terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Um brinde à imperfeição!

2024 chega ao fim. São muitas atividades em família, festejos no emprego ou nos ambientes educacionais que, praticamente, não permitem que se pare. E, possivelmente, este seja o maior problema destes tempos: embarca-se na roda alucinante do dia a dia e se dificulta uma parada de reflexão, a não ser as das representações sociais, com uma penca de "boas intenções" que, depois, se esquece. Passando, é mais fácil colocar a culpa nas relações familiares, no que os amigos deveriam fazer e, quem sabe, na religião.

 

Quem está mais próximo (no caso a família) se torna também a primeira vítima. É preciso aprender que não existem famílias perfeitas e, sim, o primeiro espaço (privilegiado) para se experimentar as relações sociais. Com o melhor e o pior que pode acontecer, sem o peso das cobranças que virão mais tarde. O lugar mais difícil de se viver as teorias que se prega na rua, por ser onde se desgastam os vínculos e se tem uma predisposição para destacar os defeitos, em detrimento das virtudes. Onde é mais difícil exercitar a tolerância e a caridade. 


Não existe a religião perfeita (não discuto a parte de Deus). A inspiração pode ser de Deus, mas a transpiração do dia a dia (quem a faz, na prática) é de homens e mulheres com seus valores e imperfeições. A cara de uma comunidade crente é o rosto de quem a compõe no que prega e, sobretudo, no que vive. Vale para a relação com públicos internos, especialmente os mais simples, e quem espreita à janela enquanto alguns teimam em arrombar portas em processos duvidosos de conversão (proselitismo).


Não existe amigo perfeito. Amizade é uma bênção que exige reciprocidade. O maior erro que se comete ao longo da vida é se cobrar e cobrar dos outros que sejam perfeitos. Para si, é um caminho quase certo ao fracasso. Na relação com um familiar, um amigo, é preciso reconhecer que é um ser especial composto de carne, ossos e sentimentos. Pensar que está sempre à disposição quando se precisa, supõe a reciprocidade. O nível de cobrança do outro deve ser o mesmo que se estabelece para si próprio.


Então, esperando o 2025, um brinde à imperfeição. Chega oportunizando aceitar (e não de se acomodar) que é intrínseco ao ser humano os momentos de insatisfação por aquilo que se é ou se tem. Todas as nossas boas intenções da virada do ano muitas vezes naufragam na rotina do quotidiano. A perfeição é sempre um sonho, uma utopia. Para quem tem a sua fé, a realização que se alcança quando se retorna aos braços de Deus!


Paro por aqui num período de descanso (aposentado também faz isto) e, se me permitirem, volto em fevereiro. Um feliz e abençoado 2025!


domingo, 29 de dezembro de 2024

Simplesmente assim: Desapegar-se

Pior do que boas intenções não cumpridas

É fixar-se às teias que nos tornam reféns do passado.

Somos vocacionados a viver livre, leve e solto, 

O desejo de que apenas existir seja o milagre

De todos os dias, como meta da felicidade.

Arejar a mente do que apenas complica, sem deixar 

Que a vida se resuma a gemidos e lamentações. 


Desapegar-se é acreditar que 

A existência é curta para remoer o passado

Ou toldar o futuro com pesos desnecessários.

Não importa se te julgam superficial 

Quando dás de ombro e apenas sorris.

Respira fundo, a vida continua sendo bela e 

O novo ano é um brado da alma por esperançar!


sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

A infidelidade da imagem

Sem porto, a alma naufraga em mar aberto, 

Após vagar solitária, como um cometa errante.

Procura por abrigo, 

Nas andanças e desesperanças da vida.

Deseja a réstia de luz de uma estrela norteadora 

que ilumine os rumos do seu destino. 

A estrada é sua sina,

Onde se abrem as gavetas das recordações.


As estátuas que se fazem têm a pretensão 

de carregar um pouco de todas as vivências. 

Não é apenas homenagem

E, sim, o indicativo de um gesto marcante, 

Alertando e vislumbrando rumos.

Todo e qualquer monumento

É o sonho de aportar em algum lugar de 

onde se contemple a Eternidade. 


Mas é na carne que os sentimentos 

Manifestam a pretensão de ter o 

suficiente para não desperdiçar a vida. 

A pele formiga no desejo de que, 

Depois do descanso, ainda se possa vagar.

Quando o tempo pergunta se já se pode parar,

Possivelmente, até o corpo diga que sim,

No entanto, certamente, o espírito dirá que não. 


Com o passar dos anos,

Rompem-se relações com espelhos e fotografias. 

Elas já não são fiéis ao que a alma idealiza.

Mesmo antes do derradeiro suspiro, se mira 

A porta, em busca do Sol,

Que aqueça a jornada definitiva. 

Na chegada ao portal da Eternidade, 

Encontra-se o sentido para não desistir de amar. 


É quando se alcança a liberdade do sonho pleno.

A infidelidade da imagem

É a mãe Natureza brincando com nossos corpos.

Sem que o espírito desista,

Dourar ou perder os cabelos é praticar

A arte de viver intensamente.

Morrer se morre em todas as idades.

Envelhecer é lutar para ainda ser feliz!


terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Tenhas as marcas do Natal

A rede de supermercados Zaffari há muito tempo se destaca nesta época pela sensibilidade com que conduz suas mensagens de Natal. O institucional do grupo não poderia ser diferente, este ano. Destacando duas frases que podem ser os bordões que se deseja ouvir e provocam: “O Natal nos faz melhores” e “Que o Natal continue em você.” Na primeira cena, papai Noel retira de um baú seu tradicional chapéu vermelho, transportando-se para o menino que desperta e marca no calendário a proximidade do dia tão esperado.

Brincando, sozinho ou com amigos imaginários, como um toque de magia, produz seu próprio universo, onde o que parece material descartável é suficiente para criar “presentes”, dando vida aos “seres” com os quais se cerca. Pequenos objetos, detalhes e muita imaginação. Com as “companhias”, resta esperar o dia em que os moradores fazem os preparativos para que o encanto aconteça no espaço compartilhado por crianças e adultos. A espera da aldeia é quebrada pelos sinos anunciando o tempo de puxar seu carrinho.

Em meio à festa, aguardar. O relógio passa de forma diferente, no mundo dos adultos e no das crianças. O que pareciam “sobras”, transformou-se nos pequenos objetos entalhados em madeira, que distribui para a meninada. Mas faltou um… Que caiu do saco de carga, num solavanco, durante o percurso. Aquele menino não receberia seu mimo. Enquanto lágrimas corriam no rosto do desafortunado, o pequeno “Noel” percebe que está com o seu bonequinho preferido, companheiro de todas as horas e de todos os lugares.

Entrega seu “parceiro” com pesar, sabendo que é o certo. Num abraço terno de duas crianças, as lágrimas fundem-se na cumplicidade e demonstração de carinho. Os adultos dirão que é assim que se amadurece. A criança apenas pensou em fazer o que era preciso. É quando “Noel” recebe seu primeiro gorro vermelho, por ser “um bom menino”. Enquanto a neve cai sobre a praça, casas e bosques, a cena fecha no idoso papai Noel que estava lembrando dos seus primeiros tempos, fazendo feliz a quem o fazia igualmente feliz...

“Natalizar-se” é redescobrir sensibilidades: o sorriso do bebê que brinca no colo da mãe; o olhar terno da criança que te aborda na mesa de um bar; a história que se ouve e se mareja uma lágrima; lembrança de quem poderia ter estado mais um Natal em nossa companhia… As marcas da festa do Menino Deus se fazem presentes na família que acompanha, amigos que inspiram momentos de felicidade, em todos que, por um instante, deixam de lado a correria do ano inteiro, acreditando que: “o Natal nos faz melhores”.

Então, que o Natal permaneça contigo! Deus abençoe a ti e à tua família. Meu grande e carinhoso abraço!


domingo, 22 de dezembro de 2024

Simplesmente assim: Colo

Coloca a fé no altar do teu coração.

Envolve-te no silêncio de Deus,

A religião de quem busca a crença em comum.

A intimidade com o Eterno serena o espírito e

Permite que estejas em paz contigo mesmo. 





Natal e Ano Novo são tempos de se energizar.

Recarregar as carências da fé:

Aceitar que o zelo de Deus alcança 

O que parece impossível.

