terça-feira, 27 de abril de 2021

Lobos e homens: a procissão dos desamparados…

Há duas versões para os que estudam as alcateias dos lobos: na primeira, os mais velhos e estropiados encerram as fileiras, quando se deslocam, tornando-se vítimas ao sofrerem ataques ou emboscadas. E um segundo grupo que afirma irem os mesmos à frente para ditar o ritmo com que se viaja, o que atende também às mães com filhotes e os próprios pequenos que cansam e sempre buscam uma forma de diversão pelo caminho. Das discussões em torno da vacinação contra o coronavírus, não há como não se pensar que paira um clima semelhante… com o primeiro grupo.

A pandemia não tem lógica. Mesmo com todos os alertas, depois de um ano em isolamento, não se tem como dizer o que se passa na cabeça das pessoas. As reações são imprevisíveis, como a do idoso que recebeu a primeira dose e acreditou que já podia se livrar da máscara e refazer contatos. Infectado, voltou para casa com sequelas neurológicas, sua esposa está internada e as filhas em tratamento. Uma delas disse: “descuidamos e vamos pagar pelo resto de nossas vidas”.

Na semana passada, muitos hospitais reclamaram que estavam ficando sem os kits de entubação. Material fundamental para uma das etapas mais difíceis do tratamento, com medicações para controlar a dor e causar o menor desconforto possível numa técnica invasiva, mas necessária. O diretor de uma das casas de saúde chegou a anunciar que teriam que fazer o procedimento sem a utilização de anestésicos, precisando conter o paciente à força, sendo, dos males, o menor.

O candidato a vereador e enfermeiro apresentava vídeos pelas redes sociais acusando dirigentes políticos de estarem omitindo dados com relação ao coronavírus. Divulgou informações falsas sobre o covid, dizendo que não iria se vacinar e defendendo a utilização de medicações que a ciência negou a eficácia. O Conselho de Enfermagem do Rio abriu processo contra ele. Não chegou a cassá-lo, foi traído pelo próprio vírus que não acreditava ser capaz de levá-lo à morte.

Afinal, o que tem a ver lobos, com a vida em família, problemas hospitalares e um destes arautos de discursos prontos? A falta de uma cultura de responsabilidade social. Numa e noutra situação, os lobos agem por instinto de sobrevivência. O que os deveria diferenciar do homem é exatamente a sua capacidade de criar cultura, especialmente em tempos de crise, buscando atravessar todas as tormentas não “no mesmo barco”, mas com as mesmas condições em que se diminuam as perdas...

Gostaria de poder argumentar que somos uma sociedade solidária. Também não se pode generalizar dizendo que a população é avessa aos cuidados mínimos necessários para controlar a pandemia. Tem-se um grupo que age assim, tornando difícil o controle, e um outro que ajuda na situação de pobreza em que muitos sobrevivem. No meio, a maioria silenciosa e, preocupantemente, indiferente. Que deixa pelo caminho os desassistidos sem se dar conta de que a fila anda e, um dia, se tornarão os idosos ou estropiados que podem encerrar a grande procissão dos desamparados…

domingo, 25 de abril de 2021

Com doçura, uma boneca e muito afeto…

A proximidade do dia das Mães tem uma carga afetiva muito forte. Comércio e serviços garantem que vai ser difícil, com as pessoas gastando bem menos do que em outros anos. E quem não tiver condições, vai procurar uma lembrancinha para mimar quem já nos deu tantos mimos. Creio, será o momento de encontrar alternativas: pequenos objetos, cartões e muito carinho e amassos! Como diz a mídia: propiciar um “dia de rainha”, tomando para si atividades que ela faz todos os dias e que se rotula como sendo “coisas de mãe!”, na verdade, a doméstica não remunerada do lar.

Os dias próximos a esta festividade, assim como o aniversário da mãe - dona França, 1º de junho – tornam mais sensível o jeito com que se vê propagandas, especialmente em vídeos, e matérias humano/afetivas. Uma emissora de televisão apresentou especial sobre idosos que residem em casa atendida pelo setor público. Alguns há muitos anos sem contato com filhos ou netos. A psicóloga da instituição desenvolveu uma campanha recolhendo e recuperando bonecas, depois trabalhou a acolhida, por parte das senhoras, dos “filhos” ou “netinhos”, conforme o imaginário de cada uma…

Os psicólogos podem explicar melhor, mas, pelo processo de transferência, encontraram sentido e reagiram ao estado comatoso em que se encontravam. Passaram a fazer tarefas que não faziam, esforçar-se com a alimentação, com a higiene, cuidar do próprio espaço no dormitório… enfim, a nova companhia provocou mais do que a previsão dos cuidadores poderia imaginar e tornou o ambiente mais feliz e interativo. Claro que sempre tem um senão… e o delas é que, para as raras visitas que apareciam, todas queriam apresentar e descrever o que as suas “crianças” haviam feito!

