terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Um intervalo de tempo que se chama vida

Levantamentos apontam mais gente vivendo acima de 60 anos do que a faixa etária inicial, até os 14. Para analistas de plantão, significa um "mercado" que deve ser olhado com atenção e recebeu um nome pomposo: "economia prateada", a dos cabelos que, quando já não caíram, perdem a coloração e se tornam multicor... Um fato: grande número de aposentados o faz não porque deseja se livrar das atividades de um emprego, mas, tristemente, por não haver mercado de trabalho para a sua idade.
O passar dos anos mostra o quanto é difícil se preparar para envelhecer. Especialmente quando a própria sociedade não tem noção do que fazer com os seus idosos. Numa tentativa de compensar, aqui e ali, surgem grupos que procuram qualificar a vida daqueles que não pediram para prolongar a sua existência e que, em muitos casos, sentem que se tornaram mais um peso para familiares do que a graça de uma vida que já deu frutos e mereceria carinho e compreensão.
Na virada do ano recebi um vídeo pelas redes sociais de um grupo que trabalha com idosos lutando com doenças como o Alzheimer e a demência. Percorrem instituições que abrigam velhinhos e dão de presente bebês/bonecas (com roupinha e tudo) e bichinhos de pelúcia. A reação é impressionante: o sorriso farto, as lágrimas que rolam, a surpresa e a vontade de ver, abraçar e acarinhar, na lembrança dos tempos em que tinham no colo filhos, netos, animaizinhos de estimação...
Quando a mãe - dona Francinha - morreu, já tinha uma coleção de bonecas. Uma delas, um anjinho que rezava o Pai Nosso, embarcou junto na sua última viagem... Em certos momentos, alcançávamos para ela, que passava um longo tempo olhando, desenhando com os dedos os contornos do "nenê", assim como a acompanhavam nas vezes em que esteve hospitalizada. No final do dia, era com o anjinho nos braços que rezava a oração universal antes do beijo de boa noite e o apagar das luzes.
Não sei se a mãe viveu mais ou menos do que deveria viver. Mas sei que pequenos detalhes tornam a vida mais suportável, aqueles que se fazem no varejo e não no atacado. Um idoso não precisa de longas conversas, roteiros de viagens ou aquilo que o dinheiro ou o poder podem obter. Apenas carinho e sensibilidade por parte de quem cuida. Sem "idiotizar" ou "infantilizar" a velhice, gastando quanto tempo for preciso para um olhar ou segurando mãos enrugadas que sorvem vida por nossos dedos...
Entre o início e o fim há um intervalo de tempo que se chama vida. Lamenta-se a infância e a juventude "perdidas" sabendo que se colhe aquilo que se plantou. A receita é a mesma para 2020: idosos precisam manter-se ativos - física, mental e espiritualmente. E rezar para que, quando se extingue o último suspiro, haja alguém - ou um objeto de nossa memória afetiva - que faça a ponte entre nós e a Eternidade...

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Crônica de um Natal para os avós...

A menina aproximou-se do presépio. Depois de olhar com admiração para a cena - com as explicações do pai - perguntou: "Jesus não tinha avós?" O rapaz respondeu que sim. A tradição contava que eram são Joaquim e Sant'Ana. E a pergunta seguinte o surpreendeu: "porque eles não estão no Presépio? Será que estavam numa casa de repouso?" O pai ficou para trás observando os detalhes das pequenas figuras e imaginando o que, naqueles tempos longínquos, teria  passado por suas cabeças...
Maria esperando seu primeiro filho. Sozinha, num lugar distante da cidade, longe de casa, apenas com José. As condições eram precárias. Conseguira colocar uma manta sobre a palha estocada. Já pensando no depois, teria que arranjar o cocho onde os animais se alimentavam para acomodar seu filho. Queria ter alguém que a pudesse auxiliar, especialmente a mãe. Ela saberia o que fazer primeiro, como se organizar e ajeitar o menino depois do nascimento. Mas aprendera a ter confiança em Deus...
Sant'Ana caminhava da casa em direção à porteira e voltava. São Joaquim estava nervoso com a mulher. Alertou: "Ana, a Maria tá bem. José tá junto. Vai cuidar bem deles!" Nem recebeu resposta. A mulher pensou: "homens. Não sabem como é difícil viajar esperando um filho. Será que ela levou tudo o que precisava? Meu Deus, não posso fazer nada!" Incapaz de ajudar e aflita por ter visto a filha se por a caminho tão bonita com aquela barriguinha já demonstrando que seu neto nasceria logo.
Dias depois, ao longe, viu a família voltando. Maria montada num burrinho com o menino Jesus no colo. Trôpega, andou em direção aos viajantes. O pequeno fardo era a coisa mais linda de se ver... Reverente, pediu para pegá-lo. Era como se Anjos murmurassem em seu ouvido e dissessem que ali estava o Salvador tão esperado por seu povo. "Ele é lindo! Muito lindo! Que Javé o abençoe!" Não havia mais o que dizer, a não ser contemplar aqueles traços serenos que, agora, a olhavam com atenção.
Ficara atento ao que via no Presépio e levou algum tempo para perceber que a filha e a mulher voltaram e queriam saber porque ficara ali parado. Não sabia explicar. Passou o braço por sobre os ombros da menina: "mana, tu já ligou para a vó e o vô pra dar um abraço de Natal?" "avós", corrigiu a esposa. "Verdade. Vamos fazer isto hoje, quando voltar para casa? E tenho uma proposta: quem sabe a gente procura uma imagenzinha de Sant'Ana e São Joaquim e colocamos em nosso presépio?"
Poderia ser a crônica de um Nata para os avós... Sant'Ana e São Joaquim não ficaram numa casa de repouso na velhice. Esta é uma marca da sociedade do nosso tempo, para o bem... ou para o mal. Parece tão pouco - um telefonema - mas para quem passa um longo tempo sozinho é aquilo que o Natal tem de melhor: a esperança, afago no coração de quem merece cerrar os olhos sabendo que plantou o amor em seus filhos e netos... E tem o direito de colher, ao menos, um pouco de carinho!

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Um tempo precioso para se viver

Ler ou assistir adaptações da obra de Charles Dickens, “Um Conto de Natal”, é mergulhar num mundo diferente para viver este tempo. Faltando uma semana para as festas de final de ano, o também chamado "Espírito de Natal" é convite a que se mergulhe na busca pela compreensão da própria história, desde encantamentos, passando por decepções e a capacidade de amadurecer, com o que é mais certo que se faz na vida: acertar ou errar, cair ou levantar, a busca por amar e ser amado...
A garota voltou para casa. Durante muito tempo abominara tudo o que sua família representava. Vagou pelo Mundo e mergulhou de cabeça na busca pela realização pessoal e profissional. Em todos os lugares, encontrava muita coisa que a satisfazia, mas também não conseguia deixar de comparar com o lugar de onde tinha saído. Era a sua "aldeia", onde era "vigiada", "aconselhada", e sentia "tolhida a sua liberdade".
A mãe acomodou-se na cadeira. O filho sofrera acidente de moto. Estava inconsciente, possivelmente passaria o Natal naquele leito. Ela não sairia dali. O seu "menino" andava em más companhias e pensava nas vezes que responsabilizara o marido por não ser mais firme. Um jogo de empurra/empurra em que ninguém saiu ganhando. As relações estavam desgastadas e seria difícil pensar em comemorações, até as religiosas.
A mãe cuidava da filha na cadeira, comendo com a colher. Algumas colheradas na boca e outras na volta. Doiam-lhe as costas, braços e o sono estava atrasado. Os filhos mais velhos estariam fora e o esposo trabalhava até tarde. Faria encomenda na padaria e que o marido pegasse o que serviria na ceia, para não esquecer a data. Foi atingida por uma colherada de comida e deu-se conta de que havia muita sujeira para limpar...
Véspera de Natal, tocou a campainha e esperou. Ouviu o cachorro do irmão, que, para implicar, chamava de vira-lata. E o tradicional: "já vou", da mãe. Quando abriu a porta, um susto e um sorriso. Apenas um murmúrio: "filha", sem mais nada a não ser um abraço. Estava de novo no que nunca entendeu, mas que sempre seria o seu lar!
A mão que a mãe segurou no leito de hospital reagiu pela primeira vez. Chorou baixinho pedindo a graça de não perder o filho... e tornar-se a mãe que, sabia, ainda poderia ser! E quando os foguetes espoucavam na rua, o pai abriu a porta do apartamento e se deu de cara com a cena: televisão ligada baixinho, a mulher dormindo na poltrona e a pequena sorrindo aconchegada em seus braços...
É o espírito de Natal: momento de voltar, de reencontrar a vida, de entender que nem para tudo o que se vive se precisa de explicação. Não são coisas novas que fazem valer a pena viver: há motivos para reencontrar velhas e surradas rotinas; entender a fragilidade da dor e do desamparo, sem perguntas ou "conselhos"; ou viver a "doçura sem sentido" de gastar uma vida para que outra se desenvolva. Um tempo precioso para amar e cuidar... Um tempo precioso para se viver!
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terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Um ser humano na direção...

Quem se dá ao trabalho de olhar os arquivos de jornais desta época, em anos passados, tem a impressão de que as notícias de final de semana são repetidas, no que se refere a acidentes de trânsito. As noites de sexta e de sábado têm como consequência as manchetes do tipo: "atravessou a contramão e foi bater num muro", "parou num poste", "colidiu de frente com outro veículo"... Em alguns casos, ainda há resquícios da noitada, com garrafas pelo bancos, ou sinais de embriagues do condutor.
As campanhas de conscientização e as multas não têm sido suficientes para estancar uma combinação que não dá certo: consumo de álcool e assumir a direção. A euforia da bebida, assim como o seu "relaxamento", transtornam os sentidos, fazendo com que se perca o mínimo da sobriedade. Recentemente, em um dos caso, o rapaz saiu do carro acidentado dizendo que não era dele... e outros dois - motorista e carona - desapareceram do local deixando duas meninas feridas, necessitadas de atendimento.
Bebi durante bom tempo e sei que há fatores que auxiliam a parar. Não há uma regra, mas um conjunto de situações que induz, como no meu caso, a dizer: "nesta encarnação, já bebi o suficiente. Agora, nem vinho de Missa!" Quase sempre o consumo inicia no lar, acompanhando pais e amigos. O que parece ser apenas um ato social se tornar o caminho para o alcoolismo. São sem graça as brincadeiras do tipo: "já está na hora do fulaninho tomar um pileque para aprender a ser homem!"
Nunca pessoa alcoolizada se prestou para auxiliar a outros num acidente. A perda da capacidade de avaliar corretamente a situação leva à negação da embriaguez, dificuldade de entender o que aconteceu consigo e com quem prejudicou: danos causados à propriedade de outros, assim como ao patrimônio público. Hoje se fala na necessidade de penalizar naquilo em que alguém foi prejudicado, como as "vítimas" indiretas com a indenização do patrimônio afetado (postes, muros, fachadas...)
Das muitas histórias que acompanhei, sensibilizou-me o atendimento dado por um policial. Depois de recolher um cidadão embriagado, foi atender a vítima, que saíra do carro e estava encostada a um outro veículo em estado de choque. A conversa não surtia efeito. O policial mais idoso não teve dúvida, abraçou o rapaz como quem acolhe o filho numa situação difícil. Foi o suficiente para que relaxasse e viessem as lágrimas, assustado e necessitado de alguém que o auxiliasse na volta à realidade.
Sugestão para campanha de trânsito: "antes de se achar senhor do Mundo à direção, acredite, você é um ser humanos" - cuidando de seus semelhantes: na passarela de pedestres, usando cadeirinha para crianças, "motorista da rodada" sem beber numa festa... Alegria e paz no final de ano. Sem a notícia de que um de nossos jovens, infelizmente, acabou com uma vida de sonhos. E não vai mais voltar para casa...

