terça-feira, 27 de julho de 2021

Polo regional: um futuro que precisa iniciar hoje

O anúncio de investimentos em Rio Grande remexe com surradas discussões sobre um projeto para o desenvolvimento regional. Superadas disputas mesquinhas entre rio-grandinos e pelotenses, se vê a necessidade de atuação para fortalecer laços e viabilizar atividades que não sejam, apenas, a região servindo de entreposto da produção agrícola e países importadores. Ainda são muitos os gargalos que impedem a industrialização efetiva, que exporte produtos com maior valor agregado.

O pessoal com mais de 60 anos… Até me atrevo a dizer que mesmo com mais de 90 anos, ainda vai ver a Br 116 duplicada. Não riam, por favor… Talvez, quando chegaram ao Céu e contarem, ninguém acredite, mas em dois anos, provavelmente, tenha-se estradas prontas, embora faltem algumas pontes, assim como o acesso ao porto de Rio Grande, na Br 392. Afunilamento histórico que dificulta o escoamento das safras e a vida dos caminhoneiros…

Justamente a categoria que dá grande contribuição para se concretizar o polo regional e alavancar economicamente a região. No entanto, vê-se por suas reivindicações que o arrocho transformou profissionais que tinham uma vida tranquila com suas famílias em verdadeiras aventuras. Muitas vezes sabendo que saem de casa com vida e saúde e as condições de trânsito, de segurança e o atendimento nos pontos de carregamento e descarga os transformam em mendigos de serviços que deveriam ser prestados não como favor a uma categoria, mas como um direito do trabalhador.

O setor produtivo agrícola do Rio Grande do Sul, quando faz um acerto mínimo com São Pedro, consegue bons índices de produtividade. Foi assim com o plantio da soja e tem boas promessas para o trigo. O que impacta diretamente na sanha arrecadatória dos governos. Nos últimos tempos, com os demais setores em baixa, mantiveram o estado num patamar que, se não é invejável, ao menos garante que se possa sair da crise com o nariz um pouco acima dos níveis da água.

O processo de industrialização é outro que pena e transforma o estado em simples produtor “in natura”. Nossos maiores importadores sabem que pagam um preço aviltado por um produto que não possuem para atender suas populações. Mas o fato de saírem daqui em grãos, sem qualquer valor industrial, deprecia os possíveis ganhos e inviabiliza o aumento do número de empregos que poderiam ser gerados com distritos industriais capazes de receber e agregar valor.

E a necessidade de que se pontuem complementaridades e maximizem os valores da exportação e distrito industrial, no vizinho município; e, aqui, por ser um cruzamento de rodovias federais, incentive prestação de serviços e recupere o polo educacional. Discursos repetidos são a “novidade” de hoje, com novas roupagens, amanhã. A mobilização da comunidade empreendedora (clubes de serviços, associações, sindicatos, partidos políticos etc.) transforma potencialidades em desenvolvimento. O futuro se concretiza no engajamento de quem não aceita apenas o que é prometido, mas se organiza para cobrar mudanças de um futuro que precisa iniciar hoje!

domingo, 25 de julho de 2021

“Exploradores da terceira idade...”

Durante um bom período, tive uma agência que atendia jornalismo, publicidade e propaganda e relações-públicas. Quando comecei a lecionar na Católica, em pouco tempo, fiquei com a ocupação de 40 horas e dei-me conta de que não conseguiria atender a dupla jornada. Desfiz a sociedade e mantive alguns clientes para a produção de originais. Fazia em casa e o meu pai, o seu Manoel, era o meu “office old man” (não tinha um office boy). Numa ocasião em que o pai trabalhava no pátio e o tempo era curto, precisei de alguém que fizesse o serviço de entrega dos originais para revisão.

A dona França se ofereceu. Deixei-a na porta da entidade, onde uma secretária já aguardava e a mãe pegaria o ônibus de volta percorrendo poucas quadras. Comecei a aula de jornalismo gráfico e tocou o celular. Uma das secretárias da instituição que recebera o material perguntando se era o professor Manoel Jesus. Ela sabia que era, ligara para o meu telefone, mas, mesmo assim, confirmei. Veio uma risada, acompanhada das demais do seu setor, e a afirmação: “nós já vimos exploradores de crianças… exploradores de mulheres… mas explorador da terceira idade… o senhor é o primeiro!”