Foi parecido com o processo que tivemos com a mãe quando passou a ficar mais tempo na cama. Havia um anjinho que rezava o Pai Nosso e ficava sempre na sua cabeceira, com o qual fazia sua primeira e última oração do dia. Mais uma boneca que andava com ela nas suas internações. O primeiro a acompanhou na última viagem… a segunda está, ainda hoje, na minha sala de trabalho - um jeito carinhoso dela se manter presente na minha vida. Dos objetos que guardam lembranças, o pai também tinha os seus e, ao nos deixar, levou um boné das suas caminhadas e o relógio de bolso.

Nos últimos tempos, ficávamos mais sozinhos. Quando um dos meus sobrinhos tinha um filho, sempre trazia para que a “bisa” conhecesse o mais novo integrante da família. Em determinado momento, acabava no colo da mãe, quando seus olhos demonstravam a felicidade em ver a família se renovando e pendia a cabeça em direção à criança – num sentido encontro de gerações… Tinha medo de que fosse muito peso para os ossos já fragilizados, mas era difícil tirar aquele pedacinho de gente de seus braços, que a fazia tão feliz e, parecia, renovar o sentido de seus últimos dias…

Com doçura, uma boneca, e muito afeto ficam as lembranças de mães que já não estão conosco; a vontade de pedir colo para as que estão por aqui; reconhecer os sacrifícios das genitoras biológicas; as “mães” de coração, que nos adotaram entre parentes, na escola, na vizinhança. Na falta de quem deveria amparar idosos que já não têm a mesma energia e memória, a boneca - como objeto de afetividade - dá sentido ao embalo em que dormitam abraçadas. No ocaso da existência, a dureza da vida se mistura com os sonhos, tornando menos doloridas as lembranças e a própria saudade…

terça-feira, 20 de abril de 2021

A morte silenciosa das consciências

Gostava quando, em priscas eras, se diferenciava “história” de “estória”. A primeira, eram os fatos registrados, a segunda aquilo que a imaginação criava. Discussão parecida se faz com relação à educação e ensino. Defensores de mudanças no atual sistema buscam espaços para um pacto que refaça esta trajetória. Ciências sociais e humanas não são exatas, portanto, as definições se diferenciam, guardando elementos em comum. Em princípio, o ensino se preocupa com conteúdos formais, especialmente, em sala de aula; e a educação com a formação de valores morais e éticos.

Daniel Scola, jornalista do grupo RBS, viajava pelo Japão quando precisou andar de metrô. Outono, chegando o Inverno e o frio se intensificava. Quando as portas se abriram reparou que, tanto do lado de fora, como do lado de dentro, todos – e eu disse todos – usavam máscaras, em época em que não se falava em pandemia. O costume se deve à poluição, por saberem que o uso protege dos estados gripais, comuns neste tempo, também para os que viajam juntos.

O apresentador Rodrigo Ruas estava do lado de fora de um mercado público. Descreveram as belezas e a história do local e veio a recomendação: não toque em nada, não apalpe nada! O péssimo costume de apertar tudo o que se encontra – no mercado ou na feira, é claro – levou a que muitos dos lugares que se visita tenham receio do comportamento do turista brasileiro, que julga serem suas férias períodos de “liberdade”, não importando onde se está e os costumes locais.

Empresários e políticos quiseram “levar vantagem em tudo, certo?” (Lei de Gerson) e foram vítimas da própria esperteza… políticos furaram a fila, para si e familiares, e ficaram com a marca de que prometem mundos e fundos, porém acabam colocando, em primeiro lugar, seus interesses, com argumentos encenados, lembrando lágrimas de crocodilo... E empresários em Minas Gerais que contrataram uma enfermeira mais esperta que cobrou por carne de lebre e entregou carne de gato!

Mas, de todas as “deseducações”, a mais triste é de que parcela da população não transforma informação em conhecimento. Milhares de pessoas sabem que precisam da vacina, receberam a primeira dose e, por diversos motivos, julgam estar imunizadas. Prejuízo para si e para a sociedade. Uma das grandes conquistas da humanidade – a prevenção pela vacina – já teve altos e baixos, conforme os governos de plantão foram capazes de deflagrar campanhas educativas e motivadoras.

