sábado, 5 de novembro de 2011

Para esculpir um milagre


O titulo era para ser saboreado como se poesia fosse: “Pequena alma terna flutuante”. A história de um homem que colocou nas pedras o grande sentido da sua vida, reconhecendo que esta sua relação apaixonada com a natureza – “o rio salvou minha vida” – não permitiu que o menino que iniciou sua história o abandonasse.
O programa de um canal de televisão - Histórias curtas - trouxe a vida do escultor Bez Batti, 70 anos, que vive no interior de Bento Gonçalves (RS) e tem paixão por pedras de basalto. Lá pelas tantas, diz que a vida inteira correu contra a correnteza, pois o tempo passa muito rápido. Mas o que importa é que, em momento algum, perdeu a sensibilidade de menino, da criança que podia ver para além daquela forma que a natureza lhe deu, aquilo que a mão do homem poderia criar.
Lembrei do texto de Rubem Alves – Educar – em que ele diz: “Educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu. O educador diz: “veja!” – e, ao falar, aponta. O aluno olha na direção apontada e vê o que nunca viu. Seu mundo se expande. Ele fica mais rico interiormente”. O educador fala em “encantar o olhar”, pois o olhar de aprendizado é o olhar de surpresa diante daquilo que se está desvelando. Quem retira uma forma de uma pedra, faz o mesmo de quem garimpa, diariamente, as condições do ensino. È preciso, todos os dias, apontar e fazer com que o mundo daqueles com os quais a gente convive se expanda.
O jeito de quem saiu do interior para mostrar suas pedras transformadas em arte nos principais museus do mundo, mas quer voltar sempre para a sua terra, é o mesmo jeito de quem é um andarilho do Mundo, na busca de realização pessoal. Também daqueles que apontam caminhos, mas que – sempre - querem voltar ao porto seguro da sua terra, do seu canto, onde o convívio, o fazer do dia a dia, servem de alimento para novas jornadas. Esculpir uma pedra - ou auxiliar alguém a esculpir a própria vida - faz parte daquele milagre especial que, todos os dias, encantam nossos olhos e nos surpreendem diante da beleza que é existir.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Uma comunicação para a Teologia

Semana passada com o pessoal da Teologia, em Pelotas, trabalhando a Comunicação, ênfase na Liturgia e nos documentos da Igreja Católica, a respeito. Participação pra lá de especial do professor Silon e da professora Kika, que deram um colorido especial, ao falarem a respeito das relações comunitárias e de uma atuação pautada por atitudes de relações públicas.
Uma marca especial do professor Silon foi ao dizer que "o mensageiro tem que se dar conta de que a mensagem é maior". Um questionamento imperdível num tempo em que muitos se acham acima do bem maior que é aquilo que se anuncia: a Palavra de Deus. Disse: "temos a verdade maior", impressionando seminaristas, religiosos e leigos que estavam ali e se sentiram provocados para olhar de um jeito novo o processo de comunicação.
A professor Kika provocou para ações que sejam pontuais e que marquem as relações entre a instituição - Igreja Católica - e a sociedade. Falou-se da necessidade de utilizar grandes momentos, marcando presença, como foi, este ano, a festa de São Cristóvão, padroeiro dos motoristas, em que a paróquia do mesmo nome, em Pelotas, fez uma semana de prevenção de acidentes.
Ficou a ideia de que precisamos, primeiro, preparar o primeiro instrumento de comunicação, que somos nós mesmos. Nesta preparação, o improviso é catastrófico, há a necessidade de estudo, observação da realidade e trabalhar muito nas relações humanas. O horizonte é promissor, o caminho está definido, agora, é caminhar. E caminhar juntos.

sábado, 29 de outubro de 2011

Uma leitura enganosa

Embora haja controvérsias, nos próximos dias, a população mundial deve chegar a um número que, se não é assustador, é, ao menos preocupantes: sete bilhões de seres humanos sobre a face da Terra. Diversas leituras podem ser feitas num planeta onde, embora não exista a falta de alimentos, a sua distribuição é profundamente injusta, mostrando uma das mazelas da relação entre os diversos mundos que se estabeleceram, dos chamados desenvolvidos, até aqueles que ficam literalmente na periferia.
Uma população preponderantemente jovem mostra que, em pouco tempo, teremos também uma população de aposentados em grande número. A leitura enganosa fica por conta de dizerem que a questão previdenciária se torna, praticamente, insanável. Que estranho. Esta população que se encaminha para a aposentadoria, levou 30 anos para ter este direito (entre as mulheres), ou 35 (entre os homens). Pior ainda, em muitos casos, se não alcançou o tempo necessário, vai ter que chegar aos 60 anos (mulheres), ou 65 (caso dos homens).
Nem discuto, aqui, os benefícios concedidos a diversos segmentos da população por parte de um governo que não planejou estes gastos, mas que deseja usufruir de um ganho político. Mas discuto, sim, a má gestão que não foi feita pelos possíveis aposentados, mas pelas esferas governamentais.
Vamos combinar que se alguém foi imprevidente, não foi a sociedade, e, ao que tudo indica, os cofres estão em boa situação - mesmo que o governo diga o contrário - mas quer se prevenir para o futuro, com medo de uma frágil arquitetura financeira que, se desmoronar, leva toda a máquina governamental junto.
Estamos vivendo um problema sério. Muitos querem se aposentar para se livrar do stress de muitas atividades profissionais. Querem encontrar algo alternativo para fazer na terceira etapa de suas vidas. É um direito que adquiriram pois cumpriram com a sua parte e, o que ao menos esperam, é que o governo tenha a dignidade de honrar com a parte que lhe toca. Sem desculpas, sem escapatórias, fazendo aquilo que se espera de um governo: antes de pensar no financeiro, realize o sonho de quem plantou durante toda uma vida.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A praça da Feira do Livro

