terça-feira, 31 de outubro de 2023

Uma prece para alcançar a Paz!

“Uma pessoa que não cuida da sua gente, especialmente em política, não pode ser feliz.” Não sei se a frase era bem assim, mas este era o sentido. Passei a prestar atenção porque não tinha feito a ligação entre a prática política (definida como a arte de cuidar da cidade – a polis – no que inclui a sua estrutura física, assim como seus cidadãos) e a capacidade de ser feliz. A entrevistada falava a respeito dos representantes do Hamas e de Israel que fazem da guerra a sua desculpa para a prática da violência.

Homens que decidem pelo embate quando deveriam buscar a Paz e a qualidade de vida de seus povos, fazem da guerra a violência institucionalizada. Gastam recursos financeiros e humanos num poço sem fundo, em que se esvai a energia, assim como os talentos. As escolas de prática política e administrativa foram deturpadas e, ao invés de ser lugar para despertar e treinar sensibilidades, tornaram-se espaços de planejamentos estratégicos visando confrontos incompreensíveis para o cidadão comum.

É área onde o treinamento não pode ser para uso próprio, mas o bem da sociedade. As sensibilidades, na política, por exemplo, não são um utilitário monetário ou de poder. E isto se aplica também para o discurso religioso. As narrativas de representantes sociais e religiosos que falam em solidariedade precisam estar respaldadas em gestos. Não é à toa que, hoje, são raras as figuras públicas que merecem o respeito e se transformam em referência. Mesmo os religiosos deixaram de serem vistos com atenção e respeito.

Também quando silencia diante da violência social. Semana passada, vi o relato de um idoso que perdeu a esposa. Em seguida os filhos (um médico e o outro engenheiro) pressionaram o pai para que fosse para uma casa geriátrica. Venderam a casa onde residiu por toda uma vida para custear seus gastos. Como se sua situação financeira não o permitisse. Desculpas para se deixar um pai ou uma mãe numa casa geriátrica quando se tem todo o conforto em casa, em grande parte, graças aos sacrifícios feitos pelos pais.

Uma sociedade individualista é uma sociedade doente. Homens e mulheres que admitem que alguém sofra por suas ações, no âmbito das relações internacionais ou no recôndito da própria família, faltaram à lição do que é preciso para ser feliz. Famílias que educam seus filhos para atenderem apenas suas necessidades diferenciam-se daquelas que os colocam na visão social de que devem respeitar o pobre, aquele que tem cor diferente, a mulher, o que precisou buscar seu sustento em outras terras...

Ao aceitar a “violência”, sob qualquer pretexto, inclusive a tolerada pela sociedade, como com idosos, já se foi contaminado pela pregação do ódio. No texto da “Crônica de uma tarde de domingo”, nas redes sociais, falei da música “one day”, gravada em Haifa, Israel. Lembrando: “o discurso dos que unem precisa ser mais poderoso do que de quem apela para as armas. Cantar, ao mesmo tempo, em árabe, hebraico e inglês é derrubar os muros das “torres de babel” que cercam os corações e impedem de se alcançar a Paz!”

domingo, 29 de outubro de 2023

Cantando para alcançar a Paz!

A música “One day” (um dia) veio a calhar nestes tempos de guerra entre o Hamas e Israel. A canção do compositor judeu de reggae Matisyahu foi lançada em 2009. Carregada de energias positivas, exprime a esperança de pôr fim à violência e convida a rezar por uma nova era de paz e entendimento. Não é à toa que uma de suas gravações, feita em Haifa, Israel, em 2018, voltou a circular, agora, como desafio a todos os homens e mulheres de boa vontade. Assistir é fazer parte de uma catarse coletiva.

A escolha do lugar da apresentação não poderia ser mais significativa. Haifa é a maior cidade portuária do norte de Israel, a terceira do país, depois de Jerusalém e Tel Aviv, com cerca de 265 mil habitantes. Por estar num cruzamento geopolítico e os diversos povos que por ali passaram, aprendeu a conviver com a tolerância. Tem uma população mista de árabes e judeus que dão exemplo de coexistência pacífica. Na parcela árabe, predomina o cristianismo, enquanto na judaica, sua origem é predominantemente russa.


O grupo israelita Koolulam já se apresentou pelo Mundo, mas foi ali que deixou a sua marca. Seu show impressiona pela emoção, quando quem canta é a plateia, regida por um maestro, tornando-se a grande e única protagonista.  Na ocasião, reuniu gente de diferentes culturas, religiões e faixas etárias. Que, de outra forma, não teria se encontrado para escutar umas às outras e cantar juntas. O grupo se apresenta disposto a derrubar fronteiras e dar à sociedade uma experiência musical criativa e colaborativa.

O público é diferenciado: pessoas dispostas a se engajar na luta pela paz e tolerância. O “show”, que não é show, começa por uma grande mobilização e gente que chegam dispostas a participar de um “ensaio”. Como foi o caso, em São Paulo, quando mais de 3 mil vozes, classificadas em três grupos: barítono, alto e soprano, tiveram uma experiência difícil de ser explicada. Iniciam processo de convivência que tem o auge na gravação de uma única música que será a apoteose de todos os sentidos e sentimentos...