Uso da máscara; o fato de que é preciso “ver com os olhos e não com as mãos” (você ouviu isto da sua mãe); abandonar a esperteza; ajudar idosos a entender o que acontece, faz parte do processo de educação. A pandemia aumenta o fosso entre quem possui recursos para aprender e quem mergulha no abismo da indiferença. Tempo de crise pode resultar em pacto social. O papa Francisco diz que “a educação é geradora de esperança”. Em contraponto, a ignorância é a morte silenciosa das consciências. Estamos perdendo a guerra, ao não garantirmos um futuro para as novas gerações…

domingo, 18 de abril de 2021

Brasileiro: uma alma em busca de identidade

Tinha cerca de 10 anos quando convivi, pela primeira vez, com meninos vindos da serra gaúcha. Chegavam a Pelotas para estágio no Seminário Diocesano, durante uma semana, atendendo ao convite de muitos padres que já eram oriundos daquela região. Mas foi um ano depois que passei a viver, efetivamente, com uma pequena colônia de gringos. 11 anos, faria 12 em junho (idade mínima para iniciar os estudos), e iríamos completar o primário em 17 alunos, sendo 12 de origem italiana. Foi uma escola paralela ouvindo-os falar no “talian”, um dialeto comum em suas famílias.

Por recomendação do Andrei Thomaz Oss-Emer (gringo de origem), assisti ao documentário “Legado Italiano”, admirando a contribuição que trouxeram a uma região inóspita, onde fincaram a vontade de fugir da miséria. Contrariando expectativas de administradores, que preferiam vê-los empregados, especialmente na produção do café, desenvolveram a indústria, gastronomia, turismo, religião, língua e a música. Lembrada no especial com cantigas populares da época, um dos seus legados, que resultaria no cancioneiro romântico que marcou toda uma geração pelo mundo…

O filme mostra o que se quer ver – as belas paisagens, gastronomia, parreirais, a gente acolhedora - e também o fato de que eram os pobres que a Itália queria exportar, sendo que o Brasil precisava como mão de obra. A saga: vindos em embarcações apinhadas, com muitos morrendo pelo caminho, sem uma sepultura digna. E a necessidade de preservarem a união – um destes elos era a própria fé católica – mantendo os costumes de conviverem aos fins de semanas, nas Missas, mas também em refeições típicas (polenta e vinho), jogos, de carta e truco, e os corais – a música em grupos.

Muitos sacrifícios até atingirem a pujança que alcançaram. Tomaram decisões difíceis. Os “bambini italiani” que conheci já eram de gerações que contavam histórias de seus avós, preservando tradições… por exemplo, o fato de que vinham buscar a formação para padre era, em muitos casos, porque os pais não conseguiriam financiar estudos, com eles na roça. Ficavam em casa os mais velhos. Garotas e garotos iam para as casas de formação religiosa em busca de estudo e, quem sabe, de uma vocação. A situação podia ser pior quando precisavam entregar os filhos para adoção!

Não chegara aos anos 1900 e muita gente entrou pela Lagoa dos Patos, seguiu até Porto Alegre e, dali, do jeito que conseguisse, subia para o que sonhavam ser, um dia, o seu lar. As marcas estão nos cercados de pedras em torno das parreiras, os cantos onde ficam amontoadas as lenhas necessárias para enfrentar o frio, as primeiras construções de madeira em que a necessidade muitas vezes fazia com que os filhos casassem e ficassem como reforço da mão de obra. A casa virando um autêntico condomínio. Depois vieram as moradias de pedra e já se julgavam tendo conquistado o futuro…

Falar de cultura, no Brasil, é reconhecer a contribuição de grupos que não marcam a maior parte da população. Alicerça na história e transpira por poros onde se decanta a alma de gente com sangue índio, negro, europeu e oriental... Cada um tendo uma riqueza de valores para auxiliar uma nação jovem e ainda confusa com o próprio destino. Inspirados pelos pioneiros, que deram o último suspiro, voltando o olhar para o pátio, as parreiras, colinas e o infinito. Singraram mares, mas o sonho da eternidade começa pelo lugar onde desbravaram todas as barreiras e plantaram a própria esperança!

quinta-feira, 15 de abril de 2021

55 Dia Mundial das Comunicações Sociais

 Pastoral da Comunicação Arquidiocesana de Pelotas

Pastoral de Comunicação do Estado do RS, dioceses de Bagé, Rio Grande, Universidade Católica e Livraria Santa Rita

15 de abril 2021 – live pelo Facebook da Arquidiocese de Pelotas



Preparação para o Dia Mundial das Comunicações Sociais


Manoel Jesus – Educador, palestrante, articulista.

Fone/whatsapp – 053 – 981207036

E-mail: manoeljss21@gmail.com


Quando a Pastoral de Comunicação da Arquidiocese decidiu por uma formação sobre a mensagem do papa Francisco para o 55º Dia Mundial das Comunicações Sociais – 16 de maio – na festa da Ascensão do Senhor, foi combinada a minha presença e de dom Carlos Rômulo, referencial para a comunicação no Estado. Como já havia feito uma apresentação aos bispos do estado, coordenadores de pastoral e da Pascom, ofereci para fazer um resumo do documento, quando foquei o olhar naquele que é responsável por fazer a comunicação – o comunicador. Querendo ou não: aquele que é, por excelência, um formador de opinião.