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Um "eu te amo" de feliz Natal

O último domingo (1º), marcou o início do tempo do Advento para os cristãos. Quatro semanas até que chegue o Natal, a festa do nascimento de Jesus Cristo. Pode ser, como a maior parte das pessoas faz, tempo de compras, dar presentes, fazer refeições que envolvam familiares e amigos. Mas para quem tem um espírito de fé e religioso é um período de preparação e espera. Um clima especial que provoca mais tolerância, mais acolhida, mais interesse por aqueles com as quais convivemos...
Três histórias que se pode viver com um público tão especial, como os idosos, por exemplo: a mãe tem Alzheimer. O filho diz que se "aprovalece" da situação para brincar: "mãe, já disse que te amo, hoje?" A mãe pensa um pouco e responde que não. Ele a cobre de beijos e murmura enquanto ela sorri: "eu te amo, eu te amo, eu te amo..." Passado algum tempo, a mesma pergunta... e a mesma resposta. Garante que é uma forma de "acumular" as vezes que não foi capaz de dizer palavras tão simples para pessoa tão especial na sua vida e o quanto vai sentir falta de fazê-lo quando ela se for.
Os meninos e meninas do CTG Patrulha do Rio Grande, de Santo Antônio da Patrulha, fazem parte do Natal do Bem de uma emissora de televisão do Estado. Além da coleta solidária, foram desafiados a interagir com moradores de uma casa geriátrica. O aprendizado: aproximação, diferenças, necessidades e a grande possibilidade de convivência... e de carinho. A apresentação foi uma mescla de nostalgia e saudade: a certeza de que há histórias a serem compartilhadas, que não podem e nem devem ser esquecidas. A força está no refrão: "gratidão é um bem. Eu quero repartir contigo!"
Na fila de atendimento, o rapaz do caixa contou que os pais estão com 87 anos e Alzheimer. Numa das ocasiões em que ficou de cuidador, a mãe assistia a um filme de Natal, num momento de lucidez, que infelizmente, seu pai já não tem. Perguntou: "filho, o que é Natal? Foi só um instante para responder: "é a gente dizer um "eu te amo", de forma muito especial". Foi até a cozinha e ao voltar percebeu que a mãe estava em pé, indo para a cama. Como sempre fazia, chegou por trás do marido, no sofá, encostou seu rosto no dele e disse: "feliz Natal, meu velho, feliz Natal!"
Um mês para viver o espírito das festas de final de ano... Prepare a casa, a ceia, os enfeites, os presentes, compre roupa nova... Faça o "Natal" que você tiver vontade de fazer. Mas deixe um tempo para você. Quando tudo parecer um "doce tumulto" à sua volta, acarinhe amigos e familiares como um agradecimento a Deus, já que, de uma forma ou de outra, são bênçãos do Menino que chega. E no ouvido de cada um daqueles que são especiais - ou que estão mais necessitados - apenas murmure: "eu te amo. Que tenhas um abençoado Natal|!"

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Francisco: um profeta e um pastor

Ele já caminha devagar. Embora suas feições continuem exalando a mesma simpatia, seus traços demonstram o cansaço de uma agenda pesada para alguém da sua idade. Completando 83 anos em dezembro, na sua visita pelo Oriente, o papa Francisco mostrou sua capacidade profética - tão necessária aos nossos tempos - incentivando diálogo fecundo entre católicos e budistas, na Tailândia; e pedindo aos religiosos que vivam um "tempo de ousar a lógica do encontro e do diálogo", no Japão.
Viagem preparada com a marca pastoral de Francisco. Na Tailândia, foca seu discurso na exploração sexual, resultado de um turismo que permite esta chaga que coloca em risco a dignidade da mulher, da criança e de um bom número jovens. No Japão, a preocupação centrou-se na visita a Nagasaki e Hiroshima, cidades devastadas por bombas nucleares americanas, havendo necessidade de reconsiderar o tema dos conflitos bélicos, para evitar o que chamou de "suicídio da humanidade".
Das muitas imagens conhecidas hoje sobre as dores passadas pela população civil daquelas cidades, Francisco destacou a do menino que transportava o corpo do seu irmãozinho já sem vida, depois do bombardeio nuclear. “Uma imagem deste tipo”, alertou, “comove mais do que mil palavras”. Mas, também, precisa interrogar as consciências e se transformar numa advertência à comunidade internacional para encontrar formas de evitar que estes genocídios voltem a acontecer.
Na juventude, Jorge Mario Bergoglio (atual papa Francisco) sonhava em ir ao Japão como missionário. Passa, agora, por terras onde o fenômeno do isolamento e da desesperança entre os jovens é muito forte. É hora em que sua capacidade profética e de pastoreio estimulam os cristãos a dar sentido à atividade das próprias Igrejas, com dificuldades para evangelizar naquela área, pela negação de fundamentalistas, até com a morte de seus seguidores, minoria naqueles países.
O papa tem os pés na Ásia e os olhos no comportamento do seu rebanho nos demais continentes. Sabe que seu profetismo é causa de divisões, já que a estrutura da sua Igreja se tornou burocrática, perdendo o sentido da sua missionariedade e da atividade pastoral. Como em países onde, até bem pouco tempo atrás, seus pronunciamentos tinham repercussão na mídia e na sociedade - caso do Brasil - e hoje não merecem atenção, se perdem na vala das notícias consideradas sem importância.
Vida longa ao profeta Francisco... Quando transporta uma bolsa com seus pertences nas mãos ao subir ou descer de um voo é a imagem que se precisa para acreditar que nem tudo está perdido. Não somente para católicos, mas, para homens e mulheres de religião: há um profeta entre nós, denunciando as mazelas da humanidade... também um pastor cuidando de tantas feridas abertas, feridas que não vertem sangue, mas transformam em chagas a indiferença, a violência, as tristezas, o desamor...

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Bráulio Bessa: um encantador de palavras

"Poesia que transforma" é o título da palestra motivacional que Bráulio Bessa faz no próximo domingo (24 de novembro, 20 horas), no Theatro Guarany, em Pelotas. Considerado um dos maiores ativistas da cultura nordestina, é a típica figura "que deixou o sertão, mas o sertão não saiu dele." Sua produção poética, especialmente na literatura de cordel, nasceu no interior do Ceará (Alto Santo) e ganhou o Mundo quando foi descoberto pela mídia e começou a participar de programas como o da apresentadora Fátima Bernardes (Rede Globo).
Autor de tiradas como: "nem toda lágrima é dor, nem toda graça é sorriso, nem toda curva da vida tem uma placa de aviso, nem sempre que você perde é de fato um prejuízo," tem feito com que a poesia efetiva (e afetivamente) se transforme em produção que caiu no interesse popular. Brincando com as palavras vai dizer: "acredite no poder da palavra “Desistir", tire o D coloque o R, que você vai Resistir. Uma pequena mudança às vezes traz esperança e faz a gente seguir."
Autor de livros como "Poesia com Rapadura" e "Poesia que transforma" faz rir, chorar e pensar, quando encanta as plateias... Sua marca registrada é o sotaque da sua terra e o chapéu, que ajudam a "vender" seu projeto da "nação nordestina", divulgando a cultura, especialmente pela Internet. Como foi apresentado no lançamento do seu primeiro livro: motiva e dá novas perspectivas, sendo "um apanhado de afetos que versam do Nordeste, do amor, da fé, de tudo que há de belo na vida".
Se a poesia é a palavra encantada, Bráulio Bessa é um encan
tador de palavras. Num de seus mais belos poemas, diz: "recomece, se esforce, relembre o que foi bom, reconstrua cada sonho, redescubra algum dom, reaprenda quando errar, rebole quando dançar. E se um dia lá na frente a vida der uma ré, recupere sua fé e recomece novamente". As palavras de Bráulio inspiram pequenas e grandes mudanças, sendo capaz de fazer aflorar o melhor de cada um, com uma poesia que brota do coração!
Lia Luft fala das "palavras que fazem bem". É como poderia se definir Bráulio Bessa, que diz de sua obra: "gosto de comparar a poesia a um abraço, que consegue fazer um carinho na alma sem nem saber qual é a dor que você está sentindo. A poesia se adapta à sua dor. um abraço cego e despretensioso, como quem diz: "Venha! Tá doendo? Pois deixe eu dar um arrocho que vai lhe fazer bem." Uma palestra para não ser esquecida. Tempo para acalentar o coração e lhe dar um alimento tão necessário: a poesia, jeito humano de viver algo tão próximo da sensação de ser divino...

"Que Deus te abençoe..."

A senhora contou que havia passado por duas experiências: a primeira quando saia do supermercado e entregou o alimento para o grupo que recolhia donativos. A menina recebeu, agradeceu e completou: "Deus a abençoe". Achou que não havia entendido e disse: "como?" Ganhou um sorriso e a repetição: "Deus a abençoe!" Na outra ocasião, a filha saia para uma prova quando parou diante da porta e falou: "falta alguma coisa..." A mãe perguntou o que era: "a senhora ainda não me disse 'Deus te abençoe'."
Tenho repetido nos diversos grupos que me chamam para conversar: abençoar é um jeito de transmitir energia positiva para as pessoas que amamos. E também uma forma de estreitar solidariedade com aqueles que cruzam os nossos caminhos e vêem em nós um sinal de bondade e de carinho. Somos frutos de bênçãos espirituais que nos fazem melhores não quando deixamos aflorar nossas vaidades, mas sim a capacidade de cuidar e zelar pelo outro.
Ao se aproximar o final de ano, multiplicam-se grupos preocupados em conseguir alimentos, roupas, brinquedos que não vão resolver, mas minimizam o sofrimento de quem está em dificuldade. Pertencem a igrejas, sindicatos, associações, vizinhança, mas, especialmente, os bancos de alimentos - da Madre Tereza de Calcutá e o de Pelotas  - emblemáticos na luta que fazem em conseguir ser uma ponte entre a sociedade e a população mais pobre. Miram este tempo tão especial sem perder a perspectiva de que a preocupação com quem está fragilizado deve ser permanente.
Uma destas postagens das redes sociais dizia: "se você não pode fazer o milagre da multiplicação dos pães - como Jesus - faça o da divisão". Dar e receber são partes inerentes à vida. Todos nós, um dia, precisamos receber algo de alguém, assim como também seremos capazes de suprir as necessidades alheias. Se por algum motivo deixamos de fazer uma das duas vemos tolhida a nossa capacidade de amadurecer e de ser feliz. Os ideiais são sempre muito bons quando, de alguma forma, nos tornam mais humanos e capazes de humanizar aqueles que, por algum motivo, se degradaram.
A senhora que me contou as duas histórias disse que saiu mais leve de suas compras. Ao chegar em casa colocou as chaves sob a prateleirinha onde fizera um "cantinho do sagrado". Ao lado estava a fotografia da filha. Murmurou um "Deus te abençoe" e soube que sua vida fazia sentido. Não era apenas por sua fé ou religião, mas porque estava feliz sabendo que ao ajudar também fora ajudada. Mais que uma bênção, era um sereno raio de luz, num Mundo de tantas injustiças e de tantas tristezas...

