Ao que tudo indica, seu Mário tinha visão privilegiada das margens do rio Taquari, desde a sua casa, na área urbana de Muçum. Aos 90 anos, solteiro, levava vida pacata na pequena comunidade, uma das mais atingidas pelas cheias. Na reportagem, era o quadro da dor: no local que fora a morada, apenas escombros e, no que restou de um piso, rolou uma pedra de alicerce e passa o dia sentado, de costas para o rio. Os vizinhos deram abrigo e alimentação, mas diz que sente falta de um rádio de pilha que faça companhia...
Na Semana Farroupilha, grupos, especialmente de cavalarianos, trocam as tradicionais festividades e percorrem as cidades solicitando apoio em donativos. Infelizmente, por ser situação recorrente, já se está acostumando com a lista: alimentação, água potável, material de higiene pessoal, material de limpeza para as casas, comida e cuidados para animais de estimação. Multiplicam-se os grupos que, especialmente em fins de semana, viajam em autênticos mutirões, colaborando na busca pela retomada da vida quotidiana.
Mas uma destas equipes teve uma ideia diferenciada:
pedir doação de equipamentos para o chimarrão. Tudo foi levado ou prejudicado
pelas águas barrentas que, se não tragaram, fizeram grandes estragos nas
moradias. Cuias, bombas, erva, térmicas... Querem distribuir nos pontos em que
estão abrigados ou que possam levar para o trabalho nas casas. É o básico para
que alguém possa sentir um pouco do gosto de não estar sozinho enquanto sorve
um amargo e compartilha o mate numa roda de conversas.
Fiquei imaginando, para pessoas acostumadas ao
chimarrão, como eu, a tristeza de não ter uma cuia. Não sei tomar água de outra
forma. Então, é hidratação e companhia, nos momentos de leitura e trabalho,
pela manhã e à tardinha. Quando, por algum motivo, não cumpro o ritual, sinto
que faltou alguma coisa no dia. Até gosto de tomar com outros, mas quem tem o
costume sabe que a cuia da casa é diferente, personalizada, e se tem uma série
de manias para fazer e sorver o “doce amargo que faz bem!”
A gente já viu mateiras penduradas na garupa de
cavalos, ao ombro, presa ao banco do motorista, no carro ou no caminhão.
Desfilar por eventos cívicos e também na praia, em parques, numa voltinha pela
calçada na rua... Idosos gastando seu tempo à mesa, sobre um aparador de
escritório, o primeiro gole do mate já mais frio para a criança que insiste...
É um pouco da nossa identidade gaúcha. Faz bem em todos os sentidos: num
momento de introspecção ou para quem está precisando de um dedinho de prosa...
Seu Mário agradeceu à equipe de televisão que voltou
trazendo o radinho. Já estava se preparando para ouvir na cama, no silêncio da noite.
Porém, garanto, não ficaria brabo se viessem não apenas para gravar, mas com a
cuia de mate, sentados no lugar que foi a sua moradia. Conversar, fazer
companhia, ouvir histórias, notícias, músicas na “rádio” local. Ameniza a dor,
a solidão e, com certeza, quando, bem gringo, dissesse: “obrigado de tudo,
viu!?” afloraria a emoção: seria o mate que cabe dentro de um abraço...
Nenhum comentário:
Postar um comentário