É arrepiante. Uma grande e poderosa oração pela paz. A impressão é de que, numa única voz, conectam-se os “diferentes” em torno de objetivos comuns: solidariedade, amor, alegria e muita emoção. Os rostos que passam pelas telas têm a determinação de quem ainda acredita na humanidade e quer encontrar caminhos de convivência. Não é apenas mais um espetáculo para milhares de pessoas, mas milhares de pessoas que canalizam a sua energia para um vibrante pedido ao Deus de todas as religiões.

Obrigado, Firmino, que me enviou o link desta apresentação, na semana passada. Fazer com que as pessoas saibam do seu pertencimento a uma mesma humanidade que não precisa distinguir raças, religiões, cores, opções sexuais... pode parecer algo repetido, mas necessário. O discurso dos que unem precisa ser mais poderoso do que de quem apela para as armas. Cantar, ao mesmo tempo, em árabe, hebraico e inglês é derrubar os muros das “torres de babel” que cercam os corações e impedem de se alcançar a Paz!

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Me espera na Eternidade...

Comecei a acreditar em Anjos quando te encontrei.

Bordaste no teu sorriso a graça dos traços que são,

Ao mesmo tempo, doces e vigorosos.

Não sabia que estes Seres Celestes

Podiam marcar sentimentos que tornassem

Um corpo sedento por teu toque.

 

Quando segurei tua mão,

Não foste tu quem recebeu a minha.

Acolheste meus medos e percebi

O quanto meu sofrimento

Desaparecia na insignificância

Diante do que vivias.

Tuas preocupações fugiam de ti.

Sempre querias ouvir o que acontecera com os outros...

 

Sorriste ao pedir que te alcançasse a mão,

Quando fazias da cama de hospital

O teu lugar do Sagrado.

Foi ali que muitas vezes apertavas a minha,

Contando do como era bom estarmos juntos

No tempo que já era finito...

 

Eu me sentia triste.

Pensei que meu mundo havia desabado.

Pediste um abraço

E fui eu quem me senti aconchegado,

Com a sensação de que a ampulheta da vida

Acelerava as areias que se esvaiam.

Mesmo assim,

Cerziste o sentimento da esperança no meu peito.

Meus receios deslizaram com a chuva

Quando entendi que a vida que escapava

Ainda tinha forças para não me deixar cair.

 

O fim eram as nossas sombras

Que se projetavam e se fundiam.

Me disseste que o milagre da tua vida tinha sido viver

E que continuarias existindo nas minhas lembranças.

Enquanto se esvai o tempo da tua presença

Me sentia sôfrego em busca de uma réstia de ar.

 

Perdão, minhas lágrimas são de gratidão e saudade.

Como da vez em que lembramos

Das primeiras flores

E do primeiro perfume dos pessegueiros.

Ou quando cerravas os olhos e somente

Queria te contemplar na serenidade de quem

Já entendeu a vida. E também a morte.

 

Eu não quero voltar no tempo,

Nem quero mudar o futuro.

Apenas desejo te reencontrar e ficar contigo.

Passei a pensar mais vezes na minha última jornada,

Quando chegar às portas do Infinito.

Ainda espero ouvir o eco da tua voz e do teu riso.

A certeza de que desta vez não haverá mais separação.

Por favor, me espera na Eternidade.

Será, enfim, o tempo de voltar para casa

E, finalmente, me aconchegar aos teus braços...

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Vacinação: é preciso não desanimar

No fim de semana, o Governo Federal fez um mutirão pela vacinação no país. Até 28 de outubro (próximo sábado), os postos de saúde priorizam imunizar, especialmente crianças e adolescentes. São inúmeras alternativas. É bom entrar no site do ministério e conhecer as possibilidades. Infelizmente, o que já foi uma grande mobilização popular minguou e não chega, sequer, aos números almejados para a imunização de grupo, que já nos fez ser referência no Mundo e manter distante de algumas doenças por anos.


Hoje, é importante que não se descuide desta poderosa ferramenta que qualifica a vida, desde a criança até o mais idoso... O empenho da comunidade internacional de cientistas conseguiu produzir a proteção em condições de ser aplicada em todas as idades, para minimizar ou eliminar doenças que, até recentemente, geravam autênticas pandemias. Num tempo não muito distante, nossos pais e avós se preocuparam com a coqueluche, covid-19, difteria, febre amarela, hepatite, influenza e a meningocócica, entre outras.

É cedo para que se tenha números fechados a respeito desta retomada de mobilização em favor da vacinação. Embora pareça que os ânimos estão mais serenados, ainda há muitas pessoas desinformadas que propagam fake News como se verdades fossem. O objetivo da campanha é colocar em dia as doses do calendário básico do Programa Nacional de Vacinação, que esteja em atraso em crianças e adolescentes menores de 15 anos. Na situação atual, é o mínimo que se pode esperar de pais e responsáveis.