O colo do Eterno é abrigo, abraço e carinho…


sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

A estrela da esperança e da paz

Aplaude o Sol 

Que te acena, por sobre o mar.

Encanta-te com a palheta mágica pintando 

O horizonte de cores surpreendentes.

Silencia ao ver as estrelas 

Começarem a espocar nos céus.

Mas ainda falta alguma coisa.

Não desgruda o olhar do firmamento…


Quando aparecer a Estrela Guia,

 Se estiveres cansado do dia a dia, 

Conforta-te sabendo que ela corisca nos céus,

E repousa nos olhos de quem se ama.

A que se coloca por sobre a árvore de Natal

É sinal, posto no firmamento,

Depois de cruzar por sobre Belém,

Servindo como lembrança e advertência.


Em uma manjedoura, num estábulo,

Descobre-se que o brilho somente tem sentido

Ao aquecer os corações, como

Luz que transborda em cada gesto de carinho.

A consciência de carências e completudes

Da mãe que recebe seu primeiro filho,

Do amigo acolhido na tristeza,

Do ser amado, que se ancora num abraço.


A Estrela Guia está sempre lá.

Talvez não seja a de maior brilho,

No entanto, tem o atrativo do amor infinito,

Esperando que se abra os olhos,

Supere as luzes da cidade,

Vença o que impede de buscar o próprio rumo.

Não é caminho, é horizonte,

O sentido de não se perder o arrimo da fé.


O maior de todos os presentes,

Quando o Menino Deus

entrega aos homens uma razão para viver.

A Estrela Guia é sopro de vida no coração.

O Natal renova sonhos e esperanças,

Quando a doçura de todas as melodias

Harmoniza céus e terra,

Enchendo os corações de esperança e de paz!


terça-feira, 17 de dezembro de 2024

O difícil exercício da solidariedade

Existem palavras que, talvez, pela própria densidade do seu significado, tornem-se difíceis de se exercer na prática. É o caso de "empatia" e, por consequência, "solidariedade". Em ambos os casos, é mais fácil teorizar do que encontrar exemplos práticos de vivência. Vale para os articulistas (como eu) e todos os pregadores que deveriam se questionar, antes de qualquer conversa, qual foi a última vez em que exercitaram, exatamente, a empatia e a solidariedade. Um exame de consciência que pode assustar…

O caso da mãe que expôs a bancária que não quis ceder o lugar à janela no avião para uma criança. O primordial direito de quem comprou é ficar no seu lugar. Então, não querendo a troca, não havia o que discutir. A não ser por uma pessoa sem noção que se achou no direito de expor publicamente alguém que defendia seu direito. Saiu o tiro pela culatra. A maioria dos internautas deu razão à “vítima”, já que havia mais lugares à janela, mas o “pirralho” queria exatamente aquele lugar já ocupado.

O alarme foi acionado no sábado, 29, às 15 horas, como treinamento. Gostaria que esta interação do poder público com a sociedade fosse permanente, baseada em critérios técnicos e tendo o cidadão como preocupação. Infelizmente, ouvi pessoas dizerem que é um “inconveniente” e “invasão de privacidade” acessar um número privado para "incomodar ". Se acontecer algo - espero que não - estes mesmos “incomodados” vão estar angustiados pelo atendimento público, se estiverem em situação de risco.

A hipocrisia dos discursos que não batem com a realidade, especialmente quando se prioriza um “politicamente correto” que se repete até que vire uma “verdade”, transformando o rebanho em massa de manobra. Respeitar o direito de cada um é trabalhar pelo real bem-estar social. Passa, por exemplo, em ceder (não é, senhores juízes, que se manifestam contra que o teto salarial seja realmente “teto de salários”, sem exceções). Desprezando a população que luta por viver de um mísero salário mínimo. 

Petulância e achar que se é juiz e jurado, pelas redes sociais, no primeiro caso; cobrar do setor público o que não é sua obrigação, criticando quando atua, no segundo; distância existente entre a população e as elites político e administrativas do país. Em nenhum dos casos, funcionou, por pouco que seja, a empatia e a solidariedade. O difícil é conscientizarmo-nos de que estas ações são mais comuns do que se reconhece. Não somente nos casos que se tornam públicos, mas, no dia a dia, nos espaços da convivência de cada um dos cidadãos brasileiros…


domingo, 15 de dezembro de 2024

Simplesmente assim: Perdição

 

Um sorriso tímido vesgueia teus lábios,

O olhar, resgatado da solidão,

A testa, franzida por desencontros,

A mão ao lado do rosto,

Quando te perdias ao longe...

 

Momentos de silêncio,

Palavras desnecessárias.

Exercitar a paciência e tentar entender

Que o tempo passando não cura a dor.

Mesmo sem ser aceita,

Simplesmente lhe dá sentido…


sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

A escuridão da tua ausência

Somos feitos de sonhos inacabados.

O material incorpóreo

Que reúne ânsias e expectativas.

Resistimos à concretude,

Tendo no horizonte o sentido do devaneio.

Mesmo com quem se ama,

Luta-se para aceitar a finitude,

A imperfeição que adoça cada reencontro...

 

Ficam nas memórias, lugares onde se habitou e

O som cristalino de vozes e risadas.

Ali, o sentimento de vazio e de dor,

Com o desejo de que ainda consigas ser feliz.

Ao teu rosto esmaecer nas minhas lembranças,

Meu sorriso se perde na escuridão da tua ausência.

Foste em busca de novos horizontes

E eu não podia impedir que perseguisses teus sonhos.

 

As nuances do tempo desmaiam as memórias.

Fugidias, recolhem-se

Aos recônditos onde esmaecem as recordações.

O frescor da juventude deixa

Rastros que marcam por toda a vida.

Como as digitais do teu abraço no meu peito.

O motivo para aceitar tua partida,

E ser honesto com o meu próprio coração.

 

Pude, então, imaginar o alcance dos teus sonhos, 

Onde se mesclavam possibilidades e anseios. 

Aquilo que nossos olhos contemplariam,

Se tivéssemos ficado juntos.

Seria o Paraíso, a realização de todas as utopias. 

Onde se cobraria, apenas e tão somente,

um sorriso como o preço para ser acolhido.


Os mesmos caminhos, os mesmos lugares.

Ali, onde tudo parecia ter sentido,

Menos no dia em que precisei entender a tua falta.

Com o tempo,

Rasgam-se as vendas que obstruíram os sentidos.

A sensação de que o pouco que 

ficou é suficiente para que não se 

Desista de sonhar com a felicidade…


terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Redes sociais: maldades e frustrações

Nos últimos dias, o Supremo Tribunal Federal (STF) atribuiu-se a tarefa de debater a responsabilidade das redes sociais e remoção de perfis falsos. Ocuparia lugar do Congresso Nacional que enrolou e não saiu do lugar. Infelizmente, também o Supremo não foi adiante, mostrando a “zorra” que se vive nos três poderes que, se não forem interesses próprios, batem cabeça e procrastinam. Há um vácuo legal que permite a proliferação de conteúdos nocivos e a polarização, especialmente pelos discursos de ódio e fake news.

Discutir as redes sociais não é novidade. Muitos países estão regulamentando seu uso, com o exemplo mais recente vindo da Austrália, onde o acesso somente poderá ser feito por pessoas com mais de 16 anos. Lógico que a grita foi geral, especialmente daqueles que veem em tudo “uma ingerência indevida do setor público”. “Ora, direis…” que exatamente para isto é que se elegem o executivo e o legislativo e se propõe a funcionar o judiciário. Poderes que deveriam ter a preocupação com a segurança do já esquecido cidadão…

São diversas pontas que não estão soltas, mas têm um mesmo condutor. Como o uso do celular. Eletrônicos são instrumentos que precisam ser utilizados para expandir a capacidade humana de agir. Meios, não fins. Infelizmente, o que se faz é transformar no “parceiro (a)” ideal que compensa a angústia, frustrações, medos como algo que prescinde das relações humanos. É triste pensar que muitos filhos acreditam que os pais saberem usar as redes sociais compensa a sua ausência na casa deles ou nas residências geriátricas.

Decepciona pensar que homens e mulheres bem pagos, que têm o dever constitucional de fazer o papel de legislar e fiscalizar, se omitem. Precisam colocar em discussão a liberdade de expressão, a responsabilidade das plataformas, a privacidade e até (porque não?) o impacto econômico que a regularização pode trazer. Chamando a Brasília quadros técnicos e humanistas, contribuindo e somando na discussão. Profissionais de diferentes áreas se debruçam sobre este tema, em nível internacional, com uma riqueza de contribuições.

