domingo, 11 de novembro de 2018

O silêncio da Eternidade

Estávamos aguardando o jantar. Uma amiga fez uma daquelas perguntas com o objetivo de envolver uma pessoa mais velha na conversa. Olhar brincalhão e sorriso brejeiro disse o óbvio: que a resposta era do tipo em que é possível dizer qualquer coisa, mas que a interlocutora queria que afirmasse o que ela mesma pensava. Não era uma disputa intelectual, mas o espírito provocativo de duas pessoas amigas.
Quando dou almoço para minha mãe, na cama - comida liquefeita - vez que outra ela me ignora solenemente. Parto para todas as chantagens: "mãe", "mãezinha", "minha querida"... até que preciso levantar a voz para que abra os olhos e a boca a fim de ingerir o alimento. A resposta vem, mas não sem antes retirar a mão do lado do rosto, colocar sobre os lábios e expressar um pedido de silêncio apenas com um "psiuuu!"
Atender no dia a dia a uma pessoa idosa é uma chance de aprendermos, mais cedo, a lidar com o silêncio. A necessidade de preencher todos os nossos espaços com ruídos vai, no passar dos anos, sendo aplacada pela serenidade de quem já viu muita vida passar e sabe que não consegue evitar o inevitável. No entanto, é capaz de aproveitar melhor as ocasiões de convívio sem nenhuma exigência.
Somente o direito de ter alguém junto. De alcançar olhares prolongados sem ter uma agenda que não lhes interessa, mas como se já gravassem as cenas com as quais poderão fazer a última viagem em direção à Eternidade. Há algo de divino e de sagrado na forma como o tempo perde o sentido e, muitas vezes, apenas querem o direito de estar sós preenchido por histórias e ecos de suas lembranças.
É possível que já não gravem mais os rostos e os momentos da atualidade. Motivo que torna inconveniente as pessoas perguntarem ao idoso se ele as está reconhecendo. O tempo de saber quem é cada um dos que os cerca já passou. Agora sentem-se no direito de apenas usufruir de um sorriso, uma palavra de carinho ou um gesto envolvido no reconhecimento de que fazem parte indispensável de nossas histórias.
Se partimos do silêncio - onde está Deus - e para ele voltamos, torna-se óbvio o provérbio: "temos dois ouvidos e apenas um boca". Explicação para a necessidade de ouvir mais e falar menos. Mesmo as palavras cansadas, ditas sem pressa, necessitam de um estado de espírito disposto a exercitar a paciência. Atropelar um idoso que arrasta seus argumentos é pura maldade. Talvez já tenham vivido com pressa, mas seus próprios corpos vão fazendo valer suas limitações. O que precisa ser dito está muito mais nos seus silêncios e olhares. Algo que, depois da sua partida, nem mesmo a Eternidade é capaz de fazer com que a gente esqueça!

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