A Igreja Católica, no Concílio Vaticano II, cunhou a expressão “comunicação social”, em contrapartida ao que era utilizado como “comunicação de massa”. A proposta dos cardeais não era apenas os meios de comunicação, que se popularizavam – jornal, rádio, cinema e televisão, mas as novas mídias e, especialmente, as comunicações feitas dentro da própria Igreja.

Não tenho tempo e espaço aqui para falar de tudo o que aconteceu desde então. Mas é bom se pensar que a sociedade que era rural se tornou urbana. Os meios de comunicação que predominavam – os púlpitos – foram relegados e esquecidos. A Igreja, por dioceses e ordens religiosas, fez grande investimento em comunicação, pena que não teve uma preparação adequada de seus comunicadores, sequer políticas bem definidas quanto ao que fazer com os meios.

Lembrando: comunicação social e comunicação de massa não são sinônimos. A primeira trabalha interação social. A segunda trabalha a influência do comunicador sobre o receptor.



1 Para este ano, o papa Francisco faz a provocação que Jesus fez aos discípulos que reverberaram e atraíram os demais:vem e verás”. Em tempos difíceis que estamos vivendo é preciso comunicar encontrando as pessoas onde estão e como são”.

2 É um convite e cria uma expectativa. “Vem e verás”. O método de toda a comunicação humana autêntica que perpassa:

- a redação de jornal.

- o mundo da web.

- a pregação da igreja.

- a política.

- a vida social. Em síntese, não escapa nada.

3 As expressões do papa Francisco são muito próximas do dia a dia das pessoas e, quando fala em gastar a sola do sapato, se refere a jornais (não apenas o impresso, mas a comunicação, de uma forma ampla) que se faz por fotocópia, mas também do sermão que pode ser fotocópia.

Da mesma forma que os repórteres dos meios de comunicação podem ter fontes que manipulam, sabe-se que os pregadores podem ter fontes com diversos interesses que gostariam que a Igreja pregasse de uma ou outra maneira. Este é o motivo pelo qual a comunicação precisa ser construída no encontro com as pessoas para procurar histórias ou verificar com os próprios olhos determinadas situações. Vivemos a comodidade de ser expectadores externos, pelas redes sociais, que também podem ajudar no encontro, que, sem elas, muitas vezes não teriam lugar para acontecer.

Comunicar encontrando as pessoas onde estão e como são” é uma leitura atualizada da proposta de uma “Igreja em saída”.



E onde é o lugar do encontro?

A sensibilidade do evangelista João foi trazida pelo papa, em detalhes que lembram de uma crônica, um dos gêneros mais gostosos da literatura. Quase meio século depois, o impacto do convívio – com as falas, gestos, expressões – fez com que o jovem filho do trovão não esquecesse que seu primeiro encontro se deu na hora décima, quatro da tarde. Mas também João fala das lembranças de Filipe: “de Nazaré pode vir alguma coisa boa?” Deve ter havido um sorriso e um olhar indicando para onde deveria ir: “vem e verás!” O mesmo “vem e verás” que deixa Natanael aturdido quando ouve: “antes que Filipe te chamasse, eu te vi debaixo da figueira”. Ou o testemunho de quem foi e viu o que Jesus tinha pra dizer e voltou à samaritana para testemunhar: “já não é pela tua palavra que acreditamos, nós próprios ouvimos”.

4 Claro que a mensagem tem como um dos principais focos os jornalistas, dos quais destaca a coragem, muitas vezes, de mover-se com o desejo de ver, denunciando minorias perseguidas, abusos, injustiças contra pobres, contra a criação e até guerras em lugares esquecidos do Mundo... O filósofo Pierre Bourdieu diz que os jornalistas olham a realidade através de óculos.

?São eles, por exemplo – os jornalistas, diante da ruptura que se faz pelo distanciamento social, hoje, capazes de denunciar, especialmente, a tragédia nos países pobres, mas, também, o fosso que se abre nos países desenvolvidos, onde grupos empobrecidos fazem filas à porta dos centros de Cáritas, em busca de cestas básicas?

O problema é saber que óculos são estes e se, hoje, conseguimos formar ou influenciar jornalistas que olhem as realidades do mundo sob o prisma cristão/católico...



