sexta-feira, 1 de agosto de 2025

“Pastoral” e “compaixão”, apenas utopia?

Artigo da semana:

Confesso que o tempo levou a que aproveitasse melhor o sabor das palavras. Não me envergonho em dizer que amadureci vendo certos termos revestirem-se de novos e mais profundos significados. Lembro de uma aula do primeiro ano de Teologia, com o padre Luiz Boari, quando me dei conta de estar enganado sobre a definição de  “pastoral”. Tão mal usada no jargão da Igreja Católica, que acabou virando sinônimo de burocracia, reuniões infindáveis, e não de quem se dispõe a cuidar do outro, “pastorear”, a tarefa do pastor.

Cheguei a usar a palavra “prostituir” para certos termos que perdem seu sentido inicial e que somente a vivência ajuda a depurar o seu “gosto”. Recentemente, li a obra escrita a quatro mãos pelo frei Betto e Heródoto Barbeiro “O Budista e o Cristão”. Lá pelas tantas, falam a respeito da palavra “compaixão”. Depuram o seu significado que, para mim, era exatamente o equivocado: ter pena de alguém. No Budismo, como no Cristianismo, seu significado é carregado de humanidade, pois significa “sofrer com alguém”. 

Intuía isso ao recomendar aos alunos de Teologia que, se quisessem um “exercício de solidariedade”, não apenas visitassem pessoas idosas ou doentes. Estes momentos, muitas vezes, são apenas descarregos de consciência. Sugeri, como tive que aprender cuidando dos meus pais, que gastassem tempo convivendo com pessoas em situação de dependência, durante um período, em tempo integral… Duvidava que qualquer outra experiência ou conhecimento teórico lhes desse a noção do quanto dói a fragilidade humana…

Admiro pessoas mais idosas que, vendo os mais jovens esforçarem-se por academizar sentimentos, preferem esperar amadurecerem para se calarem diante das palavras. No afã das discussões muitas vezes estéreis (e histéricas), perde-se tempo em enquadrá-las ao sabor dos conhecimentos ideologizados, por religião ou discurso político partidário. Ter a grandeza de sorrir diante da pressa que alguns têm de dizer apenas por dizer, corresponde à paciência de esperar por um dia, em que entendam o que reveste as palavras: não apenas a sonância do que faz o discurso vazio, mas os silêncios que lhe dão significado. 

“Compaixão” é palavra que se garimpa ao longo da vida, não apenas pelo seu sentido nos discursos. Rima com “pastoral”. Homens e mulheres de boa vontade introduzem este duplo significado: “cuidar do outro” e “sofrer com alguém”. Independente da identidade política ou religiosa, muitos são os cidadãos do universo que buscam os menos favorecidos. É trabalho que não ganha mídia, mas ensina o quanto responsabilidade social ainda é utopia, que não pode ser apagada nas vivências e convivências… (Imagem gerada pela IA Gemini. Este e outros textos em manoeljesus.blogspot.com)

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