sexta-feira, 30 de junho de 2023

As tuas mãos...

Amparo meu rosto com as mãos

Quando as estrelas cravejam os céus

E quero bater palmas para a lua.

Encantado, espio por entre os dedos.

Ao redor do fogo,

Deixo que a música me inebrie,

Na magia que somente a noite compartilha.

Flagro teu olhar que me envolve

E orquestra o ritmo das nossas vidas.

Não preciso de mais nada:

Estou em harmonia com o Universo.

 

A fogueira crepitando é motivo


Para que fales sobre mãos, calor e sombras...

Somente te ouvir já me faz feliz.

São muitas as vezes em que

Brincas com os sentidos,

Provocando para que se batam palmas,

Se bata no peito,

Tamborile para marcar o compasso da música imaginária,

Que danças aos acordes da brisa,

Na dolência de um murmúrio que brinca em meu ouvido.

 

Quando fecho os olhos,

Minhas lembranças andam de braços com a imaginação.

De forma etérea, estás comigo, e

Te imito ajeitando a roupa,

Passando os dedos pelos cabelos,

Percorrendo corpos imaginários.

Quedo-me perdendo a noção do tempo,

Mirando e me encantando com tuas mãos.

 

Sempre disseste que as mãos falam. 

Que deveria entender o alcance que elas têm:

Quando estendidas, acolhem.

Ao cumprimentar, aconchegam.

Reforçam o abraço,

Enriquecem os gestos,

Agregam poder àquilo que as palavras são incapazes de significar...

 

O encanto do que não é apenas parte do corpo,

Mas uma extensão da alma:

No ato criador que faz o desenho

Tomar forma na tela ou no papel,

Ao emergir a imagem na madeira ou na pedra,

Ou, apenas, na areia,

Quando se torna cúmplice do mar,

Na perenidade do que é "eterno enquanto dure"....

 

A vocação das mãos é o carinho.

Mesmo quando um dedo se coloca

Sobre os lábios pedindo silêncio,

Está em comunhão com um olhar

Que derrama o desejo de apenas acolher.

Mãos que se colocam sobre outras que já não reagem,

Que percorrem uma face desanimada,

Que ajudam a levantar,

Caminhar e retomar a esperança...

Mãos postadas em prece aliam-se a um Espírito suplicante,

Em busca do rumo,

Dos silêncios e dos risos, que rondam a felicidade!

terça-feira, 27 de junho de 2023

Titan e Mediterrâneo: o descaso das mortes anunciadas

Na quinta-feira (22), autoridades dos Estados Unidos confirmaram o que já se sabia: cinco passageiros do submarino que mergulhou a 3,8 mil metros para ver o que sobrou do Titanic sofreram uma “implosão catastrófica”. Uma das maiores e mais caras mobilizações de salvamento em águas profundas. Semana anterior, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados informou que cerca de 500 pessoas que saíram da Líbia em direção à Itália morreram em naufrágio no Mar Mediterrâneo.

A procura pelos turistas do mar encerrou numa extraordinária operação de busca, com ampla cobertura dos meios de comunicação. No dia seguinte, 23, organismos internacionais informavam a tragédia de quem buscava novas oportunidades, liberdade, uma chance para viver melhor. Pode ter sido um dos piores naufrágios dos últimos anos, numa repetição macabra em que se misturam a indiferença da sociedade, dos meios de comunicação, interesses econômicos e a fobia por estrangeiros.

O ex-presidente Barack Obama deu entrevista à rede CNN em que falou a respeito. Seu tema principal era a desigualdade social e econômica. Usou como exemplo o tratamento que as autoridades internacionais e os meios de comunicação deram para o barco com migrantes superlotado que afundou no Mediterrâneo e o submersível Titan, desaparecido próximo aos destroços do Titanic. Explicou: “de certa forma, é o indicativo do grau em que as chances de vida das pessoas se tornaram tão díspares”.

O Mediterrâneo é considerado, hoje, a rota migratória mais mortífera. Todos os dias, são encontradas embarcações clandestinas, quando não à deriva, num “comércio” de seres humanos que pagam do próprio bolso em busca de uma terra de prosperidade. O papa Francisco clamou: “Que este símbolo de tantas tragédias interpele a consciência de todos e favoreça o crescimento de uma humanidade mais unida, que abata o muro da indiferença... O Mediterrâneo se tornou o maior cemitério da Europa!”

O que aproxima as tragédias? O descaso dos governos dos países e em nível internacional. No caso do “turismo macabro”, foram feitas denúncias da precariedade dos equipamentos utilizados, sem que as autoridades americanas tomassem providências. Por outro lado, no desespero de quem se vê perseguido, com fome, sem oportunidades em seu país, a indiferença de quem deveria zelar pelo bem estar dos cidadãos, em sua própria terra, na acolhida estrangeira e jurisdição internacional.

