terça-feira, 27 de outubro de 2020

A hora de contar as feridas


A senhora e a filhinha saem às 7 horas em direção à creche e ao trabalho usando máscaras; o senhor que recolhe material reciclável, pouco depois do almoço, usa máscara; o rapaz que chega para o futebol, na cancha, usa máscara... Já não são a regra, mas a exceção. Infelizmente, a flexibilização das normas de convívio - ao invés de esperar a vacinação da "manada" para que se aliviassem os procedimentos - se deve ao fator político que escancarou a porteira e deixa passar, inclusive, o coronavírus. 

Não há dúvida de que o processo eleitoral esqueceu os ditames de "seguir a ciência" para o de "seguir a conveniência", mantendo o discurso e, na prática, aceitando pressões, inclusive dos sem noção que se apegam aos sofismas de defesa dos seus direitos, esquecendo que, em sociedade, em muitos momentos, é preciso priorizar o coletivo. Para isto, seria preciso a capacidade de bater pé, quando necessário, dos quadros administrativos, sem surfar na onda de interesses próprios e de quem os apoia.

O olhar se volta para a Europa onde acontece a segunda onda, mais forte e letal. Mesmo que os números sejam inferiores aos Estados Unidos e Brasil, onde interesses eleitorais - não apenas desta campanha para a qual grande parte da população sequer está prestando atenção - miram o pleito presidencial. Lá, se encontram na entrada do inverno, fator decisivo para que o vírus modificado preocupe. O que, se espera, não aconteça por aqui, já que, antes desta estação, se terá algum tipo de vacina.

Embora se veja como uma boa notícia a imunização de parte da população, não se conseguirá cobertura completa, o que significa que o vírus continuará circulando. Já se pensa em estabelecer grupos prioritários - como os da saúde e de risco - para iniciarem a fila. Então, mesmo com a diminuição dos casos, é necessário consciência de que, ainda em 2021, continue-se usando máscaras e que a assepsia faça parte do novo normal. Infelizmente, o que não se aprendeu com civilidade, vai se aprender na marra...

No pós-pandemia, idosos e pessoas em situação de risco precisarão de mais cuidados, o que também redobra a atenção por parte de responsáveis e de quem, de alguma forma, interage com eles. Por exemplo, reuniões e celebrações de grupos religiosos. Nos últimos meses, multiplicaram-se lives de diversos credos, mas também da área cultural e entretenimento. Os riscos continuam e a atenção também: não se pode abrir mão deste que já se tornou um complemento da vida normal...

É hora de contar feridas. As "planilhas" dificilmente fecharão: crianças que perderem convívio social e aprendizado presencial; adultos que viram esvoaçar emprego e tiveram vencimentos reduzidos; idosos que perderam a referência de familiares e amigos... A força pode estar no que Robert Schiller pontuou: "deixe as suas esperanças, e não as suas dores, moldarem o seu futuro". Amém, que assim seja!

domingo, 25 de outubro de 2020

Carlo Acutis: a vida é simples assim...


Gosto de nomes e situações que fogem ao convencional, sem serem pretensiosos. Em programa de rádio, lembramos de alguns e disse que um dos que me marcou se chamava "Pelotense a caminho do Sol". Poético: pleno de sentido e de atrativo. Depois, a televisão anunciou espaço de entrevistas que valorizava o que pessoas que convivem conhecem uma das outras. "Simples assim" não aponta diagnóstico nos relacionamentos, mas se dar conta de que, na maior parte das vezes, a graça é que a vida é, mesmo, simples assim...

Quando faço minha oração, sempre leio algo sobre o santo do dia. Pessoas especiais que nem sempre foram marcantes por mudanças sociais, mas fizeram a diferença nos ambientes em que viveram. Agradeço por aqueles e aquelas que a história apontou como diferenciados para sua época, mas especialmente por "santos" e "santas" dos quais não temos nenhum registro, já que viveram plenamente a sua capacidade de empatia com os menos favorecidos ou com quem, naquele momento, precisava de uma mão estendida. 

Tive a graça de conhecer alguns destes "santos encarnados". Registrei num texto chamado "a solidariedade de dona Braulina", que ainda mora em nosso meio, na Vila Silveira, e da qual dizia que possivelmente não soubesse dar uma definição para "solidariedade", mas sim o que fazer com ela, na prática... Daquelas pessoas para quem se deve pedir a "bênção" por cada vez em que visita um doente, leva uma "quentinha" para uma família, ou passa com uma trouxa de roupa para lavar e aliviar as dificuldades de alguém.

