terça-feira, 10 de novembro de 2009

O perfume da dor e da morte

“Existem cheiros marcantes. Para mim, entre eles, está o da acácia, da dama da noite, do jasmim e o da flor do pessegueiro. E foi lembrando deles que fechei os olhos para não sentir o que estava acontecendo com meu filho naquele momento”. Não sei como aquele pai podia fazer “poesia” no momento em que falava a respeito do acidente de moto vivido por seu filho e no acompanhamento que tinha dado no hospital, descrevendo todo o desespero de lutar por sua vida e encarar um ambiente carregado de dor e sofrimento.
Num tempo de Primavera, em que todos os odores são marcantes e estão presentes nas árvores, arbustos e flores que desabrocham, a analogia não podia ser mais feliz, porque todos os sinais são de vida, enquanto um acidente sempre remete à dor ou à perda de uma existência. Mas há, sim, algo em comum: a capacidade de regeneração. Este é um tempo em que toda a natureza está desabrochando e mostrando a sua capacidade de se renovar, depois de atravessar o inverno. A semelhança, para o pai, é a espera de que seu filho, com cerca de 20 anos, seja capaz de vencer a dor e reconstruir seu caminho.
As estatísticas a respeito de acidentes têm sido, no mínimo, preocupantes, e, pode-se dizer, angustiantes, porque ceifam a vida de nossos jovens, especialmente homens, que se mostram mais predispostos a exagerar na velocidade, ou em dirigir, sob o efeito do álcool. As campanhas mostrando o que aconteceu não têm sido suficiente para prevenir. O que os jovens dizem é que isto aconteceu com outros, não vai acontecer com eles. Julgam-se acima do bem e do mal e deixam os pais e familiares na angústia da espera, especialmente nas noites de final de semana, quando cada minuto é precioso para saber se retorna.
As perdas são sempre muito dolorosas. A dor por algum trauma físico também. E mais ainda quando ficam seqüelas para o resto da vida. Uma ação impensada causa uma marca que fica. E para aquele pai que pensava em odores para manter a sanidade mental, ao lado do filho, num leito de hospital, fica a impressão de que arrancou o filho do próprio fim. E sentiu o perfume da dor e da morte.

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