21 de outubro foi considerada o Dia D da Multivacinação, quando se intensificou a mobilização da sociedade em torno da campanha, com unidades de saúde abertas e profissionais de saúde em ação. E vieram as boas lembranças que incluem o Zé Gotinha nos lugares de vacinação, assim como distribuição de doces, com autêntica procissão de quem, como diz a frase motivacional: sabe que “vacinar é um ato de amor”. Um amor percebido em pais, tios, avós que desejavam levavam seus entes queridos pela mão.

Foi um longo período desde que os pioneiros começaram a pesquisar as vacinas e aumentaram a expectativa de vida e a sua qualidade. Muitos foram criticados - tanto cientistas, quanto homens e mulheres públicos - ao se deram conta da sua importância e necessidade de que se chegasse ao máximo de imunização para conter doenças. Hoje, somos beneficiados por aqueles e aquelas que deram suas vidas para alcançar algo que pode parecer simples, mas tem tanto significado para controlar e conter pandemias...

Grande número de pessoas ainda não tem noção do que seja viver a cidadania. Então, importa resgatar a sua dignidade. O simples fato de conversar com alguém e convencer que a vacinação é um bem para todos, já é um alento. Retomar o espírito de prevenção abre horizontes para outras conquistas. A festa da vacinação é a festa da vida. Pode-se engatinhar, mas não se pode deixar de andar. Negar a imunização, especialmente para crianças e idosos, significa um passo atrás nos cuidados básicos com a saúde.

domingo, 22 de outubro de 2023

A Paz: entre a racionalidade e a solidariedade

O problema com as palavras é saber quando se prestam para teorizar ou designar práticas. Mesmo que se possa dizer que, muitas vezes, "na prática a teoria é outra" é a coerência entre elas que define o valor em si, a credibilidade de quem diz e anuncia. A máxima de que a primeira morte num confronto bélico é a da verdade já se consagrou e sangra nos primeiros relatos dos campos de confrontos. A população fica refém de outra guerra: a das narrativas, hoje, um dos grandes trunfos políticos nas relações públicas.


Embora seja momento de salvar vidas (e todas elas!), impossível fugir de uma reflexão necessária a respeito do elemento mais delicado em qualquer escaramuça em que se envolve política/ideologia/economia: a necessidade de buscar a Paz. Não se iluda. Muita gente, em silêncio, trabalha contra a Paz pelos mesmos interesses já citados. Os discursos de representantes nas Nações Unidas nem sempre são ecos das práticas de seus mandatários, mas narrativas para vender imagem num cenário internacional.

A cultura de hoje não é a da Paz, mas uma cultura da violência. A Paz é bênção, dádiva que precisa ser conquistada e cultivada pela consciência social, especialmente das novas gerações. Tem que ser construída como parte de um espírito de tolerância, aberto para aceitar e respeitar o diferente. Infelizmente, tem razão quem disse que as vítimas da guerra são jovens e a população civil que não se conhecem e morrem enquanto mais velhos que se odeiam ficam a uma distância segura articulando seus jogos de interesses.

Não há inocentes na guerra. Aliás, os únicos inocentes são estas mesmas populações colocadas nos frontes. Narrativas capciosas derramam combustível no discurso de ódio, que repercute nos meios de comunicação. Ali também se faz guerra: de versões, manipulando conteúdos, desde a informação por texto, áudio, imagens fotográficas e de vídeo. O confronto nunca é o primeiro “round”, mas o fruto de um preparo que se dá no campo dos arsenais bélicos, assim como o da palavra travestida com dúbio sentido...

Paz deveria rimar com justiça. Homens e mulheres, de ambos os lados das fronteiras, querem apenas o direito de viver e dar dignidade às famílias. Não importa sua crença, opção ideológica, cor, raça, sexo... A esperança foi atropelada na virada do século quando se acreditava que a intolerância tinha sido colocada sob controle. Porém, na maior parte das vezes, o grande problema não se encontra nas religiões ou em partidos, mas naqueles e naquelas que são fundamentalistas e se negam ao diálogo elementar.

A Paz é elemento frágil muitas vezes descartada nas narrativas oficiais. Porque querem vencer etapas na conquista de posições estratégicas, criticam-se os que se esforçam para estancar esta sangria. Assim como, muitas vezes, se julga que pessoas que defendem o congraçamento e a integração sejam apenas (e porque não?) sonhadores. Definir a Paz é como tentar definir o amor, não há palavras suficientes, porque demanda, para além do espírito de uma suposta racionalidade, o empenho pela justa solidariedade...

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Tem uma árvore no meio do caminho...

O caminho contorna e leva até o alto da colina.

Enquanto te aproximas, o olhar se encanta

Ao perceber uma árvore solitária...

A sombra acolhe e refresca,

Realiza o sonho de todo o viandante.

 


Ainda ao longe, detém-te,

Precisas de um tempo para contemplá-la.

Será diferente quando estiveres à sua sombra,

Com a aura de uma catedral verde que,

Assim como o santuário,

Respira transcendência.

Serás tentado a ajeitar um lugar

No chão, por entre as folhas

Que o Outono coloriu,

E dobrar o joelho.