O novembro é azul

Seis anos atrás, mês de janeiro. Já havia feito todos os exames e achava que convencia o médico de que apenas a medicação ajudaria. Mas o diagnóstico estava fechado: tinha um câncer de próstata. Estava no limiar de uma situação irreversível. Naquela consulta juntei todos os argumentos para negar a cirurgia. Meu médico foi implacável: está marcada, não tem como adiar. Recém vindo do tratamento de um câncer do meu pai - que acabou em morte - entrei numa espécie de limbo emocional...
É preciso reconhecer: em diversas ocasiões, anteriormente, havia sido advertido. Os exames mostravam que os índices do PSA (Antígeno Prostático Específico) estavam elevados e onde há fumaça, há fogo... Mas nós, homens, diferentemente das mulheres, não damos tanta importância à prevenção (ou será medo?) e sempre achamos que a medicina está evoluindo e vai encontrar um "remedinho" que nos livre da faca...
É para mudar esta situação que foi criado o Novembro Azul, especialmente para a prevenção do câncer de próstata, tumor mais comum entre os homens, matando cerca de 42 pessoas por dia e sendo a segunda maior causa de morte pela "doença ruim" (como diziam os antigos), no Brasil. Para envolver público tão arredio nos cuidados preventivos, o desafio foi resumido no tema: "seja herói da sua saúde!"
Geraldo Farias, da Sociedade Brasileira de Urologia, sintetiza: "queremos alertar não só para a saúde da próstata, como também incentivar o homem a olhar mais para a sua saúde, fazer exames que podem prevenir uma série de outras doenças. As mulheres, culturalmente, têm esse cuidado, mas os homens só vão ao médico quando não se sentem bem. Ter consciência de que precisa fazer um check-up é fundamental.”
O tratamento de câncer evoluiu nos últimos anos. Dos amigos e parentes que precisaram de atendimento, infelizmente, nem todos tiveram a mesma sorte... Mas a bandeira do Outubro Rosa e o Novembro Azul - câncer de mama e de próstata - incentiva a que se detecte precocemente e receba cuidados que livram o paciente de uma inclemente espada do destino. A medicina já coloca à disposição medicações e cirurgia menos invasivas, permitindo, no pós-tratamento, maior qualidade de vida.
A rede pública está distante do que se precisa e existem dificuldades nos convênios. Há diversas questões a serem enfrentadas - educação e adequação de estruturas, por exemplo. O que não se admite é que morram pessoas por preconceitos que já deveriam ter sido ultrapassados, assim como a ausência ou omissão do estado no diagnóstico e tratamento do câncer. A motivação está numa campanha anterior: "homem que se cuida tem atitude. Cuide da sua saúde." Perfeito, falta só marcar a próxima consulta...

Finados: um caminho para a saudade

Minha participação no retiro das Mães Cristãs chegava ao fim quando uma senhoras fez a pergunta: "o que se diz para a família que recém perdeu um filho ainda pequeno?" Não tive tempo de responder. Outra mãe deu um depoimento que manteve em silêncio qualquer argumento: "não há o que dizer. Não há como medir ou sentir a dor de quem perdeu um filho. Mesmo para quem tem fé, é necessário um tempo para viver o luto, que não passa por chavões repetidos, mas por solidariedade, ombro amigo, companheirismo. O direito ao silêncio e, até, a se fazer "acertos" com Deus..."
No dia 2 de novembro (próximo sábado), celebra-se o Dia de Finados, um momento para se pensar naqueles que já nos deixaram; no caso dos cristãos, não com o sentido de finitude, mas de privilegiados que alcançaram, antes, um patamar que alimenta a esperança. Num momento de tantas perdas (recentemente o Tufy, a Aura, a Zênia...), dá-se sentido ao pensamento que fala no quanto o passar do tempo e as ausências vão acumulando lembranças. O peso é suficiente para que se comece a mancar do lado esquerdo... até que se alcance a Eternidade!
Nascer e morrer são como o exercício da própria fé: é pessoal, exige aprendizado e paciência... O certo é que passamos a vida sorvendo o tempo que já nos encaminha para o fim. O que colocamos no horizonte não depende dos outros, mas da capacidade de dar valor ao caminho e aos caminhantes que podem nos acompanhar. Um dia a mais na vida significa um dia a menos neste insondável desafio que é dar sentido à própria existência. Muita gente morre cedo, exatamente porque perde o entusiasmo pela vida.
A proximidade da morte - seja para uma pessoa doente ou um idoso - é um tempo em que as pessoas mantêm um olhar profundo e silencioso. Não é apenas a ausência de vida, mas a compreensão de que todas as dúvidas, em breve, serão sanadas. O olhar de minha mãe - dona Francinha - foi exatamente assim: a ausência de palavras não significava um silêncio pesado, mas a certeza de que já havia vivido o suficiente, passara por tristezas e alegrias. Cansara da vida e tinha o direito de descansar em paz...
Uma súplica para que se relaxassem os laços. Agora, existiriam numa outra dimensão: a da certeza de que, um dia, o reencontro será inevitável. Ir ao cemitério ou a uma Igreja no próximo fim de semana é celebrar a saudade. Saudade que já deixou tantas marcas: sorrisos, lágrimas, abraços, olhares carinhosos, enfim, uma existência marcada por compartilhar a vida nos momentos fáceis e difíceis. Como uma longa e bela estrada onde, possivelmente, numa próxima curva, reencontremos aqueles que já amamos e, também, a resposta para todas as nossas perguntas e todas as nossas angústias...

Um pé no caminho e outro na esperança

Recentemente, num encontro na comunidade São Francisco (bairro Py-Crespo) comecei a conversa recuperando a história daquele grupo, assim como da área urbana onde foi instalado. Preciosidades. É como classifico os depoimentos das pessoas mais velhas que lembraram de suas origens (o bairro é bem mais velho), no Salão Xavante, início dos anos 80. As Missões Populares realizadas pela Igreja Católica agregaram famílias inteiras que tinham uma origem comum: o interior. E a migração.
Vieram de diversos municípios, a partir da década de 50, e constituíram as vilas que se tornariam os bairros Santa Terezinha, Py-Crespo, Lindóia, Fragata, Areal... Tentavam melhorar a própria vida e sabiam que a terra não era suficiente para sustentar e dar perspectivas para seus filhos. A migração se deu para a periferia das cidades, fazendo a transição entre população predominantemente rural - até os anos 70 - para a urbana.
Alguns emocionados porque os pais que os trouxeram já não existem mais... Os mesmos que precisavam de terrenos amplos onde - na ausência dos campos e lavouras que faziam seus horizontes - plantavam árvores, tinham um pomar, criavam animais de pequeno porte. A vizinhança com novos conhecidos e parentes ajudava e as cercas eram apenas contenção para os animais. A generosidade se manifestava na solidariedade e capacidade de cuidar de quem enfrentara a mesma sorte.
Os que davam depoimentos são a última geração de homens e mulheres que vieram da terra. Entendem a linguagem do meio rural, mas se dividem entre quem ainda guarda saudades do tempo de infância e quem jura nunca mais voltar para aquela vida. Os que deixaram o interior mais "taludos" já compreendiam as dificuldades; os que vieram mais novos talvez lembrem de brincadeiras e uma vida mais próxima com a família.
Estão formando uma nova geração, de homens e mulheres do asfalto. Este salto dado sob a influência dos novos meios de comunicação faz a transição em que valores estão sendo abandonados: proximidade física, família patriarcal, lideranças personalistas, influência das religiões cristãs; e novos incorporados: relações mediadas por redes, família difusa, lideranças oportunistas, influência de espiritualidades e espiritualismos...
Para os "saudosistas", há sempre a lembrança de tempos que não viveram, mas que transformaram em valores: uma vida no interior bucólica ao invés da fome e das dificuldades; uma linguagem desconectada de valores rurais e um caminho onde as mudanças não dão chance de retorno... Entre a terra e o asfalto, há o homem, com os mesmos sonhos de felicidade que trouxeram seus pais para as cidades, quando estavam com um pé no caminho e o outro na esperança!

Sínodo: evangelização e cuidados com a "casa"

A Igreja Católica instalou no dia 6 de outubro o Sínodo da Amazônia, convocado em 15 de outubro de 2017, sob a justificativa de que a Igreja precisa de um "rosto amazônico"... para a sua atuação na Amazônia. Em pauta, a discussão - até 27 de outubro - de como a Igreja lidará com ameaças aos povos indígenas, urgência no combate às mudanças climáticas e ao desmatamento e de que forma deve enfrentar as carências de sua própria estrutura na região.
O papa Francisco já havia lançado a encíclica “Laudato Si” - primeira dedicada exclusivamente ao meio ambiente - e o documento preparatório mostra a preocupação com a região - tão importante para manter a própria "casa" (a Terra), como chama o Sumo Pontífice. Com as mudanças climáticas, as temperaturas na Amazônia podem aumentar até 4 graus Celsius, já tendo sido desmatado de 15 a 20% do bioma. Se este índice chegar a 40%, a floresta enfrenta o processo de desertificação.
Temas ambientais são tratados juntamente com o problema das populações pobres e desassistidas que habitam a área de confluência de nove países. Num desafio a que se encontrem formas de tornar comum as riquezas, sem que a população local sofra mais do que já tem sofrido. Infelizmente, a pequenez de visão de algumas lideranças viu na iniciativa de Francisco uma recriminação ao atual governo brasileiro.
É bem possível, embora sabendo que os crimes cometidos contra índios, pequenos produtores e extrativistas são históricos, passando por diversos regimes e governos. O papa, que já convocou dois outros sínodos: da família e dos jovens, quer que a humanidade - e especialmente a Igreja Católica - se debruce sobre problemas que estão se agravando... Sabe que a preocupação ecológica é uma parte da questão, que precisa ser enfrentada com uma forma diferenciada de fazer a evangelização.
Recentemente, jornalistas mal informados chegaram a dizer que a Igreja Católica abriria mão de evangelizar naquela região... Impossível. A Igreja existe exatamente para isto: propagar o Evangelho, isto é, o anúncio de Jesus Cristo, como referência para cristãos e todos os homens e mulheres de boa vontade. Os ataques feitos por políticos, mídia e organizações econômicas pretendem minimizar as palavras de um dos mais fortes profetas da atualidade em temas religiosos, sociais, culturais...
Francisco não dita normas, apresenta fatos e argumentos - analisados a partir do Evangelho - que podem encontrar acolhida dentro e fora do seu rebanho. O resultado do Sínodo não corresponde a uma política pública. Os governos da Pan-Amazônia podem se inspirar para formular medidas de defesa da região e da população. É a Igreja encontrando seus rumos, que passam pelos caminhos dos homens, buscando a realização plena da pessoa, sem perder o horizonte da fé...

