terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Um intervalo de tempo que se chama vida

Levantamentos apontam mais gente vivendo acima de 60 anos do que a faixa etária inicial, até os 14. Para analistas de plantão, significa um "mercado" que deve ser olhado com atenção e recebeu um nome pomposo: "economia prateada", a dos cabelos que, quando já não caíram, perdem a coloração e se tornam multicor... Um fato: grande número de aposentados o faz não porque deseja se livrar das atividades de um emprego, mas, tristemente, por não haver mercado de trabalho para a sua idade.
O passar dos anos mostra o quanto é difícil se preparar para envelhecer. Especialmente quando a própria sociedade não tem noção do que fazer com os seus idosos. Numa tentativa de compensar, aqui e ali, surgem grupos que procuram qualificar a vida daqueles que não pediram para prolongar a sua existência e que, em muitos casos, sentem que se tornaram mais um peso para familiares do que a graça de uma vida que já deu frutos e mereceria carinho e compreensão.
Na virada do ano recebi um vídeo pelas redes sociais de um grupo que trabalha com idosos lutando com doenças como o Alzheimer e a demência. Percorrem instituições que abrigam velhinhos e dão de presente bebês/bonecas (com roupinha e tudo) e bichinhos de pelúcia. A reação é impressionante: o sorriso farto, as lágrimas que rolam, a surpresa e a vontade de ver, abraçar e acarinhar, na lembrança dos tempos em que tinham no colo filhos, netos, animaizinhos de estimação...
Quando a mãe - dona Francinha - morreu, já tinha uma coleção de bonecas. Uma delas, um anjinho que rezava o Pai Nosso, embarcou junto na sua última viagem... Em certos momentos, alcançávamos para ela, que passava um longo tempo olhando, desenhando com os dedos os contornos do "nenê", assim como a acompanhavam nas vezes em que esteve hospitalizada. No final do dia, era com o anjinho nos braços que rezava a oração universal antes do beijo de boa noite e o apagar das luzes.
Não sei se a mãe viveu mais ou menos do que deveria viver. Mas sei que pequenos detalhes tornam a vida mais suportável, aqueles que se fazem no varejo e não no atacado. Um idoso não precisa de longas conversas, roteiros de viagens ou aquilo que o dinheiro ou o poder podem obter. Apenas carinho e sensibilidade por parte de quem cuida. Sem "idiotizar" ou "infantilizar" a velhice, gastando quanto tempo for preciso para um olhar ou segurando mãos enrugadas que sorvem vida por nossos dedos...
Entre o início e o fim há um intervalo de tempo que se chama vida. Lamenta-se a infância e a juventude "perdidas" sabendo que se colhe aquilo que se plantou. A receita é a mesma para 2020: idosos precisam manter-se ativos - física, mental e espiritualmente. E rezar para que, quando se extingue o último suspiro, haja alguém - ou um objeto de nossa memória afetiva - que faça a ponte entre nós e a Eternidade...

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