domingo, 16 de dezembro de 2018

A derradeira gota de felicidade...

Reunião de fim de ano do Rotary. Convite para tratar do tema "dar de si antes de pensar em si". Conduzi a reflexão partindo do conceito de que alguém que trabalha pelo outro precisa ser bem resolvido e, antes de mais nada, saber cuidar de si mesmo. Um depoimento forte veio da Olga: "a gente luta a vida inteira para ser independente e, muitas vezes, no avançar dos anos, o que se quer é apenas alguém que nos cuide!"
Pode parecer uma questão semântica, mas expliquei que uso o termo "autonomia". Toda a vida esta é a nossa busca, primeiro na interação com os pais e, depois, como pais, tios, avós, respeitar um ente querido que dá seus próprios passos, com o direito de acertar, mas também de cometer os seus próprios erros.
Recentemente, um grupo de autistas e portadores da síndrome de down fez uma experiência de autonomia. Durante um período ficou distante dos pais ou responsáveis e tinha que dar conta desde as tarefas mais simples - arrumar a cama, por exemplo - até a interação com outros jovens em condições semelhantes.
Creio que o projeto se chama "Te vira!" Dos depoimentos, se percebia que, para os jovens, era um desafio. Na hora do "vamos ver" tinham condições de aprendizado e, se não conseguissem, a solidariedade falava mais alto. O coração nas mãos ficava com quem estava fora da casa, que, na ânsia de "compensar" suas restrições, negava a oportunidade de que, no que fosse possível, conduzissem as suas próprias vidas.
Na vivência com idosos tenho encontrado casos em que já perderam os movimentos - deixaram de caminhar e, muitas vezes, passam a maior parte do tempo na cama;  não têm forças com a fala, restringindo-se a poucas e esparsas palavras; mas capazes de interagir com aperto de mão, o olhar, o sorriso ou um leve menear da cabeça...
Nestes casos, uso a palavra "independência", que poderia ser trabalhada como sinônimo de autonomia, mas que recebe especial importância por expressar algo que não temos critérios para medir: a condição do nosso espírito de sobreviver, em muitos casos, à deteriorização do próprio corpo.
O que nos atrapalha é a falta de capacidade de olhar para além dos limites que o corpo impõe. Durante toda a vida, o que dá sentido é a sensação de que somos úteis. Envelhecer é tomar consciência do que se pode ou não fazer. Tornar-se vítima de um "coitadismo" é transformar a vida dos outros e a própria num Inferno! No convívio com um grupo, interação de diversas formas, no olhar que "fala" há um espírito determinado a viver, alerta, aproveitando a vida até a derradeira gota de felicidade...

domingo, 9 de dezembro de 2018

Convívios e reencontros...

Foi a Clotilde quem fez a pergunta: "tu te sentes velho?" Já havia pensado nisto, portanto, não era difícil responder: "não, não me sinto velho, mesmo que isto não impeça que eu já esteja envelhecendo!" O questionamento nasceu de um comentário feito pelo Antônio de que, cada vez mais, me pareço com meu pai, o seu Manoel.
Expliquei que era uma honra a comparação. Afinal, um homem que enfrentou tempos difíceis e morreu aos 85 anos abatido por um câncer, mas que tinha condições de ter vivido bem mais. Depois que deixou de fumar, aos 55 anos, manteve-se elegante, ereto, sem a presença nefasta de barriga, como, infelizmente, acontece comigo...
A conversa continuou. Me senti na obrigação de compartilhar observações: a própria pessoa não sente que envelheceu, a não ser que seu corpo esteja pagando com uma doença degenerativa, falta de atividade física, de cuidados com a alimentação, cigarro, bebida...
O que faz com que nos sintamos velhos são as ausências... Aqueles que já morreram, foram para outros lugares ou que, mesmo as distâncias sendo curtas, se tornaram ausentes do nosso convívio. Especialmente as pessoas que ficam doentes ou que a velhice se prolonga experimentam o quanto se gostaria de ter próximo quem foi especial para nós, mas que a recíproca não é verdadeira.
A capacidade de autonomia - em qualquer etapa da vida - depende daquilo que aprendemos e das oportunidades que se construiu. Até no envelhecer. Andar pelas ruas procurando nos outros os traços que mostram o passar do tempo é esquecer que o espelho é um conselheiro implacável que não permite enganos.
A Natureza é sábia e seleta. Quando dá uma oportunidade para que se viva mais, também alcança as condições para aproveitar melhor esta etapa. Já não se precisa de todas as pessoas sempre. Ocasiões em que se formam multidões ou muita agitação já não agradam, mas permite andar por uma calçada sorvendo o sol da manhã, vendo crianças que ajudam os pais no pátio, passe por uma grávida que sonha com o futuro...
Futuro um dia sonhado, que virou realidade, fez atravessar e viver parte da História. Reencontrar amigos e conhecidos alimenta os dias em que nos recolhemos ao silêncio. Aos 63 anos, posso até estar no alvorecer da terceira idade, mas sei, com certeza, que viver é uma bênção. Uma bênção em que o tempo não permite que se perca a esperança. Não mais de grandes realizações, apenas de convívios e reencontros... porque aprender a viver bem o envelhecimento é já sentir um gostinho da própria Eternidade!

domingo, 2 de dezembro de 2018

Um dezembro até o Natal...

Quando se aproximam as festas de fim de ano acirram-se duas vertentes: daqueles que se enchem de expectativas positivas vendo no Natal e Ano Novo um tempo diferente, capaz de atender a muitos de seus anseios. Também, daqueles que já não encontram sentido nos festejos e gostariam de vê-los passar da forma rápida e silenciosa.
Não há como atender a nenhum dos lado. Tanto em nível pessoal quanto do ambiente criado pela mídia somos instados a ver uma abundância de prazeres, especialmente ao consumirmos, e uma alegria postiça alimentada pela sensação de perfeição (ou quase) de pessoas que bebem, comem, divertem-se numa festa que parece não acabar...
Paralelamente aos incontáveis anúncios para o consumo, há também a preocupação por parte de publicações em mostrar que é uma época propícia para a depressão, frustração por expectativas não cumpridas e o desapontamento por parte de familiares e amigos que julgam cumprir com sua boa ação ao fazer visita a um idoso ou doente (por exemplo), neste tempo, compensando toda a sua ausência do resto do ano!
Mesmo na infância, o "espírito de Natal" apregoado nos comerciais destoa de tal forma da realidade que, ao receberem seus presentes, há uma diferença tão grande que frustra o esperado. Além do fato de que a repetição de momentos em que a criança "deve" receber presentes causa outro problema: o acúmulo de coisas desnecessárias e, muitas vezes, a volta aos brinquedos velhos com os quais tem mais identificação.
Não há como fugir àquilo que está nos meios de comunicação e nas ruas. Embora também se saiba que desta orgia consumista o que vai sobrar são contas nos cartões de crédito e nos carnês. Ano novo com novas e salutares intenções... que, na maior parte das vezes, evaporam-se antes da Festa dos Santos Reis (6 de janeiro).
Os cristãos vão dizer que a solução está em viver este tempo pensando na mensagem daquele que tem a lembrança de seu nascimento em 25 de dezembro: Jesus, o homem de Nazaré. Hoje, grande parte da população utiliza este período apenas para comemorar o Papai Noel. Entre o velhinho de saco cheio de presentes e o pensador que pedia amor e paz à humanidade, os homens escolhem o primeiro...
Infelizmente, somente com o tempo é que se aprende de fato a respeitar a individualidade. Enquanto alguns azaram com foguetes e buzinas, outros acendem uma vela e quedam-se em oração... Lembram do que alguém já disse: "a melhor mensagem de Natal é aquela que sai em silêncio de nossas almas e aquece com ternura os corações daqueles que nos acompanham em nossa caminhada pela vida..."

domingo, 25 de novembro de 2018

A cultura do preconceito

Um quadro com duas imagens. Na primeira, o viaduto que cedeu em São Paulo, mostrando o desencontro da estrutura. Na outra, Nestor Cerveró, que possui deficiência onde uma vista fica num plano mais elevado que a outra. E a mensagem infame: "em entrevista, Cerveró diz não ver problemas na marginal..."
A festa transcorreu na normalidade... Até o final quando o pai da menina transbordou a sua raiva com a filha, ao ponto da agressão, por um simples motivo: entre os convidados - inclusive que tinha dançado com a jovem - havia um negro. "Você estragou tudo! Deixou nossa família mal diante das pessoas..."
O porta voz de uma igreja quis explicar a denúncia e o pedido de que pessoas envolvidas com pedofilia sejam julgadas e, se condenadas, paguem por seus crimes. Mas que o atentado ao pudor contra crianças e adolescentes é um número menor entre religiosos do que entre professores de educação física, por exemplo.
Nos três casos, um problema comum: o preconceito - explícito ou implícito. Infelizmente, usar a deficiência física para o humor é recurso comum, o insensato é receber cópia de educadores... O pai aguentou durante a festa porque precisava aparentar normalidade... O representante de um credo esqueceu que a sociedade espera de religiosos que sejam referência da ética e da moral!
A Internet, ao mesmo tempo, torna mais democrático o acesso à informação e, também, escancara o preconceito de uma sociedade que diz aceitar e ser tolerante de fachada, mas que, para defender privilégios de seus setores corporativos, afia suas garras. É neste contexto que se admite que se faça graça... sem ter graça alguma!
A imagem dos dois meninos que rasparam a cabeça achando que poderiam passar um pelo outro tinha um pequeno detalhe: um era negro... o outro era branco. Acontece que o racismo e o preconceito não estão na origem das pessoas, mas no seu ambiente cultural: vão aprender, com o tempo, aquilo que na infância é pura inocência.
O ambiente pode ser familiar, vizinhos, escola, trabalho... Uma figura importa: o educador. Seja pai, professor, chefe de seção... na medida em que reproduzir papeis que podem se tornar a diferença na relação com deficientes, cores da pele, opção sexual... Fazer brincadeira é abrir mão da referência que a sociedade espera.
"À mulher de César não basta ser honesta, tem aparentar ser honesta". Um pedido de coerência especialmente dos formadores de opinião. Espera-se de pessoas que cobram atitude o exemplo de vida. Falar em teoria sobre relações é fácil. Difícil é não se perder entre o discurso e prática... Até numa simples brincadeira partilhada no intuito de fazer rir, mas que alimenta a deformação cultural que se chama preconceito!

