sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Com as agulhas dos meus sentimentos

Quando as lágrimas e os soluços

Transtornarem o meu rosto,

Tenho certeza de que logo, logo,

Vai florescer um sorriso.

Ainda sinto calafrios pelo

Inverno da tua ausência.

Nestes momentos,

Vou tricotando o tempo com as

Agulhas dos meus sentimentos e

as linhas das minhas lembranças.

 

Envelhecer é o privilégio de

Ouvir, degustando, as músicas que fizeram

A trilha sonora de toda uma vida.

Assim como reencontrar

Imagens capturadas

pela fotografia, desbotada, guardada

Nas gavetas da memória.

É quando acaricio os livros que dormitam

Na estante do meu quarto ou, pacientemente,

Aguardam à beira da minha cama.

 

A vida é feita de esperas.

Quando o tempo se acomoda num olhar,

Que já não tem pressa,

Investindo cada instante em redescobrir

Aquilo que embebeceu a alma.

Assim como as dores, tristezas e agonias

Que se apresentaram durante as tempestades

Para que aprendesse a valorizar a bonança.

E o raio do arco-íris que esperançou

Em meio às nuvens carregadas de incertezas.

 

Conquista-se o direito de sentar na varanda

Onde uma réstia de sol teima

Em transtornar as cores no horizonte.

As mãos conformam-se em repousar

No colo acalentando sentimentos e

Experiências de tudo o que foi tramado.

Harmoniosamente, ponto por ponto,

Laço por laço, fileira por fileira, 

No desejo de que, cobrindo um corpo,

Também aconchegue um coração…


terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Pequeno Príncipe: a nostalgia de todas as ausências

Sábado postei comentário na página “Que livro estás a ler?”: “Recentemente, um amigo (o padre Michel Canez) provocou-me a recordar a obra do "Pequeno Príncipe", de Saint-Exupéry. Não sei quantas vezes o reli desde que o professor Jandir Zanotelli me apresentou, nas aulas de Filosofia, no 2o grau. Para entendê-lo, não basta classificar como obra destinada a crianças. É um livro para "crianças de todas as idades..." Despertou para revisitar, também, do mesmo autor, "Terra dos homens" e "Cidadela". Por serem anteriores, ajudam a entender a parábola do menino que ensinou a amar e despertou a nostalgia de todas as ausências…”


O suficiente para descobrir uma verdade repetida: a gente nunca revê da mesma forma a saga do menino perdido no deserto e o aviador que tenta consertar a pane no seu avião. Minhas postagens, como a que fiz quando uma escritora insinuou a tese do suicídio, no seu desaparecimento, fez com que buscasse entendê-lo no contexto em que a obra foi lançada: durante a 2⁠ª Guerra Mundial - era o ano de 1943 - um ano antes da sua morte e dois antes do fim desta carnificina internacional. Com razoável condição financeira, pode buscar exílio por quase dois anos nos Estados Unidos, de onde lança ao mundo este que é um suspiro de humanidade.

As condições da Europa eram de miséria para a população civil. Ainda hoje, lamentam-se as mortes em combate ou das populações perseguidas (como judeus, ciganos e homossexuais…), mas pouco se fala dos períodos de fome passados em muitos países, também resultando em perdas de vidas. Pois é aí que se situa a simples frase da dedicatória, que pode ser a imersão numa análise sociológica:

“Peço às crianças que me perdoem por dedicar este livro a um adulto. Eu tenho uma desculpa séria: este adulto é o melhor amigo que eu tenho no mundo. Tenho outra desculpa: este adulto pode entender tudo, até livros para crianças. Tenho uma terceira desculpa: ele mora na França, onde tem fome e frio. Ele precisa ser consolado. Se todas essas desculpas não são suficientes, então eu quero dedicar este livro à criança que este adulto já foi. Todos os adultos eram crianças, primeiro (mas poucos deles se lembram dela).” O amigo era escritor e ficou no país ocupado, com os que restaram, em absoluta carência ou desejosos de migrar para outras terras.

O sublime do texto é pedir às crianças para corrigir a dedicatória: “Para Léon Werth, quando ele era ainda era criança…” Como muitas obras que se propõem a ser bálsamo nas feridas da humanidade, Exupéry apresenta a realidade em que trabalhava no que sempre amou - a aviação. Com a crueza de uma guerra que o obrigou a deixar o serviço à população civil para fazer prospecção de tropas alemãs. As águas do Mediterrâneo se abrindo quando caiu foi a porta em que o Pequeno Príncipe o esperava. O motivo do encontro? Elementar: Pedindo orientação aos astros ou migrando com os pássaros, a busca do voo perfeito sempre os conduziu no caminho para as estrelas…


domingo, 23 de fevereiro de 2025

Simplesmente Assim. Sou: Ausência

Sou a imagem que recorda tuas lembranças.