O judiciário decepcionou novamente. Com um legislativo a cabresto dos seus interesses, fica-se órfão de quem poderia (e deveria) melhorar este aspecto da vida social, responsável pela polarização política vivida, hoje, no Brasil. Com as facilidades da internet, pode-se percorrer o mundo e saber o que deu certo e o que deu errado. Não é preciso reinventar a roda. Basta pensar que crianças e idosos não precisam ficar indefesos diante de quem transforma as redes sociais em latrina, onde despejam maldades e frustrações.


domingo, 8 de dezembro de 2024

Simplesmente assim: Voos

 

Voar é o sonho que encanta a humanidade. 

Os pássaros que nos seduzem,

Nas asas que planam por sobre

Árvores ou águas serenas,

Carregando suspiros e encantamentos.


A imaginação desenha, na imensidão dos céus,

Por entre o enfado das nuvens,

Na transparência do azul infinito.

O olhar carrega devaneios

De que a ascensão e queda de Ícaro

É a sina de todos os mortais…


sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Apenas um toque, apenas uma canção

A música dispensa as palavras.

Quando a gente se envolve, 

Resta apenas o dedilhar 

Das cordas de um violão; 

A mão que afaga e

Desliza por sobre o teclado;

O sopro que insufla a flauta,

Fluindo do espírito que alça voo.


Acordes são mapas da magia 

Que provocam alcançar a plenitude.

Revestidos de palavras,

Tentam fazer o que é improvável:

Encorpar as notas com significados,

Na essência do que

Se liberta da própria partitura. 

A trilha sonora que afina mentes e corações.


O âmago da canção bate

Diretamente na porta da alma. 

Quando a voz lhe faz companhia 

É o aconchego, o abraço do etéreo... 

A plenitude da música está em quem 

A conduz, superando o instrumento,

Interagindo com o espírito. 

Apenas um toque, apenas uma canção. 


O enlevo que afasta da realidade

Para percorrer os caminhos em que 

O silêncio é espaço privilegiado.

A parte da música que provoca o coração. 

Quem a cultiva

Rega a pauta com as notas de onde se

Depreende o suspiro do Universo.


A toada que supera a concretude

De um momento ou de uma dor.

O arranjo que brinca repetidamente nos lábios.

Memórias assobiadas no gosto 

Das lembranças que o tempo escondeu.

Bálsamo e perfume.

O sentido de não desistir 

E reger o próprio destino…


terça-feira, 3 de dezembro de 2024

“Embebedar-se” da própria sobriedade

Cerca de doze anos atrás, logo que me aposentei, precisei fazer uma cirurgia para a retirada de um câncer de próstata. Creio que vocês sabem da "valentia" dos homens para enfrentar esta situação. Exatamente eu que, quando a gripe está chegando na esquina, já estou embaixo das cobertas, pedindo atendimento hospitalar… Foi tudo bem, com a recuperação relativamente rápida. E os exames posteriores mostraram que não seria necessário rádio ou quimioterapia. 

Como efeito colateral, aproveitei a prescrição do uso de medicação incompatível com o álcool para deixar de vez a bebida. “A ocasião que faz o ladrão”. Foram muitos anos de consumo sistemático. Entre amigos e familiares, cunhei o mantra de que "nesta encarnação, já havia consumido todas" ou "de agora em diante, nem vinho de Missa". A consequência foi que passei a ser convidado para "motorista da rodada", aquele que dirige enquanto os demais bebem.

Não sou um pregador da abstinência do álcool. Até acho engraçado quando as pessoas dizem que podem parar e já estão aumentando e sistematizando as doses… Aprendi que deixar a bebida ou qualquer outra atitude que impacte a vida pessoal e social passa pelo autoconvencimento: “deu, já passei da conta”. Infelizmente, às vezes se chega a esta noção tardiamente. Quando já se transformou a vida num inferno, além de infernizar a vida dos outros, especialmente os mais próximos. 

O melhor é não se expor ao perigo (especialmente dos “amigos da onça” que dizem: “de vez em quando não faz mal!”, mas depois te abandonam), a consciência de que se é, para sempre, um dependente alcoólico. Precisando estar, como os escoteiros, “sempre alerta”. Buscando nas pequenas alegrias do convívio o sentido de se manter sóbrio. E o passar do tempo dá a justa medida do que se perdeu profissionalmente, nas relações sociais e especialmente nas relações familiares.

Um passeio à serra gaúcha colocou em teste a compulsão pelas bebidas alcoólicas. Fiquei contente em acompanhar a degustação de vinhos. Achei de bom tamanho experimentar o bom suco e o espumante sem álcool. Tão satisfeito quanto os que experimentaram os sabores da bebida com teor alcoólico. Quem justifica uma taça do produto da uva nas refeições, pode estar certo. Mas também quem se contenta em “embebedar-se” da própria sobriedade para, apenas, ser feliz… sem ressaca!



domingo, 1 de dezembro de 2024

Simplesmente assim: Singelezas

A flor que encanta os olhos

Sabe que sua sina é fenecer.

Na sofisticação de um arranjo,

Ou apenas uma gramínea passageira,

Tem seu auge certa de que vai murchar

E um dia planar nas asas do vento…


Singela - porém única -

Hipnotiza os sentidos, pasma o olhar,

No encanto corriqueiro

Do que define o próprio destino…


sexta-feira, 29 de novembro de 2024

A cor de todas as raças

Ferir a terra com a enxada,

Regá-la com a semente,

Encravar a promessa do fruto.

No chão que se fecunda,

Há um tempo de espera.

Dormita no seio do torrão que se ama

A expectativa do que é possibilidade,

Com o anúncio dos primeiros brotos…

 

Qual é a cor da terra?

A que cinzela todas as raças,

Em que as espécies encontram princípio e fim.

O seio intumescido, alimentado e cuidado,

Se faz fértil ao nutrir e bendizer.

Semear e adubar o solo 

Vence o inverno, apazigua a fome,

Esperançando a chama da existência.

 

Bebe das águas que serpenteiam seu curso,

Vindo das nascentes e das montanhas.

Ao longo das margens dos rios,

Recolhem os sedimentos que 

Encorpam as raízes,

Dão viço ao talo e 

Desabrocham nas folhas e flores,

De onde irrompem os frutos.

 

Olhar alçado em direção ao horizonte,

De onde as nuvens prenunciam

A brisa úmida que afaga o tronco da planta,

De onde a mãe Natureza se prepara

Para deixar fluir a chuva que asperge as folhas

E ao calor que possibilita a vida que se renova.

O fruto da terra guarda o sentido

da justiça e da solidariedade.


Desperdiçado, clama aos céus.

Negado, transforma-se em maldição.

Abandonado, é um pecado inominável.

A peregrinação e a fome da cor de todas as raças

É o brado por saciar os olhos cansados

E os corpos aflitos de quem sabe que a terra

Abençoa seus filhos, desde o seu nascimento, 

Até que ao seu coração, enfim, acabe voltando…


terça-feira, 26 de novembro de 2024

O mundo encantado existe

No fim de semana, aproveitei três dias na Serra Gaúcha. Após investirem décadas no turismo de inverno, recentemente passaram a trabalhar com o agito de Natal. Fazia mais de dez anos que não visitava Gramado e Canela. Após a tragédia climática, com a recuperação se dando ainda com marcas das enchentes, percebe-se que a iniciativa pública e privada se uniram para não só recuperar como ampliar o que saltava aos olhos, nacional e internacionalmente.

Recursos que chegam ao comércio, hotelaria e gastronomia movimentam - e qualificam - profissionais diferenciados, preocupados em atender ao turista como parceiros na possibilidade de recriar empregos e novas fontes de ganho. Com uma colonização predominantemente alemã e italiana, investiram em diferenciar os dois municípios conforme a sua identidade étnica, sem perder a perspectiva de que, trabalhando juntos, ambos saem ganhando. 