domingo, 18 de novembro de 2018

Os acordes que embalam o coração

Manhã de segunda, aguardo participação no programa Hora Marcada, do Sérgio Corrêa. O telefone está em linha e ouço o comentário do apresentador, além da trilha musical selecionada pelo Otávio: o Café com Música. Somente os sucessos das décadas de 70 e 80, com direito a dançar juntinhos... Fico divagando, sozinho, e até para a vassoura ao lado da geladeira acabei olhando, pensando em dar alguns passos...
A Clarice mostrou um vídeo onde o governador Eduardo Leite dançava com desenvoltura. Os rapazes e moças de um CTG programaram uma apresentação a partir de uma gaiteira deficiente visual. O pessoal do grupo do Edinho já fez diversas apresentações - inclusive com tango - sendo portadores da Síndrome de Down.
O vídeo mostra um casal em dança de salão. Eduardo tem a música no sangue, não somente para dar seus passos, mas vem de família o gosto por uma boa roda musical. Uma forma de aliviar tensões e receber o afago que merece em tempos tão bicudos em que a arte de embalar o corpo diz tudo da sua capacidade de empatia e superação.
A turma do CTG precisou vencer preconceitos. A preparação os fez usar vendas e compartilhar de um mundo onde as cores e as imagens desaparecem. O desafio não está em deixar de enxergar, mas superar os próprios limites, indo além do que se julgava capaz. Exercitar a dança, a sincronia, sem mais nada a não ser a sensibilidade musical, com o mesmo ritmo que embala os ouvidos e orienta os passos.
Os meninos e meninas da Síndrome de Down dançam por prazer. Subir ao palco é apenas um detalhe. Não creio que tenham a compreensão da admiração e do sucesso que alcançam. Brincam com o próprio corpo, repetem coreografias ensaiadas com a delícia de verem um conjunto que pode deixar a desejar no sentido de "perfeição" daqueles que são considerados "normais", mas que, para eles, é o máximo!
Tirando o meu bailado com a vassoura - que não aconteceu - as demais mostram o quanto dançar é daquelas artes com mil e uma utilidades. Pode até ser erótica (e porque não?), mas vai além: embriaga todos os sentidos e cada uma das fibras de nosso corpo. Para o dançarino se sair bem não é somente necessário atender à coreografia, mas fazer com que a própria alma se entregue ao prazer!
Às vezes esquecemos nosso pé na África e no meio indígena, gente que dança até em cerimônias religiosas. Vez que outra, nossas origens são mais fortes e, mesmo com um canto religioso, não resistimos em balançar o corpo! Um daqueles instantes em que matéria e espírito se dão ao direito de estarem juntos. Pode parecer loucura, mas há momentos em que apenas quem necessita da música é capaz de ouvir os acordes que nos fazem dançar, embalados pelo sussurro do coração!

domingo, 11 de novembro de 2018

O silêncio da Eternidade

Estávamos aguardando o jantar. Uma amiga fez uma daquelas perguntas com o objetivo de envolver uma pessoa mais velha na conversa. Olhar brincalhão e sorriso brejeiro disse o óbvio: que a resposta era do tipo em que é possível dizer qualquer coisa, mas que a interlocutora queria que afirmasse o que ela mesma pensava. Não era uma disputa intelectual, mas o espírito provocativo de duas pessoas amigas.
Quando dou almoço para minha mãe, na cama - comida liquefeita - vez que outra ela me ignora solenemente. Parto para todas as chantagens: "mãe", "mãezinha", "minha querida"... até que preciso levantar a voz para que abra os olhos e a boca a fim de ingerir o alimento. A resposta vem, mas não sem antes retirar a mão do lado do rosto, colocar sobre os lábios e expressar um pedido de silêncio apenas com um "psiuuu!"
Atender no dia a dia a uma pessoa idosa é uma chance de aprendermos, mais cedo, a lidar com o silêncio. A necessidade de preencher todos os nossos espaços com ruídos vai, no passar dos anos, sendo aplacada pela serenidade de quem já viu muita vida passar e sabe que não consegue evitar o inevitável. No entanto, é capaz de aproveitar melhor as ocasiões de convívio sem nenhuma exigência.
Somente o direito de ter alguém junto. De alcançar olhares prolongados sem ter uma agenda que não lhes interessa, mas como se já gravassem as cenas com as quais poderão fazer a última viagem em direção à Eternidade. Há algo de divino e de sagrado na forma como o tempo perde o sentido e, muitas vezes, apenas querem o direito de estar sós preenchido por histórias e ecos de suas lembranças.
É possível que já não gravem mais os rostos e os momentos da atualidade. Motivo que torna inconveniente as pessoas perguntarem ao idoso se ele as está reconhecendo. O tempo de saber quem é cada um dos que os cerca já passou. Agora sentem-se no direito de apenas usufruir de um sorriso, uma palavra de carinho ou um gesto envolvido no reconhecimento de que fazem parte indispensável de nossas histórias.
Se partimos do silêncio - onde está Deus - e para ele voltamos, torna-se óbvio o provérbio: "temos dois ouvidos e apenas um boca". Explicação para a necessidade de ouvir mais e falar menos. Mesmo as palavras cansadas, ditas sem pressa, necessitam de um estado de espírito disposto a exercitar a paciência. Atropelar um idoso que arrasta seus argumentos é pura maldade. Talvez já tenham vivido com pressa, mas seus próprios corpos vão fazendo valer suas limitações. O que precisa ser dito está muito mais nos seus silêncios e olhares. Algo que, depois da sua partida, nem mesmo a Eternidade é capaz de fazer com que a gente esqueça!

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Respeitar o indivíduo, respeitar a democracia

Sou viciado em zapear. Me explico: quando não há algo muito interessante, troco de canal e, muitas vezes, repito este processo. Em algumas ocasiões, lembro daqueles que assistiam à Sessão da Tarde. Hoje, teriam muitas "sessões da tarde", às vezes, como dizia meu pai, "com filmes inéditos... esta semana!"
Também gosto de acompanhar o final dos filmes, a parte em que as coisas se resolvem. Numa noite de sábado acompanhei dois: Nanny McPhee, a baba vivida por Emma Thompson, tendo em Colin Firth o viúvo desesperado para criar sete pestinhas! E a célebre frase: "quando precisam de mim e não me querem eu fico. Quando não mais precisam de mim, mas me querem, aí eu vou embora".
O outro foi Toy Story 3, quando Andy vai para a faculdade e decide levar, de seus brinquedos, apenas o Xerife Woody. O que fazer com o resto da turma? Cada um fez parte de uma parte de sua vida. É como se restassem as lembranças dos momentos - bons e maus - que deram sentido às etapas da infância e do início da adolescência.
A cena emblemática ficou por conta do momento em que, decidido, precisa entregar todo o seu tesouro. Mesmo o Xerife Woody... Por um instante, sua decisão balança. É o tempo de deixar que outros vivam as etapas da vida das quais se sugou bem mais do que se admite, mas estão vencidas. Deixando a impressão de que se leva as marcas que sinalizam o próprio amadurecimento.
Fazer a transposição é saber que muitas são as pessoas que se tornam importantes num momento e, noutro, passam a fazer uma ausência saudosa. Pela morte, distanciamento físico ou apenas por se deixar de conviver seguiram seu destino... E a vida espera que cada um encontre forças suficientes para continuar.
Foi no que pensei ao me deparar com a guerra de informações que se vive ainda em função das eleições. A sensação é de que estamos órfãos de lideranças fortes e consolidadas que auxiliem "quando precisam de mim". Mas que, ainda carentes e engatinhando, o confronto se dá por birra ou infantilismo político.
Esta é uma fase do amadurecimento: as eleições deveriam ser um processo em que fosse natural a alternância de poder (entregar os brinquedos). Mas não o é. Aprende-se pelo jeito mais difícil que o confronto demanda tempo para ser resolvido.. e curar feridas! Tristemente, os projetos são deixados de lado e ambos tem seus "políticos de estimação". Como alertava Albert Einstein: "o meu ideal político é a democracia, para que todo o homem seja respeitado como indivíduo e nenhum seja venerado".

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Fazer política, fazer pastoral...

Falar de eleições, neste momento, é repetir o óbvio: eleitos o governador e o presidente deixam de ser de um partido e passam a administrar o bem de todos. Mas, infelizmente, não é o que vai acontecer. A perspectiva é de que se tenha um país cindido entre os que se julgam vitoriosos e pessoas ressentidas.
O processo eleitoral dividiu os brasileiros. Costurar este tecido rasgado é um trabalho que somente políticos calejados poderiam fazer. E não temos no horizonte lideranças que se mostrem com esta capacidade. Ao contrário, mesmo aqueles que tentam apaziguar os ânimos acabam colocando mais lenha (ou gasolina) na fogueira.
Este deveria ser um dos papeis de lideres religiosos: exercer a profecia sem que se faça o estouro do rebanho. Saber que num momento delicado é preciso ter sensibilidade para ouvir muito, calar outro tanto, e ajudar vitoriosos a voltarem ao equilíbrio e aos derrotados a transformar feridas em experiências.
Conversando com lideranças falava a respeito da palavra "pastoral", da qual se perdeu o sentido original, transformando a atividade em burocracia, especialmente reuniões. Vale recordar: a palavra vem de "pastor", quem cuida de ovelhas. A imagem do "bom pastor" é a figura de Jesus tendo um animalzinho ao colo e dando-lhe o devido cuidado. Não é um tratador de animais que tem uma agenda na mão ou um manual!
Jesus dizia: "conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem." No frigir dos ovos, duvido que muitos destes "homens e mulheres de Deus" conheçam efetivamente o seu rebanho. Por isto mesmo se mostram escandalizados que os meios de comunicação falem em "católicos e evangélicos" apoiando este ou aquele candidato.
A religião se afastou tanto da vida das pessoas que passou a ser mais uma opção... assim como torcer para Brasil ou Pelotas, Grêmio ou Colorado... "Não vou a Igreja, não concordo com os princípios que ela prega, mas me acho no direito de dizer que eu, enquanto "membro" de uma delas, defendo a direita, o centro ou a esquerda..."
Os tempos que se aproximam exigem presença de espírito de todas as lideranças, até as religiosas. Com a definição dos papeis de governo tornam-se mais claras as políticas públicas, mostrando as "unhas" de quem até agora se escondeu sob o manto de um discurso marqueteiro. Como disse um bispo: "a hora de despertar a profecia!"
Reorganizar a sociedade é reunir os dispersos e não deixar que percam a esperança. Uma ovelha no colo e um olhar no horizonte é tudo o que um bom líder precisa. Há um longo caminho a percorrer, porque fazer política, assim como fazer pastoral, é alimentar o sonho de um mundo melhor... quem sabe, a sociedade sonhada por Deus!