Quando escrevi sobre música italiana, um comentário veio da minha prima Leli. Lembrou a versão da música "era um garoto que como eu...", do italiano, 1967, quando Gianni Morandi interpretou "c'era un ragazzo che come me...". Das preferidas, que não citei. Parece que existia um motivo especial... Podem pensar que não tem nada a ver, mas foi minha lembrança quando comecei a tomar conhecimento e me interessar pela vida de quem pode ser o mais novo santo da igreja católica: Carlo Acutis!

Desenterrado e com grande parte do seu corpo encontrado em bom estado de conservação, foi elevado ao altar dos beatos, o primeiro passo para sua santificação, vestindo calças jeans e tênis Nike. Morreu aos 15 anos vítima de uma leucemia repentina. No dia 10 de outubro, foi beatificado em Assis, na Itália. Garoto típico do século XXI, fez seu apostolado pela comunicação, informática e redes sociais, conectado com uma geração de católicos afastada de muitos mitos da santificação. 

O jornal El Pais o chamou de “influencer de Deus”. Dançando diante da câmera, jogando futebol, rezando o terço ou ante a Eucaristia... apenas "um garoto que como eu..." amava a vida e sua  fé o consagrou na morte. Um novo referencial para jovens que, como na música, não tem a guerra como perspectiva, mas precisam ser resgatados da indiferença e, olhando para Carlo Acutis, encontrar um santo pra chamar de seu...

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Uma defesa que não precisaria ser feita...


O lançamento da encíclica Fratelli Tutti, recentemente, recolocou o papa Francisco no centro das discussões. Num documento pastoral de fácil compreensão, apela para a fraternidade universal e a amizade social. O suficiente para que os críticos, até mesmo dentro da igreja Católica, lançassem farpas sobre o pensamento de um pastor, que, a exemplo de João XXIII, tem um olhar sobre o seu próprio rebanho, sem perder a noção da realidade social e espiritual em que vive a humanidade.

Em sala de aula ou discussões pela internet, quando pinçam um ou outro elemento e tentam fazer uma análise descontextualizada, sou cirúrgico: não há discussão se a pessoa, ao menos, não se der ao trabalho de ler material que está à disposição - impresso ou pelos meios eletrônicos. Se, em tempos não tão remotos, era difícil conhecer a íntegra do pensamento papal, hoje, está à disposição e fazer uma leitura preguiçosa, a partir de outros, é um desserviço e uma irresponsabilidade.

Quando católicos não se prestam para conhecer o que pensa o papa, grupos filosóficos ou religiosos o fazem e endossam o pensamento de Francisco. Caso de maçônicos que o elogiaram. Suficiente para ganhar a pecha de "documento maçom". Não duvido que ficassem felizes de ter um papa escrevendo textos para suas discussões filosóficas. Mas quem disse isto vai ter trabalho se outros grupos o elogiarem. E terão que chamar de "documento espírita", "budista", "protestante", "umbandista" e assim por diante... 

Num outro ambiente, comentou-se que as críticas são porque o "papa deixa a bola quicando". Expressão do futebol para dizer que deu oportunidade para o adversário aproveitar da situação e levar vantagem. Há sete anos à frente da igreja, Francisco não foi "convertido" no que muitos queriam: um intelectual, como tivemos Bento XVI; ou político, como João Paulo II. Marcantes e respeitáveis, mas que, na essência, não tinham este olhar sobre a periferia do mundo, para muito além dos muros do Vaticano.

Das muitas maldades que circulam, especialmente pelas redes sociais, está "o equívoco que foi a sua escolha". Não sou teólogo, mas do pouco que entendo, um católico que pense ou diga algo assim está cometendo um grande pecado: Francisco foi eleito num conclave de cardeais. Para quem não lembra, eminentemente conservador... sob a ação do Espírito Santo! Então, quem duvida das atitudes tomadas pelo papa está duvidando do próprio Espírito Santo... sugerindo que poderia ter se enganado! Como assim?