O rosto que se desenha à frente 

Quando navegas na solidão.

A fotografia que esmaece, marcada por

Tuas carícias e lágrimas furtivas.

O espelho que te acusa pelo tempo desperdiçado.

Os ressentimentos guardados e não resolvidos.

A falta sentida, ressentida, amargurada.

 

Sou a carência não desejada.

As ausências com sabor de tristezas mal resolvidas. 

Motivo de implorares aos Céus para não

Reviver o que pensavas esquecido no passado.

Sou um pedaço de ti que está faltando

E te faz arfar de saudade.


Sou quem te deseja felicidade sabendo que a

Tua ausência sempre guardou 

A possibilidade de um reencontro…


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Sou grato por não desistires de me amar

Quando chegar a hora da partida,

Não faz uma longa despedida.

Mesmo dizendo um adeus,

Que seja apenas para assegurar

Que ainda vais esperar por mim.

Me acompanha com o olhar 

Enquanto me perco numa curva da estrada.


Esquece as muitas palavras ditas.

Prefiro guardar no corpo o afago do teu abraço.

Pode passar muito tempo e, mesmo assim,

cada parte do meu ser vai lembrar do teu calor.

Perdão, se seguir meu destino é inevitável.

Mesmo que se deixe uma possibilidade

De retornar ao lugar de origem.


Quantas vezes teu olhar simplesmente sorriu

Ao ver minha agonia por desbravar outros rumos,

Crendo que a felicidade estava em outras fronteiras,

Havendo quem estivesse à minha espera

Para novas e grandes descobertas.

Queria ampliar horizontes, 

Saindo do que julguei insignificante, 

Diante de todas as possibilidades imaginárias.


Voltar é a oportunidade de rever o próprio caminho.

Refazer a trilha não é realizar o mesmo,

Mas ressignificar perdas e desencontros.

Somente quando segurei tua mão, na hora da partida,

Entendi que nunca havias desistido de mim.

De que eras minha bússola, meu norte,

Com quem podia partilhar meu destino,

A âncora dos meus sonhos e devaneios.


Tua entrega silenciosa me fez perceber que,

De alguma forma, nunca desististe de mim.

Eu que não entendi o jeito como querias

Cuidar de alguém que não te dava atenção.

Quando voltar à tua porta e te pedir perdão,

Sei que vais, como sempre, me abraçar em silêncio

E repetir o que somente agora entendi: “Te amo!”

Sou grato por não desistires de me amar!


terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

O desafio de ser “comunicador da esperança”

Num tempo em que falar de “amor” é motivo de zombaria, o papa Francisco, nos seus 88 anos, compartilha texto que embasa a reflexão sobre o Dia Mundial das Comunicações Sociais, em 1º de junho deste ano. O tema é um mantra batido pelo pontífice: “Partilhai com mansidão a esperança que está nos vossos corações”. Incita aos comunicadores de todas as plataformas: “Precisamos do vosso compromisso corajoso em colocar no centro da comunicação a responsabilidade pessoal e coletiva para com o próximo.”

Parece que nem todas as dificuldades e obstáculos conseguem calar uma voz crucificada pela indiferença e, mesmo assim, com forças para estender a mão e afirmar que “gostaria de vos convidar a ser comunicadores de esperança”. Ouvidos surdos ou, ao contrário, bêbados pela dicotomia de uma polarização absurda que levou a Igreja Católica a ser, hoje, uma instituição que, tristemente, já não tem representação e repercussão social. Poucos são aqueles (e aquelas), como Francisco, que ainda lutam contra a correnteza da desesperança. 

É assertivo quando afirma: “Hoje em dia, com demasiada frequência, a comunicação não gera esperança, mas sim medo e desespero, preconceitos e rancores, fanatismo e até ódio.” Tristemente, reconhece que “muitas vezes, simplifica a realidade para suscitar reações instintivas; usa a palavra como uma espada; recorre mesmo a informações falsas ou habilmente distorcidas para enviar mensagens destinadas a exaltar os ânimos, a provocar e a ferir.” Insiste: “Nunca dá bom resultado reduzir a realidade a slogans.”