Os três silêncios do comunicador cristão

O Encontro Regional de Comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, realizado dia 20, em Pelotas, colocou como desafio tratar do tema: "a espiritualidade do comunicador cristão". Dom Carlos Rômulo, bispo de Montenegro e referencial para o Rio Grande do Sul em Comunicação abordou o conceito de espiritualidade e coube a mim a tarefa de trabalhar "os três silêncios do comunicador cristão".
Nos grupos que me convidam para tratar do assunto apresento slide com uma frase: "toda a comunicação inicia pelo silêncio". Falo da oração, meditação e reflexão. Termos utilizados no meio religioso e também nos espaços leigos. Um tempo de amadurecer e formatar uma mensagem, de tal forma que ela tenha o destinatário adequado, seja condizente com o meio e a melhor estrutura para atingir objetivos.
O primeiro elemento - oração - tem tudo a ver com a relação pessoal com Deus, a fé. Neste caso, a comunicação é um benefício colocado à disposição de um dom maior que é o amor. Pode-se dizer que alguém que não tenha resolvido esta relação com a divindade dificilmente será um bom comunicador religioso, porque terá o envólucro de um pacote, mas não terá a essência do presente.
A meditação embasa uma prática religiosa, o jeito como pessoas que possuem a mesma fé acabam vivendo em comunidade. É quando o amor e a misericórdia tomam a forma que traduz para os outros a essência do cristianismo: apresentar uma mensagem que faz sentido para além das paredes das Igrejas. A meditação não é uma teoria que preenche o coração de alguém, mas o combustível necessário para se fazer a diferença no Mundo.
A presença na sociedade tem como substância a reflexão. Que fica transparente numa imagem utilizada por Jesus: "eu sou a videira, vós sois os ramos", a "teia" que une as pessoas a Deus, da mesma forma que as comunidades que existem hoje. Eis porque no centro da espiritualidade na Igreja Católica está a afirmação feita pelos bispos em Aparecida: não estamos sós, "somos a presença da Igreja no coração do Mundo e a presença do Mundo no coração da Igreja."
No trabalho com as dioceses conclui: "fazer comunicação cristã concretiza o sonho de Deus. Somos o rosto, as mãos, os pés d’Aquele que propôs parceria neste fantástico empreendimento que se chama Evangelizar!"  A confiança de que o caminho vale a pena está resumido no pensamento de Luther King; "suba o primeiro degrau com fé. Não é necessário que veja toda a escada, apenas que dê o primeiro passo!"

No dia seguinte...

Não era uma senhora idosa, mas quando subiu um degrau mais alto em direção à seção em que votava precisou ser ajudada por uma moça. Já na porta, levou a mão ao peito e tomou fôlego para entrar na fila. Foi quando ouvi a outra dizer: "força, não podemos desistir!" Do pouco que escutei deu para perceber que já tinha tentado votar e não conseguiu. Parou na biometria. Agora ia dar certo, a filha ajudaria.
Dizer que temos muito o que aprender com o resultado das eleições é o chamado "óbvio ululante". Cientistas e analistas políticos têm em suas mãos uma riqueza de material que precisa ser destrinchado. Até porque, as coisas não foram como pareciam ser. Além das dificuldades que o aprimoramento técnico exige, há um descontentamento por partidos e políticos, não importando a coloração ideológica.
Com toda a aversão que se criou pelo horário eleitoral, nas campanhas anteriores sempre encontrava um ou outro que tinha assistido. Neste ano, absolutamente ninguém! O mesmo se deu para os debates. Fora do meio político ou de familiares de algum candidato - ou com interesses outros... - a apatia foi generalizada. E aí mora uma dúvida, seria mesmo desinteresse ou havia muita gente na moita?
Fomos para as urnas com a impressão de que, em nível nacional, a decisão aconteceria ainda no primeiro turno. A diferença entre as pesquisas e a boca de urna consolidou a maioria silenciosa que entrou calada e saiu no mais absoluto silêncio, achando que precisa participar - nem que seja obrigada - mas com a sensação de inutilidade.
Para os comunicadores, a impressão é de que a aposta em meios tradicionais como o rádio e a televisão já não têm a abrangência propalada. A polarização entre duas candidaturas se deu pela desidratação das demais, reforçando o sentimento de que não houve a decisão por um candidato, mas a rejeição da proposta adversária.
Não importaram os latifúndios de exposição porque se consolidou a informação (e a desinformação) pelas redes sociais, que se prestaram para esclarecer ou sedimentar mentiras travestidas de verdades (fake news). Repetidas por pessoas "idôneas" difícultaram saber quem estava com a razão. Se é que há um lado com razão.
Posso estar enganado, mas se aproximam tempos bicudos. Não apenas até o segundo turmo, mas, especialmente, no pós-eleição. Os panos quentes tem servido mais para esconder estocadas naqueles que não são adversários mas inimigos. No meio de tudo, fica uma população em que aumenta o descrédito, especialmente vendo o resultado das urnas. No dia seguinte, embora no fundo do poço, a única receita é a da senhora cansada, mas que não abriu mão do seu voto: "força, não podemos desistir!"

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

"Quer um macaquinho?"

A Maria de Lurdes está usando o WhatsApp. Passada dos seus 85 anos, aceitou o desafio de ter no seu celular não apenas um telefone comum, mas mensagens instantâneas, acessando textos, áudios e vídeos que conhecidas enviam. Ainda está se acostumando, mas já sabe que ganhou em qualidade de vida.
A Sulanita me convidou para conversar com as "meninas" do seu grupo de informática sobre o uso do celular como instrumento de comunicação, aprendizado e entretenimento. Utilizando-se destes recursos, o mundo que se abre quando este instrumento é capaz de propiciar o acesso a filmes, músicas, livros...
O Miguel (sobrinho neto - 3 anos) ficou em Pelotas algumas semanas. Depois de ouvir de alguém, cada vez que chegava aqui em casa ia direto para a mãe, deitada num sofá, acariciava seu rosto e dizia: "café, bisa?" Voltando para Caxias, em conversas por teleconferência, seguidamente fica diante da idosa e repete a mesma frase!
Recentemente, a Daniele (mãe do Miguel) conversava conosco na área de circulação de sua casa, onde o menino corria de um lado para o outro (com a gente assistindo; "plateia", como diz a mãe dele). Depois de tanto chamar a atenção, minha sobrinha olhou para a câmara e perguntou: "vó, a senhora não quer um macaquinho?" Ele veio correndo, pegou a mão dela, voltou para ele e tascou: "não quer um macaquinho?"
O que estas histórias têm em comum? O quanto os recursos oferecidos podem colaborar para que as pessoas não se sintam tão só. Idosos que moram sozinhos encontram na junção de telefonia com informática instrumento para manter os vínculos com pessoas que amam. Através de mensagens, reencontrando o que gostaram no passado ou, até, numa criança que acende o olhar de uma idosa ao repetir a palavra "bisa", sempre sorrindo.
Há etapas a serem vencidas. Num primeiro momento: "não vou ser capaz". Numa segunda, o vício e o uso constante irritando a uns, mas dando alegria a outros. Por fim, o equilíbrio de saber que todos os recursos oferecidos ficam melhor quando a gente pode, em algum momento, desfrutar da presença das pessoas - em especial das crianças - dando ao vivo aquilo que elas têm de melhor: seu carinho e vitalidade!
A informática é meio - assim como vai ser utilizada nas eleições de domingo. No pleito, não há mudanças a curto prazo, mas pode despertar a atitude de cada um diante da vida pública. Em ambas, vale a máxima: tendo recursos e deixando de usar por covardia ou acomodação perde-se o direito de reclamar, com a sensação de que algo de bom poderia ter acontecido e a gente, simplesmente, deixou passar...
Créditos:
Texto e voz: Manoel Jesus
Música: Demis Roussos - Goodbye my love goodbye (Instrumental Cover)
Imagens: Internet

domingo, 16 de setembro de 2018

"Abre a boca, mãe!"

Cuidar de pessoas, especialmente as doentes e idosas, é um exercício diário de paciência e aprendizado. Confirma um dos institucionais da organização Médicos Sem Fronteiras: "podemos ser violentos, insensíveis, cruéis, egoístas, indiferentes, mas só quem pode salvar a vida de um ser humano é um outro ser humano".
Verdadade. Quem passou pela rotina de ajudar (e muitas vezes fazer) a higiene pessoal, trocar um curativo, assoar um nariz, levar o alimento à boca, sabe que é preciso não apenas pensar que a pessoa cuidada é alguém que fez parte das nossas histórias, mas que precisa continuar tendo um sentido para viver.
Atos mecânicos são o prenúncio da morte. Para que vivam é preciso que vejam razão e sabor nas coisas mais elementares: mantê-las informadas do que está acontecendo, do que se está fazendo e porque se está fazendo, assim como não se cansar de acariciá-las, beijá-las, sorrir e encontrar em traços cansados uma razão para não partir.
Um dos atos em que se estabelece a cumplicidade entre cuidador e a pessoa cuidada é o da alimentação e da ingestão de medicamentos. Muitas vezes atrapalhados por outras rotinas, é necessário relaxar, postergar compromissos e focar no atendimento: para que um alimento não seja alcançado ainda quente ou que uma medicação não fique parada num canto da boca. Dissolvida é um amargor só.
Vem, então, a clássica frase: "abre a boca, mãe!" A repetição de movimentos cansa o paciente e vai diminuindo a intensidade ou não engolindo o remédio. Não é uma reprimenda, mas um estímulo a consumir o alimento ou a medicação, sempre tão necessário, especialmente quando se alcançou o equilíbrio num tratamento.
O idoso vai ficando "gastinho", como me disse esta semana uma visita. Mas guarda na essência a capacidade de aceitar o carinho e a gratidão. Talvez não saiba, e embora não consiga a retribuição por tudo o que já fez, confirma a sentença de um post feito pela Ilda: "quando um homem planta uma árvore sob cuja sombra sabe que nunca haverá de sentar-se, começou, então, a entender o sentido da vida".
O imediatismo afasta as pessoas dos cuidados com doentes e idosos. São valores egocêntricos: o máximo de prazer no menor espaço de tempo. Nada impede de viver intensamente quando se cuida de quem já foi um ente querido. Ao contrário, compartilhar carências e deficiências é uma boa maneira de se aprender que o tempo passa e, um dia, também vamos desejar que alguém fique ao nosso lado... Nem que seja para, num momento de carinho, apenas dizer sorrindo: "abre a boca, mãe!"

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Deus não está morto...

Não assisti aos filmes "Deus não está morto" 1 e 2. Mas nada impede de ver a sequência, de número 3, com o complemento: "Uma luz na escuridão". As sinopses falam de um embate entre igreja e a comunidade. Mas, a disputa é entre administração da Universidade Estadual, que recebe a cedência de um terreno onde há uma igreja, e o pastor que pretende conservar o templo onde atua e também atuou seu pai.
O fundo - fé e religião - sãos desvendados com a evolução dos personagens e o embate entre quem laiciza todos os espaços e aqueles que acreditam ter o direito de se expressar, também com suas ideias cristãs. Um jovem revoltado com pessoas ditas religiosas provoca incêncio no templo, onde morre um pastor negro eletrocutado.
O pastor Dave pede ajuda ao irmão advogado porque é uma questão de honra manter a "propriedade" da Igreja. Mas há personagens que entram na história extamente para mostrar o quanto o acirramento pode fazer as pessoas perderem o foco: um jovem candidato a pastor discute com o advogado que acredita na "Justiça". Enfático, defende que antes da Justiça, há a Graça. E esta vem de Deus!
São estradas que podem ser percorridas paralelamente por muito tempo e por longa distância sem que se chegue a um denominador comum. Ao contrário, o acirramento dos ânimos, de ambos os lados, faz com que até o pastor se desvie dos valores cristãos. Um outro pregador mostra que é preciso pouco para dividir uma comunidade, mas somente um instante de graça para reencontrar o sentido de viver a fé!
E o seu reencontro com a fé acontece numa cena cheia de dignidade: o pedido do pastor Dave, em meio aos escombros de sua igreja, para que Deus diga o que deve fazer. O que era um amontoado de cinzas, caibros retorcidos, buracos no telhado vai se transformando no entorno de um corpo iluminado por um céu limpo e estrelado!
Ceder é a forma de retormar valores elementares. A Igreja é um lugar, mas Deus está em todos os lugares. Então, outra igreja pode ser construída. É preciso restaurar a fé dos jovens, perdoar o infortunado que começou o incêndio, dar provas de ser possível amar e tornar-se referência para uma comunidade desiludida com as religiões.
O filme mostra uma visão cristã (e porque não?). Para quem duvidou e reencontrou a fé, há um longo caminho. No amadurecer de uma relação, a necessidade do que é maior do que o humano e nem a ciência explica. Deus não está morto. Numa sociedade carente de valores, antes das religiões institucionalizadas, a fé é encontro pessoal, onde explicações lógicas não fazem sentido. Encontrar Deus é um mistério. O mistério do homem que, enfim, se aconchega aos braços do seu Criador!

domingo, 2 de setembro de 2018

Meu pai do coração...