Oportunidades e insídias nas redes sociais

5 Uma realidade que perturba são as oportunidades e insídias nas redes sociais, em especial a manipulação das notícias e das imagens, às vezes por um banal narcisismo – as fake news. Conscientes de que não se pode demonizar um instrumento, mas criar uma maior capacidade de discernimento e um sentido de responsabilidade mais maduros, quando se difunde ou se recebem conteúdos. Trabalhar com a pedagogia de Jesus, onde algumas coisas só se aprendem experimentando. A comunicação que supera as palavras pelo olhar, tom de voz, gestos...

Ter presente que o fascínio de Jesus estava na sua pregação, na convicção e até em seus silêncios. Provando que, nos tempos atuais, existe uma quantidade de eloquências vazias. A proposta de um novo encontro precisa de um “extra” de humanidade que transparecia no que via, no que dizia e nas atitudes. Mesmo antes da pandemia, já se vinha percebendo, no Brasil, que a sociedade estava perdendo a dignidade, o que acarreta a perda do senso moral e ético, como consequência, os valores religiosos.

6 Tendo que conviver e atender quem sofre com a fome, desemprego, insegurança, moradias precárias ou inexistentes, jogam-se as instituições que se sentem responsáveis numa luta difícil de ser vencida. A consequência é que outros valores são colocados socialmente, pela manipulação das mídias e das redes sociais, especialmente pelo entretenimento.

7 A informação que deveria ajudar no processo de formação se transformou em entretenimento… e o entretenimento ajuda na naturalização de processos contrários àquilo que defendem as instituições que são referência para a moral e a ética.

Nos tempos atuais, existe uma quantidade de eloquências vazias. Para preenchê-lo é necessário o silêncio da oração, da reflexão e da meditação.



Preparar o comunicador

8 Ouvi de padres, ministros, diáconos, leigos que fizeram presente Jesus Cristo na vida do povo de Deus por um telefonema regular para os paroquianos, muitas histórias durante esta pandemia. A confissão feita em pátio ou nas entradas de Igrejas. A ministra que pediu a bênção do padre para os pãezinhos que preparou e levou para doentes e idosos que atendia, quando em tempos idos levava a comunhão semanalmente. O padre que fez o “táxi dos velhos” levando, um por um, para a vacina. E as muitas paróquias que fizeram a peregrinação do Santíssimo pelas ruas e vilas fazendo com que as pessoas se sentissem próximas do Senhor.

Mas também tivemos paróquias e comunidades que se contentaram em ser “igreja drive thru” - entrega um produto se o consumidor for até o local buscar... Acreditando ser o suficiente propiciar uma ou outra live que chegasse até as casas.

9 Não resta dúvidas de que é preciso usar os meios de comunicação, lembrando que são exatamente isto: meios. Os documentos da Igreja enfatizam que uma pastoral da comunicação não é apenas mais uma pastoral, mas um serviço que deve estar à disposição das demais pastorais. Seu protagonismo é dos leigos, que precisam ser preparados tanto para o atendimento profissional – relação com os meios de comunicação, atendendo à instituição Igreja – quanto à pastoral da comunicação propriamente dita, que é a preparação de todos os comunicadores que fazem o anúncio da Boa Nova.

Por serviços como comunicador na Liturgia, comunicador na Catequese, comunicador na pastoral da juventude, comunicador na pastoral da acolhida, comunicação na pastoral da sobriedade, comunicador na pastoral da saúde e tantos outras, mas uma, em especial, que veio do encontro estadual, pela Victória: comunicadora missionária...

Então, meus amigos, o grande questionamento para os jornalistas cristãos, em primeiro lugar, e para nós, Igreja, é: o “vem e verás” que também ouvimos de tantas formas continua a fazer com que renovemos a confiança no encontro com Jesus?

10 O desafio do dia a dia passa por atender demandas burocráticas, no entanto, o Senhor desafia para o caminho, para a rua. E, nele, está o povo de Deus, homens e mulheres que precisam de palavras mas, especialmente, que se chegue onde estão e como são. Uma igreja em saída – desafio do papa Francisco – um norte para alicerçar as novas relações sociais.

Não é apenas uma geração que usufrui de benefícios das novas mídias e redes sociais, mas oportunidade de integrar públicos - como grupos de risco e idosos - que foram, gradativamente, afastados e reencontram um lugar para o seu convívio social!



11 Lembrando: comunicação social e comunicação de massa não são sinônimos. A primeira trabalha a interação social. A segunda trabalha com a influência do comunicador sobre o receptor.

Comunicar encontrando as pessoas onde estão e como são” é uma leitura atualizada da proposta de uma “Igreja em saída”.

O problema é saber que óculos são estes e se, hoje, conseguimos formar ou influenciar jornalistas que olhem as realidades do mundo sob o prisma cristão/católico…



12 Nos tempos atuais, existe uma quantidade de eloquências vazias. Para preenchê-lo é necessário o silêncio da oração, da reflexão e da meditação.

