quarta-feira, 16 de maio de 2018

Filhos do coração

Revisitando meus textos (2008):

Tem ocasiões em que a realidade toma contornos ou até supera a ficção. Foi o caso de uma reportagem em que se traçou o paralelo entre duas famílias que optaram pela adoção. Mesmo em situação de pobreza, quiseram ter, além dos filhos biológicos, “filhos do coração”. O gesto já era significativo: embora com poucos recursos têm o sentido da superação em que não basta apenas fazer o possível. E, em ambos os casos, até mesmo este limite foi superado quando resolveram adotar além de crianças “sadias” também, em cada caso, uma delas com lesão no cérebro.
O encontro foi emocionante. Em um dos momentos, depois de escolher duas crianças “normais”, a mãe viu que ficava uma. Foi advertida de que esta tinha “problemas” e que já teria muito trabalho com aquelas que adotou. Bastou, no entanto, a criança deixar de chorar e sorrir quando ela se aproximou para buscar o marido, disposta a também adotar a terceira. Contrariado, o esposo foi até o berçário e, novamente, o choro estancou. Tudo mudou quando, já no colo, o homem disse ou pensou ter ouviu claramente a palavra “pai”!
Depois, vão sendo mostradas as dificuldades: a complicação de adaptar a casa, os exercícios feitos em família, a preocupação com o futuro, a romaria em busca da fisioterapia e cuidados especiais. Veio, então, o segundo milagre: enquanto aguardavam pelo atendimento, duas mães conversam, na antessala, com crianças muito parecidas, embora com idades diferentes, ambas buscando aproximar-se, brincar e acariciarem-se. Conversa vai, conversa vem e a descoberta: filhos da mesma mãe e abandonadas exatamente por suas deficiências!
Conter as lágrimas, impossível. Mesmo os médicos e pessoal técnico, acostumados com revezes e situações dramáticas, emocionaram-se. Aconteceu um reencontro e a aproximação entre famílias que passaram a conviver por crianças consideradas “incapazes de ter algo a dar”. Uma cena forte é repetida ao finalizar a matéria quando uma das crianças, que ainda não consegue manter a cabeça erguida por muito tempo, aproxima-se do irmão e descansa em seu ombro. O outro acaricia sua cabeça e a beija!
Não há o que dizer, mas refletir: eu não teria a coragem daqueles pais, pois temos todas as teses do mundo para explicar como devem ser as relações sociais, mas apenas um gesto põe nossa teoria no bolso, mostrando que a vida tem variáveis imprevisíveis e desafiadoras. Fica claro que viver é uma aventura e um grande desafio, onde, conscientes das nossas carências, nunca estamos sozinhos e, apesar das dificuldades, mesmo não sendo filhos biológicos, ainda se pode ser filho do coração!

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