A região é um encanto para os olhos e o coração. O passeio foi organizado pelo SESC Pelotas e brindados com a guia Mirna (e o motorista Luciano), acompanhando e contextualizando lugares por onde se passou. Gravei dela: “Quando se tem informação, muda o olhar.” E é uma verdade. Acompanhamos, com milhares de pessoas de todo o país, o acendimento das luzes e o desfile de Natal, junto às igrejas São Pedro, em Gramado, e Nossa Senhora de Lourdes, em Canela.

Sábado pela manhã, uma aula de competência em Turismo, Marketing e Gastronomia. O Márcio (pela vinícola Jolimont) nos imergiu no mundo da enologia. Saber que o consórcio da natureza ensina que o cultivo das videiras deve ter junto uma plantação de roseiras, pois se uma praga atacar vai bater primeiro nas delicadas florzinhas. A degustação de variados vinhos, espumantes e, no meu caso, suco de uva (mas também o espumante sem álcool, que ninguém é de ferro).

“Viajar é trocar a roupa da alma”, já disse Mário Quintana. O relevo e a preservação natural são ambientes próprios para dar o gostinho de uma experiência única. Márcio falava da “paixão pelo vinho”. Num comércio integrado e harmonioso, o crescimento surpreende, especialmente onde se complementa com as marcas dos desmoronamentos, resultado das últimas enchentes. Viajar é sempre um bom investimento. A serra é exceção num estado que, na maior parte das vezes, é cinza e triste. A certeza de que o mundo encantado existe, sim, e está bem pertinho da gente!


domingo, 24 de novembro de 2024

Simplesmente assim: Casulos

Ao envelhecer se recorda o útero 

Como lugar do aconchego.

Viver é o cordão umbilical que 

Liga diferentes momentos da existência.


Na ternura do entardecer, fecham-se portas, 

Sem perceber o tempo passando, almejando 

Sonhos que não se teve a coragem de sonhar.

A casa - e finalmente o túmulo - é 

O casulo em que se alcança a paz e 

Finalmente se contempla a Eternidade!



sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Cabe dentro de um abraço

O mundo fica melhor quando

Cada um desenha seu destino com 

O horizonte dos próprios sonhos.

No final da jornada,

Enquanto se espera por quem se amou,

Resta o sentimento de que tudo

Que é importante ainda 

Cabe dentro de um abraço…



Tão importante 

Quanto reivindicar abraços 

É não se negar a dar um que envolva 

O tempo suficiente e seja 

Capaz de aliviar a dor alheia.

O sentimento universal de que

A sua perda endurece a alma,

Na insensibilidade da ausência. 


Ainda espero por ti,

Quem sabe para sentarmos lado a lado,

Em algum lugar, em silêncio. 

Quanto tempo que não recebo 

Teu corpo ao encontro do meu, 

Daqueles momentos 

Em que o toque no coração 

É única e tão somente o abraço que se espera.


São variados,

Envolvendo lágrimas, sorrisos,

Encantamentos, decepções. 

Mais significativo,

Os que chegam de surpresa.

E aquele do retorno 

Em que se contam os segundos

Para conter entre os braços toda a saudade.


A química do impossível:

Impossível não se emocionar,

Impossível não desejar que se faça eterno,

Já que o amor e o abraço compartilham do mesmo DNA. 

Quando alguém disser que não precisa deles,

É porque em algum lugar pelo caminho 

Perdeu a esperança 

E o próprio sentido da vida…


terça-feira, 19 de novembro de 2024

Rezemos pela Terra…

O cenário internacional do xadrez político, econômico e militar preocupa. Vive-se a incerteza nas três áreas há algumas décadas. Até aí, nenhuma novidade. Em especial, a partir do momento em que a globalização aboliu fronteiras. Com mudanças que inquietam, pois, num passado não tão distante, havia “mocinhos” contra “bandidos”, que foram “misturados” e hoje não se reconhece quem é um e o que é o outro. As grandes potências esqueceram de ser “boazinhas” para mostrar o que realmente querem: poder e dinheiro.

Referências morais e éticas praticamente desapareceram. As que restam no campo social e religioso foram relativizadas tanto por seus próprios “pecados” (igrejas em que problemas como a homossexualidade foram expostos), quanto por campanhas de descrédito em que “interpretações” justificam atuações e distorção das mensagens de seus fundadores, caso do Cristianismo e do Islamismo. Além do papa Francisco, sobraram poucos (para não dizer nenhum) líder mundial que ainda tem a voz escutada e algumas vezes atendida.

Comentaristas chegaram a dizer que as eleições americanas deveriam ser deixadas para os americanos. Que não nos diziam respeito. É um engano. O comportamento dos Estados Unidos ainda é referência para países que fazem parte do seu quintal de interesses, especialmente através da balança comercial. Com o crescimento da China, surge um novo protagonista que já não se importa com a pressão americana e tem seus próprios satélites. Comprova que a política excita. E pode ser perigosa, assim como a guerra…

Desde a II Guerra Mundial existe o fantasma de uma disputa nuclear. Já foi maior, mas, mesmo assim, assusta pensar que este botão maligno, hoje, está nas mãos da China, Coreia do Norte, Estados Unidos, França, Índia, Israel, Paquistão, Reino Unido e Rússia. Países que defendem a sorrateira máxima de que, “se queres a paz, prepara-te para a guerra”. Imagine se um dirigente detonar a primeira. Acredita que ficará numa só? E o potencial armazenado já é suficiente para acabar com a vida na Terra algumas vezes…

Rezemos pela Terra… É o que resta para todas as pessoas de boa vontade. Num mundo de autoridades ensandecidas - à direita e à esquerda - falar em bom senso parece um sonho. A crença nas lideranças atuais é muito mais por necessidades de se compensar frustrações, especialmente na enrascada da polarização em que nos metemos. Mesmo assim, é preciso falar e praticar a política. Com um detalhe: “Não há nada de errado com quem não gosta de política. Simplesmente, será governado por aqueles que gostam…”


domingo, 17 de novembro de 2024

Simplesmente assim: Feridas

Paridas na terra, as pedras são lágrimas incontidas,

Emergindo no silêncio dos tempos,

Sem pressa, sem prazo, sem lógica…

Rompem as barreiras do que habita as profundidades.

Apenas seguem o curso da Natureza,

Expondo feridas com as marcas de um destino.

O rasgo desvela as entranhas da vida,

A cicatriz do que caleja a própria alma…


sexta-feira, 15 de novembro de 2024

O lugar em que a alma suspira

A música esgueira-se pelo ar.

Acarinha a lágrima que

Marca o rosto do passante desavisado.

Músicos de rua cantam

Um triste Aleluia…

São irmãos.

Ela, mais velha, o incentiva 

Com a proximidade do carinho.

Ele, adolescente, inseguro,

Arrima-se no corajoso olhar da irmã.

 

Enquanto música e voz flutuam,

No íntimo de cada um

Há uma saudade que atravessa o Infinito.

Não é mais a letra que extasia.

As dobras da existência se confundem

Com um lampejo de Eternidade.

Inalcançável para o ser humano,

Provocante o suficiente para

Deixar um gostinho de felicidade possível.

 

Fechar os olhos e

Partilhar do deslumbramento de

Seres Celestes que não resistem

Ao encantamento e ao êxtase.

Cohen não entendeu o efeito de sua canção.

Sua música surpreende ao fazer com que

As lágrimas cheguem devagarinho, 

Arrastando tristezas e arrependimentos.


A música de rua é uma hipnose coletiva.

Flutua pelos espaços possíveis

E faz esquecer o porquê se passou por ali,

Para onde se estava indo,

O que se pretendia fazer…

Envolvidos pela sonoridade,

Se esquece de tudo o que

Prende ao dia a dia,

No cotidiano que asfixia e amedronta.


No primeiro dedilhar de um instrumento,

A sensação de que se evocam espíritos,

Compartilhando o que não cabe na lógica.

O lugar em que a alma suspira, 

Se desvencilha da realidade e 

Alcança o portal dos sonhos. 

No arco-íris de cada acorde,

Cada entonação de voz,

O horizonte se faz esperança

Pois, logo, logo, 

o Sol vai reger o nascer de um novo dia,

Nas notas que se desenham por entre as nuvens…


terça-feira, 12 de novembro de 2024

Educação: pelo direito de também ser feliz

Vamos partir do princípio de que uma educação cristã precisa ser, antes de tudo, uma educação humanista. É na "humanidade" que nosso Deus se revela. Enquanto, muitas vezes, tentamos entender os “céus”, Ele quis fazer uma imersão no mais profundo do ser que criou à sua imagem e semelhança. A pedagogia de Jesus é o ponto de partida para entender, assumir e vivenciar o papel social de um educador cristão/católico.