A doença maldita numa causa bendita

O pessoal que serve uma refeição para moradores de rua embaixo do viaduto se juntou com as senhoras que oferecem serviço de embelezamento para as mulheres na mesma situação. Para os Cozinheiros do Bem já é uma rotina aos sábados reunir as panelas, fogão, ingredientes e uma turma cheia de disposição para prestar um serviço à comunidade. As "meninas" do Anjos de Batom também já atuam a bastante tempo junto à população carente. Somente que agora eles têm uma segunda intenção...
O grupo que começou a fazer autênticas obras de arte com flores confeccionadas em fuxico ou croché não acreditava que o trabalho, inicialmente tão restrito, iria fazer com que os "buquês" se multiplicassem vindos de toda a cidade, região, estado e país... Quando os quadros foram parar no espaço onde as pessoas fazem a quimioterapia e a radioterapia fizeram a alegria daqueles (as) que, muitas vezes, nos corredores, aguardam a sua vez e veem no colorido um incentivo para não desistir...
Uma conhecida teve um câncer de garganta e muitas dificuldades para vencer o problema. Embora todos os percalços, não desistiu e podia considerar-se uma vencedora... Algum tempo depois, ainda com sequelas do primeiro tratamento, veio novo diagnóstico: agora tinha um câncer no seio. As pernas ainda bambas com tudo o que passara e era preciso recomeçar... Sabendo do quanto havia sido difícil, porém incentivada por familiares e amigos que, hoje, servem de arrimo, mas, ao longo de toda uma vida, receberam dela carinho, força, energia e muita dedicação!
Outubro Rosa. Parece repetitivo, mas os Cozinheiros do Bem e os Anjos de Batom entraram de corpo e alma na campanha de combate ao Câncer. Utilizam dos recursos que têm para incentivar aqueles que aceitam seus serviços a se prevenirem. As voluntárias que montam os quadros com as flores (algumas também venceram a doença) auxiliam no caminho a ser percorrido. Sabem que todo o tratamento precisa iniciar por um empurrãozinho carinhoso e a recuperação da autoestima...
Uma palavra amiga, uma prece, um olhar e a mão estendida para acompanhar cada passo, cada vitória, cada sinal de que os dias de tratamento estão contados... Hoje, há muito mais facilidade de enfrentar o que antigamente era a "doença ruim". Especialmente o homem, com o câncer de próstata, e a mulher, com o câncer de mama, sabem que o melhor são os cuidados preventivos. A doença que ainda é estigmatizada como maldita, em muitos casos, ajuda a fazer um abraço coletivo de pessoas que, por variados motivos, a transformam numa causa bendita!

Conselho Tutelar: uma ação de cidadania

No dia 6 de outubro (domingo), acontecem as eleições de integrantes do Conselho Tutelar por todo o Brasil. Os escolhidos tem a obrigação aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), isto é, cuidar deste segmento da população, especialmente daqueles que se encontram em situação de risco. Nos últimos dias, multiplicaram-se contatos de pessoas candidatas e interessadas em conseguir uma vaga num tipo de atuação que tem, na atual situação sócio-econômica do país, papel muito importante.
Claro que grande parte não têm nem ideia do que fazer. Em situação de crise financeira, desejam emprego e salário razoável. Mas, quem sabe, começamos por aí a depurar o voto e pensar melhor em qual é o perfil da pessoa que vai trabalhar durante quatro anos (podendo ser reconduzida por eleição a mais quatro) no cuidado daqueles que não conseguem junto a seus familiares e responsáveis o acompanhamento necessário e precisam que o serviço público por eles se responsabilizem.
O grupo familiar é o primeiro lugar de satisfação das necessidades básicas tanto da criança quanto do adolescente. O Conselho Tutelar age no caso dos pais - por ação, omissão ou insuficiência de recursos - não cumprirem com o seu dever. Atua sempre que a pessoa - nas duas etapas da vida - tiver direitos ameaçados ou violados pela sociedade, Estado ou em razão de sua própria conduta. Quando faz uma intervenção, é uma ação de cidadania. Não é empregado da Prefeitura, mas representante da sociedade que, pelo processo eleitoral, lhes delega papel e responsabilidade.
O Conselho não pode ser "bico" para o qual se elege um amigo ou conhecido a fim de que fuja do desemprego. Isto, infelizmente, a gente já faz com muitos outros cargos públicos... Olhando para a situação em que vivem muitas crianças e adolescente, é um papel para o qual há a necessidade de um perfil bem definido: pessoas com personalidade, caráter, atuação na área e longa experiência. Nos endereços eletrônicos a respeito encontram-se outros quesitos, mas estes são o básico do básico... 
A tarefa pode ser bem difícil... Uma conhecida dizia: "mas eu gosto e tenho facilidade de lidar com crianças!" Não é suficiente. São seres diferenciados. Já sofreram bastante nos meios em que vivem e precisam de um olhar atento, firme e carinhoso. Porque, quando aqueles que deveriam cuidar deles não o conseguem, a sociedade organizada tem que fazê-lo. Se não o fizer, nega-se enquanto sociedade. O amadurecer - nas primeiras etapas da existência - e os sonhos de uma criança não podem acabar antes mesmo dela ter o direito de saber escolher e sentir o gosto pleno do que seja viver...

Trânsito: por um sorriso agradecido

O garoto na moto pede calma ao apressadinho que buzina porque a senhora idosa deixou o carro apagar quando o sinal abriu... a mesma senhora dá preferência à menina que anda de skate. O motorista de ônibus indica para o pai que o filho está com o cadarço do tênis desamarrado e no qual, perigosamente, pode tropeçar... o mesmo menino vê que um idoso à sua frente vai atravessar a rua equilibrando um pacote grande e se oferece para ajudá-lo.
O senhor com uma deficiência física se preparava para cruzar a rua em frente ao condomínio, na faixa de segurança... O motorista passou rente ao pedestre que lhe apontou a faixa de preferência, razoavelmente sinalizada... Do carro, um brado de xingamento, uma parada brusca, marcha à ré e a ameaça de sair para as vias de fato... A turma do "deixa disto" interferiu de dentro do carro, mas continuaram os palavrões, infelizmente, de ambos os lados...
O primeiro relato faz parte de um institucional que está nos meios de comunicação com o slogan "O trânsito pode deixar marcas boas". Campanha necessária para educar motoristas, motoqueiros, ciclistas e pedestres para um princípio básico da convivência: o respeito pelo outro. O segundo, a triste realidade do que acontece nas ruas, onde ainda são muitos os casos em que aquele que tem um veículo mais potente se acha no direito de ditar normas de trânsito.
É repetitivo dizer que ainda temos péssimos condutores "se achando"... Eles estragam uma relação que dá sinais de melhora, embora ainda longe do ideal. Temos gerações de motoristas que se formaram de forma errônea, encantadas com o potencial de suas máquinas e acreditando que as norma são para os outros. Sentem-se incomodados quando alguém os adverte e pouco levam em consideração se o que fazem está servindo de mau exemplo para seus próprios filhos que, muitas vezes, estão no carro.
Entre a cordialidade do comercial de televisão e a selvageria que muitas vezes se vê nas ruas não há muito o que pensar: investir fortemente na educação das crianças e adolescentes que, em muitos casos, serão a "consciência" que os pais não têm para discernir entre o certo e o errado. Infelizmente, para os mais velhos, a velha máxima: forte fiscalização e que sofra a parte mais sensível do corpo humano... o bolso, através de multas e, em alguns casos, perda da carteira de motorista e sanções legais.
Na peça publicitária, em dia de garoa, o motoqueiro indica para a motorista que o vidro do carona está abaixado. Um obrigado e a janela é fechada. Parece pouco, mas é o bom senso e a gentileza que tornam as cidades e estradas espaços de convivência onde as marcas boas preservam a cidadania... nos sentimos melhores quando a retribuição por qualquer um de nossos atos é - apenas e tão somente - um sorriso agradecido!

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Suicídio: "não ignore os avisos"

O slogan já é um alerta: "não ignore os avisos". O Movimento Gente Ajudando Gente - o mesmo que participou da ajuda em favor dos venezuelanos que entraram no Brasil - se uniu com outras instituições objetivando salvar vidas através de campanha de prevenção ao suicídio no Estado. Objetivo: atenção aos sinais - muitas vezes desprezados ou ridicularizados - de pessoas propensas em tirar a própria vida.
Criado em 2014 pela Associação Brasileira de Psiquiatria - junto com o Conselho Federal de Medicina - o Setembro Amarelo levantou dados a respeito de suicídio no Brasil, que já assustavam. O Gente Ajudando Gente trouxe para a realidade local esta preocupação: o suicida atenta contra a própria vida em torno de cinco vezes. O índice do RS é três vezes superior à média nacional: chega a quatro mortes por dia!
Cerca de 96,8% dos casos de suicídio estão relacionados a transtornos mentais. Em primeiro lugar a depressão, seguida do transtorno bipolar e abuso de drogas. Considerado tabu, tratado no recôndido dos lares e com medo de possíveis estigmas, fica encoberto pelo silêncio, sem ter resultados satisfatórios. A campanha torna pública uma realidade que precisa ser contada, conversada, compartilhada... Inclui uma série de atividades procurando minimizar as dores e ganhar espaço para a vida.
Não é fácil, mas existem indícios de um problema em potencial, hoje, especialmente com jovens: mudanças de atitude, que levam ao isolamento, desinteresse, aumento ou diminuição da alimentação, dormir demais ou de menos, agressividade... Até a forma como se expressam, dizendo que desejam morrer ou cansados de viver... Na iminência do perigo, o melhor, sempre, é buscar auxílio e acompanhamento profissional.
Uma conhecida dizia que o filho tinha "uma tristeza patológica" e tentara a morte. Repetiu a frase que lera numa publicação: "quando alguém pensa em suicídio, ela quer matar a dor e não a vida." Fiquei imaginando: se os números já tabulados assustam o quanto ficaríamos preocupados se fossem contabilizados os casos em que, de alguma forma, familiares ou amigos conseguiram evitar o pior.
Ouvi de uma terapêuta que as pessoas se atrapalham ao acompanhar a situação, especialmente pela falta de informações. Disse: "não é drama, não é pra chamar atenção, nem é falta de Deus, muito menos frescura." Quem está próximo fica preocupados em dar "conselhos" ou em falar de religião, quando o emocional já está bloqueado. Neste momento, quem ama precisa demonstrar - muito mais do que dizer: "você não é um fracasso. Você não é um caso perdido. Você não precisa se machucar. Você é necessário. Você é amado. Você não está sozinho. Eu acredito em você!"

terça-feira, 10 de setembro de 2019

"Pátria amada, Brasil"...