Foi no que pensei quando comecei a ler as análises a respeito do papa Francisco, depois da cirurgia. Uma delas dizia: “é o começo do fim do papado de Francisco”. Tenho muito carinho por uma das poucas (para não dizer a única) figura religiosa que a população, de um modo geral, tomou-se de simpatia e, embora não entendendo o conjunto da sua mensagem, sabe que é honesto, sincero e um homem de Deus. Fazendo 85 anos em dezembro, é uma lufada de esperança (o sopro do Espírito Santo) sobre figurantes que podem até estar sucumbindo, mas mantêm a pose e o nariz empinado.

Muito triste, ouvir dele que “não voltará mais a sua Buenos Aires”. É injusto que se exija que alguém, nesta idade, ainda faça um trabalho profundamente tencionado por conservadores, que empacaram e sonham com um passado glamoroso onde vestes coloridas simbolizam seu poder, com artefatos sobre as roupas para os “diferenciar” e demonstrações de subserviência em ajoelhar ou beijar a mão. O afastamento do povo das igrejas não é ausência de fé, mas demonstração de que, em alguns casos, discursos religiosos se transformaram em curiosidades e representações exóticas.

Também os progressistas, achando que o papa deve acelerar mudanças. Esquecem que a Igreja Católica sobreviveu a dois mil anos graças, exatamente, em não acertar seus passos pelo andar dos revolucionários sociais. Com todos os seus pecados - utilizada por grupos políticos, financeiros ou de poder - atendeu demandas da sociedade: educação, saúde, serviço social… e sempre teve profetas denunciando manipulações e desmandos dentro e fora dos seus quadros. Internamente, homens que não entenderam o chamado de gastar a sola do sapato pelas ruas e becos da vida...

Com a experiência de cuidar meus pais até idade avançada, sei que é importante dar a um idoso o direito de tocar a própria vida. Embora desejoso de acolhê-lo e pedir que descanse, o tempo da Igreja Católica faz pensar que precisamos ser “exploradores da terceira idade...” por mais uns cinco anos! - “E, quando descansares, olha para as ruas e periferias das Buenos Aires do mundo! Com sapatos grossos e vestes simples, reencontra o Senhor de Nazaré, que vai te alcançar a mão e dizer: ‘Podemos seguir juntos. Deixastes as marcas de um Cristianismo que há muito vinha sendo esquecido...”

terça-feira, 20 de julho de 2021

Amizade rima com solidariedade

O dia 20 de julho é considerado o dia do amigo e internacional da amizade. A data que rememora o amigo foi adotada primeiramente em Buenos Aires, na Argentina, em 1999, buscando aproximar as pessoas com celebrações e festejos. Já o da amizade foi institucionalizado para promover a cultura da paz entre os povos, celebrando toda a riqueza da diversidade e o respeito mútuo. Uma das instituições que incentiva o incremento nas relações pessoais e institucionais é o Rotary Club. Pois nesta terça (20 de julho), converso com o pessoal do Pelotas Norte, com esta temática.

Uma liderança religiosa contou que tinha problemas em manter os jovens da sua comunidade unidos. O racha por disputas de vaidades e poder afastou-os de tal forma que tiveram que constituir dois grupos. Um pouco antes da pandemia, lançou um desafio para atendimento de moradores de rua, especialmente no inverno. A necessidade de cerrar fileiras em torno de um objetivo comum fez com que esquecessem suas diferenças. Aprenderam a ser mais tolerantes olhando para uma realidade social em que seus problemas se colocavam na sua real dimensão: quase insignificantes...

Senhoras de diversos grupos poderiam ter se acomodado e deixado de produzir enxovais de bebês, blusões e cobertas durante o período da pandemia. A diferença acabou sendo as lideranças que estimularam a continuidade do trabalho. Aprenderam a lidar com as redes sociais e novas formas de relações, especialmente para aquelas que diziam que “isto não era para elas!” Palestras e conversas pela internet, pessoas que pudessem entregar matéria-prima e recolher o resultado e conversas noturnas para ver no que havia dado... Não diminuíram a produção e reforçaram seus vínculos.

O grupo de amigos que se mobilizou para fazer comida e entregar a famílias carentes reconhece: o que investem do seu tempo em solidariedade, recebem de volta em apreço e maior compreensão daqueles com os quais convivem. Um conhecido cozinheiro era sempre meticuloso e exigente. Quando viu sua cozinha invadida por um grupo de “novatos” que mal sabia fritar um ovo, teve que respirar fundo e contar até mil… Sofreu, no início, mas, depois, começou a achar até engraçado ter que explicar para os outros aquilo que julgava ser elementar. Também deu-se conta de que se era bom cozinhar sozinho, era ainda melhor ter parcerias que enchessem sua casa de vida!

