domingo, 13 de março de 2022

Estão faltando avós do jeito antigo...

Nas coxilhas de Canguçu e de Camaquã, de então, próximo ao rio que leva o mesmo nome, formou-se o casal do seu Manoel e dona França, meus pais. Desde cedo, aproveitei o convívio com as avós: por parte de mãe, a dona Jovita, e por parte de pai, a dona Saturna. Embora próximos, os roteiros de chegada eram bem diferentes. O primeiro se dava pela própria cidade de Canguçu, numa jornada que levava praticamente um dia; o segundo, em direção a Camaquã, desembarcando no paradouro do Grill e começando uma caminhada, por estradas quase sempre desertas, pelo Passo do Sapato.

A rotina era bem diferente da que se tinha na Vila Silveira: deitar cedo, acordar mais cedo ainda; nos chamavam para apojar as vacas e conseguir uma caneca com leite quente e espumante; correr pelos pátios atrás das galinhas, para garantir o almoço; ajudar em coisas adequadas para a idade, tanto na horta, quanto nas lavouras; ir até a cacimba para buscar a água que servia para a higiene e alimentação, tomar banho nas sangas... No jeito simples de uma vida pobre, o reencontro de meus pais com irmãos e suas mães propiciavam um sentido muito forte do que eram laços de família.

Falo das “avós” porque não convivi com os avôs Eduardo (paterno) e Claudestino (materno). Morreram com pouco mais de 60 anos. Para as condições de então, eram considerados “velhos”, o que tinha a ver com poucos recursos e condições de saúde. Formaram famílias numerosas que precisavam subsistir com a dificuldade de terem poucas terras e nenhuma assistência que os tirasse da miséria (como meu pai dizia que viviam) para a pobreza (que uma vez chegou a contar, no que se transformara a vida de migrante que os retirou do interior para as periferias da cidade).

Estas memórias vieram quando uma vizinha passou por mim numa tarde que chegava ao minimercado para buscar pão. Com máscara, óculos escuro e chapéu de palha, parecia personagem de faroeste pronto para um assalto ao trem pagador. Quando me reconheceu, sorriu e brincou: “estava achando que era o seu Manoel (meu pai) quem estava chegando!”. Já não era a primeira pessoa que dizia algo semelhante, especialmente no jeito de andar, já um pouco arqueado, e no uso do chapéu, porque o pai não usava óculos escuros e nem conheceu as máscaras contra o covid.

A ocasião seguinte em que as memórias se fizeram presente foi ao conversar com as atendentes do salão onde corto o cabelo e uma delas disse que o filho sentia falta de um avô. Contei como seria a presença do seu Manoel junto às crianças que hoje estão na faixa dos 5 a 9 anos, na quadra. Brincalhão, era comum, quando alguma estava provocando estresse, reunir uma turminha e levar para campinhos próximos, onde, segundo ele, podiam “escramuçar e pastar à vontade”, gastando energia e voltando para casa, muitas vezes, prontos para banho, temas de casa e um bom sono.

Estão faltando avós do jeito antigo... O distanciamento físico, diferentes compreensões de educação, transformaram a cumplicidade entre gerações em ausência e o sentimento de que ambas perderam. Têm direito à parceria, presença e aproveitar do carinho de quem, descobrindo o Mundo, encontra alguém disponível. Avós são mais do que uma ligação física: são laços que, perdidos, atrofiam a sensibilidade e a capacidade de entender o que é o carinho de alguém que é pai ou mãe por duas vezes, o vovô ou a vovó, que descobre, no olhar da criança, o sentido da vida que já percorreu…

2 comentários:

Martinho Lenz disse...

Manoel Jesus, essa crônica sobre teus avos, despertou lembranças de infância, recordações da vida no interior, onde vivi ate os 11 anos, quando entrei para o seminário...
Recordações boas, memórias agradecidas...
Agradeço por esse teu presente de todos os domingos ...

daviddutkievicz disse...

Quanto lembrança boa nessa crônica, de um tempo não tão distante mas que parece já tão difícil de acontecer hoje. Ao mesmo tempo que traz lembrança, planta esperança! Dias melhores estão pro vir.