segunda-feira, 22 de abril de 2019

Dom Jayme: 50 anos de bispo

Tinha 11 anos quando fiz estágio para ingresso no Seminário. O diretor de então era o padre Jayme Chemello. Creio que eram algumas dezenas de meninos. Todos foram convidados, em algum momento, a conversar pessoalmente com o senhor reitor. Na caminhada no entorno do casarão da avenida Dom Joaquim tínhamos a primeira chance de conhecer o homem que assumiria os destinos da Igreja Católica em Pelotas.
Em 1969, já iniciara meus estudos naquele instituição, dom Jayme se tornou bispo auxiliar. No entanto, durante muito tempo as pessoas o chamavam pelo tratamento de “padre”, especialmente jovens e casais que buscavam orientação espiritual. Passou o tempo e acompanhei o pastor que se preocupava em fazer funcionar as pastorais, dinamizando a capilaridade que as paróquias e comunidades dão à Igreja Católica. 
Como toda a figura pública, pode se contar aqueles que o amaram e aqueles que o odiaram. Mas, em nenhum momento, acusar de incoerência com seus princípios. Em tempos difíceis, como o final da ditadura, precisava ter a voz do equilíbrio e da sensatez - sem perder o profetismo - a capacidade de evangelizar e testemunhar, com a prudência de fazer com que andassem os vagarosos e refrear os mais dispostos a investir em mudanças sociais.
O religioso que percorreu diversas instâncias de representação, também dentro da Igreja Católica, sempre foi ouvido em nível estadual e nacional, e passou a ser referência quando esteve à frente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Sem perder a simplicidade, conhecendo a maior parte do seu rebanho e, muitas vezes, provocando quem chegasse a uma Missa com uma simples expressão: “o que tu tá fazendo aqui?”
Voltei a conviver com ele em 2017, quando o levava para celebrar a Missa no Santuário de Guadalupe. Como tínhamos um histórico de “provocações” fui cobrado de porque resolvera reencontrar alguém de quem estivera afastado. A resposta era simples: eu não precisava de nada dele, nem ele de mim. Apenas o retorno ao convívio com alguém pelo qual sempre tive respeito e admiração.
O afastamento de funções de direção seleciona “amizades”. Resignar (como a Igreja chama a aposentadoria) é tempo de silêncio, amadurecer para o estágio onde se acumulam conhecimentos e lembranças... Completar 50 anos como bispo é graça! O que distingue alguém como o sempre "padre Jayme" são as marcas do seu testemunho e espiritualidade nos corações. Que o tempo não apaga, gravadas a partir de seus sonhos, concretizados na crença de que nunca abriu mão dos alicerces da sua fé!

domingo, 14 de abril de 2019

Páscoa: um pacto pela esperança

O tempo estava fechando. Nuvens feias encobriam o Gólgota. Um vento frio fazia as pessoas se encolherem e se encostar umas nas outras. Maria fechou os olhos acreditando que a dor se tornaria suportável. As memórias afetivas voltaram. Sentiu as pernas estremecerem ao visualizar a pacata casa de Nazareth de onde contemplava as coxilhas que se espraiavam por sua janela e a pequena aldeia que ficava tão perto.
Ali foram felizes. Tinham uma família. Jesus assumira José como "pai do coração" e  se sentia orgulhoso de ser chamado "filho do carpinteiro". Rezavam juntos, trabalhavam unidos e passeavam, satisfazendo a curiosidade do menino que parecia não ter fim... E ele crescia em sabedoria "diante de Deus e dos homens".
Depois, encontrou o evangelista Lucas que pediu detalhes do que viu, ouviu e sentiu na prisão de seu Filho e o que passara até sua morte. Estivera com os apóstolos durante o jantar e não quis ficar no lugar da ceia quando Jesus saiu. Permaneceu de longe para não perturbar as orações e foi o motivo para terem acompanhado a prisão.
Viu João e Pedro, mas especialmente as mulheres que a acompanhavam e entravam nos diversos lugares para onde conduziram Jesus. Não entendia porque faziam aquilo. Seria o seu tempo? Era muito cedo, não podia perdê-lo. O filho tinha
apenas 33 anos! Seu coração, no entanto, estava apertado e dolorosamente lhe dizia que era o fim.
Fez a sua própria via sacra percorrendo os palácios e o caminho até um dos lugares mais feios de Jerusalém: o Gólgota, onde os romanos mantinham cruzes erguidas para advertir seu povo de que qualquer contrariedade podia custar a vida. Uma morte lenta, muitas vezes abreviada com o transpassar de uma lança. Aquelas marcas da infâmia eram vistas de praticamente todas as estradas que entravam ou saiam de Jerusalém.
No caminho, um último encontro, quando pensou dizer palavras de conforto e elas ficaram presas na garganta; quando devia consolar, acabou por ser consolada... Em meio ao sangue, machucados e às escoriações, o olhar de Jesus dizia que este era o seu destino e que, depois, ainda havia muita estrada a percorrer. Já não tinha mais forças. Amparada andou o caminho que lhe pareceu tão longo...
Mesmo que seu corpo inteiro doesse com a saudade, sabia que não era o fim. O filho falara em ressurreição: difícil de entender, mas necessário de acreditar. Do anúncio do nascimento ao momento da agonia dera um novo sentido à fé do seu povo. Razão para acreditar que a Páscoa (passagem) a partir de agora, se daria em cada mente, em cada coração. Bem ali onde seu Jesus plantara a certeza de que o homem alcançara um novo pacto com Deus!