Para o homem que esbanja esperança, deve ser difícil de reconhecer que, “na verdade, ter esperança não é de todo fácil”. Cita Georges Bernanos quando dizia que “só têm esperança aqueles que ousaram desesperar das ilusões e mentiras nas quais encontravam segurança e que falsamente confundiam com esperança. [...] A esperança é um risco que é preciso correr. É o risco dos riscos”. O Santo Padre apela: “Perante as vertiginosas conquistas da técnica, convido-vos a cuidar do coração, ou seja, da vossa vida interior.”

“O que isto significa?... Sede mansos e nunca esqueçais o rosto do outro… Semeai esperança, mesmo quando é difícil, quando custa, quando parece não dar frutos… Procurai praticar uma comunicação que saiba curar as feridas da humanidade… Contai histórias imbuídas de esperança, tomando a peito o nosso destino comum e escrevendo juntos a história do nosso futuro.” Que assim seja. Quando nós, mais novos, pensamos que a esperança está morrendo, é uma sacudida de ânimo pensar que Francisco ainda não desanimou e dá testemunho de que a máxima do “amai-vos uns aos outros!” continua atual e necessária…


domingo, 16 de fevereiro de 2025

Simplesmente assim. Sou: pertença

Sou a procissão dos que acordam antes do sol nascer;

Percorrendo as ruas na madrugada;

Sonolentos, enquanto esperam no ponto de ônibus;

Conhecendo os companheiros no transporte coletivo. 

Estou nas feiras que despertam as ruas e avenidas,

Onde vizinhos se encontram com feirantes e seus produtos.


Sou a massa silenciosa que desperta a cidade;

Faz a limpeza urbana, gera água e energia;

A abertura do comércio e da indústria,

Espera por alunos nas portas dos colégios.


Não precisas saber o meu nome.

Sou parte da engrenagem da vida, desejando

Um sorriso, gratidão, que não apagues a minha pertença 

Ao quotidiano de um mundo que também é meu lugar de viver…


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

A magia do primeiro voo

 Sem o direito de permanecer no Paraíso,

O homem perdeu a possibilidade de voar.

A condição de intuir os ditames da alma,

Na busca por espaços apenas vislumbrados. 

E o corpo foi condenado a andarilhar.

Toldou-se a imensidão que descortina sonhos,

Empurrado no vazio da existência, tentando

Vencer medos, sentindo saudades do Infinito.

 

Para anjos e pássaros, voar é um ato solitário.

Concretiza-se em possibilidades,

Na ânsia por sentir-se preparado,

Acreditando no que ainda restou da esperança,

Com as deficiências que intuem o próprio voo.

Fecham-se os olhos, na hora de planar, ouvindo

Os acordes do vento murmurando ao ouvido,

Na embriaguez que fremita os sentidos.

 

Ao experimentar o ocaso do inverno, voar

Fica mais fácil quando os brotos espocam

E nascem as primeiras flores nos pessegueiros.

Voejar é tornar todos os dias em primavera

Sentindo o aroma das flores,

O zumbido dos insetos à procura de alimento,

O verdejar em todas as tonalidades,

A magia da vida que eclode na natureza.

 

A imaginação espelha o espírito.

Na imprecisão das formas,

Se revelam sonhos e cerrar os olhos

Não apaga a impressão de que o reflexo

É o tormento por carências e nostalgias.

Esvoaçar é o emergir das asas que precisam

Da mente e da alma para que a magia do 

Primeiro voo, simplesmente, possa acontecer…


terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Heroínas sem estátua em praça pública

Quando estava cuidando de meus pais, no seu envelhecimento, comecei a atentar a um problema que já chamava atenção dos meios acadêmicos e de quem devia orientar acompanhantes de idosos ou doentes. Uma pergunta que virou trabalho de conclusão de curso em mais do que uma instituição universitária: "quem cuida do cuidador?" Pois é comum a preocupação com o idoso ou o doente, mas se ignora quem é envolvido e precisa dedicar-se, muitas vezes de forma integral, a vida em “consagração” a uma pessoa.

Se o desgaste da idade, com as suas carências, assim como a restrição de atividades para alguém debilitado fisicamente, já é motivo de preocupação, imagine para quem se torna pai ou mãe de filhos atípicos (já chamados de especial, deficientes ou, ainda, “coitadinhos”, no popular). Da mesma forma, se atenta a quem possui alguma restrição física ou intelectual, em detrimento do cuidador. Poucos percebem que, possivelmente, esta pessoa, quase sempre a mãe, abre mão da sua existência pessoal, assumindo a invisibilidade, exercitando a resiliência…

Especialmente, as mulheres mergulham num turbilhão de novas experiências e emoções que desafiam a encontrar uma nova conformação para as suas vidas (e isto não é uma figura de linguagem). É a luta pela inclusão social, com batalhas todos os dias diante de vizinhos, prestadores de serviços, educadores, autoridades… Não se tornam mulheres especiais porque aceitaram e trabalharam o que a Natureza lhes proporcionou. Tornam-se especiais pela capacidade de superação, de consagrar-se integralmente ao filho.