Não é apenas uma geração que usufrui de benefícios das novas mídias e redes sociais, mas oportunidade de integrar públicos - como grupos de risco e idosos - que foram, gradativamente, afastados e reencontram um lugar para o seu convívio social!



13 Vale a pena rezar com o papa:

Senhor, ensinai-nos a sair de nós mesmos, e partir à procura da verdade.

Ensinai-nos a ir e ver, ensinai-nos a ouvir, a não cultivar preconceitos, a não tirar conclusões precipitadas.

Ensinai-nos a ir aonde não vai ninguém, a reservar tempo para compreender, a prestar atenção ao essencial, a não nos distrairmos com o supérfluo, a distinguir entre a aparência enganadora e a verdade.

Concedei-nos a graça de reconhecer as vossas moradas no mundo e a honestidade de contar o que vimos.


Amém. Assim Seja!

Nossa Senhora da Comunicação, rogai por todos nós!

terça-feira, 13 de abril de 2021

A eloquência vazia da comunicação

As mudanças sociais dos últimos tempos tiveram muito a ver com o que aconteceu no mundo das comunicações. Ouço de pessoas conhecidas que as novas relações pelas mídias e redes sociais facilitaram, em muito, a que uma parcela da população buscasse informações confiáveis a respeito dos tempos de pandemia, mas também a interação com familiares e amigos, mesmo ficando em isolamento. Ouvem-se depoimentos de pessoas que “viciaram” em cultos e missas, jogos contra computadores... e os mais atilados, que procuraram não perder os vínculos comunitários.

Semana passada, a Pastoral da Comunicação (Pascom) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), pelo seu regional, me desafiou a conversar com bispos, coordenadores de pastoral e da Pascom sobre o Dia Mundial das Comunicações Sociais – 16 de maio. Todos os anos, os papas, hoje, Francisco, apresentam aos profissionais da área documento propondo um olhar pastoral sobre uma das atividades. O atual pontífice tem sido pródigo de lançar questionamentos que preocupam os agentes que atuam nos meios, mas também a comunicação da própria igreja…

“Vem e verás” é a frase que os primeiros apóstolos ouviram ao questionar quem era o pregador que convidava a deixar tudo e segui-lo. Profissionais do jornalismo optaram por um trabalho cheio de realizações, mas também de desafios. Durante o período em que lecionei na área tive a alegria de ver meninos e meninas “voando” para diversos lugares do estado e do Brasil, atrás da realização de um sonho: a informação no contexto de uma sociedade que precisa dela para fazer as suas escolhas.

A diferença está na proposta dos bispos durante o Concílio Vaticano II, início dos anos 60. A Igreja Católica passou a utilizar a expressão “comunicação social”, em vez de “comunicação de massa”. Não é apenas uma questão semântica, mas de relacionamento do comunicador com os públicos. Na primeira, busca-se interação e corresponsabilidade; na segunda, um entretenimento disfarçado, que ocupa o tempo do leitor, ouvinte, telespectador, sem esperar retorno, a não ser a audiência…

O alerta para os jornalistas vale também para os agentes de pastoral que vão às ruas. Este é o motivo pelo qual “a comunicação precisa ser construída no encontro com as pessoas para procurar histórias ou verificar com os próprios olhos determinadas situações”. Alerta que se vive a comodidade de ser expectador externo, mas que as “redes sociais, também podem ajudar no encontro, e que, sem elas, muitas vezes não teriam um lugar para acontecer.”

Comunicações, em muitos lugares, são preenchidas por uma “quantidade de eloquências vazias”. Para preenchê-las, profissionais precisam reinvestir no silêncio da oração, meditação e reflexão. Novas tecnologias e redes sociais são bênção em tempo de distanciamento físico. Não é apenas uma geração que usufrui de benefícios, mas oportunidade de integrar públicos - como grupos de risco e idosos - que foram, gradativamente, afastados e reencontram um lugar para o convívio social!

domingo, 11 de abril de 2021

Insetos e disputas, a graça da própria vida

Nosso pátio foi o lugar onde meus pais faziam experimentos como se estivessem numa miniatura de lavoura. Além do arvoredo, que já incluiu uma nogueira com mais de 10 metros de altura, um pé de salso chorão - sombra permanente e raízes expansivas que entupiam os canos - e a minha fruta preferida, de uma figueira, que durou até as primeiras escavações para se colocar a piscina. Também a plantação de milho e feijão (não sei de que tipo), chás e temperos variados. Sem contar que, aqui e acolá, apareciam flores, frutos dos passeios e, por onde se andava, vinham na bagagem.

