sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Um par de meias

Artigo da semana:

Minha mãe aprendeu a tricotar quando viemos do Interior de Canguçu para Pelotas. Não creio que tenha sido apenas para ter um passatempo com amigas e vizinhas. Era a necessidade de vestir os filhos. Além das lides da casa e cuidar das crianças, ajudava o pai a atender a clientela do armazém em que se estabeleceram. Esperando pelos fregueses, tinha tempo para trabalhar com as linhas de lã, as agulhas e os pontos que iam produzindo mantas, meias, blusões e casacos.

Tinha (e hoje tenho ainda mais) orgulho das roupas que ela fazia. Quando meu pai conseguiu comprar uma máquina de costura Singer, passamos a nos vestir “sob medida”. Embora, de um ano para o outro, diziam que havíamos tomado chá de bambu. Eu e meus irmãos íamos crescendo e conhecíamos a arte de economizar: a roupa do inverno passado era desmanchada e refeita, ganhando um aumento na cintura e nos braços para caber por mais um tempo. 

Lembrei das minhas histórias quando assisti matéria sobre um grupo de senhoras que se reúne exatamente para doar um pouco do seu tempo e produzir roupas quentinhas. A melhor imagem acabou sendo o olhar de um bebê de poucos meses, com uma blusinha nova, vestido pela mãe, que reconhecia não ter recursos para enfrentar o inverno. O trabalho voluntário, em conjunto com o serviço social do município, fazia a liga perfeita para amenizar as agruras do tempo.

Durante alguns anos, companheiras do Rotary Centenário, como a Olga e a Vera, mobilizaram conhecidos e o clube para arrecadar novelos de lã. A mãe, já idosa, tricotava os parzinhos de meias que faziam parte dos enxovais distribuídos no início da estação do frio. Um trabalho de parceria, um trabalho de formiguinha, que não resolve o problema da pobreza, mas mitiga muitos sofrimentos de pessoas que nem sabem porque se encontram onde estão. 

João Chagas Leite dizia: “Se os senhores da guerra mateassem ao pé do fogo, deixando o ódio pra trás, antes de lavar a erva, o mundo estaria em paz!” Quando se olha para as disputas políticas, se percebe o quanto nossos “representantes” se afastaram da realidade vivida pela população. As discussões do que entendem como macro política são a desculpa perfeita para não se sentirem responsáveis por crianças que precisam do básico: alimentação, saúde, moradia, educação, segurança e, quem sabe, um par de meias para enfrentar o inverno… (Imagens geradas pela IA Gemini. Áudio e vídeo em https://youtu.be/56RnAstU8bU)


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