É muito difícil definir o que é amizade. Mais fácil é falar da forma como ela se manifesta e como pode facilitar relações, tanto pessoais, quanto institucionais. Embora desgastada – e meio esquecida – amizade rima, sim, com solidariedade. E vai ser necessária neste tempo de pandemia e quando ela for controlada. Um simples telefonema, uma mensagem pessoal para alguém que já esteve próximo ou incentivar momentos e lugares em igreja, associações, sindicatos, vizinhança apenas para se conversar e reatar relações. Uma amizade solidaria é mais do que um projeto social. É um lugar para sujar as mãos com a vida que, com certeza, vão ficar com o doce perfume da esperança!

domingo, 18 de julho de 2021

A falta e o luto: os órfãos do coronavírus

As redes de televisão contaram histórias de crianças que nasceram durante a pandemia. Em muitos casos, foram partos normais, com os cuidados necessários para evitar a contaminação da mãe e de quem estava chegando ao mundo com tantas incertezas. Mas houve casos de mães que contraíram o vírus durante o parto e precisaram de tratamento especial; aquelas em que a febre resultou em mulheres sem condições de acompanhar o nascimento e, até mesmo, de casos em que a luta para salvar as duas fez com que unidades de tratamento intensivo fossem transformadas em sala de parto.

Casos em que o final acabou não sendo tão feliz… em que a mãe perdeu a vida ou o atendimento não teve condições de salvar a criança. Também, as sequeladas, que não conseguiram atender ao filho. Agora, levantamentos iniciais mostram que 45 mil crianças e adolescentes já perderam ao menos um dos pais. O caso da Cristina Sabino Gentil, arrimo de família e auxiliar de serviços gerais, morta aos 45 anos de covid, que deixou desamparadas a Rebeca, o João Lennon, o Jonathas e a Críssia, com três meses e desfrutou do aconchego dos braços da mãe por apenas uma semana…

Ravi não é um nome comum. De uma língua antiga, o sânscrito, significa o sol, luz, poder… A matéria da Michele Ferreira, no Diário Popular, contou a história da Eliziane e do Marcelo que sonhavam em ter um filho. O pai, no entanto, fazia tratamento oncológico e foi vítima do coronavírus. Mas o desejo não deixou de se transformar em realidade. Tiveram condições de se precaver e tornar possível a fertilização in vitro. De fato, a mãe fez o renascimento e transformou a dor em celebração da vida que se torna presente no fruto de um grande amor.

Histórias emocionantes em que a vida prevalece e fortalece relações familiares que se mobilizaram para dar suporte. 60% das crianças e adolescentes no Brasil encontram-se na faixa de pobreza e se escancara a realidade de que são vulneráveis, talvez não ao coronavírus, mas aos problemas sociais e, até, ao abandono que já se fazia sentir em muitos espaços públicos. As estrelas que vão reforçar o firmamento vão deixando olhinhos sem poderem compreender a dor de uma saudade e a ausência que não marca um tempo definido, mas que se prolonga, ao menos, por toda uma vida...

Um dito meio mórbido afirma que “ao nascer, começamos a morrer”. Mesmo com todos os problemas que se pode enfrentar, ainda assim, a esperança é de se viver o suficiente para constituir uma família, ou acompanhar o desenvolvimento daquela em que se entrou no mundo. Mas quando faltam pessoas que deveriam dar o suporte para o desenvolvimento dos mais novos, especialmente as mulheres, que se transformam em pai e mãe, nas famílias da faixa da pobreza e da miséria, está se colocando em risco o futuro de toda uma geração.

Há um lugar vazio em muitos lares de onde partiu quem teria sido referência por um longo tempo. Deixa sem chão aqueles que dependiam de sua mão estendida para aprender a caminhar. Expressões como – ele era um palhaço, brincava com as crianças como se fosse uma delas, nunca nos faltou quando a gente precisava, tinha um jeito diferente de olhar para cada um de nós… - são comuns em matérias onde se tenta entender a perspectiva e o futuro dos que perderam a mãe ou o pai. Muito cedo, alcançam a vivência da falta, sem a compreensão do que seja a dimensão do próprio luto...



terça-feira, 13 de julho de 2021

A política bagaceira nas relações públicas

Nas duas últimas semanas, meus textos foram sobre o professor e pesquisador Pedro Hallal, com o seu depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal, e o governador Eduardo Leite, com a entrevista dada ao programa Conversa com Bial (Pedro Bial/Rede Globo), assumindo publicamente a sua homossexualidade. Tinha minhas preocupações com as reações que poderiam advir. Acreditava que alguns direitistas criticariam o primeiro texto, assim como esquerdistas se manifestariam contra o segundo. Esqueci dos proselitistas, de um lado e do outro – além dos religiosos de plantão, com juízos de valores engessados e querendo, de qualquer forma, seguidores.