Uma das maiores e mais carinhosas mensagens que recebi da minha sobrinha Vanessa dizia: "tu és meu pai do coração!" A expressão comumente é utilizada por quem adota uma criança ou um jovem que se transforma em "filho do coração", aquele que não nasceu apenas da carne, mas de um sentimento profundo de carinho e de afeto.
Estive na Escola de Formação do Movimento Familiar Cristão - MFC - com a pauta: "Fraternidade e a nova configuração das famílias". Rememorei o que a Igreja Católica pensa a respeito, especialmente, do que é a prática do ser família, a partir de um pensamento do padre Fábio de Mello: "família é o lugar onde aprendemos a amar."
No dia seguinte, o Globo Repórter fez uma matéria sobre irmãos. A parte que me chamou atenção contava um pouco da história de seis - entre 2 e 14 anos - retirados dos cuidados dos pais e entregues para adoção. Foram divididos em dois grupos de três, mas as famílias fizeram questão de que mantivessem os vínculos.
Interessante o fato de ser um menino de 14 anos a referência para os demais. Referi-me no MFC a esta figura como sendo o "agregador", quem, na família, é mais do que o pai ou irmão mais velho: tem a sensibilidade e a autoridade para congregar o grupo, dá sentido ao termo "família", para não ser apenas um ajuntamento de parentes.
As Igrejas cristãs se mostram acolhedoras e respeitosas com relação, por exemplo, à segunda união. Não somente porque este já é um fato, mas também porque a experiência mostrou que, se têm problemas, não é muito diferente de um matrimônio em crise. Nesta discussão poderíamos entrar por outros temas difíceis para os evangélicos mais tradicionais, como a constituição de grupos familiares gays...
A fragilidade da vida só é superada pelo valor da própria vida. Preconceitos travam o sentido do ser família: "lugar onde se aprende a amar", em que se tomam as primeiras lições de relacionamento afetivo, norteadores de comportamentos em todas as etapas seguintes. As preocupações com as formas convencionais de ser família podem ser superadas por ações simples: aprender a ser "avós, tios e irmãos de coração"!
São salutares as relações que fazem bem a crianças e jovens quando a falta de arrimo causa tanto mal para a construção da identidade. Os adultos e idosos também estão precisando ter "filhos e netos do coração". Em tempos em que a solidão se transformou no grande mal do século e há tanta carência de afeto - especialmente familiar - um bom alerta está nas palavras do papa Francisco: "ter um lugar para ir é lar. Ter alguém para amar é família. Ter os dois é uma bênção!"

sábado, 1 de setembro de 2018

Fraternidade e as novas configurações familiares

MFC - Escola de Formação - 30 de agosto de 2018
Manoel Jesus (face: Manoel Jesus - blog: manoeljesus.blogspot.com)

Fraternidade e as novas configurações familiares
Não foi bem aquilo que me pediram para fazer... Mas diante de tantas informações e contra-informações sobre a família, resolvi fazer uma espécie de recapitulação do que pensa a Igreja e, em especial, o papa Francisco a respeito deste tema. As "oito dicas..." foram tiradas do site soumamae.com.br.

Oito dicas para ter uma boa comunicação na família

A crise da família
"A família atravessa uma crise cultural profunda, como todas as comunidades e vínculos sociais. No caso da família, a fragilidade dos vínculos reveste-se de especial gravidade, porque se trata da célula básica da sociedade, o espaço onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer aos outros e onde os pais transmitem a fé aos seus filhos. O matrimônio tende a ser visto como mera forma de gratificação afetiva, que se pode constituir de qualquer maneira e modificar-se de acordo com a sensibilidade de cada um. Mas a contribuição indispensável do matrimônio à sociedade supera o nível da afetividade e o das necessidades ocasionais do casal". Papa Francisco.

Pontos-chave para uma boa comunicação na família

1.- Tolerância e a compreensão são o primeiro passo necessário para manter uma comunicação fluida. É necessário criar um espaço de confiança onde todos os membros da família possam desenvolver suas ideias e pensamentos sem medo de serem julgados pelos outros.
“Há três palavras mágicas: “Pedir licença" para não ser invasivo na vida do cônjuge. “Obrigado", agradecer o que o outro fez por mim, a beleza de dizer “obrigado". E a outra, “desculpa", que às vezes é mais difícil, mas é necessário dizê-la". Papa Francisco.

2.- Comunicação não-verbal é tão importante quanto a comunicação verbal. Às vezes, o importante não é o que se diz, mas como se diz. A comunicação verbal deve vir acompanhada por expressões corporais que ratifiquem o que está sendo expressado.
“A verdadeira alegria vem da harmonia profunda entre as pessoas, que todos experimentam no seu coração e que nos faz sentir a beleza de estar juntos, de apoiar-se mutuamente no caminho da vida". Papa Francisco.

3.- Evite críticas. Para que a confiança se desenvolva de forma adequada, é importante evitar as críticas. Especialmente aquelas que são destrutivas. Os conselhos sempre devem ser bem-vindos, mas é importante fazer isso a partir de uma perspectiva que acrescente e que não seja contraproducente para o destinatário.
“Quando nos preocupamos com as nossas famílias e as suas necessidades, quando entendemos os seus problemas e esperanças, (…) quando se apoia a família, os esforços repercutem-se não só em benefício da Igreja; ajudam também a sociedade inteira". Papa Francisco.

4.- Respeito. Ninguém é dono da razão, inclusive se pode aprender com os membros mais novos da família. Respeitar e se interessar pelas ideias dos outros fortalecerá a confiança e a união familiar. Comunicação: o segredo para um bom relacionamento.
“O segredo é que o amor é mais forte do que o momento em que se discute e, por isso, aconselho aos esposos: não acabem o dia em que discutiram sem fazer as pazes, sempre". Papa Francisco.

5.- Honestidade. Quando um dos membros da família admite ter cometido algum erro, além de repreender o fato em si, é importante parabenizá-lo por sua honestidade. É preciso coragem para admitir um erro, especialmente por parte das crianças. Os pais devem tomar as medidas adequadas a este respeito, mas é bom elogiar o fato de serem honestos.
“O matrimônio é uma longa viajem que dura toda a vida, e necessitam da ajuda de Jesus para caminhar juntos, com confiança, para se acolherem, um ao outro todos os dias, e perdoarem-se todos os dias; e isto é importante nas famílias, saberem perdoar-se. Porque todos nós temos defeitos. Todos!". Papa Francisco.

6.- Ouvir ativamente. Nos tempos de hoje, os telefones celulares e outros aparelhos eletrônicos geralmente dificultam a boa comunicação. Se você estiver no meio de uma conversa ou discussão, é importante deixar os telefones de lado. Ouvir ativamente significa prestar atenção e olhar nos olhos da pessoa que está falando.
“Se o amor é uma relação, constrói-se como uma casa. Não a queiram construir sobre a areia dos sentimentos que vão e vêem, mas sobre a rocha do amor verdadeiro, o amor que vem de Deus. A família nasce deste projeto de amor que quer crescer como se constrói uma casa: que seja lugar de afeto, de ajuda, de esperança". Papa Francisco.

7.- Transmitir informações importantes. Uma estratégia simples mas fundamental para melhorar a comunicação é transmitir informações importantes a todos os membros da família ao mesmo tempo. Para anúncios importantes como mudanças, viagens, doenças e outros, é essencial reunir toda a família e transmitir as novidades a todos.
“O verdadeiro vínculo é sempre com o Senhor. Todas as famílias têm necessidade de Deus: todas, todas! Necessidade da Sua ajuda, da Sua força, da Sua bênção, da Sua misericórdia, do Seu perdão. E requer-se simplicidade. Para rezar em família requer-se simplicidade! Quando a família reza unida o vínculo torna-se mais forte". Papa Francisco.

8.- Desenvolver interesse. Todos os membros da família têm algo valioso para contribuir. A partir do momento em que se aceita essa premissa, se consegue desenvolver o interesse pelas ideias e pelos pensamentos dos outros. Embora possa parecer pouco, é fundamental escutar atentamente. Não importa inclusive que o tenha contado várias vezes, já que, se for o caso, é evidente que tem importância para a pessoa envolvida.
“Entre todas as coisas aquilo que mais pesa é a falta de amor. Pesa não receber um sorriso, não ser recebido. Pesam certos silêncios. Por vezes, também em família, entre marido e mulher, entre pais e filhos, entre irmãos. Sem amor, o esforço torna-se mais pesado, intolerável". Papa Francisco

A importância de sonhar
"Não é possível uma família sem o sonho. Numa família, quando se perde a capacidade de sonhar, os filhos não crescem, o amor não cresce; a vida debilita-se e apaga-se. Por isso, recomendo-vos que à noite, ao fazer o exame de consciência, vos ponhais também esta pergunta: Hoje sonhei com o futuro dos meus filhos? Hoje sonhei com o amor do meu esposo, da minha esposa? Hoje sonhei com os meus pais, os meus avós que fizeram a vida avançar até mim? […] Não percais esta capacidade de sonhar. E, na vida dos cônjuges, quantas dificuldades se resolvem, se conservarmos um espaço para o sonho, se nos detivermos a pensar no cônjuge e sonharmos com a bondade, com as coisas boas que tem. Por isso, é muito importante recuperar o amor através do sonho de cada dia. Nunca deixeis de ser namorados!" Papa Francisco.

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Francisco me representa...