A igualdade de perspectivas é anseio longínquo que se persegue até na morte. Turistas do que sobrou do Titanic pagaram por um prazer que a maior parte da população não pode se dar. No migrante que se joga ao mar, repete-se o que já se viu com populações jovens de países pobres ao deixar famílias e amigos. Todos temos entre os nossos ancestrais um migrante. O desejo de ser cidadão do Mundo, infelizmente, não passa de um sonho. A realidade é a morte e a rejeição de quem esquece a sua própria história...

domingo, 25 de junho de 2023

Os mistérios que moram nas sombras...

A proposta da produção de “Holo, meu amor” é simples, como são praticamente todas as séries coreanas no estilo “dorama” ou “k-drama”. Mulher solitária encontra um amor inesperado ao estabelecer contato com um holograma em forma humana, que tem a aparência do seu criador. Para quem não está familiarizado, a holografia utiliza técnicas de interferência da luz criando a ilusão de objetos tridimensionais (altura, comprimento e largura). Muitas destas experiências já foram mostradas em eventos científicos.

Mas, no presente caso, motiva um romance temperado com bom humor, quando se percebe que, ao longo de cada capítulo, foi-se, com alguma facilidade, das lágrimas aos sorrisos por excesso de fofura... O criador do holograma, meio brutamontes, se apaixona pela solteira desamparada. É o protótipo que realiza, sem corpo físico, o desejo de muitos solitários. Para quem pensou que seus problemas estão resolvidos, sinto dizer que é, por enquanto, apenas uma especulação no mundo da ficção científica...


Brincadeiras à parte, um detalhe chamou a atenção na abertura da série: a utilização de figuras animadas feitas com sombras das mãos. Voltaram-me lembranças de tempos idos em que meus pais utilizavam as sombras projetadas de um lampião na parede para dar formas à imaginação. Normalmente, nesta época de Inverno, nos recolhíamos cedo e, na cama, era o palco ideal para que a criatividade se manifestasse e aprendêssemos a dar vida a cachorros, coelhos, gatos, cavalos, pássaros e o que mais nos divertisse.

Depois vieram as lanternas à pilha e as imagens foram se tornando mais definidas, com maior nitidez, possibilitando novas formas e a interatividade, num autêntico teatro de sombras. Meus pais não sabiam, aprenderam de seus pais e seus irmãos, mas não se estava fazendo nada de novo, já que a arte das sombras faz parte das culturas primitivas, surgida no sudeste da Ásia, com significados mágicos e religiosos. Tradição dos povos asiáticos, que a cultivam nos espaços familiares e também de interação social.

O aparecimento em novelinha coreana resgata forma de interação que julgava perdida. Em noites frias, as cobertas e lençóis muitas vezes serviam para se armar as “barracas” em que, já com as lanternas, podíamos brincar e tornar presentes as sombras que antepassados mais remotos utilizaram para o convívio social e místico. Os tempos mais recentes descontinuaram tradições que a sociedade manteve por longo tempo, como é o caso das brincadeiras infantis e os chamados jogos de salão, para os adultos.

É preciso ter sensibilidade para ir ao arquivo das memórias em busca do que transcende a pura diversão. São muitas as coisas que podem – e devem – ser resgatadas não apenas pelo lúdico, mas por seu significado para boa parte da população. Acho que já estou enferrujado. Tentei algumas imagens básicas com lâmpada de cabeceira. O máximo que consegui foram imagens distorcidas. Não vou desistir. Vou recorrer às crianças da família. Afinal, dizem, que são as privilegiadas para entender estes profundos mistérios...

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Sonhos que rasgam os sentidos

Perco-me no tempo, quando o sono chega.

Por onde andam as musas e os “musos”

Que inspiram as minhas noites?

Não há trilhos, não há estradas, nem existem rumos...

Flutua-se por onde a realidade

Vai sendo transformada pelos sonhos.

 

Um mundo que foge ao controle das sensações lógicas.

Emergem lembranças, emoções, desejos...

A vida que faz parte do dia a dia,

Mas também o que nunca se ousou experimentar.

Sublimam-se expectativas

E se penetra no espaço em que o impossível é

Apenas uma fronteira a ser transpassada.

 

É bem assim.

Passa pelos sonhos acordado,

Quando se abandona o rumo,

O tempo, a noção do espaço.

Não se sabe responder,

Nem por onde se anda,

A vida e a morte se descontinuam...

O olhar perdido e o suspiro

De quem anda pelas nuvens!