 

Devolvem sentimentos de infância e juventude:

Fecha os olhos e,

Enquanto o Sol brinca abrindo

Espaços verdes e prateados,

Ouve a brisa que sussurra

A mística que põe as folhas em oração,

Remexendo nos vitrais que se formam no

Chão de raízes contorcidas.

 

Quando acreditares que é preciso partir,

Acalma teu espírito,

Volta o olhar para o lugar de onde vieste.

Tudo será diferente:

A paisagem onde pontilham

Matas, rios, vales e as cidades dos homens.

 

Para continuares a jornada,

Espera pelo momento em que a Lua,

Sacerdotisa, faz a procissão da luz, acolitada pelas Estrelas.

Ao retornar o caminho,

Ainda haverá tempo de

Uma derradeira mirada por sobre o ombro.

No sacrário das sombras, a deusa da noite

Brilha em meio à ramagem.

 

A guardiã do caminho sussurra que

Falta pouco

Para que sejas capaz de planar

Em meio aos seus galhos,

Nas asas de uma borboleta.

A perfeita conjugação entre vida e fé,

Momento e expectativa.

 

Perdão, Poetinha,

Mas tem uma árvore no meio do caminho!

A paisagem cravejada na memória

Tem a referência de alguém, em algum lugar,

Na espera por todas as voltas.

Mais velhos e mais trôpegos,

Com o desejo de não desistir do destino.

Nas saudades, as distâncias

São vultos que acenam e aguardam.

Aquela árvore, aquela Lua:

Têm o gosto de suspiros e devaneios...

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Uma ponte entre a barbárie e o berço da paz

O assessor da Casa Branca Henry Kissinger conta no livro Sobre a China as articulações feitas com os Estados Unidos para quebrar 20 anos de confrontos na década de 70. Os líderes dos dois países deixaram de lado suas diferenças ideológicas. Os Estados Unidos de olho num mercado com alguns milhões de consumidores. A China pensando que a América era dos males o menor quando via a possibilidade de uma guerra de fronteiras com a União Soviética e ainda tendo a possibilidade de ter problemas com a Índia.

Eram tempos difíceis, em plena “Guerra Fria”, em que o medo de uma disputa nuclear deixava meio mundo de cabelo em pé e a outra sem alternativas... Os ânimos se acomodaram quando os dois países se tornaram parceiros comerciais e deu no que deu: hoje os Estados Unidos preocupam-se com o desenvolvimento do que sempre julgou ser um estado atrasado, por ser majoritariamente agrícola, sendo considerado mais um peão no tabuleiro internacional, que precisava ser retirado da órbita soviética.

Não é muito diferente, hoje, quando se veem os conflitos, como o gerado pelo Hamas, com aqueles que o instigam, assim como as cortinas de fumaça (também das artilharias e bombas) que toldam o horizonte. É preciso repetir que as populações civis nunca pedem guerras, pois são sempre as mais prejudicadas. No entanto, servem de massa de manobra quando seus brios são exacerbados por quem detém o poder – e muitas vezes luta para não perdê-lo – assim como quem deseja tomá-lo de assalto.

Deixando claro o que já disse aqui: as guerras nunca foram religiosas (aqui, no caso, Judaísmo x Islamismo). Estas são narrativas para justificar interesses de poder (políticos), de dinheiro (o milionário comércio de armas), vaidades (supostos estadistas insubstituíveis), sexo (sim, já tivemos guerras por este motivo). E, no caso, é ainda mais complicado entender uma história de idas e vindas numa terra de forte apelo religioso, mas também uma das encruzilhadas geopolíticas do Mundo (veja-se o caso do petróleo).

A Terra Santa, especialmente Jerusalém, é a convergência de três grandes religiões monoteístas (Judaísmo, Islamismo e Cristianismo), com muitos dos seus males e alguns delírios. Lugares históricos (e nem tão históricos assim) são preservados e servem de referência ao Cristianismo, por exemplo. Como o caso de grupos que pregam a volta de Jesus, o fim do Mundo - o Apocalipse. Inclusive brasileiros transformam investimentos naquele país em “garantias” de um quinhão na restauração do reino dos céus...

Pedir a morte de israelitas ou palestinos é ato de insanidade de quem desconhece que, em muitos lugares, os dois povos já convivem tranquilamente. Crentes honestos com suas religiões não podem apoiar estados ou grupos que defendem as armas e a guerra. Destruir significa empobrecer exatamente aqueles que já estão na beira da miséria. Na dificuldade de construir pontes, para quem ainda tem algum bom senso, sobra rezar a fim de que a barbárie não prevaleça na terra que deveria ser o berço da paz!

domingo, 15 de outubro de 2023

Professor, educador, formador de opinião

Não são tempos fáceis para ser um professor. Muito menos educador. Mas qualquer – e todo o momento – é etapa de um mesmo desafios: a provocação que dá sentido à realização profissional e pessoal. Em primeiro lugar, precisa ser um “humanista”, centrado na pessoa, e aí existe uma carga histórica e cultural a ser trabalhada. “Formar o homem” é tarefa para o professor e missão para o educador. Fui privilegiado por ficar 20 anos em bancos escolares universitários e, confesso, não teve um dia igual ao outro.