O papa Francisco esteve na Irlanda, no Encontro Mundial das Famílias. Num país de forte tradição católica, gastou boa parte do seu tempo num tema delicado: o abuso sexual de menores por parte de elementos do clero. A forma como tem enfrentado o problema acirrou o ânimo de quem deseja ver o circo pegar fogo. Ou seja: acham o papa lerdo num momento em que preferiam ver fogueiras queimando culpados.
Equilibrando-se sobre o fio de uma navalha, Francisco tem feito a Igreja avançar e ganha a simpatia daqueles que ficaram marginalizados na própria Igreja, mas também de quem está fora e procura uma referência para sua fé e religiosidade. Na maior parte das vezes, quem deseja, até, que o papa renuncie está mais preocupado porque perdeu espaço de poder, de dinheiro e de vaidade.
A Igreja Católica Apostólica Romana está em crise. Assim como as demais religiões cristãs tradicionais. Embora carreguem na História a responsabilidade por muitos ganhos nas causas sociais e de relações humanas, vêem ressaltados seus pecados, cometidos, sempre, por aqueles que se aproveitaram de seus espaços para aventuras em busca de poder, prestígio político, financeiro ou fazer carreira.
A religião é a mediação entre o homem e Deus. O homem oferece a sua fé e Deus, a sua graça. Ninguém é obrigado a aceitar uma religião. E as religiões não tem o poder normativo de definir o comportamento das pessoas. Elas argumentam e tentam convencer. As que fazem proselitismo (conversão à força) equivocam-se, porque, mais cedo ou mais tarde, perderão pretensos seguidores.
Na verdade, as religiões estão se depurando. A História vai mostrar que este é um tempo de tomada de decisão. E o baluarte da Igreja Católica se chama Francisco. Que instruiu: "a vida cristã não se limita à hora de rezar, mas requer um compromisso contínuo e corajoso que nasce da oração". Dentro de um tripé lógico: um homem de fé encontra o lugar para se energizar na religião, mas precisa ser presença no meio social.
A religião Católica cometeu erros. Ainda resta quem deseja fazer dos seus redutos espaços de influência política, econômica ou até para atender vaidades (inclusive intelectual). Mas o reconhecimento dos pecados cometidos é um avanço dos tempos em que praticamente tudo era encoberto. Porém, instituições conservadoras - como as igrejas tradicionais - andam devagar... mas andam!
Francisco me representa... Os tempos atuais pedem uma Igreja menos ritualista e mais solidária, retoma o jeito de ser dos primeiros cristãos, que viam na mensagem do jovem Galileu a proposta de uma sociedade de justiça e de paz. Menos gente, mas fortalecida por uma volta às origens vai perder muito de seus anéis, mas, ao partir do pão, ouvirá a voz Daquele que a desafiou: "não temam, Eu venci o Mundo!".

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Família: um lugar para sonhar

No dia 30 de agosto participo da Escola de formação do Movimento Familiar Cristão. Tenho pela frente uma série de atividades na esfera da reflexão de temas necessários à atuação de grupos. Especialmente dentro da Igreja Católica, mas também daqueles que desejam aprofundar a sua fé, religiosidade e inserção social.
A família pode ser o lugar de realização dos sonhos… ou onde se vive os mais difíceis pesadelos. Hoje, fala-se de diversos temas - educação, por exemplo - de tal forma desconectados da realidade que parece cortina de fumaça para que se joguem palavras ao vento, sem nenhum interesse real de que problemas sejam resolvidos.
A família é um deles. Este lugar privilegiado, onde se aprende, desde cedo, valores e referências; a vida empurra para o mundo, não prontos, mas capazes de enfrentar dificuldades; é mais forte o sentimento de que se é capaz de amar... e torna-se um porto seguro para se voltar na esperança de curar feridas e, ainda, ganhar um colo!
Infelizmente, seu tamanho diminuiu e restou um núcleo formado por pais e filhos. As novas formas de convívio não têm lugar para tios, primos e até avós... Sem que se tenha aprendido uma lição: afastar-se das pessoas idosas pode ter muitas explicações, mas nenhuma justifica; um ganho da individualidade, mas uma perda na afetividade!
O mês de agosto, para a Igreja Católica, lembra vocações. A família é o lugar onde, por primeiro, se inicia a formação dos quadros que vão atuar na sociedade. Os pais são, por excelência, os primeiros educadores. Pena que, muitas vezes, ou não saibam disto ou se omitem.
Todas as vezes que vi jovens bem encaminhados no processo educacional havia por trás pais que lhes deram e usufruiram muito amor e carinho. Sem abrir mão de que compartilhavam com os demais educadores - professores inclusive - o dever de estabelecer limites e disciplina. Amigos, mas não "cúmplices". Definiram seus papeis e deles não abriram mão por saber o que representavam para o futuro dos filhos.
As mudanças sociais partem do pressuposto de que se precisa reinventar a educação, com investimento na formação de professores, ambientes escolares, ampliação do atendimento individual e social. Insuficiente se não se pensar, também, na formação dos pais para que não percam de vista a sua missão. É na família que se aprende o que signficia colocar no horizonte a capacidade de dar sentido a uma vida, de nunca, em hipótese alguma, deixar morrer um sonho. Alguém já disse: "os sonhos são como castelos no ar... para os quais levamos a vida inteira tentando construir alicerces!"

sábado, 18 de agosto de 2018

Voto planejado

As pesquisas a fim de tirar a temperatura do voto do brasileiro para as eleições de outubro são, no mínimo, assustadoras. Faltando menos de dois meses para o primeiro turno, mais da metade dos entrevistados ainda não decidiu sequer se vai votar ou - não sei se é pior - votar em branco ou anular seu voto. O quadro demonstra uma indiferença preocupante e a falência do nosso sistema de formação de opinião.
Como os meios de comunicação não podem entrar em detalhes, muitas lideranças, apenas, apelam para generalidades: que é necessário conhecer o candidato, sua história, ficha - inclusive na polícia, projeto político ou se é apenas mais um vaidoso em busca de holofotes. Mas, na prática, como estas coisas podem ser "desenhadas" para aqueles que formam a maioria silenciosa?
Por exemplo: seu candidato já é deputado? Agora, próximo das eleições, fica mais em sua cidade ou região do que em Porto Alegre ou Brasília? Então, não o reeleja! Você não trabalha todas as semanas, todos os dias? Porque seu candidato pode se dar "folga" do trabalho (e existem muitos projetos necessitando ser votados e estão engavetados por falta de quórum)? Então, deixe que fique mesmo em casa!
Você votou em alguém para vereador e agora seu candidato quer uma vaga na assembléia ou câmara dos deputados? Não o eleja. Ele já tem um mandato e um compromisso. Que não quer cumprir com quem votou nele. Foi eleito para quatro anos, não para dois e depois querer galgar degraus do poder. Ou tem um projeto político pessoal e interesses para o futuro, ou do partido, fortalecendo bancadas e, assim, aumentando a aquisição de verbas. Em ambos os casos, traiu sua confiança!
Campanhas de conscientização tem que ter um olho no conjunto da sociedade e outro nas decisões pessoais de cada eleitor. Recentemente, num jantar, o pessoal queria discutir em quem votar. Salutar que se faça isto. Precisamos discutir eleições em todos os ambientes possíveis. Ainda vamos ter muita gente decidindo na última hora. E isto significa, na manhã em que atravessar a rua para chegar à urna.
Incentivar a discussão do voto é planejamento, aprontando a "cola" num cartão para não esquecer dos números. São tantos: deputado estadual, federal, senador, governador, presidente... Ufa... cansa só em pensar! O mais fácil é anotar e não ter vergonha de demorar o tempo necessário para exercer o seu direito... e o seu dever! Afinal, em última instância, a responsabilidade é do eleitor, pois não é a "política que faz o candidato virar ladrão. É o seu voto que faz o ladrão virar político!"

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Como a casa dos avós...

Conheci seu Albino depois de uma formatura. Acompanhou a família que celebrava o término do curso pelo neto. Muita gente saia do auditório. Ficamos para trás e se identificou. Depois foi como se o encerramento daquele ciclo transbordasse tudo o que tinham passado. Sabia que o neto não era dos mais brilhantes mas, em alguns momentos, o que passou ajudou a que piorasse a sua autoestima.
Minha lembrança veio a partir do programa exibido no Globo Repórter sobre este tema. Dois depoimentos em especial: mulher negra rejeitada e perseguida desde criança e outra tem na mãe um dedo sobre a ferida de estar acima do peso - e bem acima - e sofre com a chacota que a sociedade faz com as pessoas obesas.
Voltando ao seu Albino. O neto entrou para o ensino superior com muitas deficiências. Vinha do ensino médio sempre acompanhado e "policiado" pelos pais. Achou que já era crescido o suficiente para não precisar mais da tutela. Seus companheiros, mais do que a faculdade, foram os mentores desta nova etapa. Foi iniciado no uso da maconha e, depois... das drogas mais pesadas.
O pai conversou do jeito que achou correto: o filho precisava de "pulso firme". Não deu certo, quebraram os pratos. Quando encontrou o avô, se defendeu atacando: "o senhor também vai me atirar uma pedra?" Não, não queria atirar pedras, apenas dar um abraço no neto, brincar com ele, dizer que sabia que não estava tudo bem, mas que não deixaria de estar ao seu lado. Não entendia plenamente o significado de certas palavras, mas sabia que a autoestima dele chegara perto do zero!
Boa parte dos amigos se afastou do rapaz. A dependência química, para alguns, é doença contagiosa! O neto não queria ajuda: "quando eu quiser, eu paro." Fez seu curso aos altos e baixos. Anos mais tarde me procurou pedindo recomendação para mestrado. Perguntei por seu Albino. Havia morrido. voltei à carga: "tudo bem?" Silêncio: não, ainda não estava bem. Sabia que o avô tinha conversado comigo. No final do curso tentou parar. Não conseguiu. Apelou para uma clínica de reabilitação.
No programa de televisão, uma das atividades atendia filhos de trabalhadores de um condomínio. Um deles disse: "aqui é como a casa da vó..." Porque? Resposta cheia de ternura: "a gente chega e se sente bem!" O neto encontrou refúgio que precisava: longas conversas e, muitas vezes, ficava na casa dos avós, enroscado ao pé do fogão à lenha para curar suas feridas. A avó bordava, o avô no balanço da cadeira e os muitos invernos passando por suas almas. Na esperança de que não demorasse muito para que voltasse a brotar a Primavera!