Porto Alegre, Pelotas e muitos outros municípios vivem tempo especial: a Feira do Livro está na praça. Embora muitas bobagens, de que a praça (que é do povo), deveria ser melhor cuidada, não creio que exista outra forma de melhor tratá-la do que trazendo o livro para a praça, para sentir seu cheiro, folheá-lo, ou apenas fazer um bom e belo passeio.
As feiras estão incrementadas por espaços de apresentação musical e cultural, mas também momentos em que crianças de todas as idades possam participar de sessões de autógrafos, leituras coletivas e o exercício da arte, em papel e canetinhas.
A praça é do povo, embora, infelizmente, o livro ainda não o seja. Seu preço ainda passa longe do bolso da maioria dos brasileiros, o que auxilia, em muito, ao nosso baixo nível cultural, assim como a baixa média de leitura nacional. Mas quem for persistente e se aventurar nos cestos que estão mais distante das áreas de circulação, vai encontrar os sebos com preços acessíveis, onde estão, muitas vezes, livros usados ou de edições mais antigas.
Na praça que respira Primavera, o encontro do povo com o livro, alimentando, a cada ano, a certeza de que temos ainda um longo caminho para um desenvolvimento da cultura popular, mas que vale a pena, porque é o jeito da nossa gente se apropriar do seu próprio destino.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A lucidez de um Pastor


Emocionante artigo a respeito de religião e espiritualidade. Enviado pela minha amiga Olga Ferreira.

Parece mentira, mas foi verdade. No dia 1° de abril de 2010, o elenco do Santos atual campeão paulista de futebol foi a uma instituição que abriga 34 (trinta e quatro) pessoas. O objetivo era distribuir ovos de Páscoa para crianças e adolescentes, a maioria com paralisia cerebral. Ocorreu que boa parte dos atletas não saiu do ônibus que os levou.
Entre estes, Robinho (26a), Neymar (18a), Ganso (21a), Fábio Costa (32a), Durval (29a), Léo (24a), Marquinhos (28a) e André (19a) todos ídolos superaguardados.
O motivo teria sido religioso: a instituição era o Lar Espírita Mensageiros da Luz, de Santos-SP, cujo lema é Assistência à Paralisia Cerebral. Visivelmente constrangido, o técnico Dorival Jr. tentou convencer o grupo a participar da ação de caridade. posteriormente, o Santos informou que os jogadores não entraram no local simplesmente porque não quiseram.
Dentro da instituição, os outros jogadores participaram da doação dos 600 ovos, entre eles, Felipe (22a), Edu Dracena (29a), Arouca (23a), Pará (24a) e Wesley (22a), que conversaram e brincaram com as crianças.
O escritor, conferencista e Pastor (com P maiúsculo) ED RENÉ K IVIT Z, da Igreja Batista de Água Branca (São Paulo), fez uma análise profunda sobre o ocorrido e escreveu o texto "No Brasil, futebol é religião", que abaixo tenho o prazer de compartilhar.