Esta imersão é função do leigo cristão em ser “presença da Igreja no coração do mundo e presença do mundo no coração da Igreja” (documento de Aparecida). Isto é, o processo de educação formal não pode prescindir da capacidade de interação social. Incluindo a capacitação política (cidadania, aquele que ajuda a cuidar da “polis”), em sua concepção mais ampla, e formação político-partidária, na sua forma mais específica.

Na história recente, a igreja foi capaz de formar lideranças sociais pela existência da Ação Católica, que se concretizou na Juventude Agrária Católica (JAC), Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Operária Católica (JOC) e Juventude Universitária Católica (JUC). As narrativas fundamentalistas de alguns supostos “cristãos” veem nesses grupos uma influência marxista, enquanto a realidade mostra a riqueza de se ter como referência a própria (e pouco conhecida) Doutrina Social da Igreja.

Nossa geração de educadores viveu e vive um processo de transição. Para quem amplia seus horizontes, onde alguns veem problemas, os mais atinados (e preparados) encontram oportunidades. O momento é de menos intelectualidade e academicismo e mais coração (sensibilidade), chão (realidade) e fé (inspiração). 

Não sou um erudito, nem sou um intelectual, sequer sou mais um acadêmico. Percebi que todos os três podem ser apenas formas de satisfação pessoal, que estão distantes da realização daquelas pessoas que nos foram confiadas para que auxiliássemos a ver mais distante, com maior abrangência e esperança. O desafio, no entanto, recentemente, foi a pandemia que, por um lado, acelerou o uso dos recursos eletrônicos nas redes sociais e, por outro, acirrou o individualismo.

Mostrou o quanto também nós somos eternos aprendizes. Demonizar o instrumento é uma demonstração de incompetência. Educação não é um processo de conversão, sequer de proselitismo. Tentar um apagamento da história ou se negar a fazer uso do que são simples ferramentas, mostra que o discurso dos “formadores dos formadores” não bate com as práticas. Ensinar a pensar necessita do ensino formal, mas, ainda mais, mostrar seu pertencimento a uma sociedade que lhe será, quando for preciso, capaz de alcançar as bengalas necessárias para sua própria vida.

Educação tem que rimar com felicidade. Mais do que um instrumento funcionalista, precisa ser a ferramenta com a qual se constrói a integralidade do ser humano. Que passa pela realização pessoal, social e espiritual. Como? Este é o desafio. Possivelmente as formas com as quais fomos educados precisem ser superadas. Um novo instrumental de comunicação e de produção intelectual desafia a que se reinicie o processo, sem negar o que já adquirimos, mas capazes de fazer uma “mea culpa” de nossos erros. Respirar fundo e pensar que assim como se deseja fazer aqueles que se ama felizes, também se tem o direito de ser feliz…


domingo, 10 de novembro de 2024

Ausências

Quando foi que me dei conta 

De que teu lugar continua vazio?

Quando foi que teu riso deixou 

A realidade e emergiu nos meus sonhos?

Quando foi que se extraviou o brilho 

Do teu rosto e a ausência toldou o meu olhar?

Sonhei experimentar todas as emoções… 

Em especial, o amor incondicional entre almas  

Que, mesmo depois da partida, 

Ainda deixam um rastro de saudades!


sexta-feira, 8 de novembro de 2024

A distância entre dois corações...

Qual distância separa dois corações?

Quando a vida toma outro rumo e sentido?

Ou que a gente se perde no curso e no destino?

Os afastamentos não

Se medem em metros ou quilômetros.

São os que afastam as pessoas

Ao perderam a oportunidade do encontro

Por mal entendidos, receios, timidez…

 

É o olhar que ainda não compreendeu

O quanto de ternura cabe num sorriso.

Leva-se toda uma vida para entender que

Não existem encontros perfeitos, 

Mas encontros possíveis.

Precisa-se de tempo, disponibilidade e

Abrir o coração para acolher as contingências

Do que se tem receio de arriscar. 

 

Arriscar é a regra que afasta

Quem se acomodou na vida

De quem aceita os perigos,

Com marcas na pele,

Podendo ser dos anos ou das feridas,

Testemunhando

As vezes em que não deu certo e,

No entanto, sempre acreditou

Que valia a pena tentar uma vez...

E, novamente, se preciso fosse!

 

O ocaso é sempre o tempo de aceitar

O destino que se traçou e auscultar as mãos.

Comprovam que as rugas e os lanhados

São as páginas que contam a própria história.

Com momentos felizes, também

De tristezas e muitas expectativas.

Ali, cada letra, cada palavra, cada linha

Testemunham o gosto do que se chama viver.

 

Ao passar o tempo,

A cumplicidade compartilhada

Na proximidade entre dois corações

Desacelera,

Tornando vívida a necessidade

De receber (e dar) apenas afago e carinho.

O doce sentir de alguém que estende a mão e

Anuncia a finitude como um caminho

Que não se precisa percorrer sozinho…


terça-feira, 5 de novembro de 2024

Medalhas no remo: entre o peito e a lápide…

Pelotas parece estar fadada a que, ciclicamente, precise conviver com uma fatalidade que abale o emocional de boa parte da sua população. A mais recente acabou sendo a que vitimou nove integrantes do Projeto Remar, quando voltavam em uma van, numa estrada do Paraná, e perderam a vida. Treinavam no Centro Português, na atividade que tinha a iniciativa da Universidade Federal e o apoio da Prefeitura Municipal de Pelotas. Mais de 150 jovens já passaram pelo seu atendimento, nos últimos dez anos.

Pode-se imaginar o ambiente: mesmo cansados do retorno de uma competição nacional onde o esforço e a garra foram premiados com diversas medalhas, a adrenalina os fazia brincar. Típico da idade, com vozes alteradas, risos e zoações. A certeza de que suas conquistas eram mais um degrau para abrir perspectivas, certos do encontro com amigos(as), namorados(as) e parcerias. Os sonhos despertados por incentivadores, quando os prospectaram nas escolas, agora estariam no peito, o fruto de um grande e solidário esforço.

O projeto social é conhecido de quem é do remo. A primeira vez que ouvi a respeito foi pela Lyl Recuero, também da área, falando da paixão que encontrou às margens das águas do arroio Pelotas. Ao recordar, fica claro que as medalhas agora recebidas foram a marca de que o orgulho de tê-las no peito é a conquista de toda a sua curta vida. E não podem ser esquecidas. Infelizmente, uma lição que ficou incompleta. Mesmo que sejam referência para outros jovens que continuam em busca de uma perspectiva de vida.

O envolvimento da universidade, da prefeitura e do clube nada mais é do que a corresponsabilidade social em que se possibilitam oportunidades. O conforto das famílias, neste momento, não é o discurso dos políticos e oportunistas. Realizaram e viveram um sonho bom que, de outra forma, não teriam conseguido, em busca, quem sabe, de uma bolsa atlética do governo federal. Os meninos e meninas precisaram morrer para que representantes públicos reconhecessem o quanto o grupo lutou por um lugar ao sol…

Tragédias brasileiras sempre guardam uma pitada de ironia. O que as autoridades gastaram para enterrá-los poderia ter salvo suas vidas. E nenhuma delas fez publicamente um “mea culpa”. Os remos ficaram à beira da lagoa, à espera de meninos e meninas que aceitem ser desafiados. Ali, onde chegam os barcos, também atracaram seus sonhos…. Porém, as medalhas que transcendem a vida já repousam na Eternidade. Ficou o sentimento de que fazem e farão falta para preencher o vazio que restou nas família e entre seus amigos…


domingo, 3 de novembro de 2024

A fugacidade de um carinho

 O Tempo é 

O guardião de muitos caminhos.

Não permite que se volte atrás,

Mesmo quando um desejo ardente

Percorre cada centímetro da pele.

A precisão do momento vivido,

Timidamente, apenas 

Compensa quando aceita que se faça um

Novo recomeço.

 

Brinca com sabores que são

Consumidos de forma homeopática.

Muitas vezes,

Delicados como um manjar

Que se sorve aos poucos,

Com o desejo de que o prazer se prolongue,

Preenchendo, primeiro,

Cada espaço na boca,

E, depois, a plenitude dos sentidos...