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O fundo do poço

O repórter fazia a entrevista e mostrou-se decepcionado quando o médico que trabalhava com a recuperação de jovens dependentes químicos afirmou que cerca de dez por cento dos que usam drogas são plenamente recuperados: “tão poucos!?” E da serenidade de quem aprende lições com a vida vivendo cada dia, recebeu a resposta: “Valeria a pena se apenas um deles pudesse nos dizer que estava há um longo tempo limpo”.
Pois tive esta mesma impressão quando, recentemente, um pai me contou o quanto haviam precisado de cada reserva de suas energias para fazer com que, ao longo de dois penosos anos, vencessem a dependência do filho. Tudo iniciou quando o jovem começou a ter medo de perder o emprego, pois não se julgava preparado para enfrentar os novos desafios que se apresentavam. Depois, foi a vez de se julgar inseguro também na escola; tinha medo de que, sem uma preparação adequada, também não pudesse enfrentar o seu grande desafio: o vestibular. E a saga ficou completa quando recebeu a notícia de que a namorada estava grávida.
A partir dali, tudo desandou. Do álcool passou às drogas leves e destas àquelas mais pesadas. O fundo do poço acabou sendo numa ocasião em que, completamente chapado, conseguiu passar uma mensagem por celular dizendo que estava numa praia e que não tinha condições de retornar para casa. Descreveu-me como “um olhar vazio, num corpo já quase sem vida”. Levaram-no para casa, com muito carinho, sem falar absolutamente nada do problema. E procuraram ajuda. Foram instruídos a tentar ajudá-lo a enfrentar seus traumas, revertendo cada um de seus medos. Sempre com mais ação e menos conselhos, com testemunhos de que, em qualquer circunstância, eles estariam ao seu lado.
Foi o que aconteceu: o jovem, amparado pelos pais, irmãos e amigos, procurou a desintoxicação e depois orientação. Mas, em qualquer etapa, mesmo as mais difíceis, aprendeu que, em momento algum, estava sozinho, e que nunca havia sido sufocado. Creio que foi exatamente o que aconteceu com estes dez por cento que entraram em recuperação: mais do que técnicas, tiveram o amparo, o carinho e o ombro amigo de quem nunca os quis abandonar, nem deixá-los à mercê de seus medos.
Fiquei emocionado ao saber tudo por que tinham passado. Perguntei, então, de onde tiraram tanta força para tornarem o filho um vitorioso e recebi um sorriso: “faria isto quantas vezes fosse necessário. Ele é meu filho!”. Nem precisaria ter feito a pergunta. A causa era bem maior do que o problema.

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Vamos falar em eleições...

A Ordem dos Advogados do Brasil lançou campanha pela conscientização do voto. Em 2014, já havia trabalhado este tema, juntamente com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, alertando: "voto não tem preço, tem consequência". O voto cidadão é dever/direito de todo brasileiro que estiver habilitado e consciente do que seja viver num sistema representativo.
Uma explicação dada pelos organizadores é a de que, em casa, quando a família faz o seu orçamento - em tempos bicudos, muitas vezes a receita é insuficiente para todas as despesas - é comum designar um membro como administrador, aquele que vai fazer os gastos caberem no somatório da renda familiar.
O voto é parecido: dá-se a uma pessoa a gerência dos recursos (executivo) - mas, de olhos bem abertos - a outra (legislativo) fiscalizar para que cada centavo seja gasto no que é de interesse de todos. Quando não funciona é comum o votante se eximir acusando quem o incentivou a votar, porque "esta gente não tem jeito mesmo!"
O sistema funciona mal quando a população se acomoda e o que se vê são guerras de belezas e figuras sombrias aproveitando-se para ganhar indevidamente e promover a corrupção. A corrupção existe em qualquer país, a diferença é se manter sob controle quando o cidadão fiscaliza e faz valer o ditado: é o olho do dono que "engorda o boi"!
Vamos falar em eleições... Nos mais diversos ambientes, repetidamente! Recentemente, um grande número de pessoas deixou de encaminhar crianças para a vacinação, voltando doenças já extirpadas. Esqueceram e baixaram a guarda. É uma questão de educação: não bastam campanhas de ocasião, mas que formadores repitam frequentemente o quê fazer e porquê fazer de novo... E se for preciso, outra vez!
Meu pai, o seu Manoel, votou até as últimas eleições antes da sua morte. Tivemos dificuldades de levá-lo até a urna, mas ele fazia questão. Já estava com mais de 80 anos e sabia, por experiência, que era a sua "atitude" que fazia a diferença. O voto é uma atitude individual, pessoal, uma decisão que se aprimora com a observação, a informação e a formação. Um direito e - com certeza - um dever.
Fazer brincadeira com o voto, votar em branco, deixar de votar é "jogar pérolas aos porcos". Voto é poder que não sendo utilizado pelo próprio cidadão vai ser utilizado por outros... Do jeito que lhes for mais conveniente... Platão já fazia um alerta para quem abre mão do direito ao voto: “não há nada de errado com quem não gosta de política, simplesmente será governado por quem gosta!”

domingo, 22 de julho de 2018

Vamos falar em política…

Inicio da década de 80. Para entrar em casa, passava pelo boteco que meu pai mantinha na Vila Silveira. Final de tarde era o horário do pessoal que voltava das fábricas, construção civil, biscateiros tomar alguns aperitivos antes do jantar. Ao voltar do trabalho, de alguma reunião ou mobilização da comunidade fazia uma parada para conversar com o seu Bernardo, seu Borges, seu Delponte…
Numa ocasião em que participei de um evento sobre transporte coletivo, me esperavam e a pauta era a mesma: o que podiam fazer? Não usavam o ônibus - a maioria andava de bicicleta - mas tinham filhos, esposas e vizinhos sendo prejudicados. Em outra ocasião, por diversas vezes reclamaram da iluminação pública: muitos jovens frequentavam o ensino noturno, voltando para casa já tarde.
Não foram atendidos. Mobilizaram-se em torno de uma oficina, conseguiram latões que pregaram nos postes e óleo para acender, fazendo vigia para cuidar de seus filhos e dos filhos de amigos. Em seguida, as luminárias queimadas foram repostas... Foi a maior lição de ação politica que testemunhei. Sem ter noção de preceitos teóricos, faziam o elementar: o cuidado pelo bem comum!
Matéria veiculada por televisão, no Globo Repórter, mostrou o Pantanal da Argentina. Uma imensidão da Natureza abençoada por Deus! E degradada pelo homem... Passados 50 anos, muitas espécies foram extintas. Recuperar a área passou a ser uma necessidade com a colaboração da comunidade internacional. Mas com a desconfiança dos moradores. Foram necessárias ações educadoras, especialmente com as crianças, para tomarem consciência e conscientizar pais e vizinhos.
Todas acabam sendo ações de cidadania que se expressam nas ações políticas, melhorando o dia a dia na vizinhança, bairro, condomínio..., mas também da expressão maior que é a política partidária, onde pessoas e grupos se organizam para melhorar a máquina pública que deve se responsabilizar pelo ensino, saúde, segurança, assim como ações de preservação ambiental.
Vamos falar em política… nas igrejas, sindicatos, botecos, praças públicas. Na democracia, é necessário primeiro que cada um conheça seus deveres. O mais elementar, a responsabilidade sobre quem precisa ser cuidado - idosos, menores, especiais, pessoas em situação de risco. Só então reivindicar direitos. A relativização das leis e o seu descumprimento mancham a política. Recuperar o sentido social é um longo caminho... difícil, muito difícil, mas que não pode ser considerado impossível!

domingo, 15 de julho de 2018

Vamos falar de cidadania...

Uma conhecida precisou atender o filho de uma amiga que havia se acidentado de moto. A primeira visita foi apavorante. O rapaz sequelado, em condições de higiene precárias, com escaras, sem cuidado com os equipamentos e a família acreditando que o importante era que comesse bem, porque o que ele precisava era "ficar forte!"
Amigo disse que o filho ficou pior que guarda de trânsito. Toda a vez que estavam na rua, o menino era um "gps" no banco traseiro: "pai, o sinal vai fechar". "Pai, não joga papel na rua". "Pai, não coloca o braço na janela"... A esposa contou que profissionais passaram pela escola e fizeram palestra simulando acertos e erros no trânsito.
Por definição, "cidadania" é a "condição de pessoa que, como membro de um Estado, se acha no gozo de direitos que lhe permitem participar da vida política". Pensei numa forma mais simples de dizer o mesmo. Veio do comandante que dirigiu o trabalho de resgate dos meninos e treinador na Tailândia: "desejo que sejam pessoas do bem!"
Simples e elementar: cidadania nasce com a pessoa, pois todos passamos a integrar um Estado. No nosso caso, "cidadãos brasileiros", condição que se aperfeiçoa todos os dias. Exatamente o desejo do militar: para desempenhar o que a sociedade espera de seus membros é necessário que cada um se torne uma pessoa do bem!
Vamos falar em cidadania... Assunto que deve ser abordado por pastores, reverendos, padres, sindicalistas, educadores e, até, políticos! Não forjamos cidadãos a partir do nada ou compramos o direito de ser cidadão. O menino que se transformou em fiscal do pai está exercendo cidadania, porque aprendendo da forma correta e exigindo daqueles com os quais convive que também façam o mesmo.
O outro caso é um problema de educação, ou melhor, da falta dela. Uma família que não teve chance de formar princípios e obter informações elementares de cuidados vai pagar, possivelmente, com uma vida. Não iniciou em casa o aprendizado e não aceitou da escola o que as crianças, de alguma forma, sempre trazem. Perdeu a cidadania...
Exercer esta condição é a concretização por excelência da arte de fazer política. Infelizmente a forma como é tratada e, em muitos casos, o deboche para com os seus valores levou a que boa parte da população não se interesse. E pessoas indiferentes são presas fáceis de extremismos de qualquer coloração ideológica.
Cidadania começa por educação, autoestima: aprendo e torno melhor minha vida e daqueles com os quais convivo. Pequenos cidadãos são semente das mudanças que precisamos! Aprendem direitos e deveres e alimentam a esperança de uma sociedade melhor, mais justa, "do bem". Desde que os adultos não atrapalhem pelo caminho...

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Criança tem cada uma!

Uma editora do centro do País publicava, a cada final de ano, uma obra chamada “Criança tem cada uma”. No primeiro semestre, especialmente pais e parentes reuniam histórias em que o personagem principal era uma criança, enviavam e aguardavam pela seleção que rendia, além de um dos livros mais vendidos, gostosas gargalhadas. Tenho falado da minha vontade de realizar projeto parecido, pois somente na minha família já teria algumas dezenas a serem enviadas. Claro que não basta a história ser engraçada, precisa ter um toque especial que apenas a criança sabe dar.
Meu sobrinho, Renan, ficou conhecido ao protagonizar algumas, criando bordões repetidos em família até hoje, como: “além de pobre, é surdo” ou “tu não sabes nem cuidar de uma criança!” No primeiro caso era a mania que tinha, ainda pequeno, de entrar na conversa dos adultos e querer vez e voz. Quando não era “respeitado”, registrava seu protesto dizendo que as pessoas “além de pobres, eram surdas”. Não bastava apenas uma desgraça, eram duas.
A segunda história se passou quando ele esperava pelo café, ajoelhado numa cadeira e balançando para frente e para trás. Avisado de que corria perigo, nem se importou. Meu pai foi para a cozinha e, em seguida, ouviu o barulho de cadeira indo ao chão. Voltou e viu o pequeno já se levantando sem problemas. Seu pecado foi ter rido da situação. Entre o chão e a cadeira, o pequeno sentenciou: “tu não sabes nem cuidar de uma criança!”
Mas as gerações se sucedem e se modernizam. Agora é a vez do Murilo, sobrinho-neto, de seis anos. Dia destes, em plena Missa, enquanto sentávamos e levantávamos nos momentos oportunos, ele sussurrou bem sério para a tia: “o que me cansa nestas Missas é este senta-levanta!”. Na mesma ocasião, ao anunciarem um cântico, olhou para mim e tascou: “qual é mesmo o canal?”
Estas são algumas das histórias que conto e despertam nas pessoas a vontade de narrar as suas, pois a sagacidade vem junto com a presença de espírito de pequenos que desejam ocupar um espaço na vida. Na simplicidade, dão lições que não esperamos ouvir. Infelizmente, as crianças de hoje já não são as mesmas e se envolvem com as mazelas da vida cada vez mais cedo. Suas tiradas já não merecem a devida atenção, pois queremos - em muitos casos, pela miséria e a guerra, por exemplo – que sejam miniaturas de adultos. Não o são e merecem respeito em cada etapa, com suas características, especialmente, o encantamento.

domingo, 8 de julho de 2018

Passou a Copa, tem eleições no meio do caminho...

