que tive é de que faltou alguma coisa ao Mutirão Latino Americano e Caribenho de Comunicação, realizado na semana passada, pela Igreja Católica, em Porto Alegre. A proposta mais sensata – ou prática – foi da necessidade de se romper o silêncio. Estranho, não? Porque ela, em si, não tem elementos “práticos”. No entanto, o que quis dizer é do quanto é necessário romper a barreira entre aqueles que lá estavam e que, de alguma forma, já ouviram o que foi dito, e aqueles que andam pelas cidades, bairros e interior, necessitando partilhar destas mensagens.
É parecido com os artigos que se escrevem falando a respeito da preservação da natureza, do patrimônio público e das áreas de convívio. Infelizmente, quase sempre, quem lê é alguém que já partilha destas idéias. Os vândalos, aqueles que depredam escolas, praças, igrejas, não lêem aquilo que escrevemos. Pode parecer um paradoxo que num encontro de comunicação seja necessário repetir palavras ou expressões como esperança, cultura da paz e solidariedade, que já estão praticamente calejadas no nosso discurso de Igreja. A realidade é que não conseguimos fazer com que elas passem do discurso para a prática do dia a dia.
São João – aquele que dormiu no ombro do Senhor na Última Ceia e não o que perdeu a cabeça pela espada – repetia a expressão: “filhinhos, amai-vos uns aos outros”. Passado dos 90 anos, entrava reunião e saia reunião e ele com o seu bordão. Até que um mais atrevido resolveu perguntar: “Pô, São João, não tens outra mensagem?”. O bom ancião olhou para todos os que estavam presente e tascou: “mas vocês já fizeram isto?” Este é o desafio: a capacidade de romper nossos círculos e atingir os que cansaram de esperar por mudanças e resolveram apenas viver, sem qualquer compromisso com a realidade. Deixam apenas que os dias passem. Para que não sejam apenas palavras repetidas é preciso, mais do que seminários, congressos e mutirões, praticar a mensagem de São João, tão simples, lúcida e atual: “filhinhos, amai-vos uns aos outros!”