Desde os tempos em que “nossas terras” tinham as fronteiras demarcadas por cercas com mourões e arame farpado, a disputa era com animaizinhos que queriam se servir da nossa produção. Comprei duas lâmpadas de emergência, uma para o meu apartamento e outra para a casa deles, onde também morava minha sobrinha Vanessa. Em pouco tempo, a deles tinha “dado os doces”. Comprei outra e comecei a observar… noite sim - e outra também - meu pai e a Vanessa saiam, utilizando a lâmpada como lanterna, mais um pedaço de pau, para fazer guerra aos caramujos! Não tinha como durar…

Outro problema sério eram as formigas, que insistiam em sociedade e faziam suas trilhas pelo meio das plantações. Cirurgicamente, um dos dois se escalava, com as mãos na cintura e olho de lince, para fazer diagnóstico da situação. Num cantinho meio escondido era o lugar onde se encontrava a entrada para o formigueiro. Só então, saiam os dois em direção à ferragem do Nestor para comprar “remédio” para as formigas! Sim, meu amigo e minha amiga, eles sempre tratavam o veneno como “remédio”, só que em vez de vitaminar os bichinhos, acabavam fazendo um “formiguicídio”!

Depois que passaram a cuidar das hortas de um outro plano, sobrou para mim a disputa com insetos. Não tenho histórias com muito charme, mas, de vez em quando, tenho que arrumar “remédio” para os caramujos. Levo um tempo para me dar conta de que 2 + 2 são 4! Explicando: algumas plantas vão definhando, ficando com suas folhas tosadas e alguém diz: “tem caramujo no teu pátio”. Agora é na ferragem do Marcos que se consegue o pozinho azul capaz de acabar com os bichinhos, que ainda são devotos de Nossa Senhora Aparecida e fazem uma autêntica colônia no interior da gruta!

As formigas me perseguem na cozinha. Depois de orientação, passei a fazer limpeza geral. Mas… sempre escapa alguma coisa. E elas chegaram. Primeiro as preta, que terminei com inseticida. Faceiro, relaxei e… apareceram as miudinhas. Repeti o mesmo tratamento, mas não surtiu efeito. Pior: dia destes, ao arrumar o café, lembrei que usara a prensa para a janta. Somente coloquei na tomada e fui preparar o resto. Ao levantar a tampa, pontinhos de resto de comida… até que o Tico e o Teco funcionassem… não eram pontinhos, mas formigas que entraram ali e morreram assadas!

Um sobrinho dizia que se devia colocar um cartaz pedindo que os pássaros comessem caquis da parte de cima. E que os de baixo ficassem para nós. Infelizmente, é um tipo de acordo que não existe. Uma antiga briga da humanidade, encontrar o limite onde homens e animais convivam. Alguma função eles tem. Mário Quintana dizia: um dia os homens descobrirão que esses discos voadores estavam apenas estudando a vida dos insetos...” Olhando para os céus, fica a impressão de que é só uma questão de perspectiva - o infinito, com certeza, é a graça da própria vida!

terça-feira, 6 de abril de 2021

Pensar em pandemia, pensar em educação

O jornalista Boke Carter deixou um registro sarcástico da cobertura do segundo grande conflito mundial, que terminou em 1945, um ano depois da sua morte: “em tempo de guerra, a primeira vítima é a verdade”. Quando especialistas compararam a pandemia com uma guerra, achei exagero. Mas as previsões se confirmaram e, embora o pior da crise não viesse em janeiro e fevereiro, como vaticinaram, estourou em toda a sua crueza no mês de março, quando a população de uma cidade de porte médio – 300 mil habitantes – foi dizimada, preocupando o sistema de saúde e funerário!

As mídias que reproduzem discursos de “autoridades responsáveis” dão conta de que “o pior já passou”, quando números mostram o contrário: mais de três mil mortos por dia, UTIs esgotadas e funerárias negando atendimento a famílias desesperadas pelo enterro de um ente querido. A estatística que começa a melhorar na internação de situações leves não dá esperança para quem está entubado e faz parte do pior cenário, em que os casos são, praticamente, irreversíveis

A população transformou-se em joguete entre quem sabe (ciência, pesquisadores, profissionais da saúde, mas, muitas vezes, não tem a “manha” para dizer) e quem defende a economia e se traveste de “cuidador”, mas não possui coerência entre discurso e prática, com medo das consequências políticas. Não é somente o presidente fazendo de conta que o problema não existe, mas os demais poderes insistindo em melindres, guerras de beleza e egos exacerbados, que paralisam o país.

Boa parte da população é mal educada e somente está se dando conta do problema ao ver vizinhos e familiares morrendo ou sofrendo as consequências da pandemia. Os zumbis urbanos não precisam nem que o comércio esteja aberto para andarem pelos calçadões. Se não forem tomadas medidas drásticas para que fiquem em casa o comportamento continuará o mesmo e, em nome de um suposto “democratismo”, o Brasil torna-se, hoje, o país onde mais se morre pelo coronavírus...