Semana passada, atualizei minhas informações nas redes sociais e acrescentei à frase “sou doador de órgãos” uma outra: “escritor cristão-católico”. Cheguei a pensar em colocar: “escritor humanista cristão-católico”. Não achei necessário. Quem me acompanha sabe a forma como me posiciono (e alguns até como me omito...) nas questões sociais e religiosas. Acreditei que precisava de um “reforço” para apoiar a causa defendida pelo papa Francisco em recuperar princípios básicos do catolicismo.

Sei que a minha parte é pouca, mas é o que consigo fazer e não quero que digam que me omiti. Pelo contrário. Durante os pontificados de João Paulo II e Bento XVI discordei de muita coisa, mas me recolhi ao silêncio ou tentei esclarecer quando, muitas vezes, a mídia distorcia questões ligadas aos dois papas. Minha identificação é total com Francisco, mesmo sabendo que serão necessários dois ou três “Franciscos” para que se reencontre a tal de “Igreja em saída”, menos burocrática, com maior apelo popular.

Porque fugi do primeiro item de discussão? Simples, porque passei minha vida inteira tentando ser um educador, no pleno sentido, como um formador de opinião. O que me levou a estar em salões universitários até as mais simples comunidades de periferia onde se pedia para falar sobre comunicação social. Fico feliz ao olhar para trás e, ainda hoje, ouvir pessoas que se referem com carinho às aulas e encontros na universidade, no Instituto de Teologia, nos diversos cursos para leigos e formações estaduais.

Nunca me julguei um “excelente professor”. Creio que até cheguei a ser um “bom professor”, com altos e baixos... Minhas áreas permitiam forte interação com os alunos e retornavam o esforço com o que mais me satisfazia: um bom número que não queria apenas os horários de aula, mas usavam o “telealuno” (celular disponível), as páginas atualizadas com conteúdos pela Internet e os debates pelos corredores que muitas vezes, entre sair da sala de aula e retornar era só o tempo de passar pela sala dos professores...

São outros tempos e, espero, outros professores fazem até melhor do que se fazia. Meu respeito por trabalharem hoje, mas, também, àqueles (como eu) que já cumpriram a sua missão. No Dia do Professor, quero provocar quem já foi meu aluno: não curta apenas, mas compartilhe comigo uma boa lembrança na universidade ou nas atividades de Igreja, em associações e clubes sociais. São diversos os rostos que desfilam por minhas lembranças e contam um pouco das minhas saudades e do muito carinho que já recebi!

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Me devolve o direito de amar...

Perdão por ainda falar de amor.

Amor

É o perfume que inebria os sentidos.

Dele, não sei muito.

Mas, do que experimentei,

Amor é plenitude,

Que somente se entende

Quando se aceitam as carências

Como lugar para vencer os medos,

Que desaguam no abismo da indiferença.

 


Não tem problema se não consegues entender e

Acreditas que são apenas palavras vazias,

Divorciadas do que sentes no dia a dia.

Porém, tenhas a certeza:

Não se usam as palavras em vão.

Elas carregam o mistério dos sentidos ocultos.

Na incapacidade de se beber de seus silêncios,

Desnudam-se, na angústia de colocar

Ao teu alcance aquilo que precisas intuir...

 

A palavra significada é contornada pelo

Universo que esconde sua razão e origem.

Que tem eco, reverberação,

Ondas que abalam o existir.

Dizer é o balbucio da inteligência.

Feito refém, empobrece um mundo em que

A ânsia por falar impede a plena compreensão.

 

Na ausência das palavras,

Sorri, me abraça,

É o momento em que elas,

Elas mesmas, se dispensam...

Ainda que estejam presentes no olhar

E nos braços que envolvem

Pelo simples prazer de gostar de alguém.

 

Pessoas que não abraçam,

Que não te dedicam um olhar sorridente,

Esqueceram que o afago das palavras

Apenas é possível

Se houver o compartilhar dos sentidos,

Com a intensidade de todos os teus sentimentos...

Então, devolve a minha palavra

Junto com a tua compreensão.

Acarinha a riqueza de uma partilha.

 

Preciso do teu olhar

Para segurar os meus medos e

Te abraçar sempre que precisar.

Doeu quando tatuaste teu nome no meu coração.

Foi quando aprendi que

A lágrima contida é a dor que

Guarda na memória a lembrança da ferida.

Na sinceridade de

Um coração arrependido e silencioso,

Vais entender que a ninguém pode ser negado,

Em algum momento,

O perdão e conseguir de volta

O pleno direito de amar...

terça-feira, 10 de outubro de 2023

“Deixem as baleias no ar!”

Você conhece o movimento para a libertação infantil? Não? Que pena! Seu comandante declarou que o motivo da sua existência é que, nele, a criança “brinca, brinca e brinca mais. Ela brinca tanto que é um milagre não morrer de tanto brincar. É tanta diversão que a barriga dói de tanto brincar...” Resumiu seus objetivos em três pontos, que leva muito a sério: “primeiro, as crianças precisam brincar imediatamente; segundo, precisam estar saudáveis; terceiro, precisam ser felizes imediatamente!”