 

O tempo tem sempre uma nova receita,

Como uma experiência gustativa.

Redesenha antigos sabores

Para experimentar novas sensações.

No fundo, bem no fundo,

Por toda a vida,

Há sempre uma criança desejando,

Às escondidas, passar o dedo pela borda do prato…


Fechar os olhos e maravilhar-se com 

O que tem gosto de algo experimentado.

A porção de uma boa comida 

Colocada na boca com o ritual e 

A reverência de uma prece.

Não basta pensar em fazer o melhor,

É conquistar a confiança

De quem deseja

Experimentar o condimento de um afago,

Harmonizado com o tempero de um abraço.

 

A vida, colocada como um banquete

Nas mãos de quem aceita 

O Tempo como seu Mestre.

Sabendo que 

A Eternidade até pode caber num olhar,

Embora sempre se vá 

Preferir o efêmero de um instante

Que aprisiona duas almas e dois corpos…

Os silêncios degustados por quem

Prospecta os mistérios do Universo

Sem abrir mão da fugacidade de um carinho…


sexta-feira, 1 de novembro de 2024

A tatuagem dos silêncios impronunciados

“Vire a página”.

Na placidez de um momento 

Em que a serenidade se faz presente,

Quando a leitura prossegue

Adoçada pelo murmúrio da imaginação.


No instante em que as folhas 

Vão passando por sob os dedos,

Instigando o

Encanto dos personagens que tomam vida,

Os ambientes e as paisagens que se reconstroem,

O mergulho possível pelo mundo da fantasia…


Sem que se perceba

A vida dá, muitas vezes, 

A oportunidade de folhear um livro especial.

Desde a possibilidade de se saber que

A leitura continua da obra

Encontrada num sebo, livraria,

Biblioteca ou entre pertences

Guardados para algum momento futuro.


Virar a página é garantia de que 

Valeu a pena continuar, insistir e não desistir.

Da mesma forma que se

Enfrentam momentos difíceis,

Quem sabe os que nas memórias 

Serão os mais sublimes, 

Marcando etapas,

Superando as próprias resistências.


O momento certo de trocar a página

É pleno de convicções e desafios.

Não basta apenas apelar para a razão,

Precisa ter a marca da intuição, 

Dos sinais que os sonhos,

Vívidos e sarados, 

Deixam no próprio coração.

 

“Virar a página” é cerrar os olhos

E viajar por mundos de cumplicidade.

Pode ser

A fagulha na mata que incendeia,

Ou, quem sabe, 

Uma réstia de fogo no olhar 

Despertado por uma paixão.


“Virar a página” é

Aceitar que os sentimentos são diferentes

Para quem se desafia a viver a magia das letras.

Mergulhar no que o autor sentiu,

Sabendo que não se emerge

Sem a tatuagem dos silêncios impronunciados.

O fragmento do que é efêmero

Gravando no espírito a melancolia

Do que fica sempre por ser alcançado…


quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Simplesmente assim: Sublimar

Quando a ausência ainda machuca,

Quando a perda fere o peito,

Quando o olhar mareja sem razão,

É preciso compensar as dores que sufocam.

Sem esquecer, aceitar que a vida continua. 

Sublimar é a anestesia dos sentidos…

E o doce devaneio dos sentimentos!



terça-feira, 29 de outubro de 2024

Um dia a gente vai se reencontrar...

Éramos três sonhadores quando iniciamos o curso de Filosofia, no distante ano de 1976. Três calouros, seminaristas, estranhando o ambiente com alunas na Universidade Católica de Pelotas. Eu, mais o Pedro Bettin e o Gomercindo Ghiggi. Nas primeiras aulas, sempre se tinha receio dos trotes de calouros. Dos três, a única vítima acabou sendo o Gomercindo, que foi pintado, mas, que bem me lembre, não teve a cabeça raspada.

Lembrei deste bom tempo ao saber da morte do Gomercindo, aos 69 anos. Estava fora de Pelotas e comecei a receber mensagens cedo da manhã. Transbordaram as lembranças desde o nosso ingresso no seminário, nos tenros 12 anos, onde estudamos o equivalente ao primeiro e segundo grau. As aulas, quase que particulares, com tempo para estudar, cumprir tarefas na horta e arrumação da casa, assim como atividades esportivas, culturais e religiosas. 

Findava a década e, já acabando os cursos nas faculdades, tomamos rumos diferentes. O Pedro ainda fez mais quatro anos de Teologia e faleceu no ano em que iria ser ordenado padre. E o Ghiggi, agora. Acompanhei à distância seu trabalho de educador que, ainda no seminário, por inspiração do presbítero Cláudio Neutzling, sempre teve uma forte conotação social. Inicialmente, com atuação na comunidade católica do Pestano, em Pelotas, época em que se formavam as primeiras comunidades eclesiais de base.

O reencontrei algumas vezes em atividades da Igreja Católica. Participava da vida em comunidade e também gostava do canto coral. Em outros tempos também apreciava jogar futebol, ao estilo dos melhores zagueiros de então, que definiam ser, "abaixo do pescoço, tudo é canela". O Seminário tinha um bom campo de futebol e não importava se era uma pelada de um jogo como atividade física ou uma disputa com os freis, juvenis do Brasil ou do Pelotas, o assunto era debatido em detalhes e com paixão por muito tempo...

O Gomercindo constituiu família e tomou seu rumo. Infelizmente, a ausência é sempre o sentimento de que algo (ou alguém) vai fazer falta. Vivemos um tempo especial por mais de dez anos que marcaram as nossas vidas. Porém, é necessário continuar, com a impressão de que se poderia ter feito diferente, mas não se fez... quem sabe, conviver mais. Não existe compensação pelo tempo que vai passando e quando nos damos conta a vida também passou. Creio que meus dois colegas agora convivem com os padres Guerino, Olavo e Cláudio Neutzling. A esperança é que um dia a gente consiga se reencontrar…


domingo, 27 de outubro de 2024

Sonhos que cabem num par de tamancos

Quantos anos tinha quando trocaram

Meus tamanquinhos pelos chinelos de dedo?

Eram tenros anos

Em que o sapatinho de ir à escola,

No final da manhã, 

Ao retornar à casa,

Era trocado pelo calçado caseiro,

Que esperava na porta da cozinha. 


Um ritual de saudades,

Impregnado de memórias 

Onde imperava a simplicidade.

Nunca me pareceram desajeitados

Para o que fosse necessário,

Nas atividades de estudar ou ajudar na casa

Ou brincando pelo que era o início da minha rua,

Ainda rodeada de matos,

Pequenos sítios e campinhos,

Predominando maricás e gravatás.


Talvez, por desconhecimento de outros calçados,

Sempre pareceram cômodos, 

Marcando os passos no piso de madeira. 

A plataforma recoberta por uma tira de couro

Fazia o tic-tac que, se para uns irritava,

Para nós soava como música. 

Os pés sem meias no verão 

Eram protegidos e aconchegados no inverno. 


Andando na poeira das ruas

Ou no barro das estradas,

Não importava. 

Eram os rumos dos sonhos.

Tudo era possibilidade,

No aconchego e segurança de uma família.

Andávamos nas nuvens, 

Na pobreza de quem pensava que tinha

Uma fortuna nos pés. 


A impressão é de que se 

Perdeu alguma coisa pelo caminho.

Um mundo de possibilidades 

Não significa um mundo de felicidades.

A simplicidade das roupas repetidas

E dos calçados que precisavam durar

Guardavam a doçura de uma vida plena:

Sem precisar saber, se vivia em

Um universo de afetos em que 

A razão do amor era o próprio amor,

E os sonhos cabiam perfeitamente

Num par de tamancos…


sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Percorrendo as brumas da madrugada

Quando o sono me esquece ou demora,

Faço vigília, peregrinando pela noite, 

Perdendo-me no silêncio da madrugada.

As ruas vazias,

Os becos com seus recantos escondidos,

O horizonte toldado pelo breu.

Não sei aonde os passos me levam.  

Também, não importa, 

Vago por memórias e saudades. 


Vultos perdidos perambulam

Por sob as luminárias que jogam luz

Sobre pequenos espaços. 

Um bêbado trança as pernas,

Na segurança próxima de uma parede;

O casal surge do nada trocando 

sorrisos misteriosos e cumplicidade;

Há quem apresse o passo,

Querendo chegar ao aconchego do lar.