Vamos partir do básico. Quem falou em “aproveitamento político” por parte dos dois, está coberto de razão, mesmo que tenha expresso isto de forma negativa e, até, pejorativa, tentando denegrir figuras que conseguem emergir do marasmo pelotense. Ambos fazem política… e da boa! Uma das muitas definições de política diz que “é a arte do bem comum”, ou “a arte da negociação”. Então, até o casal que acerta para saírem no domingo à tarde e irem à praia, a pedido da mulher, para que o homem assista ao jogo à noitinha pela televisão, está praticando política! Faz-se política em todas as ocasiões em que se convive com outras pessoas, de forma ativa ou por omissão!

Uma das palavras que ouvi bastante foi “oportunista”. Engraçado que este conceito vale para o outro lado e se esquece de que, aqueles que se defende, em algum momento, foram “oportunistas”, fazendo acertos (o melhor não seria conchavos?) com opositores ou figuras bizarras da política. As discussões em defesa dos políticos de estimação é a luta de dom Quixote contra os moinhos de vento… não dá em nada! Perdeu-se a noção das palavras que fazem o diálogo e, aí sim, de forma oportunista, se dá o seu revestimento conforme interesses pessoais ou de corporações.

Parodiando figura ilustre: Não quero um político “terrivelmente católico”, mas sim, um político “terrivelmente” humanista e, se possível, com princípios cristãos. Para isto, é preciso que as figuras que são referência nos partidos, sindicatos, igrejas, sistema educacional, assumam nas escolas, templos, organizações profissionais e, mesmo, na política a função maior de serem formadores de cidadania - educadores, no seu pleno sentido - despertando a capacidade crítica de fazer as melhores escolhas e conviver com quem se posiciona diferente de mim e do meu grupo.

A “política bagaceira” que se instalou, esta, sim, é “oportunista”: permeou os poderes constituídos – executivo, legislativo e judiciário, que “ajustaram” a máquina para atender seus propósitos e formataram situações, como já foi dito, que podem até ser legais, embora imorais. As viseiras que o adestramento ideológico coloca em alguns políticos e seguidores limita a visão e força a que olhem somente para o que foram “treinados”. Com isto, infelizmente, perde-se o sentido e o significado do diálogo, instrumento máximo de uma negociação… e da capacidade de convivência política!

domingo, 11 de julho de 2021

As duras marcas da ausência

Uma crônica com histórias verdadeiras e um personagem “fictício”...

“Dona Aninha”. Uma das cuidadoras de quando morava em sua casa começou a chamá-la assim e o diminutivo grudou. Ninguém mais a tratava por Ana Conceição. Somente a Nilza, sua filha, quando queria implicar com ela ainda a chamava por todo o nome. Esperava por ela todas as tardes. Aquela casa era estranha, mas pedia que as cuidadoras a deixassem na mesma poltrona, todos os dias, na sala imensa onde mais seis idosos eram acomodados, com uma grande televisão. Ficava em frente a um corredor, no fim do qual havia uma outra sala de recepção e de onde podia ver a porta da rua.

A filha raramente saía de casa, para onde se mudara com o marido e o filho, depois que o esposo de dona Ana faleceu. Mas quando batia a porta brincava perguntando por onde andava seu “pedacinho de fofura”. Na entrada do quarto, olhava com todo o carinho, mãos nas costas: “passei na padaria, adivinha o que eu trouxe?” Meio da tarde, era hora de sair da cama e pensar no café. Sempre havia um mimo, num pãozinho especial, ou num bolo feito de aipim e coco, o seu preferido. Em pouco tempo, a filha mesmo não resistia e mostrava a gostosura: “antes, vamos fazer a higiene.”