 

Pelos pesadelos:

As dores contidas,

As lágrimas represadas,

As perdas e os abandonos,

Aquilo que ficou mal resolvido

E se tem o temor de vivenciar novamente.

 

Os sonhos esquecidos

Com a sensação de que deveriam ser lembrados.

O acordar com o gosto de incompletude,

De que alguém ainda faz falta,

Sem a possibilidade de recuperar a presença.

 

Os sonhos não respeitam barreiras.

As conscientes e as inconscientes.

Recolhem das profundidades

O que ficou abafado, reprimido, mal resolvido.

Despertar tem o gosto de que se retoma a

Consciência com um arfar no peito,

Uma palavra faltando nos lábios,

A perda no olhar de quem se envolveu de carinho.

 

Os sonhos rasgam os sentidos e os transtornam.

O resultado é que, muitas vezes, entre eles e a realidade,

Haja um grito que brada pelos olhos o desejo de viver.

A pior morte é aquela que mata os sonhos.

O sonho tem a capacidade de transcender

O próprio corpo, percorrer o que é etéreo,

Com a sensação de que faz parte de

Um desígnio de Deus, sentindo o gosto do

Quanto humanizar-se já é um rastro

Do que aproxima o homem do Divino!

terça-feira, 20 de junho de 2023

Recursos finitos, consumo infinito...

O que aconteceu no Litoral Norte, Serra Gaúcha, Vales do Sinos, Paranhana, Caí e Região Metropolitana foi previsto pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ligado ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que emitiu alerta para o que aconteceria na quinta (15) e sexta (16). Confirmaram-se os altos volumes de chuvas e rajadas de ventos causadoras de inundações, deslizamentos de terra, queda de árvores e postes. A situação se agravou pelas interrupções em diversas estradas daquela área.


Embora prevista, não há como calcular a grandeza dos estragos causados. Os governos – através da Defesa Civil, especialmente – mantêm estruturas mínimas de atendimento a estas demandas e rezam... Quando desastres se confirmam, recorrem a instâncias estaduais e federais, além de contar com a solidariedade da própria população. Veja-se o caso da falta de energia elétrica e água, fundamentais, que não possuem esquema sequer para impedir os estragos nos desastres menores, quanto mais os de grande proporção.

Pesquisas mostram que 80% da população acredita estar acontecendo mudanças nos fenômenos naturais, tendo como resultado chuvas frequentes e desastres ambientais. Sem querer entrar em discussão política ou de grupos econômicos, demonstra uma preocupação para a qual fomos alertados e não nos importamos: o aquecimento global é uma realidade que já cobra o preço pela omissão e desleixo. O planeta Terra já não é o mesmo e precisa não só que se estanque este processo, como de uma atitude de cura...

Recentemente, falava-se muito a respeito da estiagem. Com a quantidade de água que se acumula em rios, lagoas e reservatórios, parece que o problema está solucionado. Não está. Estes desastres tem sido localizados e, agora, chamam mais atenção porque se concentram numa das regiões mais populosas do Estado. No entanto, o Sul e a Fronteira, por exemplo, tiveram pouca chuva, insuficiente para recompor reservatórios. Veja-se a situação em que ainda se encontra a vizinha Bagé, com racionamento de água.

Triste a repetição de um problema que se acompanha há longo tempo: populações ribeirinhas perdem roupas, móveis, alimentos e a própria casa, em desastres anunciados. Interesses políticos, econômicos e a falta de lideranças capazes de tomar decisões, respaldadas por elementos técnicos, impedindo a ocupação das áreas de risco. E, quando ocupadas, tomar medidas para a remoção. Causam problemas para si e para a sociedade já que, quase sempre, transformam córregos e rios em lixões e esgotos a céu aberto.

Pena que não se aprende a lição que os extremos apresentam. As mudanças na Natureza são uma realidade que se necessita trabalhar com conhecimento e competência. A humanidade precisa reconhecer e aceitar que os recursos são finitos e fazer um rearranjo do que pretende ser sua capacidade infinita de consumo. Num passado não tão longínquo, a ameaça era: “o que vamos deixar para os nossos netos?” A realidade de hoje é: “neste Mundo, que já foi de Deus, qual será o próximo desastre ambiental?”

domingo, 18 de junho de 2023

Livros de receitas: “com o doce sabor de lembranças”

A cozinha da mãe e o armazém do pai eram as maiores peças da casa, que possuía mais dois quartos. Mesmo não sendo grande, agregava o lugar para receber visitas e o que se chama, hoje, de sala de janta. O fogão ficava sob a janela. Não lembro de pia ou balcão, mas, inicialmente, um fogão à lenha, que depois foi modernizado por um à gás. Uma mesa de madeira tosca, um banco contra a parede, serviam para as lides culinárias, fazer refeições e, ninguém é de ferro, debruçar-se para conversar, ouvir rádio ou jogar cartas.