Embora o gaúcho não goste de se reconhecer como emotivo, quando chega a Semana da Pátria e a Semana Farroupilha nossos símbolos ficam mais em evidência e as cerimônias que envolvem a bandeira, o hino, a chama acesa são motivo de orgulho. Despertam sentimentos adormecidos, porque não dizer, embotados, durante o ano, quando a preocupação acaba sendo, literalmente, tocar a vida...
O emprego indevido por grupos de muitas matizes ideológicas - mais preocupados em utilizar-se da população do que em servi-la - desgastou o que deveria unir quem vive numa mesma terra e almeja, simplesmente, o direito de ser feliz. Gaúchos e brasileiros quando vão às ruas vestindo verde e amarelo ou algum cor em protesto não estão se insurgindo contra os símbolos, mas sabendo que são exatamente isto... símbolos!
Símbolos nacionais são a liga, reunindo pessoas que suplantam preconceitos por elementos básicos como a educação e a solidariedade. A primeira não sendo apenas adicionar conhecimentos, mas capacidade de discernir entre o lobo e cordeiro, o verdadeiro e o falso, bons e maus... A segunda é capaz de criar mentalidade que supera o individualismo, aproximando e aparando as arestas da desigualdade.
No sábado, 7 de setembro, a televisão recuperou imagens da campanha que beneficiou o sertão nordestino. Entre as doações, um par de chinelos infantil. Na sola, escrito que já havia dado bom uso, agora, que outra criança o fizesse. Também, o menino que aprendeu a ler aos 10 anos com os gibis do Maurício de Sousa. Aos 13, ajuda a tia e a mãe a sustentar a casa vendendo panos de prato e reserva parte para comprar livros...
Bondade e persistência não nos faltam. Mas para que a "Pátria amada, Brasil" veja cidadãos amadurecendo, precisa transformar-se em gente solidária e educada. Nas coisas simples: grita-se contra a corrupção e se pede que o guarda retire a multa; discursa-se contra a prefeitura que não limpa as sarjetas, mas atira-se lixo nas calçadas; e se exercita a Lei de Gerson: "é preciso levar vantagem em tudo, certo?"
JJ Camargo diz no seu texto "Coragem para ser otimista" que há uma receita para a realização pessoal. Creio que vale para um povo: determinação insubmissa; resistência diante dos fracassos; coragem para se manter no comando; vontade para vencer a acomodação e a preguiça; otimismo para acreditar que tudo vai melhorar.
Está tudo nas mãos dos brasileiros... É preciso atitude para cobrar investimentos em educação, postura solidária e convicção em exigir dos políticos destinação das riquezas no maior de todos os bens: a criança. Embrião da nova mentalidade, onde os símbolos deem sentido ao que almejamos: "paz no futuro e glória no passado" e que se torne uma realidade: "dos filhos deste solo és mãe gentil. Pátria amada, Brasil!"

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Pequenas coisas bobas...

Durante as últimas semanas, as rodas sociais e os meios de comunicação tiveram elementos para fazer uma ampla discussão do que está se passando nas áreas da política, economia, comportamento moral e ético... São tantas coisas "sérias" tratadas que senti falta de quem falasse das coisas simples da vida, aquelas que não chegam a fazer uma grande mudança, mas alcançam significado especial quando se olha pelo lado dos relacionamentos, especialmente os afetivos...
Por exemplo, o grupo de ciclistas que inovou ao adaptar bicicletas com dois lugares e partilhar o prazer de percorrer estradas e caminhos acompanhados por pessoas com deficiência física (inclusive da visão) ou mental. Para aqueles que não enxergam, há um complemento: fazem uma descrição do ambiente percorrido... com detalhes! Nem é necessário falar da felicidade de quem utiliza o serviço.
Ou, a emoção da mãe do menino portador da síndrome de down. Sabia que o filho demoraria mais para articular as primeiras palavras. Tempos depois que outras crianças da mesma idade já diziam praticamente tudo, veio a primeira surpresa: som que jura ter sido "mãe", que se não foi inteligível na primeira vez acabou se tornando claro, sonoro e desafiador como a marca de uma das tantas conquistas...
No meu caso: no pátio tenho um pé de Camélia. Chamo de rosa do Inverno, porque neste tempo se torna exuberante pelo porte altivo e quantidade de flores. Sempre que chega uma amiga, ofereço algo simples, mas capaz de mudar uma fisionomia, alegrar um olhar e dar um novo significado a uma relação, sem necessitar de palavras, apenas transparecendo o quanto um pequeno gesto torna pessoas mais próximas...
Na verdade, é exatamente o que são... As pequenas coisas simples, que parecem bobas, fazendo o dia a dia: numa singela mudança de rotina ou nas surpresas que acontecem em nossas relações e desacomodam, dando um novo ângulo para a vida. E ainda tem mais: o amigo que mora sozinho e diz que fala com as plantas; a amiga que redescobriu desenhos animados da sua infância; aquela que não consegue dançar num grupo, mas se vê gingando enquanto limpa a casa...
Cada qual descobre o jeito de fazer a vida ter sentido. Pode-se dizer que uma boa viagem, um bom show, uma boa peça de teatro, a ida a um jogo de futebol... tudo isto é capaz de dar um "up" motivacional. Porém, isto não acontece sempre. O dia a dia é feito para se valorizar encontros: a viagem de ônibus e a conversa com o cobrador; o idoso na varanda esperando que alguém o cumprimente; a criança que provoca e se esconde atrás da mãe; aqueles que trazem as "notícias" mais recentes da rua. A vida... a vida que continua, flui e precisa ser feita, também, de pequenas coisas bobas...

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Há uma cruz a mais na estrada...

Não acompanhei noticiários no final de semana de 17 e 18 de agosto. Estava envolvido em atividades de preparação dos Ministros da Palavra e da Eucaristia da Igreja Católica, em Rio Grande, no sábado; assim como da Pastoral da Comunicação, em Pelotas, no domingo. Segunda pela manhã, quando comecei a ouvir os relatos, fiquei chocado com a tragédia: a morte da Emily, de dois dias, seus pais e o motorista do carro da Prefeitura de Cristal que os levaria de volta ao lar e aos braços dos seus três irmãos.
Num trechos não duplicado da BR 116 (o que é a maior parte), uma ultrapassagem mal sucedida e uma colisão frontal. Infelizmente, há muitos anos, pessoas perdem a vida nesta estrada e alimentam contabilidade macabra - cruza do descaso e incompetência das autoridades públicas com um sentimento de inferioridade da região - que vê, na sua concretização uma espécie de favor: migalhas que se concedem aos cidadãos, que pagam impostos de primeiro mundo e recebem serviços de quarto, quinto...
Quem viajou com uma criança pequena no carro sabe que o balanço e o ruido abafado do motor são elementos para que durma durante bom tempo. Maiores e mais atentas, passam a olhar tudo o que podem acompanhar pelas janelas. Não vai ser o caso da Emily... Pelo jeito, de família pobre, voltava ao anoitecer numa "carona" pública que foi a sua primeira e última viagem. Tornou-se mais uma mártir da BR 116!
Fatalidades sempre vão acontecer. Mas aquelas que se dão por choque quando veículos trafegam em sentido contrário, se não podem ser completamente eliminadas, podem ser sensivelmente diminuídas com estradas duplicadas. Até nestas, como naquele final de semana, acontecem acidentes tipo o do motorista que destruíu a frente do seu caminhão, porque se chocou com o da dianteira, que bateu num terceiro...
A Emily alimenta uma estatísticas que já se tornou rotina. No interior, há o costume de que, com a morte em acidente na estrada, ali seja colocada uma cruz. A lembrança da imperícia humano - manutenção do serviço público ou descuido de um motorista - que levou à perda de uma vida. Hoje, se fossem colocadas cruzes para todas as existências ceifadas pela BR 116 faríamos uma longa, penosa e dolorida alameda da morte.
Há uma cruz a mais na estrada... Quando circular de ônibus, de carro ou caminhão pela rodovia, faça uma prece. Não importa sua filosofia ou religião, mas que não se permita que estas pessoas tenham morrido em vão. Motive lideranças sociais, políticas, dos meios de comunicação a não desistir. E quando a estrada ficar pronta, que haja um longo instante de silêncio pelos mártires de todas as idades, sacrificados no altar da imprudência, incompetência e, porque não, de todas as nossas omissões...

A imaginação que parece realidade

O livro Pequeno Príncipe inicia assim: "peço perdão às crianças por dedicar este livro a uma pessoa grande. Tenho uma desculpa séria: essa pessoa grande é o melhor amigo que possuo no mundo... é capaz de compreender todas as coisas, até mesmo os livros de criança... Se todas essas desculpas não bastam, eu dedico então esse livro à criança que essa pessoa grande já foi. Todas as pessoas grandes foram um dia crianças (mas poucas se lembram disso). Corrijo, portanto, a dedicatória: A Léon Werth. Quando ele era pequenino!"
Rei Leão (que ainda está nos cinemas) é uma volta a 25 anos atrás. A mesma história que encantou gerações passou do desenho animado para uma montagem feita em computadores com animais e cenários naturais. A fábula tem elementos comuns em contos com a preocupação de trazer uma lição: a disputa entre o bem e o mal, a preparação e o exercício para a liderança, o quanto o equilíbrio da Natureza é sensível, o valor que tem uma amizade e o companheirismo...
A roupagem dada pela tecnologia é um novo jeito de contar uma história antiga. A reciclagem de um conto que ainda mantem atentos os olhares de crianças e de muitos adultos que invejam o modo dos pequenos se encantarem com cenas, personagens, tramas... A mesma maneira com que, ao longo da História, menestréis, contadores, ambulantes, vendedores de miudezas andavam pelas estradas e caminhos levando informações, mas também cantigas e causos às populações distantes.
Quem se criou no interior ou quando a iluminação elétrica ainda era precária pegou contadores de histórias em casa: pais e mães alimentavam o imaginário tendo o lado feminino mais sensível e humanizado, mas também o lado masculino dando ênfase a aventuras eletrizantes, em especial o apelo ao terror... Até chegar ao rádio com as novelas em que as vozes estimulavam a imaginação a recriar as cenas e, enfim, a televisão, onde a criatividade já transcendeu a realidade...
Quando o filme acabou grande parte da platéia era como eu: adulto e sozinho. Não houve uma debandada imediata. Em silêncio, foram acompanhando os créditos e a música. A certeza de que a receita para um bom filma "de criança" continua a mesma e que efeitos especiais e uma fortuna investida precisam da simplicidade de uma boa história que envolva carinho, ternura, afeto...
Um "Léon Werth" lutando para entender o andar inclemente do tempo e o que disse o rei Leão: "o passado pode machucar. Mas do modo como vejo, você pode fugir dele ou aprender com ele". Amadurecer pode ser exatamente assim: conquistar os valores que a sociedade nos apregoa como sendo de adultos... Sem perder a capacidade de se encantar e emocionar diante de mundos que apenas a imaginação é capaz de fazer com que pareçam realidade!