Esta é uma defesa que não precisaria ser feita... Com honestidade e bom senso se percebe que Francisco não precisa flertar com filosofias como o marxismo, quando se tem a Doutrina Social da Igreja, a respeito da organização social, política e econômica, que embasou o pensamento de outros grupos. Em tempos de "achismos", pensar dói ou cansa... mais difícil ainda é buscar uma sociedade em que sejamos "Fratelli tutti!"

domingo, 18 de outubro de 2020

A trilha sonora das nossas vidas

Saí cedo de casa, 11 anos, completaria 12 em junho. Naquele tempo o seminário menor compreendia também a formação fundamental. Dos 17 meninos que ingressaram naquele ano, uns 10 eram de origem italiana. Foi meu primeiro contato com falantes de outra língua, mesmo que, neste caso, fosse um dialeto que traziam dos migrantes que povoaram a região da serra. Melhores de vida, contavam as histórias dos avós que vieram corridos pela fome da Itália (conhecia algo semelhante, pois meus pais saíram de Canguçu na mesma situação) e enfrentavam as dificuldades que "exportaria" colonos ítalo-brasileiros em direção às regiões que se tornariam celeiros de produção agrícola do Brasil.

Acordávamos pela manhã com músicas, tocadas pelo padre Guerino. Em muitas ocasiões, com o cancioneiro italiano. Corria a segunda metade da década de 60 e as canções que passavam pelos festivais - especialmente o de San Remo - popularizaram cantores como Domenico Modugno, Gianni Morandi, Sergio Endrigo, Peppino di Capri, Gigliola Cinqueti e tantos outros. Seu romantismo dominava o mundo e não éramos indiferentes... Depois veio o padre Olavo Gasperin e as suas audições musicais, nos finais das tardes de sábado. Nem precisa dizer que era de origem italiana e conseguia, ainda com a Casa Beiro de Discos, os lançamentos, fazendo um apanhado e refinando nosso paladar cultural.

No apagar das luzes daquela década, Roberto Carlos fez parceria com Sergio Endrigo e cantou no festival de San Remo, apresentando Canzone Per Te. Foi como chegar a final num dos grandes campeonatos de futebol. A torcida e o resultado: Roberto cantou, encantou e levou o troféu. Não se deu o mesmo quatro anos depois
, quando apresentou Un Gato nel Blu. Estávamos equipados com radinhos de pilha e varríamos as ondas curtas em busca do sinal da RAI Itália, que transmitia os espetáculos e chegava oscilante, havendo momentos em que se escutava "perfeitamente" (para então), ou ia morrendo lentamente, até sobrar a estática, um ruído irritante e abafado.

As canções italianas chegaram aos bailinhos da década de 70, quando embalavam os flertes e alguns namoros mais sérios. O italiano macarrônico de que se dispunha (já era tempo em que se pensava em aprender inglês e, até, um pouco de francês, mas não passava pela cabeça aprender italiano), servia para que se virasse papagaio de pirata e repetisse no ouvido das meninas algumas palavras ou frase de sentido desconhecido. Engraçado, Gigliola Cinquetti, em 1966, cantou Dio, Come Ti Amo. Nos meus tempos de seminário, confesso, pensava que era uma declaração a Deus... somente mais tarde, fui entender que era a intensidade com que se estava, como se dizia, enamorado por alguém... 

Para nós, os mais velhos, são músicas que não morrem. Fizeram a diferença em muitos momentos. Repaginadas, as encontrei em festas, formaturas, bailes e, imaginem só, até em funeral. Letras inspiradas e melodias envolventes que serviram para que surgisse no Brasil uma série de cantores que fizeram versões, muitas vezes sequer respeitando os originais. Ou surgiram brasileiros capazes de interpretar com maestria como Zizi Possi e Délcio Tavares. Hoje, quando ouço uma playlist feita no computador ou no smartphone em que recupero todo o romantismo de uma época, tenho que agradecer a Deus por ser privilegiado... Em tempos de sofrência, recorro à informática para salvar meus ouvidos...

Vivi neste o tempo em que ouvia, ainda na vila Silveira, músicas tocadas pelas torres dos cinemas que chamavam para as sessões, especialmente matinés de domingo, arranhando os discos de vinil, ou as grandes paradas de sucesso; fui privilegiado em ter o bom gosto musical de pessoas que me iniciaram no conhecimento da cultura e os sabores da comida italiana. As mudanças eram inevitáveis, pois começavam a rodar as músicas dos Beatles e dos Rollings Stones, que criavam um novo jeito de "embalar o esqueleto". Mas ainda havia o romantismo de se desacelerar luzes, o som e dançar devagarinho com o gosto de que o tempo era apenas um dos muitos detalhes que teríamos que enfrentar pela frente...