Ali eu me espichava, sentado ou ajoelhado sobre o banco, para exercer uma das minhas mais sagradas tarefas de infância: quando necessário, ler e repetir para a mãe os pontos de alguma receita. Não que ela precisasse. Estudara até a terceira série, se dava bem nas contas, na leitura e na escrita. Deliciava-me com cadernos de receitas em que sua letra mais parecia com desenhos. Pela mesa, anteriormente untada de farinha, se espalhavam as massas, e ganhavam contornos que pareciam mágica, depois que saiam do forno.


Quando a tarefa demorava, recebia a honraria: manusear o livro de receitas, marcado por dedos lambuzados de gordura ou farinha, páginas amarfanhadas e amarelecidas. Descortinava-se um mundo onde, além do que estava impresso, haviam anotações diminutas nas entrelinhas e nas laterais, além de, muitas vezes, haver um pequeno bloco de anotações no final, para algum complemento ou informação adicional. Dependendo da ocasião, o livro ou o caderno inspiravam o preparo de doces ou salgados.

O livro e o caderno de receitas eram guardados numa gaveta na cozinha, normalmente, entre toalhas, guardanapos, aventais e apetrechos culinários. Embora fossem espaços sagrados da cozinheira, a curiosidade infantil não impedia que se excogitasse, como um lugar de aventura, onde se encontravam bilhetes, santinhos e fotografias... Não escapavam outras casas em que se fantasiava os recônditos onde estas preciosidades estariam fora do alcance de nossas mãos, nas casas de tias e amigas da família.

Enquanto as mães saiam para o quintal ou para a horta a fim de mostrar canteiros de hortaliças, temperos e flores, percorríamos a cozinha em busca de “tesouros”, que, muitas vezes, estavam encima de armários, onde, além dos livros e cadernos de receitas, também podiam ser encontradas as temidas varas de marmelo... Entre tombos, gritos e ameaças com chinelos, íamos entendendo um pequeno mundo que centralizava a vida da casa: a cozinha, lugar de convívio e aconchego, com a principal protagonista, a mãe.

Rogério Gaspar Xavier postou cópia do livro Doces de Pelotas (Globo, 1959). Traz a dedicatória de uma mãe desejosa de que a filha continuasse com a tradição doceira. Antes de casar, minha irmã, Loci, já manuseava as anotações que rendiam quitutes em ocasiões especiais. Infelizmente, não fui tão caprichoso ao ponto de guardar estas referências das minhas saudades. Que bom que amigos, como o Rogério, ajudam a manter vivas as memórias, com o doce sabor de que a vida se eterniza em lembranças!

sexta-feira, 16 de junho de 2023

O olhar de quem já enxerga a estrada...

Espio pela janela.

A cortina já tem as marcas do meu corpo na espera.

O tempo que passo mirando a rua é recheado por lembranças.

Abro a porta,

Certo de que em meu rosto estão as marcas das tuas ausências.

Mesmo assim sou grato por me dares

Momentos de expectativa e de felicidade.

São as presenças e não as ausências que dão sentido à vida.

Venço o medo ao entender que

As pessoas que se ama

Colorem o Mundo de um jeito diferente...

 


A lâmpada do outro lado da rua é a fronteira da tua chegada.

Faz meu coração bater mais forte quando consigo te ver,

Aumenta a ansiedade quando sei que estás a caminho de casa.

É triste um portão que não ringe na acolhida.

Aprendi a prestar atenção aos pequenos detalhes do convívio,

Sem que haja necessidade de significados profundos,

Como o vento que insiste em continuar soprando,

Mesmo quando a noite apenas

Permite ouvir seu lamento nas frestas da porta.

 

Esperar por ti é tentar ver a rua pelos teus olhos,

Certo de que o rumo do coração é o norte no retorno para casa.

Chorar ou sorrir, fazem parte deste caminho.

Não se ama pelo conjunto da obra,

Mas por instantes que reúnem pedaços de um quebra-cabeça.

O dia a dia da estrada não é o de vencer grandes problemas,

Mas tornar o hoje melhor do que ontem,

Na esperança de construir um amanhã com

Mais palavras de carinho, sorrisos, olhares que brincam...

 

A espera é sempre o momento de experimentar

As pequenas alegrias e ser grato

Pela simples possibilidade de ser feliz.

O reencontro que também causa temor.

O aguardo em que se olha para onde já puseste as mãos:

Quando ajeitavas um vaso de flor,

Regavas a grama,

Plantavas as mudas que ainda esperam pela Primavera.

