terça-feira, 27 de agosto de 2019

Há uma cruz a mais na estrada...

Não acompanhei noticiários no final de semana de 17 e 18 de agosto. Estava envolvido em atividades de preparação dos Ministros da Palavra e da Eucaristia da Igreja Católica, em Rio Grande, no sábado; assim como da Pastoral da Comunicação, em Pelotas, no domingo. Segunda pela manhã, quando comecei a ouvir os relatos, fiquei chocado com a tragédia: a morte da Emily, de dois dias, seus pais e o motorista do carro da Prefeitura de Cristal que os levaria de volta ao lar e aos braços dos seus três irmãos.
Num trechos não duplicado da BR 116 (o que é a maior parte), uma ultrapassagem mal sucedida e uma colisão frontal. Infelizmente, há muitos anos, pessoas perdem a vida nesta estrada e alimentam contabilidade macabra - cruza do descaso e incompetência das autoridades públicas com um sentimento de inferioridade da região - que vê, na sua concretização uma espécie de favor: migalhas que se concedem aos cidadãos, que pagam impostos de primeiro mundo e recebem serviços de quarto, quinto...
Quem viajou com uma criança pequena no carro sabe que o balanço e o ruido abafado do motor são elementos para que durma durante bom tempo. Maiores e mais atentas, passam a olhar tudo o que podem acompanhar pelas janelas. Não vai ser o caso da Emily... Pelo jeito, de família pobre, voltava ao anoitecer numa "carona" pública que foi a sua primeira e última viagem. Tornou-se mais uma mártir da BR 116!
Fatalidades sempre vão acontecer. Mas aquelas que se dão por choque quando veículos trafegam em sentido contrário, se não podem ser completamente eliminadas, podem ser sensivelmente diminuídas com estradas duplicadas. Até nestas, como naquele final de semana, acontecem acidentes tipo o do motorista que destruíu a frente do seu caminhão, porque se chocou com o da dianteira, que bateu num terceiro...
A Emily alimenta uma estatísticas que já se tornou rotina. No interior, há o costume de que, com a morte em acidente na estrada, ali seja colocada uma cruz. A lembrança da imperícia humano - manutenção do serviço público ou descuido de um motorista - que levou à perda de uma vida. Hoje, se fossem colocadas cruzes para todas as existências ceifadas pela BR 116 faríamos uma longa, penosa e dolorida alameda da morte.
Há uma cruz a mais na estrada... Quando circular de ônibus, de carro ou caminhão pela rodovia, faça uma prece. Não importa sua filosofia ou religião, mas que não se permita que estas pessoas tenham morrido em vão. Motive lideranças sociais, políticas, dos meios de comunicação a não desistir. E quando a estrada ficar pronta, que haja um longo instante de silêncio pelos mártires de todas as idades, sacrificados no altar da imprudência, incompetência e, porque não, de todas as nossas omissões...