Minha torcida nesta Taça da FIFA apenas confirmou o que já disse um dia o Jorge Malhão: "o Manoel não entende nada de futebol". Afinal, torci um pouco pela Seleção que representava o Brasil e deu no que deu... Minha segunda opção era o Uruguai, que deu com os burros na água e voltou mais cedo para casa!
Não tive paciência para assistir a nenhum jogo na integra. Até porque, vendo a relação dos salários dos jogadores brasileiros que variavam entre meio milhão e 12 milhões de reais esperava mais destes atores de um dos espetáculos mais bem pagos do mundo do entretenimento. Não tenho muita paciência para choros e lamentações de quem não corresponde àquilo que recebeu como investimento.
Mas tive, sim, que admirar o quanto os estrategistas desta área conseguiram movimentar para que os meios de comunicação fossem atendidos e confundissem o que deveria ser apenas um bom e saudável passatempo em exercício de cidadania. Guardando ranços de um tempo que se deseja esquecer alguns apelaram para a pátria da bola e identidade nacionalista, fazendo com que muitos confundissem o foco.
Declarações politicamente corretas e outras carregadas de interesses pessoais e econômicos. Uma "fake news" (notícia falsa) vinda do treinador do Uruguai propiciava uma das mais sensatas ao aproveitar a exposição da mídia para pedir mais investimentos em educação. Sabendo que os níveis daquele vizinho país já são dos melhores da América, fica a sensação de que, se não disse, deveria ter dito.
De outro lado, um narrador de rede nacional de televisão pediu mais investimentos públicos no futebol como forma de melhorar o desempenho. Ora, em que mundo vive este cidadão sem noção! A solução dos problemas do país não se encontra em propiciar que o futebol se desenvolva - ele já é um grande negócio - e se tem alguém que deveria investir são aqueles mesmos que depois vão ganhar com seus resultados!
Nossas dificuldades iniciam pela educação de base. Quando se pede reformulação e mais investimentos se pensa no seu início, as séries básicas, com estrutura adequada, professores devidamente preparados e bem pagos para exercer uma das missões mais sublimes do processo de aprendizagem: auxiliar no início da vida cidadã!
Ainda falta o elementar: temos adultos que não frequentaram a escola, jovens desmotivados e crianças que saem para trabalhar. O que se oferece é insuficiente. No intervalo entre uma e outra copa teremos duas eleições. Um bom momento para se começar a fazer o dever de casa: repensar o sistema político, a máquina administrativa e, quem sabe, ter a humildade de aprender um novo jeito de viver a cidadania!

domingo, 1 de julho de 2018

A Floricultura da Vânia

A Vânia trabalhou conosco durante um ano. Chegou no dia 1º de junho de 2017 e, no dia 12 de junho deste ano, ainda esteve conosco pela manhã. À tarde, um ataque fulminante do coração a levou. Cuidava da casa e, em especial, da mãe, dona França, com quem disse que aprendeu a lidar, dizendo ter sido uma escola pois não a infantilizava e tudo o que a idosa de 93 anos precisava era feito de comum acordo.
Era noite de Inverno quando o Reinaldo e a Clésia trouxeram a senhora que, segundo eles, preenchia os requisitos de ser alguém de meia idade e com espírito religioso. Não me importava o seu credo, mas que tivesse princípios ligados a uma fé e que não tentasse fazer "conversões". Depois, reconheci ao casal que havia sido uma bênção: os cuidados com a casa, a mãe e o pátio ajudaram a transformar a moradia em um lar.
Com a família fui saber que o problema com a coluna que a levara a diminuir a atividade era uma desculpa. Na verdade já sabia que não poderia trabalhar, o coração não permitia. Mas não queria nos deixar. Até o fim, queria continuar fazendo alguma coisa, estando presente em nossas vidas como um anjo designado por Deus.
Fui conhecendo sua história e sua vida na Igreja Quadrangular. Atenta, comentava o que ouvia nos cultos, nas pregações, nas ceias. Também queria aprender para motivar as senhoras do seu grupo. E mantinha um espírito de oração com um cantinho da casa reservado para momentos especiais, onde alimentava a sua ação.
Brincava que um dia ainda chegaria em casa e encontraria uma placa: "Floricultura da Vânia". Que pena, não chegou a este ponto... O primeiro texto que escrevi que dizia "vai fazer falta" foi da Vera, esposa do Chico. Acho que estou ficando acostumado a usar esta expressão. Não que ela me deixe triste, ao contrário, tem sido sempre para pessoas especiais que deixaram marcas em suas famílias, nas comunidades e em nós.
São Pedro vai ter problemas nos céus. Naqueles lugares por onde as pessoas passavam e sempre viam as mesmas coisas, aparecem flores, verdes, um pouco da natureza mostrando o quanto tem de especial. Pelos dedos de quem trata com carinho de uma alameda, um passeio, um pátio, escorre uma fé profunda e um sentido místico.
Olho para o céu e sei que um dia verei uma trepadeira abrindo caminho por entre as nuvens. Deve ter o dedo da Vânia. Acolhida, encontrou o seu lugar: uma estrela que nunca quis brilhar sozinha, mas enche o Céu de vida e de cores. A Vânia vai fazer falta... Infelizmente, as "Vânias" já não estão na moda. Mas sem elas, com certeza, os pátios são mais tristes, os jardins mais sem graça e até o galho de flor roubado em meio ao caminho perde o seu sentido...

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Adrenalina no coração

O Cristão, Católico, que olha o Mundo tem a clara impressão de que este não é o Mundo sonhado por Jesus Cristo. A Igreja tem procurado ser uma luz a iluminar caminhos para que as relações entre as pessoas e os povos melhorem, mas os resultados podem ser considerados, no máximo, tímidos. As estruturas estão ficando engessadas e embora se vislumbre mudanças, são insignificantes.

Embora o Brasil também enfrente a crise – veja-se o número de empregos que foram devorados recentemente – a máquina pública mostra superávits que beneficiam segmentos já claramente satisfeitos, mas que não são capazes de fazer mudanças, atendendo a um mínimo do que a Doutrina Social da Igreja prega.

E se não bastassem os problemas sociais que, em muitos momentos, amarram nossa capacidade de atuação, pois precisamos de ações assistenciais para garantir, ao menos, a sobrevivência das pessoas, surgem problemas que são frutos de um tempo em que as pessoas estão deixando de lado valores como a preservação da vida e da solidariedade. A construção de “mundos particulares” capazes de “preencher” nossos vazios, também leva à sensação de falta de sentido: os prazeres são efêmeros, incapazes de dar sentido à existência.

Neste vazio estão inseridas as drogas que hoje assolam praticamente todas as classes sociais, indiferentes à idade, posição ou formação. E se acreditamos que, por sermos católicos, estamos a salvo, é bom ficar alerta, pois não estamos. Mais do que nunca, aqui, existem pessoas bancando o avestruz: enterram a cabeça porque acham que as crianças ou jovens estão apenas “passando por uma fase” e são capazes de superá-la. Não é assim: o número de dependentes químicos recuperados é pequeno, ainda, e o melhor remédio é a prevenção.

Os sintomas são por demais conhecidos, mas vale a pena recordar: mudanças de hábitos, de humores, de comportamento físico, de relacionamentos, sinalizam que seu filho está precisando de mais atenção. Com certeza, este não é momento para “lições”, mas para cumplicidade: a cumplicidade que envolve com amor um jovem que sente seu mundo ser devorado pela dúvida. Depois, é preciso pedir ajuda.

Fico triste quando alguns pais dizem que “vamos resolver isto dentro da família”. Não vão. É algo mais forte e que pode criar mais problemas ainda em família. Assim como, em alguns casos, se diz que “fogo se combate com fogo”, aqui também: uma boa orientação, clarear perspectivas e aplicar adrenalina pura no coração de quem sabe que a droga mata, mas que precisa, urgentemente, ver sentido na própria vida.

domingo, 17 de junho de 2018

Perdidos no espaço

Um dos seriados marcantes da minha infância e adolescência foi Perdidos no Espaço. Seus personagens em destaque eram o menino Will Robinson, doutor Smith e o Robô. Apenas que na década de 60 era o doutor, hoje doutora; e o robô é um alienígena inimigo, até que se descubra que tentava recuperar algo roubado pelos humanos.
Da inocência do seriado em que Will queria brincar, o robô em advertir para situações de dificuldade com o clássico: "perigo, perigo..." e doutor Smith era o atrapalhado dando um jeitinho para se sair bem em qualquer situação, de preferência que não precisasse trabalhar, sendo dedurado pelo robô a quem chamava de "lata velha"...
A série atual perdeu a inocência. As relações são complexas, tanto as familiares quanto as sociais que se estabelecem quando precisam criar um núcleo, num planeta perdido, por sobrevivência. Há disputa pelo poder e recursos que podem fazer com que saiam do planeta e reencontrem seu caminho em direção à colônia idealizada.
Dos dez episódios, nota-se a preocupação em lidar com o universo dos sentimentos, no caso da doutora Smith e do robô alienígena com a presença do mal. A primeira não quer apenas se dar bem. Sabe que se sair dali será julgada e condenada. Usa, então, de todas as formas, para prender os demais num planeta próximo a explodir.
Já o robô, que se pensava instrumento do mal, é, na verdade, uma vítima. Se transforma conforme as pessoas que o cuidam. Num primeiro momento é aliado de Will, que sofre pensando que foi ele o causador da queda e então tem que o destruir. Mas recuperado pela doutora Smith que o manipula para subjugar os demais.
Mais existencialista do que na primeira versão, coloca em debate elementos necessários. Seguidamente, em meios religiosos, a conversa gira em torno do bem e do mal, céu e inferno, Deus e o Diabo. Para pessoas de fé, elementos que são parte do credo religioso. Para quem defende a ciência são, ao menos, duvidosos.
Perdidos no Espaço é uma parábola. As difíceis relações de família são superadas com a certeza de que um sacrifício vale a pena para ver alguém próximo feliz. Mas... que vindo dos recônditos da mente humana, há quem deseje ocupar lugar que não é seu, apoderar-se de algo que não lhe pertence, sonhar um sonho a que não tem direito...
Conquistar um carinho, um lugar, um bem fazem parte do amadurecimento. Garimpá-los exige esforço, colaboração e mostrar atitude própria. Erros são o alerta para vencer riscos e que a realização é um sonho coletivo que dá o direito a viver e ser feliz. Agir de outra forma é a certeza de permanecer, para sempre, perdidos no espaço!