Seu líder foi preso ao sequestrar um ônibus escolar e levar um grupo de pequenos para, durante toda uma tarde, “brincar, brincar e brincar...” Meninas e meninos de escola tradicional na Coréia mudaram a rotina de 12 horas diárias de atividade de estudos para acompanhar um “flautista”, sim, no mesmo estilo daquele que tocava seu instrumento musical e os demais seres o seguiam... Com identificação registrada, o senhor Peido Pum diz-se com a missão de dar o direito de apenas de serem... crianças!

Quando vai a júri popular, explica seus três pontos dizendo que é preciso propiciar a elas condições para viverem bem esta etapa da vida. O que se vê, é o exagero de cobranças afetando física e psicologicamente. Muitas vezes, as frustrações passadas dos pais são responsáveis pelas frustrações dos filhos, hoje, quando jogam nas suas costas o desejo de fazer delas o que não conseguiram ser. Claro que o diagnóstico é de que é um desequilibrado, quem sabe, um desvirtuador de crianças...

Para quem acompanha doramas na Netflix este é “Uma advogada extraordinária”, episódio 9, “O flautista”. A advogada autista tem a sensibilidade de compreender o que se passa na cabeça do jovem, que é preso, agredido, sofre deboche, mas não abre mão das convicções. Depois de buscar a compreensão dos pais, conseguem nas crianças, “as supostas vítimas”, o apoio. Não sem antes convencer responsáveis de que levar os filhos a reunião do júri pode ser uma boa motivação para que se transformem em advogados...

Tem coisas neste k-drama que são agradavelmente piradas! A advogada autista é apaixonada por baleias e, cada vez que tem uma inspiração, uma delas “transporta-se” para “voar” por sobre cidades, ambientes fechados, enfim, o que a sua fértil imaginação conseguir alcançar. Contando as dificuldades de adaptação num mundo competitivo - mas também descobrindo a amizade e o amor – segue a linha tênue que a sociedade não sabe delimitar entre a capacidade de aceitação e inserção ou o desprezo e o preconceito.

Meu slogan, em 12 de outubro, é: “deixem as baleias no ar!” É preciso ser diferente ou uma criança para entender que “brincar, brincar e brincar” é etapa única que não pode - e não deve – ser pulada. O mundo da fantasia arrima o que se vai viver, inclusive a capacidade de entender, aceitar e educar filhos, sobrinhos e netos... Então, ao invés de brinquedos, gaste mais tempo com elas. Se possível, em momentos especiais, deite-se na grama e tente encontrar entre as nuvens as baleias que fazem “pais extraordinários!”

domingo, 8 de outubro de 2023

Francisco e o Sínodo: “servo dos servos do Senhor”

Oficialmente, desde quarta (4), bispos católicos do mundo inteiro reúnem-se em Roma para a XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo sobre Sinodalidade. A reunião serve para consulta do papa Francisco. Depois, será apresentada uma “exortação apostólica” com as diretrizes ao clero e lideranças da instituição. O pontífice renovou pedido de que se faça este momento inspirado pelo Espírito Santo através do “diálogo e da escuta”. Propõe que se retomem temáticas como “comunhão, participação e missão”.

Poucos dias antes da abertura, num encontro com outras instituições religiosas, o papa pediu que o sínodo seja “lugar onde o Espírito Santo purifique a Igreja de murmurações, ideologias e polarizações”, estimulando os participantes a caminharem juntos. O que se sabe ser bem difícil, em especial por aquilo que tem enfrentado entre os próprios pares. Disputas entre conservadores e progressistas tem colocado o papa diante de uma “guerra de guerrilha”, ou, numa outra expressão popular em política, “sob fogo amigo”.


Com 86 anos, muitos não acreditavam (e outros torciam) que Francisco concretizaria o Sínodo. Literalmente, “comendo pelas beiras”, não somente chegou àquele que pode se dizer que seja um dos momentos mais importantes do seu pontificado, mas também renovou o colégio de cardeais que, se fôssemos fazer uma análise apenas pelo viés político, se diria que “está dando as cartas do jogo”. Infelizmente, seus adversários têm se mostrado muito próximos de uma mídia internacional que não o vê com bons olhos...

Por outro lado, ao tratar de temáticas sempre empurradas com a barriga – papel da mulher na Igreja (42 participam pela primeira vez), celibato dos religiosos e religiosas, o acolhimento de pessoas LGBTQIA+ e de pessoas divorciadas e a luta contra a pedofilia, entre outros – rompe a cortina que impedia a real transparência. Não por acaso Francisco foi apedrejado por quem acredita viver (como no tempo da inquisição) numa instituição que pode falar mais alto e jogar problemas para debaixo dos tapetes.

Uma preocupação presente do papa tem sido com a “casa comum” – o Mundo. No dia em que abriu o Sínodo (também festa de São Francisco de Assis), tornou pública a carta “Laudate Deum”. Reforça o que foi tratado na encíclica “Laudato si”, com um desafio: “um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo”. Faz um apelo à corresponsabilidade diante das mudanças climáticas que chegam a um ponto de ruptura e os “efeitos recaem sobre as pessoas mais vulneráveis”.

