terça-feira, 15 de março de 2022

Um cemitério de sonhos que se chama guerra

A invasão da Rússia na Ucrânia vem merecendo farto acompanhamento através dos meios de comunicação. Difícil se acionar o controle remoto por canais abertos ou da televisão paga que não se encontre informações a respeito. Num cantinho da Europa, com relativa facilidade de acesso, tendo a possibilidade de transmissões através da internet, consegue mostrar o melhor e o pior das autoridades envolvidas; o melhor e o pior dos interesses econômicos em jogo; o melhor e o pior de um jornalismo que, na busca pela informação, em alguns casos, beira o entretenimento…

O esforço dos correspondentes de guerra é para fazer o “diferente”, que não canse o telespectador, ouvinte, leitor, num autêntico baile de loucos para não perder audiência. A cobertura tradicional não tem o que variar. São, também, conflitos de números e dados oficiais, sem a possibilidade de serem checados. Então, as coberturas se contentam com o que conseguem de imagens e informações dos frontes, mas usam e abusam das matérias que envolvem as emoções de quem fica no país ou daqueles que se transformam em retirantes, numa longa jornada para chegar às fronteiras.

Nesta guerra, em especial, jornalistas envolvidos se deram conta de que tinham nas redes sociais um aliado para gerar imagens de locais atacados e produzir matérias de impacto humano. Confesso que fiquei sensibilizado pela mulher ucraniana que entregou sementes de girassol para o soldado russo, dizendo ser ele um invasor que devia colocar no bolso para quando seu corpo fosse devolvido ao seu país. Ou a do soldado ucraniano que recitou poema antes de partir para o fronte e do russo que mandou mensagem para a mãe, sem entender o que estava acontecendo, antes de morrer.

Emblemático o confronto entre uma mulher sofredora que defende a sua terra e um jovem que pouco entende da situação que está vivendo. Primeiro pelas redes sociais, depois pelos meios de comunicação, deu uma volta ao Mundo. Mas, antes, tornou-se símbolo de resistência e, numa terra rica em produção agrícola, as sementes transformaram-se nos “Girassóis da Ucrânia”. Sendo pedidas para que fossem entregues aos pelotões que já cercam as grandes cidades, assim como enviadas ou deixadas nas portas dos consulados russos, como sinal de resistência.

Zhenya Perepelitsa deixou a esposa, filhos, amigos e o cachorro para defender seu país. Quando conversou com um repórter, recitou o poema persa do iraniano Hamid Mosadegh, “quem lhe dará a notícia da minha morte?” E partiu para o fronte… Na guerra de versões, foi divulgada mensagem de um soldado russo a sua mãe: “estou na Ucrânia. Há uma guerra de verdade acontecendo aqui… disseram que os civis iriam dar boas-vindas a nós, mas eles não nos deixam passar, nos chamam de fascistas, isto é tão difícil”. O garoto teria morrido poucas horas depois da troca de mensagens.

A guerra é, sempre, um cemitério de sonhos. O Mundo nunca saiu melhor dos grandes conflitos. Ficaram ressentimentos nas relações internacionais, especialmente para os perdedores. Infelizmente, a História não fala de quem passou fome ou ficou desassistido, o heroísmo anônimo de quem vê no fruto da própria terra um elemento agregador, ou a vitalidade de meninos transformada em bucha de canhão. Para os senhores da guerra, apenas um efeito colateral. Para as famílias que vivem o luto, um rosto, um jeito, um sorriso... E, na dor de um corpo recebido, a morte de uma esperança…

Um comentário:

Smoke FTN disse...

Muito triste. Emocionante.