 

Ouço o ruído na porta.

Vamos dispensar as palavras.

Apenas olha para mim e

Deixa que eu te envolva em meus braços,

Na troca de energia em que desaparecem as incertezas.

Todos os medos, todas as angústias...

Contemplar quem se ama é eternizar memórias,

Que se farão presente quando a saudade for companheira:

Teu riso vai sempre ter

O gosto de andar abraçados na chuva,

A lágrima que parece sem motivo,

A música que cantarolaste ao meu ouvido,

O sorriso despreocupado e parecendo sem razão...

 

Já não tenho medo de abrir a porta e sair para a rua.

Desvencilho-me de preconceitos e

Abro o coração para novas possibilidades.

É o olhar de quem já enxerga a estrada.

A certeza de saber que os passos que chegam

Provocam o desejo de te acompanhar na partida...

terça-feira, 13 de junho de 2023

Com o doce sabor de lembranças!

A festa mais doce do Mundo está em plena realização. Andar pelas dependências da Fenadoce, em Pelotas, é encher os olhos, alegrar o coração e se preparar para deliciosas tentações... Ainda mais quando a equipe que a preparou foi feliz em selecionar como elemento motivador a frase: “Doce sabor de infância". Impossível não simpatizar com a formiguinha, a mascote, ou com os personagens que dançam e motivam as crianças (só elas?) a dar os seus gingados pelos corredores próximos aos ambientes musicais.

Todos temos alguma lembrança de doces na infância. Especialmente numa cidade em que ele esteve presente, praticamente, desde a origem. Com depoimentos bonitos de mães que ensinam as filhas a continuar esta arte ou avós que passaram o conhecimento para as filhas e, agora, seguindo a tradição, são acompanhadas pelas netas que preparam (mas também degustam) os doces sabores. A magia dos laços que se estreitam em torno das mesas, dos tachos, do refinamento de cada docinho recheado de carinho.


Não lembro de doces quando morávamos no interior de Canguçu. Já em Pelotas, três tipos foram marcantes: a torta com bolacha champanhe e flan (feito com gelatina, também chamado de manjar), preparada aos finais de semana pela minha irmã, Loci. Amendoins torrados e caramelizados, a delícia da Páscoa. E merenguinhos. Na primeira ocasião em que entrei num supermercado e vi uma gôndola cheia de saquinhos de merenguinhos, me assustei: “quantos ovos as galinhas botaram para fazer tantos doces?”

No armazém do meu pai, havia dois tipos de doces: os caseiros e os industriais. Minha mãe preparava rapadurinha de amendoim (lembro das forminhas que precisavam ser untadas), uma variedade de pedaços de bolos e cocadas, sendo uma qualidade com chocolate, chamada de “preta” (que era marrom) e a outra branca. Os baleiros eram a tentação com as tradicionais balas, mas também pirulitos, línguas de sogra, maria mole, suspiros coloridos, sorvetes (que não eram gelados, mas uma “casquinha” recheada).

Uma das lembranças gostosas da infância eram os bolinhos de mel do seu Osvaldo e da dona Maria. Por muitos anos, tiveram fábrica em que produziam esta delícia em pedaços. Cortados manualmente e embalados para revenda nos pequenos comércios, sempre sobravam as tiras laterais que, delícia das delícias, eram a parte mais tostada, crocante, autenticamente, com sabor de festa. Quando precisavam, ajudava no corte e embalagem e meu pagamento era um pacote com tiras suficientes para o café da tarde!

Formigões, formiguinhas, formigueiros... Artistas caracterizados perambulando pelos corredores, fazendo a animação dos diversos público; miniaturas encontradas em diversos ambientes, nas casas ou lugares públicos; impressos em folhetos, caixas, painéis... Onde também se encontram as imagens de crianças que dão suas carinhas para colocarem num mesmo tacho a realidade e a fantasia. O encanto que é um bom motivo para lambuzar e chupar os dedos, que ficam com o doce sabor de lembranças!

domingo, 11 de junho de 2023

Nossas tardes de domingo...

O auditório não estava cheio. Embora a mudança, com a inclusão do público masculino, as “minhas colegas de trabalho” não respondem com a mesma animação às tentativas da apresentadora Patrícia Abravanel de preencher os vazios deixados por seu pai, Silvio Santos, 92 anos. Era exatamente ele que faltava, na homenagem que ganhou do Sistema Brasileiro de Televisão, o SBT, no domingo passado, num programa que já dura 60 anos. Tentou resgatar um pouco da história do camelô que virou o apresentador.

