sábado, 29 de agosto de 2009

Transparência

Seguidamente, uma palavra entra na moda e é repetida - necessária ou desnecessariamente - como uma espécie de marca de um tempo: foi o caso de paradigma, assim também aconteceu com cidadania ou mesmo com pós-modernidade. Pois o caso, agora, acontece com “transparência”, que deveria significar apenas que os poderes públicos – nos três níveis: municipal, estadual ou federal – estão atuando de forma honesta, especialmente no que se refere aos recursos que administram. Ficando apenas neste item – outros poderiam ser elencados, como o gasto do tempo de trabalho no setor público – já sabemos que não é bem assim, pois a farra do desperdício está todos os dias nas manchetes dos meios de comunicação.
Os governos têm se cercado de especialistas que atuam desde a forma de modernizar as estruturas administrativas, passando pelas ações em diversas áreas e chegando à publicidade de todos os gastos. Começa aí a primeira reclamação: de que não é justo que se tornem públicos os salários dos políticos em cargos no executivo, judiciário e legislativo, ou mesmo dos servidores. Ao contrário, é justíssimo. Afinal, quem paga esta conta são os contribuintes, que têm o direito de saber o que foi bem empregado e o que não foi. Utilizar, hoje, por exemplo, a internet é alcançar mais um instrumento para que o cidadão tenha um retorno daquilo que espera do setor.
Não havendo este retorno pode ser hora de mudar a própria máquina. Saber o salário do presidente, governadora ou prefeito, assim como dos demais cargos, é apenas respeitar um direito, pois constatamos que, em muitos casos, eles são bem superiores ao que aqueles que preenchem estes cargos merecem. Quando se ouve que senadores e deputados federais reclamam de seus salários, assim como das inúmeras ajudas de custo que recebem, vejo que se estabeleceu uma orgia nos gastos públicos, com uma desfaçatez que assusta, pois se fala pseudamente de forma séria, sem levar em consideração a míngua de quem recebe salário mínimo ou dos aposentados que têm seus vencimentos defasados.
Cobrar transparência de quem está em qualquer um dos poderes é questão de decência. Precisa-se responder com honestidade àqueles que ganham o salário no final do mês com o suor de seu rosto. Das muitas vivências e andanças, vejo que pessoas simples vivem a desconfiança e decepção, ouvindo de seus representantes balelas que não significam nada na sua vida prática. Mas que pode ser mudada, na próxima eleição. Pelo voto.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Reverter a pobreza

Cinco municípios da região sul do Estado – Amaral Ferrador, Cerrito, Herval, Pedro Osório e Santana da Boa Vista – resolveram pedir socorro, pois se deram conta de que sozinhos não poderão reverter o quadro de pobreza existente em suas áreas urbanas e rurais. Seus prefeitos apelaram ao Ministério do Desenvolvimento Social para obter a inserção em programas que beneficiem estas regiões com a injeção de recursos.
Estão certos tomando tal atitude. Em cada uma das macrorregiões do Estado existem municípios pólos e aqueles que gravitam à sua volta. Quando conseguem que empresas, indústrias ou prestadoras de serviços se instalem em seus territórios, muitas vezes com serviços terceirizados, ainda têm alguma chance de desenvolvimento, caso contrário, definham e pouca ou nenhuma perspectiva apresentam a seus moradores.
Vemos, hoje, é que muitos são os recursos investidos nestes pólos, com uma preocupação de valorizar o capital econômico. O empresário que pensa assim tem lá suas razões, mas o dirigente político municipal, estadual ou federal não pode fazer o mesmo. Sua obrigação é pensar o capital humano que se encontra nos grandes e nos pequenos municípios; naqueles que merecem a atenção dos empreendedores, mas também naqueles para os quais é necessário montar estratégias que se não os tornam atrativos, ao menos podem viver das migalhas que caem da mesa.
Pois esta é, exatamente, a função do dirigente político: incentivar o investimento em áreas alternativas, para que não se tenham regiões onde há a abundância de recursos, em detrimento de outras onde a pobreza é palpável, quando não se encontra a própria miséria. Algum tempo atrás, um prefeito dizia que a sua maior fonte de arrecadação eram os aposentados! Quando estes recebiam, todo o sistema econômico do município era beneficiado, o resto do mês restava para esperar o próximo pagamento.
Buscar alternativas que beneficiem estes municípios mais pobres é concretizar a inserção social. Muitas de nossas mazelas vêm, exatamente, de pessoas que não têm renda e, consequentemente, também não têm informação e formação. Em muitos casos, a pobreza ou a miséria deixaram marcas que os tornam apáticos e incapazes, inclusive, de pensar que poderiam viver melhor.
Tomara que prefeitos e lideranças políticas sensibilizem o governo estadual e federal para que se diminuam as diferenças sociais e se dê um mínimo de dignidade a todo o ser humano. Não é tudo, mas ajuda a vislumbrar a possibilidade de dias melhores.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Cachorro, Prata e suíno