Sem problemas. Precisava usar a fralda geriátrica, porém eram os cuidados especiais e a companhia do único familiar que restara que dava sentido à sua vida. Limpa, roupa de baixo trocada, escolher o que vestir antes de passar para a cadeira de rodas. Mas tinha uma brincadeira costumeira: no verão, colocar uma camiseta era motivo para risadas, pois sentia muitas cócegas. No inverno, as mãos frias que vinham da rua em contato com a sua pele mais sensível fazia que tivesse calafrios e se encolhesse. Nos dois casos, era um jogo de gato e de rato para conseguir terminar a tarefa.

À noite, a cuidadora arrumou dona Aninha e ligou a televisão do quarto: “vou deixar a senhora descansar um pouco”. Enquanto ainda tinha forças discutiu com a filha. Não queria descansar. Já estava mais do que descansada. Fez tanto esforço para que houvesse gente alegre na sua volta e da sua família. Mas o tempo afastou uns, levou outros… Tinha presente os amigos da juventude que jantavam em sua casa e, depois, os colegas de trabalho do marido. Protegeu as mãos embaixo das cobertas e ainda deu uma última olhada para a fotografia do esposo e da filha sobre o bidê.

A cuidadora espiou da porta e viu que já estava dormitando. Em pouco tempo, voltaria para desligar a televisão e acionar o cd que ouvia todas as noites. Não tinha conseguido muitas informações do genro e do neto. Disseram que a filha é que sabia dos seus costumes. Não se sentiam em condições de cuidá-la, depois que Nilza morreu vítima da pandemia. Já ouvira tantas histórias parecidas. Com as sequelas físicas e psicológicas do coronavírus se juntava o abandono de idosos, que já eram descuidados em tempos normais e, agora, encontravam desculpa para se manter longe deles.

As duras marcas da ausência. Sentou na sala, na poltrona em que Aninha pedia para ser colocada… Pensou na mãe que cuidou por cinco anos, antes de falecer, em casa. Histórias que se apagam com as brumas do tempo. Gostava, quando a mãe era mais jovem, de vê-la entrar por aquela porta e dizer que o marido e os filhos esperavam no carro. Quanto tempo, desde que tudo isto aconteceu? Passam os anos e ficam marcas de uma longa e cansativa jornada, sinais das lembranças e da saudade, que se carrega no coração e, especialmente, nos vincos que vão marcando nossos rostos!



terça-feira, 6 de julho de 2021

“Um governador gay e não um gay governador”

Periodicamente, figuras públicas anunciam a sua opção sexual. Quando acontece é porque, de alguma forma, era de conhecimento para círculos próximos e o fato de que comentários circulavam concretiza a necessidade de “sair do armário”, dito infeliz, como alertou Daniela Mercury: “eu não saí de um armário, porque nunca entrei nele”. Versão para expressão inglesa, sinônimo de “sigilo vergonhoso”. No caso dos gays, devido ao preconceito, esse segredo era sua orientação sexual.

A discussão, agora tem nome e sobrenome: Eduardo Leite, o pelotense que é governador do estado do Rio Grande do Sul. Num programa de alcance nacional, Conversa com Bial, disse: “Eu sou gay. E sou um governador gay, e não um gay governador, tanto quanto Obama, nos Estados Unidos, não foi um negro presidente, foi um presidente negro. E tenho orgulho disso.” E completou: “Apenas achava que minha orientação sexual era uma questão privada, mas com a exposição nacional, a partir do momento em que assumi a pré-candidatura a presidente, entendi que era importante falar.”

Confesso que não sei se é melhor tornar público, ou, o “menos pior”… Infelizmente, há uma “tolerância” que reveste o preconceito entranhado numa cultura “machista”. Quando converso com jovens e chegam a este tema, dou minha opinião: numa sociedade como a nossa, tornar público não diminui a pressão. Marco Nanine disse numa ocasião que, depois do anúncio de que era gay, em todas as entrevistas que dava, em algum momento, alguém perguntava pelo assunto. Sabendo que o mesmo não acontecia com outros artistas héteros, que não precisavam dar explicações.

O papa Francisco, em uma de suas primeiras entrevistas, pediu respeito aos homossexuais e disse que não condenava a pessoa em si (“quem sou eu para condenar alguém”), mas que a igreja não aceita este tipo de relacionamento. Há muitas lideranças religiosas de diversos credos que pedem a discrição tanto para hétero, quanto para homossexuais. Como dizia uma velha amiga, “ninguém precisa andar se esfregando na rua e entre quatro paredes é entre eles e as suas consciências”.