Quem teve a sua infância e adolescência nas décadas de 60 e 70, com certeza, muitas vezes esteve sentado à frente da televisão para assistir ao programa que iniciava com o refrão “Sílvio Santos vem aí!” Na época, começava às 11 horas e percorria a tarde de domingo até as 22 horas. Tinha diversão para todos os gostos, desde o show de calouros, a portas da esperança; boa noite, cinderela; qual é a música, namoro na tv, arrisca tudo; ela disse, ele disse; quem sabe mais, o homem ou a mulher?

Músicas que grudavam na memória: quem não lembra de “ritmo de festa”, “sorria”, “hoje é domingo, é alegria, vamos sorrir e cantar”! Apresentado em grandes auditórios que tinha a marcação de excursões de todo o Brasil. As “colegas de trabalho” faziam sacrifícios para estar perto do ídolo, ao menos uma vez na vida, respondendo à claque de apoio, uma espécie de torcida ensaiada com antecedência e avisada por cartazes quando da sua participação: batendo palmas, vaiando ou gritando palavras de ordem...

Não existiam muitos aparelhos de televisão. O remédio era recorrer ao “televizinho”. Onde também se assistiam as novelas. Depois, a tv se transformou em rainha da sala e, aos domingos, era ligada pela manhã e somente desligada quando o Silvio Santos dava o seu boa-noite. Era comum que se servisse um prato, ao meio-dia, e se fosse em busca de um lugar no sofá para não perder nenhum dos quadros. Até ficando incomodado quando chegava uma visita e os pais faziam questão de desligar a televisão.

Já no Seminário Diocesano, também se tinha autorização para assistir, especialmente à noite, depois da janta. Ainda sem a concorrência do Fantástico, o quadro mais aguardado era o “Boa noite, Cinderela!” Nele, uma criança pobre era selecionada dentre três e contava o sonho que gostaria de realizar. Recebia um manto, era conduzida para o trono e um “príncipe” (o mais famoso foi o cantor Ronnie Von) aparecia trazendo uma coroa e o sapatinho de cristal. Nem é necessário dizer o quanto era emocionante!

Nossas tardes de domingo... A história da televisão brasileira se confunde com a história do empresário, político, banqueiro, apresentador, que conquistou espaço, por negócios ou no coração de grande parte da população mais simples. Pragmático, defendia: “Queres ter paz, sucesso e ser feliz? Não fale da tua vida a ninguém. O que ninguém sabe, ninguém estraga.” Pois é, Sílvio, teu legado é assim: amado por uns, odiado por outros, mas com a certeza de que deixas tua marca consolidada na cultura popular brasileira.

sexta-feira, 9 de junho de 2023

Me tira para dançar?

Quero pedir que cantes para mim.

Não me importo com a afinação.

Importa ouvir a tua voz,

Perder-me na dolência de um som

Que rege o espírito,

Fazendo com que a realidade tenha gosto de sonhos.

 

Eu queria compor uma canção para ti.


Serias a minha única plateia.

Um mantra em que os fluidos

Das Energias Cósmicas

Nos abençoariam.

Uma resposta às minhas orações,

O jeito que somente tu tens de me fazer viver.

 

Eu quero viver, tu sabes.

Quando pensei que já não tinha mais razão,

Tua voz me resgatou do sentimento de que só restava o fim...

 

Mas tu sabes, também, que se eu tentar compor uma canção

Minhas mãos vão se atrapalhar

Nas teclas de um piano,

Nas cordas de um violão,

No sopro de uma flauta.

 

Por tua causa, eu precisei insistir,

Pelo simples motivo de que gosto de ti:

Quando assobiavas

Eu queria dançar, mas me atrapalho com os passos;

Eu queria cantar, mas me perco no compasso;

Eu queria assobiar contigo, mas meu sopro não tem sonoridade...

 

Tentando vencer a timidez, te peço:

Me tira para dançar.

Não te importa com a minha falta de jeito,

Se não tenho ritmo,

Se pisar em teus pés.

Apenas quero te aconchegar e embalar em meus braços.

 

Se a noite for longa e nossos

Olhares se encontrarem à distância,

Guarda a derradeira música para mim.

Estaremos sozinhos,

O Universo será todo nosso,

As estrelas luzirão à nossa volta,

Cada uma delas transbordando pelo teu olhar!

 

Dizem que a beleza é transitória.

Não, a beleza não é efêmera.

A percepção da beleza é que pode ser passageira.

Uma fonte que se pretende esgotar,

Sofregamente, sorvendo um líquido que embriaga,

Fazendo perder o sentido do tempo

E do que ele faz com os corpos,

Mas que não pode toldar os espíritos.

 

A música é o alimento do espírito. 