Eu tinha em torno de cinco anos quando fui apresentado ao mundo do Jogo do Bicho. De uma lista de animais, meu pai quis saber qual eu escolhia: tasquei o cachorro e ele jogou o número correspondente. No final da tarde, não deu outra e o bilheteiro, pensando me agradar, chegou acenando com o dinheiro. Cruzei os braços, fechei as mãos e não quis o valor que ganhara, pois eu queria era um cachorro de verdade1! Lembrei deste fato quando, semana passada, uma das atletas que conquistou Ouro nas Olimpíadas disse que estava em dívida com a filha, pois quando apresentou a medalha, ela foi taxativa: aquela não queria, queria a Prata!
Nos dois casos, houve um foco diferenciado de criança que, da nossa perspectiva, pode parecer errado. Mas não é, é “diferente”. Não é a mesma coisa o que está acontecendo no caso da nova gripe e o tratamento dado pelos setores públicos que deveriam cuidar da população, sem ter o direito de errar ou de se enrolar. Escolas reiniciaram aulas no dia 17, outras reiniciarão nos dias 24 ou 31, e outras, ainda, nem deixaram de dar aulas. Qual dos grupos está certo? Em compensação, festas são realizadas, bailões, shows musicais, com centenas, milhares de pessoas em ambientes propícios à transmissão do vírus. Parece-me que, novamente, o erro é de foco. Não creio que a suspensão das aulas seja o melhor. Até porque, há crianças que precisam do alimento distribuído nas redes municipais e estaduais, assim como escolas que, muitas vezes, funcionam como “creches”, pois permitem que os pais trabalhem neste horário.
Uma rede nacional de televisão fez um editorial mostrando que o ministro da saúde mais atrapalha do que ajuda quando se pronuncia, pois sua assessoria, em muitos momentos, precisou retificar informações dadas ao público. Em qualquer nível, há problemas acontecendo e aquela população que anda de ônibus, trabalha nas fábricas, circula pelo comércio, está confusa: recebe informações contraditórias, desencontradas e tristemente alarmistas.
Não há como conter este vírus. Assim como não se conseguiu conter muitos outros vírus espalhados pela sociedade e criando mais problemas e mortes do que este. Um cachorro, uma Prata ou um suíno, em princípios parecem não ter nada em comum, mas enquanto o cachorro e a Prata podem ser considerados como o foco errado ou diferenciado de uma criança, o suíno – que entrou de inocente útil nesta história – precisa ser enfrentado com a seriedade que a saúde pública há muito tempo não vem merecendo neste País.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Saudades do Infinito