Não acreditei quando ouvi pela primeira vez que os “velhinhos” vacinados acham que já podem cair na gandaia! Errado. Falta a segunda dose e o tempo para surtir efeito. E mais: do medo que tinham de que outros trouxessem para dentro de casa o vírus, agora podem se transformar em portadores e distribuidores do mal de que tanto fugiram. Vamos sossegar, em casa, sabendo que, especialmente aposentados, já ficaram um ano em isolamento e não lhes custa o resguardo por mais uns meses

Preocupa constatar que, entre os atuais líderes políticos, não um agregador que todos entendam. De um jeito ou de outro, a pandemia vai acabar controlada, mas a que preço? O país do futuro está perdendo o trem da história… Porém, quando falha a política partidária e os poderes estabelecidos, novos atores precisam entrar em cena: desafio para comunicadores, líderes sindicais, religiosos, formadores de opiniãoHistoricamente, um país tem perspectiva quando o povo muda o jeito de pensar e, consequentemente, seu modo de vida. Jornada longa e difícil, que se chama educação…

domingo, 4 de abril de 2021

Oração de criança: um sussurro no ouvido de Deus

A Semana Santa é tempo privilegiado para se pensar a religiosidade de cada um de nós. Grande parte da população brasileira se diz crente e, especialmente, católica. No entanto, na prática, o que se vê são aqueles que buscam na religião o atendimento de “necessidades” e não veem problema em pedir o batismo de uma, o casamento da outra e a encomendação de um ente querido de uma terceira. Muitos motivos levam a um afastamento dos templos e espaços de cultos, mas há um elemento fundamental na construção da convicção religiosa que estamos perdendo: a cultura.

Pode-se discutir que o distanciamento de valores culturais também é a causa do empobrecimento das relações sociais. Os espaços de encontro presencial e os costumes que se passavam por gerações são deixados de lado por não se compreender plenamente o seu significado e o pensamento de que os filhos, especialmente, precisam fazer, quando crescem, as suas próprias escolhas. Sem alguém que lhes indique o caminho e sem o testemunho de uma prática – especialmente religiosa – não há como ter elementos que auxiliem a fazer uma opção de fé consciente… e coerente.

A iniciação religiosa se bebia no leite materno. A primeira bênção se recebia pelo sinal da Cruz, feita pelos pais sobre a cabeça do recém-nascido. Crescia-se vendo este gesto em diversas ocasiões, especialmente ao deitar e levantar. Quando se conseguia, cruzava-se a mão em forma de cruz sobre o corpo repetindo a mãe e o pai. Muitas vezes errando o lado, mas acertando o significado, com o sentimento de que se repetia o gesto de alguém que se amava. Ainda no leito infantil, se aprendia a oração da Ave-Maria e do Santo Anjo, um pedido de proteção e de consagração.

O padre Zezinho diz numa canção: nas Ave-Marias que eu rezava, eu sempre engolia umas palavras e muito cansado acabava dormindo, mas dormia como quem amava...E depois se aprendiam as demais preces, com épocas que ficaram marcadas na memória: seis da tarde, hora de recolhimento das brincadeiras de rua, instante para escutar a oração do Ângelus com o seu “momento de reflexão” e, claro, depois, ouvir as histórias contadas pelas ondas do rádio. Reunidos à mesa da cozinha, à luz do lampião, a imaginação percorria mundos que iam se formando...

Recentemente, o padre Fábio de Melo perdeu sua mãe, a dona Ana Maria. Do homem que enxerga a multidão como se sempre olhasse para cada um e diz: “você vale a pena!” - guardei uma lembrança da infância. Rezavam o terço junto a um pequeno altar onde havia uma imagem do Sagrado Coração de Jesus. Ele, já curioso, queria saber porque o coração estava pelo lado de fora do corpo. Ela, com a teologia que toda a mulher/mãe tem inspirada por Deus, teria dito: “filho, eu não sei explicar, mas acho que é porque nele cabe tanto amor que o peito não suporta!”.

As donas “Anas Marias” são mulheres que formaram a cadeia perfeita para desenvolver o amor fraterno e aprender a amar o próximo. Sem uma família com religião, sem uma família que reze, a sociedade se torna mais pobre... Em criança, balbuciar palavras que as mães ensinam é sussurrar nos ouvidos do próprio Deus. O padre Zezinho dizia assim: “o tempo passa, não volta mais, tenho saudade daquele tempo que eu te chamava de minha mãe… nas Ave-Marias que hoje eu rezo, esqueço as palavras e adormeço e embora cansado, sem rezar como eu devo, eu de Ti, Maria, não me esqueço!”