Cantar, dançar, assobiar

São fagulhas que o Divino inspira

Para fugir da rotina,

De um quotidiano que cobra caro

Não somente nas marcas que vai deixando em nossos corpos,

Como anunciando a morte que liberta a alma.

 

Eu não quero me perder no caminho,

Serei guiado pela sonoridade da tua voz.

Ajuda a encontrar o teu rumo,

A senda que leva aos teus braços,

O reencontro que me torna pleno no teu amor!

terça-feira, 6 de junho de 2023

“O futuro que a senhora me dá!”

No início deste ano, disse que via com bons olhos o compromisso dos executivos em privilegiar investimentos na educação. Por enquanto, são mais promessas do que realidades. Claro que se deseja confirmar mudança nas propostas pedagógicas, melhoria de salários e aperfeiçoamento de professores, crianças e adolescentes com dois turnos nas escolas, que lhes permitam, além da educação formal, a prática de atividades físicas, culturais e sociabilidade. Já se perdeu muito tempo com palanques, infelizmente.

Uma discussões que se tem, hoje, é do porquê chegamos à "geração mi mi mi". Somos frutos de uma geração que teve dificuldades em propiciar a formação escolar, sendo, então, praticamente um sonho chegar ao nível universitário. Em pouco mais de meio século, houve uma mudança que facilitou (e banalizou) a formação superior, em muitos casos, em detrimento da formação técnica. Estávamos tão afoitos em lhes dar o melhor que esquecemos de que os caminhos sem dificuldades dificilmente são os melhores.


No entanto, o que desejo propor, hoje, como reflexão, é um “detalhe” que deve merecer atenção dos educadores e daqueles que se responsabilizam por políticas públicas. Partindo de uma premissa: crianças ou jovens com problemas de aprendizado, hoje, o são porque não veem sentido nas propostas que lhes são apresentadas. E sejamos honestos: de fato, o que se tem, com raras exceções, não é atraente e não indica perspectivas que alentem um futuro. O certo é que não existem manuais para pessoas.

Como é perigoso pensar que "manuais de educação" são "bíblia" a serem levados ao pé da letra. O foco na sala de aula e na escola prejudica olhar abrangente se, novamente, não pensar especialmente na mãe que funciona como monitora em casa. Despreparada, precisa encontrar forças na gana de melhorar a vida do filho. Que muitas vezes não está nem aí, como contou uma delas que, desanimada, disse: "desisto de ti". Instantes de silêncio, o garoto procurou sua mão para dizer: “mãe tu sabes que eu te amo!”

A educação, hoje, precisa trabalhar com grupos diferentes de pessoas, respeitando as suas diferenças, como a inclusão de crianças e jovens com síndrome de Down e autistas. Mas também vindas de diferentes estratos sociais, com, se é que se pode dizer: “culturas diferentes”. Que inoculam pensamentos como o do vídeo em que perguntavam à criança o que desejava ser ao crescer. A resposta, mais do que “engraçadinha”, é preocupante: “eu queria ser piriguete, mas minha mãe não deixa, então eu vou ser cantora, mesmo...”

Não há como perder a esperança de que a educação no Brasil é possível. Em todos os níveis, temos profissionais que gastam a própria vida buscando, na educação formal, a realização pessoal de seus pupilos. Trabalham e reivindicam que as autoridades estabeleçam a educação como real prioridade. Gostei da charge em que um menino entregava um mimo para a professora que dizia: “obrigado pelo presente!” Ao que o garoto prontamente respondia: “eu que agradeço pelo futuro que a senhora me dá!”

domingo, 4 de junho de 2023

O Aprendiz e o Mestre: Como lanternas que carregam sonhos...

Os sinos repicaram ao longe. O som era música para o vale. A melodia chegava do campanário do Mosteiro. Por entre as montanhas, ecoava cada badalo chamando para o Festival da Lua. Aos poucos, os moradores da redondeza chegaram à vila, cada família trazendo suas lanternas coloridas. O templo estava pronto. Durante dias, os monges convocaram os aprendizes para a limpeza e organizar os paramentos da festa.

Colocar velas nos nichos laterais e preparar dois grandes candelabros que iluminariam a nave central era um programa especial. O Aprendiz estava literalmente “pilhado”. Além de ajudar, preparara uma lanterna que esperava soltar com o Mestre, ao cair da noite. Quando a vizinhança se reuniu, os candelabros foram acesos e os cordames puxados por dois monges em cada, gradativamente, enquanto a procissão entrava.