Leite é cidadão íntegro, por caráter e formação. O filho do Marasco e da Lica forjou em família valores que testemunha para um estado difícil, por não ser “o mais politizado da federação”, mas em que a intolerância está enraizada em atitudes do dia a dia. Por exemplo, ocasiões em que se ouve chamar de “bichinha” e, cobrado, defende-se com uma desculpa esfarrapada: “eu tava brincando”. Não tava brincando, não, estava deixando escorrer o veneno que já fez muitas vítimas…

Não somos “polo exportador de veados”, como certa liderança política brincou. Quem dera o estado que já teve um governador negro, uma governadora mulher, respeitasse o fato de que, agora, tem um governador gay. O preconceito, neste caso, é a ignorância que afasta da verdade. Eduardo é alguém que não tem por bandeira uma opção sexual, mas a defesa da integridade da alma de todos os gaúchos, já tão esfarrapada, necessitando de um agregador que respeita e merece ser respeitado!

domingo, 4 de julho de 2021

A coragem de enfrentar o frio

Vamos combinar: São Pedro mudou os móveis na sala e não avisou pra ninguém. Então, quando a gente entra, à noite, no escuro, é muito provável que vá dar um bico em alguma mesa, cadeira, armário… Vai dizer que você já não se sentiu assim ao sair de casa ou, no final da tarde, quando volta, pensar que fez uma previsão errada e botou roupa de mais… ou de menos! Se foi demais, tem o já costumeiro efeito cebola – a gente retira camadas – mas, se foi de menos e o frio começa a bater no anoitecer, o jeito é se encolher e rezar para chegar em casa o mais rápido possível.

Pela manhã, é um problema. Ouvir ou assistir algum programa de rádio ou televisão que dê a temperatura e a previsão do tempo. Se, como eu, vai ficar em casa, estabelecer uma rotina que tem o levantar, o café, arrumar a casa, fazer alguns exercícios e… tomar banho! O maior de todos os exercícios – e sacrifício, porque a gente salta mais fugindo dos pingos frios do que dos boletos que se acumulam para pagar no início de cada mês. Liga o chuveiro, experimenta a água e dá uns pulinhos pra “esquentar”! O bom é entrar rápido para baixo, mas e cadê a coragem?

Depois é escolher as roupas. Literalmente, é a vez de armar as camadas. O frio dos últimos dias exigia que, mesmo dentro de casa, iniciasse por uma camiseta térmica, cuecão e meias de lã; depois, a segunda camada: um abrigo e uma camiseta comum. Fechando com um blusão de lã. Tudo posto, deixar um casaco de sobreaviso para as necessidades de sair à rua. Trocando as pantufas (estas companheiras que me afastam da possibilidade de ser um “pé frio”) por um calçado fechado e capaz de manter o conforto e o calor porque, na rua, “encana” o vento e nem reza forte salva o vivente!

Não me animo a dar minha opinião entre o frio e o calor. O primeiro tem seu charme, também problemas sociais enfrentados por quem trabalha ou, por necessidade, está nas ruas. O segundo, beneficia quem usufrui de férias e viagens, mas torna mais estafante quem não consegue fugir do trabalho nosso de cada dia. Sou mais das temperaturas amenas da primavera e do início do outono. Os extremos são uma tentação para se esquecer a rua e aproveitar os benefícios de uma boa sombra ou do aquecimento dos aparelhos e, aí, um outro problema: e a conta da luz?

E tem a “friaca”, quando o frio se mistura com a umidade. Teve um dia da semana passada que foi exatamente assim: um tempinho bem “Pelotas” onde a proximidade com a lagoa e outros pontos de água dão a alguns momentos no início do dia - com a serração fechada - uma visão que oculta os pontos mais distantes e faz a gente se retrair ainda mais nas ruas. A mistura potencializa a sensação de que só se encolhendo para resistir e, aí, fica-se com a impressão de que todos os ossos foram moídos e se precisa de um bom chimarrão, chá ou café bem quente para sobreviver.

Sempre achei exagerado quando alguém reforçava o guarda-roupa com luvas, toucas, capuz e mantas. Este ano, desisti da minha “coragem” de enfrentar o frio. Iniciei usando o capuz de um casaco. Gostei e fui em busca de uma touca e, já que estava na loja, comprei luvas para os momentos de leitura. Podem rir: eu aparentava alguns quilos a mais e movimentos bem mais lentos… mas, em compensação, estava bem mais quentinho. Então, o resto… é espiar a rua, esperar o inverno passar e lembrar que, logo, logo, a primavera traz ares bem mais amenos e uma nova disposição!