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Vivendo com a diferença

A fila era especial para atendimento a idosos, pessoas com algum tipo de doença e deficientes. No entanto, a atendente, parecendo de mau humor, resolveu demonstrar seu estado de espírito. Teve um prato cheio: uma moça, bem vestida, bem maquiada, postou-se em atitude de espera. Não precisou muito tempo para ser advertida em voz alta: “a fila é para idosos, doentes ou deficientes!” Sem graça, mas com firmeza, a moça olhou de forma triste para o início da fila e perguntou: “preciso levantar a blusa e lhe mostrar a bolsa de colostomia, para provar minha deficiência?”

Infelizmente, não sabemos conviver com o diferente. Uma pessoa que utiliza uma bolsa de colostomia – para recolhimento de dejetos do próprio organismo – já está fragilizada e merece um apoio especial, não precisando ter, no corpo ou no rosto, marcas que identifiquem suas carências. No entanto, partindo do princípio de que “todos são culpados até que provem que são inocentes” (invertemos a máxima jurídica!), encontramos sádicos que se divertem com o sofrimento alheio e já não lhes basta identificá-los, é preciso expor suas mazelas!

E não para aí: jovens e adultos ocupam vagas de estacionamento dedicadas a deficientes, descendo livres, lépidos e faceiros de seus carros, privando quem efetivamente necessita, enquanto há vagas mais distantes; menosprezo por idosos com dificuldades de locomoção, colocando-os em situação de risco, quando o simples oferecimento de um braço amigo pode prevenir uma queda ou algum transtorno; valorizar a atuação de uma criança, jovem ou adulto que possui alguma excepcionalidade, mas capazes de tantas atividades profissionais e sociais, para as quais são preparados, e a capacidade impar de pedir e de dar carinho!

Aprender a viver com o diferente é aprender a confiar, pois a confiança nos faz capazes de superar dúvidas e receios e alimentar nossas almas com atitudes de gentileza. Gestos que incluem o dar a vez numa fila, quando necessário; caminhar um pouco mais num estacionamento para manter as vagas especiais para quem delas precisa; estender o braço numa oferta generosa e desprendida; receber um olhar que não pede nada a não ser uma expressão de carinho e amor.

Mudar o foco para o outro é o jeito de perceber o quanto as coisas que pensamos serem nossas dificuldades são pequenas. Estas podem ser superadas com o tempo, mas o outro problema – a carência de espírito – infelizmente, não, porque atrofia a sensibilidade e torna a alma incapaz de superar os seus próprios limites.

domingo, 10 de junho de 2018

Deitado eternamente...

Ano de 1970, em pleno regime militar. No Seminário, era o tempo da inocência. Alguns começavam a se antenar para os problemas que a ditadura propiciava, mas até isto parecia não nos atingir. Vivíamos o auge da Música Popular Brasileira, o Rock invadindo as emissoras de rádio e, com grande parte das lideranças amordaçadas, éramos convencidos de que a Copa  do Mundo era a "pátria de chuteiras".
Hoje é fácil identificar aquilo que os militares - e seus apoiadores, em todos os setores - fizeram para convencer que os opositores eram o mal, não querendo ver o desenvolvimento. A máxima era: "Brasil, ame-o ou deixe-o!" Com a omissão e silêncio das instituições, alguns pereceram, desapareceram ou foram silenciados...
Completava 15 anos quando  ganhei meu primeiro rádio de pilha. Iria acompanhar os jogos com a euforia que contaminava a maioria da população. De lá para cá, pouca coisa mudou. A não ser... Que se olhe com mais atenção para os preparativos, a vontade como certos meios de comunicação tentam vender a ideia de que praticamente toda a população está na torcida pela seleção, na Rússia.
Pela incompetência com que se comporta o atual governo - veja-se a forma como tratou a greve dos caminhoneiros, ainda com sequelas que não sabe resolver - não creio que haja alguma cabeça pensante capaz de, nos próximos dias, motivar a população a ir para as ruas, vestir camisetas e discutir o futebol internacional.
As pessoas com as quais converso vão acompanhar os jogos por diversão. Colocam o futebol no seu lugar: entretenimento. Os jogadores são atores de um espetáculo que a mídia transformou em mina de dinheiro e vende os segundos de comercialização a peso de ouro. os atletas são tratados e remunerados da mesma forma, juram que ainda são povo, pois a grande maioria veio das classes menos favorecidas...
Estas classes amargam uma recessão e inflação que os órgãos do governo maquiam, fazem leis que favorecem categorias e que a população, em última instância, paga a conta. E começa, sorrateiramente, a retirar subsídios de elementos fundamentais - como farmácia, por exemplo - tornando difícil a vida de doentes e aposentados.
Campanhas motivando a troca de televisores levou apenas incautos às lojas. Não é hora de fazer contas novas, mas pagar as velhas. Assistir aos jogos sabendo que há vida depois da Copa. Desembarca numa eleição e precisa sair do torpor e assumir o protagonismo para não ser sempre a "nação do futuro", Esquecer o pensamento de que para tudo pode dar um jeitinho e  está "deitado eternamente em berço esplêndido"!

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Dez coisas que aprendi com os meus 60 anos...




Quando completei aniversário, em junho, compartilhei pelas redes sociais uma reflexão a respeito das "dez coisas que aprendi com os meus 60 anos". Foi o suficiente para que grupos como "Voltando à Sala de Aula", da Universidade Católica de Pelotas; Rotary Club Pelotas Centenário, Cursilho de Cristandade e o pessoal do Centro de Extensão em Atenção à Terceira Idade - CETRES, também da UCPel, me convidasse para conversar a respeito. Transformei em texto compartilhado por jornais, mas que também acredito ser interessante dar à atenção dos leitores do Jornal da Catedral.

Eis aqui o meu aprendizado:

- Distinga: sua fé é uma questão pessoal. Sua religião é uma prática coletiva. Em princípio, todas as religiões são boas. O problema está nos homens e mulheres que se tornam “donos de suas verdades”.

- Guarde um tempo para “tomar um chimarrão com Deus”. Preserve seus espaços de sanidade mental. Guarde seus momentos de silêncio. Mesmo quando tudo parece tumulto à sua volta, sua paz interior ninguém pode roubar.

- A sua felicidade não depende dos outros. Eles podem ajudar a aplainar caminhos, mas não podem caminhar por você.

- Abra seu coração apenas para quem o souber conquistar. Amigos de oportunidade podem compartilhar momentos, mas não devem penetrar no templo sagrado do seu coração.

- Enquanto puder, cuide de si mesmo. Também ajude a cuidar dos mais próximos. Mas se prepare: um dia você vai precisar de alguém que o cuide. Então, cada vez que visitar um doente, atente para aquele que está sendo cuidado, mas também para o seu cuidador.

- Todos temos virtudes e defeitos. Não idolatre para não se decepcionar. Mas também não despreze quem pode lhe auxiliar um dia.

- As pessoas não mudam porque envelhecem. Com o passar do tempo, amadurecidas, a maior parte aprende a controlar seus impulsos.

- Manter-se sempre ereto tem duas vantagens: faz bem para a coluna e para a sua autoestima.

- Possivelmente, a vida não vai lhe dar grandes aventuras. Saboreie os pequenos instantes felizes. São estes que o alimentam quando você enfrenta os seus problemas.

- As novas tecnologias dão oportunidade para preencher o seu tempo. Mas, tudo isto um dia cansa. Selecione o que alimenta seu espírito. Leia um livro, ouça música, assista filmes. Não importa o que os outros pensam dos seus gostos. O importante é que você se sinta feliz.

Estes pontos não tem a pretensão de ser "mandamentos". Sequer sei se servem para outras pessoas. No entanto, foi um aprendizado. Seria falsidade dizer que foi "difícil". Não foi, porque tive o privilégio de ser, em muitos casos, um observador da vida de muitas pessoas conhecidas que, estas sim, tiveram dificuldades, tropeços, amargaram agruras.

Se há uma lição que aprendi é de que, em qualquer circunstância, sempre vale a pena viver. Mesmo nos preparando para a morte - como a única coisa certa desde que nascemos - o que temos em mão é uma mistura de sentidos e sentimentos que, bem vividos, demonstram o quanto atingir a paz conosco mesmo é o melhor jeito de atravessar a existência. Ficar refém do final de nossas vidas é perder o melhor que podemos fazer: saborear o aqui e o agora como únicos e insubstituíveis!

domingo, 3 de junho de 2018

Um tempo para contemplar as estrelas


O papa Francisco faz o discurso teológico que se espera de um pontífice. No entanto, os elementos mais importantes da sua homilia aparecem quando aborda outro tipo de pregação, que diz respeito ao cuidado com gente: fofoca, amizade, crianças, idosos, doentes, aborto, "mães solteiras", homossexualismo… Em suma: o lugar por excelência para a pessoa ser acolhida, amada e respeitada - a família - onde se pode exercer a misericórdia, esta palavra com sabor da presença de Deus.
Em crise, assim como as duas instituições que com ela faziam o tripé necessário para o processo de educação: a religião e o ensino. Depois de iniciar o aprendizado em casa, a criança recebia os primeiros elementos de socialização acompanhando os pais em atos religiosos e, ao ir para a escola, havia base suficiente para que o professor pudesse cumprir com o seu papel: auxiliar na aquisição de conhecimento.
Em muitos casos, as crises com as quais nos deparamos, acontecem, exatamente, por insuficiência de formação nas três áreas. E não se dá apenas no acúmulo de conhecimento enciclopédico, mas todo o processo que capacita para que se forme um cidadão, abrangendo seus aspectos espirituais, físicos e psicológicos.
Num momento de crise, ainda jovem, procurei por um religioso que me disse: "comecei a amadurecer espiritualmente ao distinguir o que é fé do que é religião". Frisava: "há pessoas que passam toda a vida atrapalhadas". Falando a respeito da confusão que se faz, hoje, sobre vivência religiosa, onde as pessoas já não querem responsabilidade, mas usufruir de seus benefícios, numa espécie de buffet, pois, sem convicção, buscam o que lhes agrada e não exige compromisso.
Calei-me ao ouvir que também tivera sua crise espiritual e chegou ao fundo do poço abandonando as pessoas que considerava mais queridas: "levei muito tempo para me dar conta de que não sou um ator - seria no máximo um ator canastrão. Apanhei muito para entender que, antes das teorias, deveria ter praticado a misericórdia, pois me preocupei tanto em ser um homem de religião, que esqueci de ser um homem de fé. Procurava um jeito de ver a luz, uma nesga que fosse das estrelas".
Amadurecer significou atitude diante da vida, reencontrar valores elementares na relação com as pessoas e - mesmo com os pés no chão - não perder a dimensão do Sagrado. Diante das mais diversas situações, por mais difícil que pareça o momento, é preciso um grande esforço para não soltar a mão de um familiar, um amigo, um conhecido. Enfim, ser misericordioso, para levantar a cabeça, única forma de, mesmo em meio às brumas - e quem sabe às lágrimas - se contemplar as estrelas!