terça-feira, 29 de março de 2022

“Quantos anos tens?”

Conta-se que, em certa ocasião, alguém perguntou a Galileu Galilei: “- Quantos anos tens? - Oito ou dez, respondeu Galilei, em evidente contradição com sua barba branca. E logo explicou: Tenho, na verdade, os anos que me restam de vida, porque os já vividos não os tenho mais”. O registro foi feito por um desconhecido, mas importa que tenha ficado a lição dada pelo sábio e a necessidade de, querendo qualificar a existência – a única que se tem - é preciso colocar o tempo na sua real perspectiva: valorizar o passado e o presente como razão para os anos que ainda nos restam.

Neste fim de semana li a notícia da preparação para a morte do ator Alain Delon, que completou 86 anos em novembro e decidiu acabar com sua vida por meio de um suicídio assistido. O francês que tem um dos rostos mais bonitos do cinema, sofreu um AVC em 2019. De lá para cá, passou por muitas dificuldades, reclamando da vida que leva, especialmente depois que a esposa também praticou o mesmo tipo de morte, na Suíça, onde o procedimento é legal. Os meios de comunicação vem publicando o contraste entre o jovem Delon e os “estragos” que o tempo fez em seu corpo…

No fim de semana, participei da reunião de coordenação estadual de Comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em Porto Alegre. Reencontrei duas referências para minha vida de fé e conhecimento: o padre e sociólogo Pedrinho Guareschi, aos 82 anos, ouvindo com dificuldade e confessando que sofre com esquecimentos, junto com seu amigo e meu mestre, Attílio Hartmann, beirando os 87 anos, andando devagar (embora continue torcendo pelo Grêmio…) e atuando na livraria Padre Reus, no centro da capital. Ambos atendendo aos seus deveres sacerdotais e sociais.

No meu “alvorecer da terceira idade”, aos 67 anos, tive dificuldade de entender Galilei. Impera a cultura da juventude em que grande parte dos valores passam pela plenitude física. Quando os anos se esvaem e não se consegue ter aquele corpo escultural bate o medo de que seja o prenúncio do fim, sem ter conseguido encontrar um sentido para envelhecer… O triste é que, em muitas fases, sabe-se o que os outros vão passar e o que deveriam fazer – e até lhes impomos como se comportar, mas… - se fará da mesma forma, esquecendo o já dito, e patinando nas areias movediças do tempo!

Gosto de pensar que amadurecer nos torna mais tolerantes. Foi o que entendi ao ouvir a proposta do papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações. Separa o que seja “ouvir” (ato físico) de “escutar”, que remete à necessidade de se prestar atenção a quem está falando, concentrar-se na pessoa que nos diz algo. É um dos aprendizados mais difíceis, pois se poderia ampliar para os sinais da natureza, da vida, do homem, em sua plenitude. Abandonar a própria redoma – egocentrismos e vaidades – tem, mais do que a preocupação com o caminhar para o fim, encontrar razão para ele.

Quantos anos tens?” O símbolo sexual das décadas de 60 e 70 não vê sentido em continuar porque o tempo marcou seu rosto, seu corpo e se desiludiu. De outro lado, ao ver a contribuição de padres idosos para ações religiosas e reflexão social, acredito: a existência não se importa com nossos resmungos. Hoje, sinto prazer numa palestra que dá certo, assim como na planta que viceja por minhas mãos... “Velhos” que não vivem apenas de saudades, mas da simplicidade de um instante e, desafiados, ter o direito a um sorriso, um carinho, um lugar ao Sol… Ou seja, apenas de ser feliz…

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