domingo, 17 de abril de 2022

Páscoa: foi o coelho ou foi Jesus?

Uma das minhas primeiras dúvidas existenciais (deveria ter consultado o professor Jandir Zanotelli, que tenho como referência filosófica) foi na época de Páscoa – a bela tradição cristã que rememora a ressurreição de Jesus, inspirada na festa judaica de Pesach, memória da libertação do povo Hebreu, ao sair do Egito. Para o cristão, é a culminância da Quaresma (40 dias após a Quarta-feira de Cinzas) e, mais próximo, da Semana Santa, iniciada na significativa cerimônia do Domingo de Ramos quando o Rei dos Reis, em toda a sua “glória”, entra em Jerusalém montado num jumento.

Mas voltemos. O meu problema está com o coelho, que considero injustiçado pela tradição “cristã popular”. Na minha infância não existia o Google e sequer sabia como consultar uma enciclopédia. Somente mais tarde fui saber que o dito animalzinho era referência pela sua fertilidade, o que – numa interpretação que eu considero elástica demais – era figura representativa para a capacidade do Cristianismo de semear e disseminar a palavra de Deus, fazendo novos discípulos para a fé cristã. Com todo o respeito, como diziam as crianças: “coitado do senhor coelho!”

Então, vamos ao meu problema. Quando chegamos em Pelotas, eu estava com 4 anos. Fui para a escola com 6. Neste intervalo, ajudava a cuidar dos bichos que andavam pelo pátio, ou num pequeno cercado. Além do cachorro, o Leão, já idoso, desdentado, sem juba e sem urro… haviam as galinhas e um porco. Não sei quem disse para meus pais que uma carne muito boa seria a de coelho. Prontamente, arranjaram um casal que, depois de pouco tempo, apareceu grávido. Foi um susto quando começaram a nascer os filhotinhos… Era coelho que não acabava mais.

Ainda não se tinha acesso a muitas informações e, para nós, as guloseimas de hoje, com chocolate, não existiam. As cestinhas eram de vime, com “barba de velho” ou papel picado, e as especiarias feitas com ovos de galinha esvaziados, secos, pintados e recheados com amendoim recoberto com açúcar em calda. Os chocolates, assim como os ovos de açúcar, apareceram quando já estava na Escola. E o dilema: como é que as professoras diziam que os ovinhos eram dos coelhos? Já tinha ajudado a criar alguns e esta história, com certeza, não estava bem contada…

Os tempos passando trouxeram novas formas de viver a Páscoa, especialmente em família, ou nos meios sociais em que se vive. Gostava de ver os pais fazendo as trilhas que levavam até o lugar onde o coelho (coitado!) tinha deixado seus ovos. Por dentro de casa, ou nos pátios, eram momentos aguardados e farejados com a brincadeira do “tá quente, tá frio”, que faziam mais a felicidade dos adultos do que das crianças. Depois, os festejos organizados em escolas ou igrejas, onde professores e equipes de catequese se esmeravam em juntar aos doces o gosto da festa cristã.

Fico com a impressão de que o coelho “entrou de gaiato no navio”. Mais ou menos como o pai que – emburrado - é “obrigado” a se vestir de papai noel no Natal para que haja a representação do bom velhinho. Como diria um amigo: “faz parte”. Muitas das nossas tradições desapareceram ou estão desaparecendo. É bom quando se vê que alguns destes eventos voltam e, mesmo que seja no espírito da brincadeira, se faça a “festa” que aproxima pais, filhos, vizinhos e amigos. Nestas “grutas” que se chamam família e comunidade é o lugar onde Deus gesta a ressurreição do Seu próprio Filho!

Um comentário:

Unknown disse...

Como sempre trazes para nós memórias afetivas que, com certeza, aquecem o coração de muita gente.