No Sínodo, 464 representantes assessoram o papa (365 votam no relatório final) e 81 mulheres (a primeira vez em que votam). A Igreja é considerada conservadora (no bom e no mau sentido), porém avança sob o comando de quem é, efetiva (e afetivamente) pastor, com noção do que representa a política nas relações humanas. Algumas vezes sisudo, sem preocupação de “fazer mídia”, testemunha a fé, esperança e caridade. Num tempo tão carente de referências, é a real encarnação do “servo dos servos do Senhor”!

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

A trilha por onde anda a Lua

Consegues ver a Lua que emerge no horizonte?

Veste-se com as réstia das estrelas,

Por trás de um biombo de nuvens,

Onde se espreguiça e faz os derradeiros preparativos

Antes de se erguer em todo o seu esplendor.  

Teu espírito vai perceber que ao teres

Os céus negados pelo breu da noite,

Ainda assim,

Colhe fagulhas de luz,

O suficiente para percorrer

Os rumos ditados pelo teu coração.

 


A trilha da Lua brinca no

Limiar entre a praia e o mar.

Na fronteira onde o arfar das águas

Deposita gemidos na areia.

Mesmo quando se anda no quebrar das ondas,

Mirar o horizonte é sentir

A companhia que não tem pressa e

Brinca com a ansiedade de cada um.

 

Tem, também, os caminhos

Em que se torna a rainha da noite.

A estrada é pontuada

Por vultos de casas e de árvores.

Ali onde se anda no silêncio

Entrecortado por grilos,

Algumas cigarras retardatárias

E o piado dolorido das corujas.

 

A trilha por onde anda a Lua

É de quem ergue a cabeça

Em contemplação e admiração.

Podes encontrá-la em toda a plenitude,

Moldurada pela delicadeza do Infinito,

Cravejado de corpos celestes.

Quando escondida, está sempre

Pronta para ser "des" coberta...

Se não te desviares ou a negares,

Tens nela parceira e inspiração.

 

Tenho feridas em que me alcança

O bálsamo que refresca a saudade.

Então, ao saíres à rua sozinho,

Se precisares de um ombro amigo,

Ao teres alguém para caminhar contigo,

Não perde a ocasião de erguer os olhos,

Detém-te por um momento e apenas sorri...

Ela acalma o espírito,

Permite que um coração

Transborde em todo o seu encantamento.

 

Quando as luzes da cidade

Escondem a Lua e as Estrelas,

Quero andar,

junto com crianças e velhinhos,

Caminhar sem rumo que, mesmo assim,

Teríamos um destino:

Receber da Lua a sua bênção.

Na beira da água ou seguindo a estrada,

O silêncio que embriaga...

A magia em que,

Se me deres a tua mão,

Nossos passos farão a mesma

Trilha por onde anda a Lua!

terça-feira, 3 de outubro de 2023

“Passarinhar”: a vida que não tem preço...

Fiquei curioso com o termo. Confesso que não lembrava de tê-lo ouvido: “passarinhar”. Especialmente dito por um menino de sete anos, que, num vídeo, demonstrou o quanto gosta de aves e de fotografia. “Passarinhar é uma atividade em que você observa as aves, você vê o passarinho e fotografa ele. [...] Você pode ouvi-los cantando na mata, você pode identificar”, descreve o morador de Ilha Grande (RJ), Joaquim Luiz de Barros, já capaz de identificar espécies da fauna só de ver uma imagem e tem um carinho especial pelos animaizinhos.


Do seu jeito, o menino é um filósofo, menos no sentido em que os ditos “pensadores” gostam de se apresentar, mais do jeito popular de quem “leva a vida numa boa” e tem prazer em pensar sobre ela. Seu hobby é acompanhar o pai, seu Jorge, tendo na mão não um estilingue, mas uma câmera fotográfica. Em espaços abertos, utilizando os sentidos, faz o que deveria ser direito de todas as crianças: uma experiência de mergulho na Natureza. Qualquer educador vai dizer que isto é de fundamental importância.

Pais que propiciam este contato – caso do Joaquim, que até aprendeu a engatinhar na areia - sabem do ganho emocional e afetivo, quando a criança ao invés de se enclausurar dentro de casa, cercada pelas babás eletrônicas, fica ansiando pelo bom tempo em que possa estar na rua. Com um canal no YouTube para comentar suas descobertas, reforça seu gosto por livros sobre pássaros e jogos de memória com muitas espécies para montar. Desta forma, pode parecer um passatempo bem caro, mas depende...

De fato, não somos uma civilização que tenha como preocupação preservar as demais espécies. Enquanto nos servem, tudo bem. Senão... Durante o Inverno, somente via pássaros e outros pequenos animais pelas regiões mais descampadas por onde caminhava. Ali pude testemunhar a revoada de Quero-Queros e, surpresa, fui privilegiado em ver, na divisa entre o bairro Quartier e Quinta do Lago, uma família de Preás. Mas é Primavera e agora vem uma época em que mais pássaros aparecem.