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Homens que choram, brincam, solidários...

Na fila para pegar comida. Atrás, dois rapazes conversavam, acompanhados por um menino na faixa dos 10 anos, que ouvia atento... Discutiam números da violência, em especial de assassinatos, que diminuiu na comparação com o ano passado. O pai do pequeno destacou que o feminicídio aumentou, com uma "pérola": "também, as mulheres querem tanto ir para a rua... e do jeito que vão... só podem se dar mal".
No Dia dos Pais, meios de comunicação destacaram que homens se tornam mais sensíveis quando acompanham o desenvolvimento dos filhos. Foto hilária se tornou símbolo de fofura do rapaz que - para se fazer presente na vida da filha de quase dois anos - vestiu roupa de bailarina e tirou fotos com boas e gostosas risadas...
Ninguém nasce preconceituoso. Aprende-se no convívio da família e grupos sociais. O preconceito com as mulheres é violência que se introjeta na formação de valores e referências. A repetição de discursos como do primeiro pai inculca sentimento de "superioridade", "senhor de todas as coisas" e, ao ser desagradado, o "direito" de resolver à sua maneira, com a cumplicidade omissa de vizinhos e "amigos".
A população se conscientiza enquanto é lembrada, mas tem memória curta. Em seguida, se interessa por outros assuntos e joga estes no esquecimento. Temas fundamentais como prevenção da saúde e uma sociedade sem violência precisam ser repetidos (de forma diferente) todos os dias, todos os meses, todos os anos...
Martin Luther King, falando do preconceito racial, sabia que não veria o momento em que negros e brancos coexistissem em paz. Mas precisava pregar repetidamente para se concretizar um dia... Comparava com o patriarca Moisés, que libertou o povo de Israel do Egito e viu mas não conseguiu entrar na Terra Prometida. Da mesma forma, intuía um novo tempo para seu povo que precisava vencer as próprias limitações.
Falar de feminicídio é mostrar o quanto uma sociedade machista e patriarcal marginalizou o papel da mulher. Respeitar direitos não é "guerra dos sexos", mas dar a cada um a possibilidade da sua realização. Vamos levar muito tempo para que haja uma educação que liberte dos ranços disfarçados de brincadeiras, piadas, descasos...
Homens que choram, brincam, solidários no sofrimento da companheira no parto não perdem a masculinidade. Ao contrário, transformam mulher e filhos em parceiros e amigos por toda uma vida. Uma nova cultura inicia quando existe a consciência de que não há filho perfeito, nem pai perfeito; mas que o primeiro vai ter o segundo como referência... Aceitar e conviver com pequenos e grandes defeitos faz parte do desafio sublime de ajudar a construir a identidade de um novo ser humano!

sábado, 27 de julho de 2019

Filhos especiais do Sagrado Coração de Jesus

Tenho tido a alegria de ser convidado por diversos grupos de pessoas que são formadores de opinião para conversar a respeito de Comunicação (por ser minha área profissional), mas também de situações que relacionam Igreja e Sociedade, no papel de leigo com formação e disposição de auxiliar àqueles que tem marcada atuação em dar sentido ao pedido dos bispos em Aparecida: ser "a presença do Mundo no coração da Igreja e a presença da Igreja no coração do Mundo".
No fim de semana de 20 e 21 de julho trabalhei "comunicador, comunicação e pastoral" com os Diáconos da Arquidiocese de Pelotas. Quando o Hélio Madruga (coordenador diocesano) me convidou, pedi que tivessem na sala onde trabalharíamos uma imagem do Sagrado Coração de Jesus. Armamos um pequeno altar ao lado da mesa principal, para onde convergiu nossa espiritualidade, no início da atividade, assim como ao finalizá-la. Mas, durante todo o tempo, ali estava uma referência tão necessária: o sinal da misericórdia de Deus!
Para ilustrar o que desejava que gravassem do encontro, contei a história do padre Fábio de Mello. Disse que todas as noites a mãe reunia a família em torno do Sagrado Coração de Jesus para rezar. O menino ficava admirado com aquela imagem que tinha o coração do lado de fora do próprio corpo. Um dia resolveu perguntar. A mãe era (e é) pessoa simples, pensou um pouco e disse que não sabia. Mas que o seu próprio coração lhe dizia que o fato de estar pelo lado de fora do peito significava que o seu amor pelas pessoas era tão grande que não podia ser contido dentro do corpo!
Ao longo de toda a tarde, fiz questão de que, novamente, voltassem os olhos para a imagem, pensando que homens que são sagrados como Diáconos Permanentes são filhos especiais do Sagrado Coração de Jesus! A Igreja chama, especialmente casados, que se dedicam a ajudar na vida da Liturgia, da Pastoral, do serviço social e caritativo. Como é dito nos Atos dos Apóstolos; "escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria".
Como resultado, temos hoje a formação de um quadro de pessoas que atuam em diversos setores da Igreja. O alerta é que não são "padres em miniatura", mas sim leigos escolhidos por Deus para serem presença na sociedade. Falávamos da necessidade que têm de andar e fazer presença nos lugares onde moram, trabalham, estudam, convivem com as famílias e amigos...
No mês em que rezamos pelas vocações (agosto), convido a orar pelos Diáconos. Assim como pelos ministros e ministras. Eles têm um papel importante no serviço ao Reino de Deus. Estão no Mundo como sinal da misericórdia do Sagrado Coração de Jesus e é dali que trazem os elementos para que se reze a vida do povo e devem ser a boa e saudável presença que transforma a religião num lugar de esperança!

terça-feira, 9 de julho de 2019

Frio: mãos que alcançam esperança

O frio dos últimos dias despertou em muitos gaúchos o espírito de solidariedade. Multiplicam-se ações de pessoas e grupos mobilizando a sociedade para dar àqueles que se encontram nas ruas - ou com dificuldades pela pobreza - alimento, roupas e cobertas. Entidades de todos os tipos - como clubes de futebol, grupos religiosos - mostram o que temos de nobre: não basta estar bem se ao redor outros passam mal.
Alguns ainda resmungam que é preciso ensinar a pescar ao invés de dar o peixe. Princípio aplicável a médio e longo prazo, mas que, na iminência das pessoas congelaram ou entrarem em desespero pela fome, o que se pode fazer é atender ao imediato e, depois, cobrar das autoridades públicas que use bem o nosso dinheiro.
Os meios de comunicação encantam com as belas imagens como o crepitar da chama de um fogão, a geada encobrindo os campos e os lagos, a neve pintando de branco ruas, árvores, carros... Ao mesmo tempo, homens e mulheres saem às ruas enquanto quase toda a população dorme ou se diverte para deixar embaixo de uma coberta de papelão ou no costado de um cachorro que aquece seu dono, uma caneca de café ou de sopa, um pedaço de pão e uma oração...
Não importam os nomes, são servidores do bem, identificados por crença religiosa ou valores humanos, acreditam que desapego começa por gastar o próprio tempo prestando serviço a alguém desamparado. Pais contaram de jovens que se reuniam em comunidade para arrecadar donativos, preparar o sopão, acondicionar em caixas de leite e peregrinar por lugares onde encontravam pessoas que obtinham daquela forma a única alimentação decente do dia. Detalhe: aprenderam a também cuidar de suas coisas e do que era comum em casa na experiência de cuidar de alguém na rua...
A Campanha do Agasalho de 2019, do Governo do Estado, diz que "toda a roupa tem uma história e toda a história pode ter um outro final". A solicitação de doações vem acompanhada de um pedido de conscientização: doar o que ainda se pode usar. Isto é, não apenas se livrar de algo indesejado, sobrando ou atrapalhando dentro de casa.
Li em algum lugar que "um simples gesto de carinho cria uma onda sem fim". A onda se chama compaixão, a forma como o ser humano se torna melhor, fazendo uma sociedade diferente onde a poesia também está em valorizar os belos detalhes que a natureza propicia com o frio... e, ainda mais, na paisagem humana onde se aprende com um olhar, um obrigado, um sorriso, que gratidão anda junto com solidariedade. Na prática, talvez não mude a situação social de quem está nas ruas. Mas, com certeza, não deixa morrer a crença no ser humano, de quem já desceu até o mais profundo dos abismos e encontra mãos que lhes alcançam a esperança!

terça-feira, 25 de junho de 2019

Especiais: mundos e caminhos diferentes...

The good doctor (o bom doutor) é daquelas séries de televisão que, periodicamente, nos permitem fazer uma reflexão sobre nossas limitações e o quanto ainda estamos longe de entender as limitações alheias. A síndrome da qual o jovem residente é portador o faz diferente, sem necessidade de rotular se isto é bom ou mau. Apenas que é aspirante a uma carreira, buscando tocar sua vida, encontrar o seu espaço e aprender.
A Síndrome de Savant (como diz a Wikipédia: síndrome do sábio, do idiota-prodígio é distúrbio psíquico com o qual a pessoa possui uma grande habilidade intelectual aliada a um déficit de inteligência) se caracteriza por possuir habilidades ligadas a memória extraordinária, com pouca compreensão do que acontece no seu contexto.
Shaun Murphy vem do interior trabalhar em um famoso hospital. Enfrenta os desafios na área médica, precisando provar sua capacidade para colegas e superiores. Um dos problemas é o de relacionamento com quem trabalha ou mesmo com os pacientes. Afinal, os códigos de linguagem mais sofisticados não fazem parte do seu entendimento. Neste sentido, tem dificuldades de aprendizagem, mas se transforma num desafio para aqueles que entendem o potencial da sua atuação.
Diálogo que demonstra a ausência de maldade é feito com a colega que luta por compreendê-lo: "porque você foi grossa comigo quando nos conhecemos? Depois gentil na segunda vez que nos vimos, e agora quer ser minha amiga? Qual destas partes você estava fingindo?" Não há meios termos, sem as nuances próprias do sarcasmo ou do cinismo. Para ele, o que se diz é textual: pedra é pedra, terra é terra e não existem figuras de linguagem que lhes possam alcançar uma outra significação.
Lembrei de outros casos: a mãe que carregava o bebê especial abordada por vizinha que desejava ver o que chamavam de "doentinho"; os pais que internaram o rapaz com síndrome de down e tiveram dificuldades de que os atendentes tratassem como apenas mais um paciente; o autista agredido porque também na prática de esportes ou nos exercícios do dia a dia sua mente percorria mundos e caminhos diferentes...
Pais de especiais trabalham mais a fim de que suas potencialidades sejam descobertas e atuam numa sociedade culturalmente preconceituosa. Enquanto o jovem Shaun tem sua capacidade colocada à prova, os demais têm as benesses de serem "normais". Sua presença incomoda: abandonar os padrões de comportamento convencionais desafia a fazer uma medicina onde a técnica não exclua o fator humano. E isto vai acontecer, até com alguns percalços, mas tendo as dores amenizadas por muito mais compreensão, mais sorrisos, mais carinhos e, quem sabe, muito mais abraços!