“Os meninos da Vila pisaram na bola. Mas prefiro sair em sua defesa. Eles não erraram sozinhos. Fizeram a cabeça deles. O mundo religioso é mestre em fazer a cabeça dos outros. Por isso, cada vez mais me convenço que o Cristianismo implica a superação da religião, e cada vez mais me dedico a pensar nas categorias da espiritualidade, em detrimento das categorias da religião.
A religião está baseada nos ritos, dogmas e credos, tabus e códigos morais de cada tradição de fé. A espiritualidade está fundamentada nos conteúdos universais de todas e cada uma das tradições de fé.
Quando se começa a discutir quem vai para céu e quem vai para o inferno; ou se Deus é a favor ou contra a prática do homossexualismo; ou mesmo se alguém tem que subir uma escada de joelhos ou dar o dízimo na igreja para alcançar o favor de Deus, já se está a discutir religião. Quando alguém começa a discutir se o correto é a reencarnação ou a ressurreição, a teoria de Darwin ou a narrativa do Gênesis, e se o livro certo é a Bíblia ou o Alcorão, se está discutindo religião. Quando alguém fica perguntando se a instituição social é espírita kardecista, evangélica, ou católica, já se está a discutir religião.
O problema é que toda vez que se discute religião afastam-se as pessoas umas das outras, promove o sectarismo e a intolerância. A religião coloca de um lado os adoradores de Allá, de outro os adoradores de Yahweh, e de outro os adoradores de Jesus. Isso sem falar nos adoradores de Shiva, de Krishna e devotos do Buda, e por aí vai. E cada grupo de adoradores deseja a extinção dos outros, ou pela conversão à sua religião, o que faz com que os outros deixem de existir enquanto outros e se tornem iguais a nós, ou pelo extermínio, por assassinato em nome de Deus, ou melhor, em nome de um deus, com d minúsculo, isto é, um ídolo que pretende se passar por Deus.
Mas, quando alguém concentra sua atenção e ação, sua práxis, em valores como reconciliação, perdão, misericórdia, compaixão, solidariedade, amor e caridade, se está no horizonte da espiritualidade, comum a todas as tradições religiosas. E quando alguém está com o coração cheio de espiritualidade, e não de religião, este ser humano promove a justiça e a paz. Os valores espirituais agregam pessoas, aproxima os diferentes, faz com que os discordantes no mundo das crenças se dêem as mãos no mundo da busca de superação do sofrimento humano, que a todos nós humilha e iguala, independentemente de raça, gênero, e inclusive religião.
Em síntese, quando alguém vive no mundo da religião, ele fica no ônibus. Quando alguém vive no mundo da espiritualidade, que a sua religião ensina ou pelo menos deveria ensinar, este indivíduo desce do ônibus e dá um ovo de páscoa para uma criança que sofre a tragédia e miséria de uma paralisia mental.”

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O desafio da Carroeirinha

Um casal de pequenos pássaros - conhecemos por Carroeirinha (não sei se a grafia está correta) - resolveu alugar a nossa caixa de correspondência, há três anos. Vendo uma matéria de televisão semelhante, pensei em colocar um cartaz de "ocupado" para que o carteiro tocasse a campainha, ou jogasse a correspondência em direção à porta, ou ao portão. Não o fiz, com receio de que as crianças tivessem a curiosidade aumentada e resolvessem mexer no ninho que já está pronto e onde repousam quatro pequenos ovinhos.
Este ano, os pais/engenheiros trouxeram uma novidade: depois de depositados os gravetos e formatado do ninho, resolveram fazer uma cobertura com pequenos pedaços de plástico, tornando mais "confortável" o espaço para pôr os ovos, passar o tempo de chocar e os primeiros dias dos filhotes.
Passado o Inverno, vivendo em tempo de Primavera, temos novos cheiros, novos brotos, novas flores, propondo uma nova atitude diante da vida. A lição da Carroeirinha é de que mesmo nós podemos nos reinventar e descobrir que em tempos primaveris devemos viver e conviver com maior intensidade, com espírito mais aberto e disposição para o novo, que é sempre desafio, o desafio de continuar existindo.

sábado, 22 de outubro de 2011

Não foi acidente


A cada final de semana, os números impressionam: são dezenas de pessoas que perdem a vida ou que ficam com marcas para o resto de suas vidas por um único motivo: acidente de trânsito. O maior motivo: o excesso de velocidade e o uso da bebida. Voltando da praia ou da serra, em estradas federais ou dentro das cidades, os limites não são respeitados e, aí, surgem as mais esfarrapadas desculpas: aquela rótula não deveria estar ali, a estrada não tem acostamento, o outro é que foi barbeiro.
Durante a semana passada, o programa Mais Você, da Ana Maria Braga, mostrou dois depoimentos assustadores. O primeiro de um pai que teve o filho morto por um motorista de caminhão embriagado. Pouco tempo depois, acompanhando o processo do filho que chamou de “perda de patrimônio afetivo”, foi surpreendido pelo fato de que o motorista matou mais um jovem, novamente embriagado. Antes que fosse liberado, alertou a justiça de que a fiança, no primeiro caso, já era demais, na segunda, seria insuportável. Muito menos, transformar a vida de uma pessoa em bolsas de alimento.
Outro caso foi do rapaz que, também num acidente com alguém alcoolizado, perdeu a mãe e a irmã. Resolveu não se dobrar à dor. Criou um site – www.naofoiacidente.com.br – com o slogan “Os justos não podem pagar pelos irresponsáveis”. Sua proposta: ampla mobilização pela mudança da lei, através de uma petição popular, com o endurecimento das penas para crimes cometidos por pessoas que assumem o volante embriagadas, portanto, também devendo assumir a responsabilidade quando tiram uma vida ou a marcam para todo o sempre.
Nossas leis têm se mostrado excessivamente brandas. Ou pior, as muitas interpretações podem justificar uma série de escapatórias para aqueles que se mostram irresponsáveis. O dever de todos nós em acessar o site e assinar a petição é mostrar às autoridades que ninguém mais quer apenas ver estatísticas dolorosas. Infelizmente, a bebida é a chamada “droga social”, que faz muitos perderem a noção da realidade, mesmo nossos jovens. No entanto, não pode servir para que se aceite a impunidade de um assassinato.