A madrugada é a catedral 

Que salpica o chão de estrelas. 

Cintilando, recobre o átrio 

Em que as preces são mais lentas.

Serenas, na certeza de que

O homem já não têm pressa

E Deus sorri abrindo caminhos:

As portas para todas as incertezas.


A noite adensa quando avança.

As horas em que se esquecem os limites,

Apenas no aqui e agora, 

Na justeza do tempo que 

Carece de significados profundos.

O momento presente em que

A felicidade precisa de uma oportunidade

Para ser compreendida.  


A madrugada é a possibilidade dos

Amantes, dos desesperançados,  

Daqueles que agonizam na solidão. 

Resume a duração da existência,

Possibilitando momentos de silêncio,

No limite da sanidade.

A perspectiva que abala convicções,

Acenando com a bruma do que vara

A realidade para estar próximo do sonho…


quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Simplesmente assim: Catedral

A nave da igreja imersa na penumbra.

As imagens repousam nos seus nichos e

Desaceleram a pressa do dia a dia.

Apenas a lamparina do Sacrário acesa,

À distância, na imersão do Mistério.

A sublime sensação de que viver é mais

Do que apenas e tão somente o existir.



terça-feira, 22 de outubro de 2024

“Amar como Jesus amou”

O sínodo dos bispos da Igreja Católica, que se realiza no Vaticano, confirma que a instituição não anda no relógio da sociedade. Isto é: necessita de mais tempo para assimilar e vivenciar as mudanças, em todos os sentidos. Precisa de homens como o papa Francisco que tenha coragem, como dizia dom Jayme Chemello, de "segurar os que avançam demais e apressar os mais lerdos".

Infelizmente, na polarização que nos assola, o que se vê é que nem os mais apressadinhos têm paciência de esperar, assim como os mais lentos querem sair do seu empacamento. Ainda mais: há um grupo significativo que gostaria de vê-la estacionária no tempo ou até retrocedendo. O encontro de prelados do mundo inteiro é um alento em tempos sombrios para a Igreja Católica. Um instrumento que deve ajudar o pontífice a alargar a capacidade da sua congregação de reencontrar o caminho que a reaproxime da sociedade.

Enquanto se discutem - e se atrapalham - com temas realmente importantes, como o diaconato para mulheres e a questão homossexual, comete-se um triste jogo de palavras que desidrata sentimentos e ações como o amor, a caridade e a missionariedade. O disfarce vem pelas construções intelectuais e dos dicionários que escanteou seu real significado: gestos capazes de encarná-los na realidade, o básico do relacionamento humano que é cuidar, especialmente, de quem mais precisa.

Os homens que comandam a igreja Católica, consciente ou inconscientemente, têm uma cultura machista, muitas vezes disfarçada de tolerância e suposta humildade. A sublimação da realidade é feita com discursos, muitas palavras encantadoras, que escondem a ausência de uma real presença na vida da população, que acontece pelas ruas e becos da cidade. Sobrepõe-se ao convívio social um ritualismo que deveria ser consequência de uma vivência comunitária.

"Amar como Jesus amou", cantava o padre Zezinho. Já perguntei para muitos religiosos como "amavam, exerciam a caridade e a missionariedade". Raras vezes recebi resposta que não fosse genérica e fruto de "estudos profundos" daqueles que desidratam a própria vida. Em qualquer idade, sempre é tempo de conversão a “amar como Jesus amou”. Para nós, os mais velhos, tempo de superar o encantamento com a própria voz e aquilo que se escreveu. Aprender a ouvir mais, sorrir mais e, quem sabe, perguntar se, neste momento, o que minha igreja precisa não é de alguém que ajude a descascar batatas, ralar cenoura ou apenas varrer o lugar comum a todos nós...


domingo, 20 de outubro de 2024

Antes que o sol se ponha

Se puderes, 

Volta antes que o sol se ponha. 

Vou estar sentado na areia,

Como nas muitas vezes

Em que acalentei tuas lembranças.

Se notares que estou

Perdido em pensamentos,

Aconchega-te ao meu lado,

Me envolve no teu abraço 

E debruça tua cabeça em meu ombro.


A espera do que sempre 

Foi sedução no entardecer. 

No instante em que 

O sol faz a derradeira curva nos céus.

Mesmo que não digas nada,

Ainda ouço o murmúrio da tua voz.

Misturando-se com 

A delicadeza das ondas, 

Que rastejam aos nossos pés, 

Sussurrando juras e beijando a areia.


Somos testemunhas

Dos derradeiros raios que agonizam,

Esmaecendo o horizonte,

Num misto de melancolia e admiração.

No silêncio aspergido pelo derradeiro

Grasnar das gaivotas 

Que mergulham em busca da vida. 


Ao longo da praia, 

Fiéis seguidores reverenciam

O ritual que se repete todos os dias.

E, mesmo assim, faz-se novo,

Na dança das luzes, das cores

E no contraste com o breu da noite,

Que emoldura o cenário.

Sentirás, como em prece,

O murmúrio do vento,

Harmonizando as mentes e 

Energizando o Universo.


Quando a noite definha 

A última linha entre o céu e o mar,

Vence o tempo da espera:

Um novo entardecer é possível. 

A vida, cumprindo ciclos:

Amena, na claridade do dia,

Sentida e dolorida, 

Ao ser saudade e melancolia,

Na calada da noite…


sexta-feira, 18 de outubro de 2024

A estrada e o caminho dos sonhos

Me Confundo com a estrada 

Que avança à frente. 

São quilômetros rodados.

Um lugar de chegada ou, apenas,

O desejo de encontrar um horizonte.


Uma via de asfalto é, quase sempre, retilínea.

Motivo para que me perca em pensamentos,

Deixando voar a imaginação. 

Ou é de chão batido, irregular,

Pedindo atenção para cada curva,

Nas árvores que se espreguiçam por sobre a via

Ou juntam a frondosidade no aconchego de 

Um túnel verde escurecido e tépido.


Atentar à estrada 

Exige a persistência que já não tenho.

Mesmo as nuvens de uma tarde de primavera 

Brincam nos céus, desenhando formas, 

E me vejo distraído tentando compreendê-las.

Cativam-me pelas

Matizes da alvura e dos diversos tons de cinza,

Em que se alinham e se cruzam,

Anestesiando meus olhos e a minha solidão. 


Quando chega a tardinha, 

Os carros voltam

Num zumbido e nas luzes que têm 

O gosto da dormência.

Abafam outros sons e adormecem os sentidos,

Cortam cidades e as aproximam.


A estrada é o caminho dos sonhos.

Indiferentes ao que pensam e planejam os homens.

Transportam momentos felizes e tristezas.

A estrada te abre horizontes, mesmo 

Nos túneis em que se penetra as entranhas da terra.

Ainda, a distância, te indica as montanhas,

Imaginando as trilhas que levam ao topo. 

E, chegando lá,

O enigma do que descortinas no horizonte.


Quando se protege os olhos e mira a distância, 

O olhar abarca perspectivas e possibilidades. 

Quer seja

Ao pé de uma igrejinha no sopé da colina

Ou na faixa de pedestres em frente a uma escola. 

Reúne as energias de quem procura por Deus

Ou apenas anseia por se encontrar 

Na humanidade de cada um de nós!


quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Simplesmente assim: Imprecisão

Confundem-se as imagens ao largo.

Difícil saber onde inicia a terra, os céus 

E até onde avançam as águas. 

Esmaecido, o contorno dos morros 

Imprecisa o entardecer.

As garças desistem do seu voo,

Enquanto a natureza geme pelo sol…


terça-feira, 15 de outubro de 2024

Eleições municipais: entre o discurso e a prática

Não pude votar no primeiro turno das eleições municipais, no dia 6 de outubro. Estava em viagem. Dentro do ônibus, acompanhei as coberturas feitas pela internet. Senti-me estranho. Chegando aos 70 anos, tendo iniciado com 18 a votar, foi a primeira vez que me ausentei das cabines eleitorais. Cumpro este dever no colégio Santo Antônio, em Pelotas, avenida Fernando Osório com Santa Clara. Pensei nos votos dados desde que me “conheço por gente”, as vezes em que me alegrei e as muitas em que me decepcionei.