Em 2019, feliz Páscoa! E uma abençoada Ressurreição!

domingo, 7 de abril de 2019

A Páscoa da inclusão

Não conheço o Gabriel. Ele foi pauta de uma matéria da RBS TV no último sábado porque teve um gesto inusitado: sendo cobrador do transporte coletivo de Pelotas resolveu aprender a linguagem de sinais para se comunicar com uma passageira, o que lhe valeu o reconhecimento daqueles que precisam desta forma de expressão, assim como dos demais usuários e até mesmo da direção da empresa onde trabalha.
Esta semana antecede as comemorações cristãs da Páscoa. Para os judeus, a saída de um povo do jugo dos egípcios e a tão sonhada busca pela terra prometida. Para os cristãos, lembrança do sofrimento, morte e ressurreição de Jesus. Em ambos os casos, período de passagem, adequado para que se faça preparação - individual ou em grupo - em busca da compreensão dos mistérios sagrados.
O que as duas coisas tem em comum? O Gabriel diz ter sido um desafio aprender a linguagem de sinais. "Treinou" com sua conhecida e tornou mais fácil a vida com outras pessoas com igual deficiência. A matéria queria ressaltar isto: a capacidade de gastar seu tempo aprendendo algo que, mais do que pessoal, tornou-se uma "passagem" do apenas servir como transporte coletivo para uma vivência comunitária.
A Páscoa é - mais do que festa e guloseimas - uma provocação para refletir. Fazer silêncio e, em meio a tantos motivos para se estar "ocupado", gastar um tempo para a introspecção. Não sei se foi fruto disto a atitude do Gabriel, mas é disto que precisamos: achar espaços de sanidade mental onde possamos dar um "alô" para nós mesmos, redescobrindo fórmulas simples de reencontrar as pessoas, não apenas deixando que passem por nossas vidas, mas que deem sentido a ela.
A linguagem de sinais é um jeito de tirar boa parte da população do silêncio. Mergulhar neste mundo é fazer a diferença. Um motivo de aproximação ou a exclusão e a marginalidade. Lutar para que mais "gabrieis" saiam de suas rotinas e sintam-se desafiados a estender a mão é um belo jeito de viver a Páscoa: a passagem do silêncio que deprime para o "barulho" das mãos que gesticulam e aproximam.
Embora os avanços da psicologia, o maior mistério para o homem continua sendo o próprio homem. Ele é capaz de causar dor ao seu semelhante, mas também de alimentar resquícios de esperança. Viver bem este tempo é fazer de pequenos gestos formas inclusão. A generosidade de quem agradece a Deus por todos os benefícios e também estende a mão para um idoso, um deficiente mental, um deficiente físico... o diferente que anda pelas ruas da cidade reclamando o direito de ser reconhecido como gente, apenas um cidadão pedindo ajuda para viver a sua própria Páscoa!