Morrer: o direito a um porto seguro

Quando a mãe faleceu, no início do ano, eu tinha em mente algumas coisas que não desejava que acontecessem: que sofresse, morresse sozinha, dormindo ou em um hospital. Fui abençoado: faleceu pela manhã, em meus braços, tranquila, sem dizer uma palavra, apenas olhando para mim. Não sei se, na realidade, idealizei o que havia pensado ou se já era um pouco por estar marcado por outras mortes.
Fazendo parte da vida, o nascimento e o fim continuam e, seguidamente, ouço conhecidos contarem experiências com pessoas doentes ou idosas. Recentemente, um amigo acompanhou o pai com câncer num hospital. Chegou o momento difícil em que já não há mais nada o que fazer. O idoso se mantinha consciente e pediu: queria voltar para casa. Sabia que não restava muito tempo e desejava morrer em sua cama, no lugar que construíra para viver com a esposa e os filhos.
A família se envolveu na discussão. A maioria contrária a que deixasse o hospital. Mas, em última instância, quem devia endossar ou não o pedido do pai era o filho. Ele esqueceu de tudo o que os "sensatos" lhe disseram. Aprontaram o quarto para dispor de equipamentos básicos e voltou para o que, por toda uma vida, foi um lar. Na porta, uma parada e uma lágrima rolou enquanto o idoso olhava, possivelmente pela última vez, para o jardim onde em tantas ocasiões passara as tardes com sua esposa.
"Tua mãe me espera", ainda comentou. Dali em diante não falou mais, até falecer, uma semana depois. Meu amigo repetiu o que ouço de muitos cuidadores: o pai chamava sua esposa pelo nome de sua mãe; o chamava pelo nome do próprio avô e perguntava quando iriam voltar para casa e onde é que estavam. A memória próxima que se perde e a busca desesperada por um passado onde justificar a própria solidão...
Michael Bublé, na canção "Home" fala de suas andanças pelo mundo (Paris, Roma...), "talvez cercado por um milhão de pessoas, eu ainda me sinto totalmente sozinho. Eu só quero ir para casa. Eu sinto sua falta, sabe?" É o caso de uma pessoa idosa ou doente que se pensa estar melhor num hospital onde, apesar de toda a sofisticação e preparo técnico, não consegue servir como referência emocional e afetiva.
Embora o que se passe já não é o que entendemos por ausência, o "voltar para casa" de uma pessoa que está fragilizada é também um ponto físico, mas, mais do que isto, sentimento de que, em algum lugar, ancorou o coração e este é o porto onde acaba a grande viagem que se chama vida. A saudade do Infinito, como fala o padre Zezinho, é apenas caminhar em direção ao reencontro com tantas pessoas amadas, que fizeram o mesmo caminho e apenas desembarcaram um pouco mais cedo...

terça-feira, 11 de junho de 2019

Cadeirinha: um direito da criança

Uma das discussões dos últimos dias tem sido a respeito das medidas tomadas pela presidência da República para mudar a penalização para infrações de trânsito. Especialmente a pontuação dos motoristas flagrados em alta velocidade pelos pardais de estrada, assim como deixar sob critério de pais e responsáveis o uso da cadeirinha para crianças com idade em que ainda não possam usar o cinto de segurança.
A respeito dos pardais, já falei: em muitos casos faz parte da indústria da multa. Sua colocação nas estradas atende mais ao intuito da surpresa do que do efeito educativo e preventivo. Mas apenas aumentar o número de pontos é medida simplista que atua na consequência e não na causa do problema. Dá-se o direito de errar mais sem que, de alguma forma, o motorista precise reciclar seu comportamento.
Do que se fala da segurança para os menores, frase marcante veio da deputada federal Christiane Yared, que perdeu um filho: "não sei o valor de uma cadeirinha, mas sei o o valor de um caixão." Verdade nua e crua para situação em que o desleixo e máxima de que "isto sempre se dá com os outros" justifica a imprudência e o pensamento de que em distâncias curtas correr o risco é o de menos... até que o pior aconteça!
Com a morte da mãe, fiquei com os gastos com funerária, enterro, indenização de cuidadoras... Descobri que o preço da morte é tão ou mais caro do que o preço do nascimento. Imaginem, então, para quem age de forma irresponsável ao conduzir os filhos e, num acidente, passa a viver com sequelas... Não são somente recursos despendidos, mas traumas no motorista e naquele que sofreu as consequências do agir insano de quem deveria zelar por sua segurança.
Está comprovado que o processo de educação não se dá apenas no ensino formal. No caso, não é apenas o "direito" dos pais de optarem por utilizar ou não de uma medida de segurança. Mas a atitude de autoridades (ir)responsáveis que precisam respeitar os direitos dos menores, fazendo o regramento que preserve a vida, a integridade física, o direito ao sonhos e ao futuro de uma criança!
Enfraquecer as leis não ajuda o desempenho dos motoristas. Educação para o trânsito pressupõe consciência de quem dirige, com regras claras a respeito do seu comportamento e da sua corresponsabilidade. Veículo de transporte é instrumento que pode ser utilizado para o bem ou para o mal. No caso da cadeirinha para as crianças, as consequências, tristemente, aparecem na campanha que está em outdoors pelas principais cidades do país: "ela não queria... eu aceitei... e nós a perdemos!"

terça-feira, 4 de junho de 2019

Vacinação: o direito e o dever à prevenção

Nesta segunda-feira (03), o sistema público de saúde abriu a vacinação contra a gripe para todos. Desde o dia 10 de abril, era para crianças, grávidas, idosos e pessoas que ficavam mais expostas. Infelizmente, a cada ano, aumenta o número daqueles que se negam a procurar a vacina como medida de prevenção a tantos problemas que podem ser causados, sequelando pessoas e chegando, inclusive, à morte.
Já se conhece a síndrome do cachorro vira lata, em que se menospreza o lugar onde se vive e se acha que a grama do quintal do vizinho sempre é melhor. Agora se fala da síndrome do cachorro louco, em que se desconfia de tudo o que vem de pessoa que não seja do nosso grupo. Então se vier de quem participa de religião, partido, associação, sindicato sem a nossa simpatia, é quase como se fosse obra do Demônio!
Fizeram isto com a vacina. Há tantas fake news circulando que os idosos, especialmente, que eram aqueles que mais cedo corriam para os postos, começaram a ficar reticentes, evitar a vacinação e, como consequência, ver sua qualidade de vida diminuída. Coloca-se em dúvida todo um sistema resguardado por pesquisas - nacionais e estrangeiras - que já demonstraram os benefícios da prevenção.
Mas não, se quem estiver no governo não faz parte do nosso grupo, desconfie-se. Mesmo que até pouco tempo atrás quem era situação tenha feito o mesmo. Então, vira gandaia, pois vemos os defeitos que os governos tem mas não nos damos conta de que, eleitos, querendo ou não, tem um período de administração onde torcer contra - nas questões que efetivamente atingem a população - é, no mínimo, burrice.
Posso ser chamado de homem de um discurso só, mas tenho claro o quanto tudo isto tem a ver com educação. Quem aposta no "quanto pior melhor" sabe que a desinformação fragiliza e dificulta aqueles que foram eleitos, sempre pensando que há uma eleição em perspectiva... A prevenção na saúde é um dos elemento mais importantes do processo de educação, que começa em casa, pelo exemplo da família.
A ausência é notada por coisas simples: desrespeito às normas básicas - áreas de segurança, limites de velocidade, faixas de pedestres... - por pessoas arrogantes, acreditando que normas existem para serem quebradas e pequenas infrações não dão em nada... Triste pensamento de quem não entendeu que viver em sociedade é, sim, procurar o bem estar próprio. Mas, mais ainda, que a vacinação é direito, mas também dever: vive-se em sociedade, onde a corresponsabilidade é princípio fundamental, que nos faz parte da grande família que se chama Humanidade!

terça-feira, 28 de maio de 2019

A inocência de uma criança

Recentemente, dois tipos de compartilhamento me chamaram a atenção pelas redes sociais: um deles de um grupo de crianças que, não tendo um celular para fazer uma selfie, utilizavam o chinelo de dedo como se equipamento fotográfico fosse... e outra bem humorada da criança que liga para a avó pedindo socorro já que a mãe não sai da Internet e ela quer atenção e precisa se alimentar.
Num outro plano, acompanhei postagens do menino desafiado por um de seus seguidores a atirar água num mendigo que ficava na sua calçada. Depois de conversar com a mãe, resolveram fazer exatamente o contrário: foram até ele para alcançar comida e minorar seu sofrimento. A reação da pessoa em situação de miséria foi de emoção que parece não ter surpreendido a mãe, mas surpreendeu o filho...
A reação da criança, em todas as idades, é de espontaneidade, mesmo que, num primeiro momento, possa parecer incomodada por estar numa situação inusitada. Mas, seguindo o exemplo de alguém que a oriente, é capaz de entender, aceitar e se tornar protagonista de ações que fazem o diferencial no tratamento de outras pessoas, porque ainda não está eivada do preconceito, seja da diferença de classe, sexo ou de cor.
Seguidamente este tema vem à discussão quando se trata de educação. Um problema sério para a geração que está sendo criada por babás eletrônicas de todas as formas - televisão, computador, tablets, smarthphones... O meu pai, seu Manoel, em muitos momentos, levava as crianças para ambientes abertos - pracinhas, parques, ou apenas para a rua - onde pudessem, segundo ele "escramuçar", "soltar os burros".
Em algum lugar, a energia precisa ser gasta. A criança passando a maior parte do tempo na companhia de outros, ao longo do dia, quando está com os pais quer tirar os atrasos. Só que os pais, por já estarem um bagaço, desejam apenas um tempo para descansar e reorganizar as próprias vidas. Gastando o mínimo necessário com os filhos, justificando-se de que passaram o dia lutando pela sobrevivência...
Criança não vem com manual de instrução e seu desenvolvimento afetivo e psicológico depende do que bebe de pessoas próximas... especialmente os pais. A inocência da crianças está sendo perdida em tenra idade. e os educadores se assustam com transtornos cada vez mais cedo.  Diante de tantos desafios, uma suposta independência justifica a omissão e a ausência, que não pode ser compensada por nenhum instrumento de comunicação, nem pelo divã do psicólogo. Tristemente, são crianças que, desde cedo, se tornaram órfãs de pais vivos...

terça-feira, 21 de maio de 2019

Passageiros prestes a partir...