Nas nominatas, fiquei feliz vendo amigos e conhecidos se candidatando a vereador ou a prefeito. Admiro quem tomou tal decisão. Parabéns. Podem ter certeza, para mim não importa por qual foi o partido que se candidataram. Cumpriram com o seu dever e papel de cidadão, independente da ideologia que defendem. Qual o seu grau de consciência política? Isto eu não sei, o que sei é que, através das muitas eleições, muitas vezes, as decepções vieram com aqueles que, pelo discurso, pareciam ter as propostas certas, mas, na prática…

Mas está bem. Paciência. Como se diz no futebol: é bola ao centro e reiniciar a partida. Para quem foi às urnas, é bom saber, que o eleito deve estar preparado não para ser um despachante de luxo, encarregado de cuidar de necessidades individuais dos eleitores, mas fiscalizar o Poder Executivo, especialmente em relação ao cumprimento das leis e da boa aplicação e administração do dinheiro público. Muitos vereadores se deram conta de que, para fazer isto, precisam encontrar formas de tornar transparentes os seus mandatos.

É isto mesmo que se cobra de quem foi eleito, por ser agora um representante de toda a população do município. Especialmente para canalizar as reivindicações comunitárias, aquelas que representam uma parcela maior das comunidades e dos grupos organizados. Mesmo assim, fico com a impressão de que foi uma eleição morna. Não empolgou, sequer a militância. Motivo pelo qual, defendo a alternância de governos, para que se conheça melhor as possibilidades, às vezes tendo que se optar pelo menos pior.

Peço desculpas por não participar de grupos de WhatsApp, especialmente de candidatos. Não tenho nada contra qualquer um deles. Foi decisão pessoal de não me envolver diretamente. Para o segundo turno, o foco fica mais ajustado, sem a dispersão do primeiro. Então, atente. Pelotas, especialmente, vive uma situação difícil no atendimento básico das necessidades da população. Então, não brinque com o seu voto. Vou dar o meu, para saber quem receberá a chave do cofre do município e vai cuidar de uma cidade que já anda mal das pernas…


domingo, 13 de outubro de 2024

Tem cheiro de primavera no ar

É preciso a poda, para o galho rejuvenescer.

É preciso a noite, para que os brotos se formem

E debutem à luz do amanhecer.

É preciso o jardim, para que as flores 

Liberem suas cores

Na magia em que se multiplicam as nuances.

É preciso o perfume da manhã, para que 

O dia comece mais cedo

E a claridade transforme 

Os céus num imenso espelho azul.

 

É quando se sente o cheiro de primavera no ar.

Ao retornar, 

Tem a marca do tempo que se renova.

Há um sorriso que brinca pelos olhos

E transborda pelos lábios.

O sentimento de que se pode ser feliz,

Bastando seguir o rumo da estação.

Onde até mesmo os sentimentos

Rejuvenescem com o bálsamo

Que faz as feridas cicatrizarem por magia.

 

Faz com que o ar exale o perfume 

Que emana da mãe Natureza.

O privilégio de poder

Reservar um tempo para

Namorar a floração fugaz do ipê,

Torcendo para que os ventos esperem.

Encantar-se quando os botões

Fazem companhia às flores das orquídeas.

Esperar com ansiedade

Pelo tempo de plantar as mudas de onze-horas.

 

Semeia no peito de quem ama

O encanto que fascina.

Emerge dos frios do outono e do inverno

Para os tépidos momentos da primavera e do verão.

A música, que aguarda pacientemente, não fenece.

Espera por um momento de inspiração.

Quando as pessoas querem estar mais próximas,

Sem que se precise de motivo para rir e brincar...

Apenas - e tão somente - amar!

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Uma janela aberta para o passado

Não tenhas medo de descerrar

As janelas da memória.

É a possibilidade de revisitar o passado.

Muitas vezes, pode estar adormecido,

Mas jamais esquecido.

As brumas que toldam a visão 

Abrem uma brecha que

Permite uma nesga de luz 

Sobre o caminho das muitas saudades.


Revisitar outros tempos

Acarinha a própria alma.

As memórias que surgem diante de cada um, 

Mesmo que não se possa ali permanecer,

Faz o corpo libertar o coração, 

Peregrine por lugares por onde andaste,

Desejando debruçar-se 

Sobre o peitoral da janela e contemplar 

A rua onde transita a história de cada um.


Atenta o olhar e todos os teus sentimentos.

Sentirás o desabrochar das flores, na primavera;

Teus olhos embaçados revendo

As brincadeiras de crianças na rua, no verão;

Acompanhar com tristeza 

As folhas bailando ao sabor da brisa, no outono;

E te recolher ao silêncio 

Ao te arrepiares com o uivo do vento, 

Que fustiga no inverno...


Uma janela aberta para o passado 

Testemunhou tua partida.

Pela porta entreaberta

Ficaram as possibilidades e os anseios.

Ali, cravejadas no marco de madeira,

Ficaram marcadas as muitas andanças.

Assim como todas as vezes em que 

O regresso ficou para depois.


De algum lugar, com o signo da saudade,

O desejo de sentar naquele mesmo degrau

E contemplar o que, então, eram apenas expectativas.

Ainda procuro pela casa algum resquício 

Imaginando ouvir a tua voz;

Quando chegavas em casa, saber que eram

Teus passos cadenciados na escada;

Nas rodas, com amigos ou a família, 

A sonoridade do riso ecoando ao longe.


Já não importa para onde se abrem as janelas...  

Desgastadas, rangem quando aparece uma fresta.

O tempo… brincando. 

O que se viveu escorre pelos dedos

Com a lágrima que sela a finitude 

E o nó que fica trancado na garganta!


quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Simplesmente assim: Poesie-se

 Bom-dia!

Simplesmente assim:

Um novo projeto com textos curtos. Não tenho pretensão de que sejam haikais para não ofender aos orientais. Pequenas e densas mensagens. Comentem, por favor.



terça-feira, 8 de outubro de 2024

O canto da sereia nas apostas online

As apostas online, que pareciam uma brincadeira sem consequências, viraram uma epidemia nacional e já levaram 1,3 milhão de brasileiros à inadimplência. Enquanto o governo punha o olho nos impostos que poderiam ser arrecadados, deixou de lado um grave efeito colateral: um sonho que, na maior parte das vezes, vira pesadelo. Em especial para a população mais pobre, com pouca ou nenhuma educação financeira. Encantada com a possibilidade de resolver problemas com dinheiro “fácil”, num lance de sorte.

O canto da sereia veio pela facilidade e o baixo custo, que "convencem" de que não vai prejudicar em nada o orçamento familiar. Não é verdade… os números mostram que esta população já estava com a água pelo nariz e agora transbordou. Rosane de Oliveira, num texto no jornal Zero Hora, diz que o “governo do presidente Lula demorou para descobrir o que parecia óbvio aos olhos de qualquer um que não tenha interesses envolvidos na jogatina em que o Brasil se transformou nos últimos meses”. 

Uma febre de jogos incentivados por anúncios publicitários, especialmente na televisão, insistentemente repetidos. Estudos, tanto do governo, institutos, quanto de universidades, demonstram que as chamadas “bets” (apostas) não são tão lúdicas quanto é apresentado, mas virou um problema de alcance nacional. Além do endividamento, tirou dinheiro de circulação, especialmente, reduzindo o consumo de bens e serviços. Sem contar que, para muitos, já virou um vício nas apostas esportivas, facilitadas pelo celular.

As “bets”, na verdade, transformaram-se num problema nacional, pelo endividamento das famílias e a dependência, com influência na saúde física e emocional. Quando alguém tenta a sorte em jogos de azar, aumenta a possibilidade de se criar uma legião de viciados a se iludir com a facilidade de uma suposta solução financeira. Agora, o governo se manifesta dizendo que considera “uma pandemia de apostas online” e elabora um mecanismo que tenta monitorar o endividamento das famílias nos jogos online.

Para quem tem a memória curta, é bom lembrar que o “jogo do bicho”, por exemplo, continua proibido e, mesmo assim, o país está se transformado num cassino virtual. As denúncias e prisões recentes mostraram a ponta do iceberg. O capital que circula em tentativas online drena parte dos recursos da população, mas também serve (como foi comprovado) para a lavagem de dinheiro. Já vimos este filme: tudo o que é oferecido como sendo muito fácil esconde a possibilidade de se transformar num abismo de aflições…