Tenho experiência com duas delas. Conheci-as antes e depois do nascimento dos filhos, com Síndrome de Down e Autista, respectivamente. Nunca imaginei que conseguissem o que conseguiram. Possivelmente, sequer tenham sonhado com a possibilidade de uma criança especial nas suas vidas. A surpresa do primeiro momento, não as fez se resignar ou desistir. Precisaram aprender um pouco de tudo. E o desafio as fez mais fortes, garimpando o direito dos filhos ao atendimento básico e ao lugar que merecem na sociedade.

Somos uma sociedade despreparada para conviver com o diferente. O preconceito é subjacente a um comportamento social que prega a inclusão, mas, individualmente, não faz nada para que se concretize. Especialmente quem tem filhos especiais merece um "colo" diferenciado por enfrentar rotinas, situações adversas, pessoas despreparadas ou de má vontade em atendimentos. A verdade é que, infelizmente, mães que cuidam de filhos atípicos são heroínas que nunca terão uma estátua em praça pública…


domingo, 9 de fevereiro de 2025

Simplesmente assim. Sou: destino





Sou quem enxergas pela janela,

Andarilho silenciando a rua,

Perambulando pelas praças

Ou dormitando nos parques.

Te pareço fora do tempo,

Pois não entendo a tua pressa, embora 

Um dia já tenha feito a mesma jornada.

 

Dói perguntar: o que sou?

No que transformaste a minha humanidade?

Velho, idoso, ultrapassado, decrépito…

Querendo, mais do que o abrigo de uma casa,

Lugar para ser acolhido em um lar, num coração.

Levarás longo tempo para entender que 

A vida passando consome os sonhos 

no altar que se chama destino…


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

O sentido de construir lembranças

A infância é o tempo do espanto.

Diante de um pequeno ser, 

Que anda por sobre o galho da árvore,

Sublimando o olhar;

A planta com encantos que transparecem

Nas ranhuras da folha e a gama de tonalidades;

De alguém que surpreende, 

Sorrindo com um presente escondido. 


Tempo em que o Mundo 

É um imenso universo a ser explorado,

Onde cabem as aventuras que parecem sem sentido 

Para o olhar constrangido de um adulto. 

Passa-se a vida com a sensação de que

A inocência perdida em algum descaminho 

Cobra o gosto estranho do que deveria

Dar prazer e sentido a encontros e desencontros. 


Aventurar por todas as possibilidades 

Que, depois, ficam restritas aos ditames da razão.

Anestesia-se o encantamento enquanto se amadurece.

Luta-se num intervalo entre ser criança e a velhice.

E a morte chega ao se perder a capacidade do espanto.

O aprendizado das coisas inúteis

Que somente com o ocaso das vivências

Se lamenta não ter lhes dado a devida atenção.


Quando os cabelos embranquecem (ou faltam), 

Redescobre-se a necessidade de sorrir, 

Aparentemente sem motivo,

Por uma recordação banal…

Experimentar a saudade, na

Lágrima que teima em banhar as lembranças, 

Quando se defronta com

O rosto que ficou perdido numa fotografia…


Avós e netos, idosos e crianças,

Fazem a lição do que é importante lembrar. 

Viver a vida é mais do que 

Apenas deixar passar os dias, meses e anos.

O olhar que acarinha, vindo da infância,

Traça um mapa por sobre as mãos enrugadas;

A razão de construir lembranças quando se chega, 

É encontrar sentido no momento da partida…


domingo, 2 de fevereiro de 2025

Simplesmente assim. Sou: hipocrisia

Sou negro, sou gay, sou pobre, sou deficiente...

E, como se isto não bastasse, sou mulher!

Sou a explicação do teu preconceito, pois 

Quando não encontras a tua razão 

Tornas-me o motivo da tua ira.

Sou a minoria que discursas como inclusivo,

Negando a possibilidade de conviver,

Sobreviver, respeitar e amar…


Sou negro, sou gay, sou pobre, sou deficiente...

E, como se isto não bastasse, sou mulher!

Sou quem não aceitas,

Esquecendo que conviveste comigo em criança.

Sou gente, embora não queiras,

Sou filho dileto do mesmo Deus que afrontas,

Quando feres a minha dignidade,

Martelando os meus direitos na cruz da tua hipocrisia…