A imaginação que parece realidade

O livro Pequeno Príncipe inicia assim: "peço perdão às crianças por dedicar este livro a uma pessoa grande. Tenho uma desculpa séria: essa pessoa grande é o melhor amigo que possuo no mundo... é capaz de compreender todas as coisas, até mesmo os livros de criança... Se todas essas desculpas não bastam, eu dedico então esse livro à criança que essa pessoa grande já foi. Todas as pessoas grandes foram um dia crianças (mas poucas se lembram disso). Corrijo, portanto, a dedicatória: A Léon Werth. Quando ele era pequenino!"
Rei Leão (que ainda está nos cinemas) é uma volta a 25 anos atrás. A mesma história que encantou gerações passou do desenho animado para uma montagem feita em computadores com animais e cenários naturais. A fábula tem elementos comuns em contos com a preocupação de trazer uma lição: a disputa entre o bem e o mal, a preparação e o exercício para a liderança, o quanto o equilíbrio da Natureza é sensível, o valor que tem uma amizade e o companheirismo...
A roupagem dada pela tecnologia é um novo jeito de contar uma história antiga. A reciclagem de um conto que ainda mantem atentos os olhares de crianças e de muitos adultos que invejam o modo dos pequenos se encantarem com cenas, personagens, tramas... A mesma maneira com que, ao longo da História, menestréis, contadores, ambulantes, vendedores de miudezas andavam pelas estradas e caminhos levando informações, mas também cantigas e causos às populações distantes.
Quem se criou no interior ou quando a iluminação elétrica ainda era precária pegou contadores de histórias em casa: pais e mães alimentavam o imaginário tendo o lado feminino mais sensível e humanizado, mas também o lado masculino dando ênfase a aventuras eletrizantes, em especial o apelo ao terror... Até chegar ao rádio com as novelas em que as vozes estimulavam a imaginação a recriar as cenas e, enfim, a televisão, onde a criatividade já transcendeu a realidade...
Quando o filme acabou grande parte da platéia era como eu: adulto e sozinho. Não houve uma debandada imediata. Em silêncio, foram acompanhando os créditos e a música. A certeza de que a receita para um bom filma "de criança" continua a mesma e que efeitos especiais e uma fortuna investida precisam da simplicidade de uma boa história que envolva carinho, ternura, afeto...
Um "Léon Werth" lutando para entender o andar inclemente do tempo e o que disse o rei Leão: "o passado pode machucar. Mas do modo como vejo, você pode fugir dele ou aprender com ele". Amadurecer pode ser exatamente assim: conquistar os valores que a sociedade nos apregoa como sendo de adultos... Sem perder a capacidade de se encantar e emocionar diante de mundos que apenas a imaginação é capaz de fazer com que pareçam realidade!

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Homens que choram, brincam, solidários...

Na fila para pegar comida. Atrás, dois rapazes conversavam, acompanhados por um menino na faixa dos 10 anos, que ouvia atento... Discutiam números da violência, em especial de assassinatos, que diminuiu na comparação com o ano passado. O pai do pequeno destacou que o feminicídio aumentou, com uma "pérola": "também, as mulheres querem tanto ir para a rua... e do jeito que vão... só podem se dar mal".
No Dia dos Pais, meios de comunicação destacaram que homens se tornam mais sensíveis quando acompanham o desenvolvimento dos filhos. Foto hilária se tornou símbolo de fofura do rapaz que - para se fazer presente na vida da filha de quase dois anos - vestiu roupa de bailarina e tirou fotos com boas e gostosas risadas...
Ninguém nasce preconceituoso. Aprende-se no convívio da família e grupos sociais. O preconceito com as mulheres é violência que se introjeta na formação de valores e referências. A repetição de discursos como do primeiro pai inculca sentimento de "superioridade", "senhor de todas as coisas" e, ao ser desagradado, o "direito" de resolver à sua maneira, com a cumplicidade omissa de vizinhos e "amigos".
A população se conscientiza enquanto é lembrada, mas tem memória curta. Em seguida, se interessa por outros assuntos e joga estes no esquecimento. Temas fundamentais como prevenção da saúde e uma sociedade sem violência precisam ser repetidos (de forma diferente) todos os dias, todos os meses, todos os anos...
Martin Luther King, falando do preconceito racial, sabia que não veria o momento em que negros e brancos coexistissem em paz. Mas precisava pregar repetidamente para se concretizar um dia... Comparava com o patriarca Moisés, que libertou o povo de Israel do Egito e viu mas não conseguiu entrar na Terra Prometida. Da mesma forma, intuía um novo tempo para seu povo que precisava vencer as próprias limitações.
Falar de feminicídio é mostrar o quanto uma sociedade machista e patriarcal marginalizou o papel da mulher. Respeitar direitos não é "guerra dos sexos", mas dar a cada um a possibilidade da sua realização. Vamos levar muito tempo para que haja uma educação que liberte dos ranços disfarçados de brincadeiras, piadas, descasos...
Homens que choram, brincam, solidários no sofrimento da companheira no parto não perdem a masculinidade. Ao contrário, transformam mulher e filhos em parceiros e amigos por toda uma vida. Uma nova cultura inicia quando existe a consciência de que não há filho perfeito, nem pai perfeito; mas que o primeiro vai ter o segundo como referência... Aceitar e conviver com pequenos e grandes defeitos faz parte do desafio sublime de ajudar a construir a identidade de um novo ser humano!