Observá-los é o que se chama de “passarinhar”. Atividade que vem crescendo, atraindo pessoas de diferentes idades. Já não precisa ser com câmeras sofisticadas ou binóculos potentes, mas até um celular com aumento no zoom. Claro que os mais aficionados saem à procura de matas onde exista um maior número de espécies. Porém, se tiver paciência, pode ser que apareça um Sabiá, um João de Barro, um Quero-Quero, um Anu... Alguns tipos que eram comuns pelos nossos banhados e descampados.

Observar e admirar possibilitam a reflexão e compreensão de que fazemos parte de um todo. Os pássaros ensinam a alçar voos... Também se pode, em noites claras, voltar os olhos para os céus, contemplar a Lua e as estrelas e mirar o Infinito... Ou, simplesmente, na rua, se encantar com uma criança, uma mulher grávida, um casal de namorados, um idoso, gestos de carinho em família... “Passarinhar” é a imersão no grande universo da vida – que não tem preço - e na missão que a humanidade recebeu de preservá-la!

domingo, 1 de outubro de 2023

O Mestre e o Aprendiz: "eu vou cuidar de ti..."

O telhado de uma das alas do Mosteiro foi parcialmente destruído por um ciclone. As constantes chuvas já tinham feito bastante estragos. A estrutura antiga era uma preocupação. Os trabalhadores estavam fazendo de tudo para se antecipar às tormentas comuns na estação que se aproximava. O Mestre resolveu subir até o local, num horário em que os pedreiros descansavam, e visitar as obras. Ficou ainda mais preocupado com a extensão do que era necessário ser feito.


Por sobre algumas estruturas que pareciam seguras, andou durante algum tempo, vendo o que julgou ser preciso fazer. Porém, foi num instante que se descuidou e resvalou na parte em que ainda não haviam recolocado as telhas. Sentiu que perdia o chão e em seguida, o vazio. E o silêncio...

Contaram que o Aprendiz foi o primeiro a encontrá-lo. Quando chegaram, o pequeno estava sentado no chão com a cabeça do seu Mestre no colo. Embalava o religioso desmaiado e chamava baixinho, repetidamente, pelo seu nome. Tiveram muito trabalho em mover o corpo porque o menino ainda não conseguia entender porque o seu amigo não respondia e não falava com ele!

Na enfermaria, deram-se conta de que não haviam recursos suficientes para atendê-lo. Decidiram remover para o hospital da Vila. Ali, crianças não podiam entrar. Foi com bastante dificuldade que contiveram o garoto em casa. Com o passar dos dias, o Aprendiz ficava cada vez mais horas sentado à porta da sala do Mestre. O Prior, preocupado, atravessou o pátio e foi sentar ao seu lado. Para distrai-lo, perguntou:

- Pequeno Aprendiz, o que queres ser quando crescer?

Levou algum tempo para responder:

- Quando eu crescer, vou cuidar do Mestre... Ele sempre cuidou de mim!

A conversa não se alongou porque o menino não respondeu mais.

O Mestre ficou emocionado quando chegaram as notícias com a preocupação dos monges, aprendizes e da sua comunidade. Mas seus olhos marejaram quando detalharam a reação do Aprendiz, nos últimos dias, andando como um zumbi pelas dependências da casa e comendo muito pouco.

Passado quase um mês, ficou sabendo que teria alta. Quando viu chegar o Monge enfermeiro teve a certeza: estava mais próximo de voltar para casa. O religioso entrou no seu quarto devagar, como sempre andava, com as mãos dentro das mangas do hábito. Mas foi quando uma pequena cabeça apareceu por detrás do Monge que seu coração quase parou. Ali estava o Aprendiz. Sério, ainda mais magro, com seu olhar intenso. Encostou o rosto no peito do amigo e murmurou devagarinho, segurando as lágrimas:

- Eu vim te buscar. Não vou te deixar sozinho. Eu vou cuidar de ti!

O Mestre fechou os olhos, ainda se sentindo cansado. Sentiu a mãozinha apertar o seu ombro.

- Por favor não dorme. Senão não me deixam te levar para casa!

Segurou a pequena mão, colocou-a de encontro ao peito e sorriu. Finalmente encontrava alguém que cuidaria dele. Estava envelhecendo e sempre tivera medo de que se tornasse alguém que dependesse dos outros. Ficara o mais próximo possível dos monges que se tornaram idosos e depois morreram, sempre tentando fazer com que se sentissem parte de todas as atividades da casa.

Sempre ouvira o provérbio de que “não se aceita a velhice se não for capaz de agradecer pelo caminho”. Que tempo restava? Não sabia. Nem precisava. Ainda haviam vidas a regar na estrada. Ao se aproximar o anoitecer, não teria medo do ocaso. Na despedida, queria estar tranquilo sabendo que o legado do Ser Supremo tinha sido bem cuidado. Dera-lhe o caminho e agora entendia que os filhos de coração eram anjos que voavam como pirilampos e lhe davam o sentido do que é, realmente, viver em plenitude!