Foi num programa sertanejo: o garoto, dos seus 15 anos, perguntou à apresentadora se poderia lhe pedir a bênção. Parei o que estava fazendo para voltar aos meus tenros anos vendo aquele menino inclinar-se, tomar a mão estendida e beijá-la. Tive que sorrir e regressar no tempo, pois quando acordávamos, ou quando se acendia o lampião, prontamente nos dirigíamos ao pai e à mãe para pedir “bênção”, obtendo como resposta: “Deus te abençoe, meu filho”.
Uma lembrança ingênua, causada por um programa de músicas com cheiro de terra, onde o tratamento é simples, cordial e respeitoso. Claro que não poderia deixar de estabelecer a comparação com aquilo que hoje temos, quando, muitas vezes, sequer um “bom dia” se dá àquelas pessoas pelas quais se passa. A pressa, a necessidade de concentrar atenção em algumas atividades, ou até a falta de costume, fez com que deixássemos de lado hábitos tão saudáveis, que mantinham relações de afeto e de autoridade, não estabelecidas pela formalidade, mas pelo convívio.
Fui lembrando, também, o final de uma Missa, em que o padre, quase se desculpando, disse que todos aqueles que desejassem poderiam ficar para uma bênção especial pela saúde. Ninguém foi embora e achei interessante que algumas pessoas mais velhas chegaram a entrar duas vezes na fila! O próprio padre me disse que achava que fossem poucas as pessoas que ficariam, mas não se deu conta de que elas têm carências e a bênção supre um momento especial da relação entre elas e o Divino, numa forma bem concreta, na reminiscência, especialmente para os mais idosos, de sua vivência nos primeiros anos de vida.
Já tenho falado a respeito em artigos e palestras que as igrejas se distanciaram de atos concretos que envolvem a gestualidade, ficando cada vez mais intelectualizadas. Esquecemos que também temos um pé na África e que, embora inicialmente envergonhados, todos nós gostamos do balanço de uma música, de uma gestualidade mais viva e de uma bênção, em qualquer momento e por qualquer razão ou desculpa.
O ritual da Igreja Católica é rico em elementos que, muitas vezes, na prática, são perdidos, em qualquer destas áreas. Mas fica sempre a lembrança de momentos como o do menino cantor, ou o susto do padre pelo número de abençoados, em que nos defrontamos com as carências humanas. E as carências humanas são, historicamente, as mesmas, talvez adquirindo outras formas, mas continuam sendo a sede de quem vive sentindo saudades do Infinito.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Um pai trabalhador

No início da semana, o presidente Lula sancionou lei que, em tese, facilita a adoção de crianças, processo muitas vezes engessado pela burocracia, legislações superadas e estruturas despreparadas para facilitar a vida daqueles que já levaram golpes demais e, se houver uma chance que seja, possam agarrá-la com as duas mãos.
Das muitas matérias que vi, ouvi e li, fiquei sensibilizado pelas crianças menores, abandonadas ou retiradas da guarda dos pais, mas facilmente adotadas, por uma preferência que categoriza, por ordem: menina, recém-nascida, branca.
E a tristeza ao saber que para os meninos, especialmente se forem pardos ou pretos e se tiverem passado dos cinco anos, torna-se praticamente impossível uma adoção. Foi justamente de um deles, enquanto retorcia as mãos, nervoso, mas querendo passar uma mensagem, que ouvi o que mais me chamou a atenção: “o que eu mais quero é ter um pai, um pai trabalhador!”
Confesso que fiquei surpreso com a declaração. Esperava de outro tipo: “alguém que me dê carinho”, “alguém que me tire daqui”, “alguém que me consiga dinheiro”. Mas, porque um “pai que seja trabalhador”?
Na proximidade do Dia dos Pais, é digno de muita reflexão: se criar os próprios filhos já é algo difícil, criar e amar filhos que vêm de situação de risco, sem saber que tipo de marcas lhes ficou da vida anterior, é um ato que não pode ser considerado de ousadia, mas de amor, de muito amor. Um amor incondicional pela vida e pelo direito de sobrevivência e de realização de alguém que lhe foi colocado no caminho pela graça de Deus.
Nos depoimentos que ouço, tanto em meios de comunicação quanto na vida real, vejo pessoas que não sabem explicar racionalmente porque tomaram tal decisão, mas que precisavam fazê-lo, superando o fato de que estão auxiliando alguém, para a própria realização. E que fariam de novo, se necessário. Tanto assim que muitos dos que adotam uma vez, acabam repetindo o mesmo ato.
Tomara que a nova legislação auxilie crianças de todas as idades, de todas as cores e de todos os sexos. Que elas consigam encontrar pais capazes de dar o que necessitam: amor, companheirismo, cumplicidade no ato de existir. E, mirando o seu próprio futuro, sabendo que este é um grande valor na construção de uma família, olhar para aquele que lhe deu abrigo, em especial no seu coração, e dizer que está se realizando porque encontrou um pai, “um pai trabalhador”.