Aos poucos, a luminosidade se espalhou por toda a nave central. O povo entrava na frente e ia se acomodando no átrio. Os monges vinham na sequência e ficavam ao redor da Grande Mesa. Os aprendizes fechavam o cortejo dividindo-se pelos dois lados. O Mestre presidia a cerimônia e conhecia cada um dos rostos daqueles que moravam na casa e também a sua pequena comunidade. Quando sentiu falta do Aprendiz...

Seus olhos, automaticamente, procuraram o andar superior onde ficavam os monges mais velhos que acompanhavam a cerimônia. Num cantinho, com o rostinho em meio às grades, estava aquele que o desacomodava todos os dias, inclusive fazendo com que não mais fechasse a porta da sua sala, pois não havia privacidade que resistisse ao menino.

Os cânticos e o incenso, além das preces feitas em linguagem antiga, que somente os iniciados conheciam, tomavam o ritmo da dolência. Para alguns, a concentração; para outros, como o Aprendiz, motivo de sonolência... No momento em que o Sacerdote do Templo proferia uma prece, o Mestre ergueu os olhos e viu que o menino já se embalava, fechando os olhos. Dormiria em seguida...

Para o Aprendiz, aquele momento era bonito, embora não o compreendesse bem. Sabia que precisava ficar acordado se quisesse soltar sua lanterna e fazer seu pedido. Mas iria se encostar somente por um instante... Quando terminassem, estaria pronto para pedir ao Mestre que o ajudasse a formular a prece e liberasse a lanterna. Resvalou lentamente para o sono. Quando todos saíram para o pátio, ao fim da cerimônia, o Mestre percorreu o templo e foi encontrar o aprendiz encolhidinho, dormindo, prendendo a lanterna contra o peito.

Devagar, tomou-o no colo. Tão levinho que parecia erguer uma pena. Havia um sorriso em seus lábios e não soltava a luminária. Na escadaria, começavam a erguer as lanternas, que tomavam o rumo do firmamento. Era um momento mágico em que casais ou famílias juntavam as mãos para a última prece e fazerem um pedido que ficaria guardado nos seus corações. Enquanto as oferendas subiam aos céus, ficavam parados vendo as chamas que, aos poucos, iam se confundindo com as estrelas.

Outra vez, o jovem aprendiz não veria as lanternas se erguerem - e reclamaria, certamente! Pousou-o sobre o ombro e postou as mãos em prece, pedindo ao Ser Supremo pelo Mosteiro, os monges, aprendizes, familiares e, especialmente, por aquela “gentinha” que carregava nos braços e era como as lanternas que subiam ao Infinito: também tinha uma razão para estar ali. Será que um dia também voaria para longe, como as lanternas que carregavam tantos sonhos?

quinta-feira, 1 de junho de 2023

98 anos: saudades, mãe!

Tuas mãos estavam desgastadas:

Vieste da lavoura,

Com muito trabalho no cabo da enxada.

Formaram-se sulcos

Que foram registros em teus dedos, por toda a vida.

 

Depois, o tempo das costuras.

Sentada à máquina ias compondo peças de roupas

Que vestiam a família e muitos dos teus vizinhos.

Ainda encontravas tempo para tricotar.

No manejo das agulhas e das lãs

Apareciam meias, blusas, mantas, cobertas

Que aconchegavam no frio.

 

Já aposentada,

Descobriste os cadernos de desenhos

E os lápis com que harmonizavas as cores,

Vislumbrando o encanto de brincar com o arco-íris.

Muitas tardes, reservaste

Um tempo para fugir do agito de cuidar dos outros,

Mergulhando no teu próprio mundo,

Onde a serenidade transbordava por teu sorriso

E o olhar se perdia por lugares

Que somente tu sabias o caminho,

Levada pelas cores que te seduziram.

 

Veio a etapa da vida

Em que o brilho dos teus olhos

Foi-se perdendo.

Quando as linhas dos teus desenhos

Deixaram de ser o limite para as cores.

Eram um borrão com

O sentido que apenas tu conhecias.

 

Algumas vezes lágrimas silenciosas

Rolaram por teu rosto.

Viajavas para o início da longa estrada

Em que se transformou a tua vida.

A última vez em que olhaste pela janela

A plantação que chegava ao teu quintal.

O lugar onde deixaste teu primeiro filho,

A longa jornada em que aceitaste

O desafio de ir ao encontro de

Um novo destino.

 

Hoje, completarias 98 anos...

Saudades, mãe!

Quando partias,

Teus olhos abriram mão das palavras.

Quem sabe ainda pensavas nas cores

Com as quais aprendeste a lidar.

E que o tempo te deu o direito

De transgredir a fronteira das linhas

Para transbordar os teus sonhos.

Uma história que os desenhos inspiraram

E te deram o direito de partir

E, finalmente, repousar em paz!