Pedro viaja pelo Mundo. Faz suas andanças pelos cinco continentes. Nos programas que grava para a televisão a cabo há cenas por ruas, estradas, monumentos, encontrando gente, conhecendo a arquitetura, costumes, hábitos alimentares, a alma de um povo que, em qualquer lugar, é apenas gente, buscando o direito de existir, usufruir da vida em grupo e enfrentar desafios do dia a dia.
Tenho santa inveja de quem se aventura, nem que seja em excursões. Ao voltarmos das férias, na Universidade, professores contavam de andanças por praias do Brasil, Europa, Estados Unidos... Ao perguntarem por onde andara, um deles respondia: em Morro Redondo! Onde tinha um sítio - recanto do coração - para onde se recolhia fazendo do seu pequeno mundo um lugar privilegiado para suas "andanças".
Mas é quando se abre nem que seja um pouco da possibilidade de que se conheça mais da cultura de um outro povo que nos enriquecemos e damos valor à nossa própria identidade. Recentemente, na Geórgia - que se tornou independente da União Soviética, exprimida entre a Europa e a Ásia - foi convidado por sua intérprete para jantar em casa de amigos. Um violão e as músicas típicas levaram-no a se emocionar.
O que tornou inesquecível foi o relato de que constituem um país por onde muitos povos passaram, de um lado para o outro, mas a marca que o conquistado deixou nos conquistadores foi de que era uma gente que transformava suas emoções, sua história, suas esperanças em melodias: cantavam as tristezas da dominação, as batalhas, as perdas, também a certeza de que, um dia, seriam um povo independente... e feliz!
Numa outra ocasião, no Nepal, brincou com a palavra que ouvia na rua: "namastê". Soava bem e via o sorriso no rosto das pessoas que por ele passavam. Quando a utilizou para o escritor de uma obra sobre a religiosidade naquele país ficou preocupado. A expressão, literalmente, se traduz por: "saúdo (o) Deus que habita (existe) em você!" Não era sua intenção brincar com o sagrado, mas a adrenalina de conhecer novas gentes e novos costumes o levaram a cometer um pequeno deslise...
Vou continuar assistindo à série "Pedro pelo Mundo". Recomendo seguidamente que as pessoas que não têm oportunidade de viajar - idosos, doentes, com falta de recursos... - ao menos abram uma janela para outras realidades. Conhecer faz ver que não somos melhores... nem piores! Em qualquer país, em qualquer continente, apenas pessoas buscando dar sentido à própria vida. Como diz Ana Vilela, "a vida é trem-bala, parceiro. E a gente é só passageiro prestes a partir!"

terça-feira, 14 de maio de 2019

Deixamos rastros...

O rapaz que desceu do carro não tinha pressa. O cuidador segurou a porta e a conversa fluiu como se fossem velhos amigos. Quando saiu, tinha nas mãos uma mochila e o casaco, pronto para uma reunião ou atender a um cliente. Nos poucos minutos que ficaram juntos falaram de futebol, como ficaria o tempo e ainda perguntou pelo filho mais novo do flanelinha que estivera doente. Mas foi o olhar com que seguiu o jovem "executivo" que chamou a atenção: encontrara alguém que o respeitava, se importava com ele e não o tratava como apenas pertencendo a uma estatística social.
O jovem faz parte daquele grupo de pessoas que não faz "discursos" (possivelmente também não escreva textos a respeito) sobre as desigualdades sociais, mas tem, na sua própria carga genética, a compreensão de que as diferenças de classe tornam-se mais difíceis de serem superadas se não houver, de ambas as partes, preocupação com o elemento chave de qualquer relação: o respeito pela pessoa!
Lya Luft fala do acumulo do lixo moral: "o cinismo, a ganância, a fome de poder, as negociações disfarçadas com palavras rebuscadas e até solenes..." de pessoas que prostituem o sentido  das palavras até que elas se tornem insossas e sem graça. Mensagens ouvidas nos cansados e surrados discursos políticos e também parte da argumentação de lideranças de todos os níveis - inclusive religiosas.
Gosto de perfumes marcantes. Não aqueles que poluem o ambiente, mas os que deixam flagrância no ar. Um deles - do desodorante masculino que uso - brinco, é o perfume de "talco de velhinhas" - memória de pessoas idosas, avós... Sensação de que está no ar um pouco da identidade de alguém, faz procurarmos no entorno pessoa diferenciada, por ter deixado uma marca afetiva em nossas lembranças ou chamado a nossa atenção. J.J. Camargo fala da "generosidade do silêncio", onde o rastro que deixamos é proporcional ao interesse que demonstramos pelas pessoas.
Na forma como cuidamos e nos preocupamos com as pessoas estabelecemos marcas que somente a vivência de um amor recíproco e generoso é capaz de deixar. No olhar do cuidador de carros - assim como das pessoas com as quais se convive e são, de alguma forma, especiais - aprende-se que é impossível conjugar o amor no passado: as pessoas que partiram não podem "ter sido amadas", pois perde o sentido de terem frequentado nossas vidas se não fizerem parte, no presente, da realidade afetiva: é o rastro de generosidade de quem reparte um pouco de si nas próprias lembranças, mas também quando fala de futebol, do tempo, da saúde do filho de um amigo...

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Cansados de viver...

Visitávamos um idoso numa tarde de domingo quando a conversa enveredou para o lado da segurança de quem precisa de cuidados. Uma possibilidade muito comum, especialmente para quem está fragilizado, dorme em cama de solteiro e tem a possibilidade de cair durante a noite. Sugeri o que utilizamos com a mãe: uma grade protetora que é colocada entre o estrado da cama e o colchão. A parte lateral é removível, facilitando tanto a colocação quanto a retirada da pessoa que está no leito.
Pensei no quanto ainda temos problemas com a informação a respeito de recursos que facilitem a vida de quem depende de outros para os cuidados elementares do dia a dia. Coisas simples: grades de proteção, escora de espuma para levantar o paciente no leito comum, colocação de um travesseiro embaixo do colchão para evitar o refluxo, exercícios com bolinhas ou pequenos pesos, uso de andador, bengalas, apoio metálico no banheiro etc...
Não sou geriatra e nem médico, mas a experiência em cuidar dos meus pais alertou para coisas práticas que fazem a diferença na qualidade de quem é cuidado - assim como do cuidador. Acompanho seguidamente notícias de trabalhos realizados por Universidades preparando pessoas que acompanhem idosos e doentes. Hoje, é indispensável que estes profissionais sejam municiados de informações a respeito da necessidade de serem a extensão dos serviços básicos de cuidados com a saúde.
E por "cuidados com a saúde", aqui, estou entendendo ser veículo de informação para pessoas que muitas vezes gastam o que têm e o que não têm pagando por camas especiais e demais equipamentos caros, necessários para casos mais difíceis em que não há a colaboração da pessoa cuidada. Mas que, com um pouco de criatividade, podem tranquilamente ser substituídos por elementos próximos, à disposição nas próprias residências ou em instituições - Feira da Fraternidade, paróquias, sindicatos - que recebem doações e disponibilizam este material.
Cuidar não precisa ser um tormento. Alguém me disse que os idosos morrem, muitas vezes, porque cansaram de viver. Verdade. A ausência de familiares e de recursos que facilitem a interação e o convívio restringe e isola quem, muitas vezes, foi razão e sentido da proximidade de amigos e familiares. Não é "o que eu poderia ter feito e não fiz?" que dá razão ao cuidar, mas o fato de que - idoso ou doente - são os mesmos que, um dia, nos envolveram com a ternura de quem desejou viver intensamente toda uma vida com cada um de nós, que consideravam "seres amados"...

Missa, crianças e o "louquinho"...

Estava sentado esperando iniciar a Missa quando chegou o Miguel com seus avós. Como toda a criança de três anos, curioso por caminhar e ver o que havia naquele amplo espaço, sem perder a referência do banco onde nos encontrávamos. Mas foi no momento em que começaram os cânticos que se deu o inusitado: toda a vez que um deles acabava, batia palmas. A explicação era simples: na creche, os orientadores ensinavam que aplaudissem sempre que terminavam uma das canções.
Sexta-Feira Santa. Na celebração das 15 horas não há Missa, faz-se memória da paixão e morte de Jesus. No dia anterior é consagrada a eucaristia para que as pessoas possam ter aquele alimento também num dia de dor. Voltava para meu lugar quando ouvi um choro forte... A mãe tentava explicar para a criança - que foi no seu colo para a comunhão - porque não podia comer o "pãozinho" que o adulto havia recebido. Não havia explicação que a consolasse...
Na mesma cerimônia, há o beijo na cruz. O diácono, em frente do altar, oferece às pessoas o madeiro que recebeu o corpo do Senhor. O "louquinho" se aproxima murmurando uma mistura de trechos de canções religiosas antigas com músicas não tão cristãs assim... Oferecem-lhe a cruz para beijar e ele vira de lado... A fila anda. Quando se volta para ele, novamente, aproxima-se, beija a imagem e silencia... Afaga a representação do corpo de Jesus e dá duas batidinhas nas costas do diácono...
Gosto das igrejas como espaço em que se pode parar para rezar - ou apenas silenciar... Mas, especialmente, onde há o encontro com pessoas... Homens, mulheres, crianças e "louquinhos" num lugar sagrado vivenciando uma forma especial de proximidade com Deus. Muito tempo atrás, ouvi de um padre que a maior parte dos que participam de uma Missa não tem a compreensão total do que seja. Sabem que estão diante do Sagrado para pedir ou agradecer, consagrar ou apenas existir...
As crianças e os "louquinhos" desafiam nos momentos em que desejamos apenas o "nosso" silêncio. O jeito como Deus nos retira de nossas redomas, mostrando a procissão dos que andam, dos que correm, dos que gritam, dos que se arrastam, dos que fazem a vida ser o permanente desafio de comprender o que nos leva a murmurar uma prece, apenas uma prece... na certeza de que em todas as formas de celebrar sente-se a presença de algo que supera o conhecimento e as fragilidades. O dedo de Deus que brinca nas palmas e no choro das crianças, nas palavras altas e sem nexo do "louquinho" que silencia diante do Mistério...