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Desculpas não protegem a saúde


Ela apareceu de peruca no corpo do Jornal do Almoço... Algum tempo depois, já no RBS Esportes, mostrava seu cabelo curtíssimo, modulando o belo e expressivo rosto da apresentadora pelotense... Entre um e outro, anunciou que deixava de usar o cabelo postiço para se mostrar tal e qual estava agora, depois de passar por um carcinoma - o câncer de mama. Alice Bastos Neves, sem perder o sorriso e a simpatia, postou-se ao lado de mulheres que enfrentam situações parecidas e reforçam a conscientização do Outubro Rosa.

O Outubro Rosa - prevenção do câncer de mama (e mais recentemente sobre o câncer de colo do útero) - assim como o Novembro Azul - cuidados com o câncer de próstata - transformaram-se em momentos emblemáticos no tratamento de doenças que podem ser curadas se atendidas adequadamente. As mulheres já compreenderam que faz parte das suas rotinas, enquanto parcela dos homens se equilibra entre saber que precisa e a maledicência de quem é atrasado e preconceituoso e acaba fazendo seguidores...

"Quanto antes melhor" é a chave motivadora e deve servir de incentivo a que se busque suporte adequado em postos de atendimento da rede pública ou particular. As campanhas precisam ganhar suporte das redes de atendimento para adequar sistemas de prevenção e, depois de detectado, fazer o tratamento. Porém, é preciso começar o mais cedo possível para evitar o pior. Esta não é uma área para se fazer politicagem, não bastando anúncios bem elaborados em meios de comunicação, se, depois, na prática, não encontram o atendimento devido.

As pacientes que necessitam deste serviço já encontravam dificuldades em conseguir consultas médicas e exames. A pandemia do coronavírus, infelizmente, piorou a situação. Recentemente, quando o Ministério da Saúde lançou a campanha do Outubro Rosa 2020, foi apresentado um levantamento feito pela Fundação do Câncer, com base nos dados do Sistema Único de Saúde (SUS), que indicou a queda de 84% nas mamografias feitas no Brasil, em comparação com o mesmo período do ano passado.

A diminuição de atendimentos mostrou o quanto é preocupante - enquanto ainda se tem no horizonte uma segunda onda do coronavírus - este refluxo da crise sanitária. Exige um cuidado com o  represamento de exames e tratamentos que foram interrompidos ou adiados. Das muitas consequências para o pós-pandemia, está lançado um desafio para o SUS, demonstrando que a saúde pública, mais do que nunca, precisa ser prioridade para os governos.

Desculpas não protegem a saúde: dadas pelas autoridades ou atendentes dos serviços nos pontos em que a população tem seu acesso e as que "justificam" que não se insista com o direito previsto pela universalização do atendimento à saúde. Neste momento de fragilidade, sente-se na pele as dificuldades e as incertezas. O mantra continua o mesmo: "Vai passar!" Mas, enquanto não passa, não custa nada cada um insistir e fazer a sua parte...

domingo, 11 de outubro de 2020

O mundo da fantasia e a magia do "faz de conta"

Um programa de rádio lembrou de brinquedos que apresentadores e ouvintes tiveram na sua infância. Entrevistas de jornalismo normalmente têm um público mais velho, passando dos 30, consequentemente, daqueles que são pre-eletrônicos, quando muito puderam usufruir dos games de tipos restritos e preços que não cabiam nos bolsos de todo o mundo. Um dos comentaristas mais velhos, voltou um pouco mais no tempo e contou da sua experiência, sem artefatos de plástico ou industrializados. Fiquei atento, porque era a descrição do que aconteceu na minha infância.

Raros e restritos eram os brinquedos em série, mas a criatividade fazia com que se "torneasse" um pedaço de madeira e transformasse em taco. Uma lata de óleo servia como "casa" para o jogo. A mesma lata que poderia servir para fazer um carrinho. Duas latas arredondadas eram o suficiente para que se fizesse um andador ou pés de latas. A Vanessa e sua turma lembraram das "cinco marias" (que eu já não lembrava, mas eram aqueles saquinhos que se atirava um para o ar e se recolhia outro no chão, até errar), "telefone sem fio", "pião", "mola maluca"... e também havia um terreno em toda a extensão da rua, com proteção de Maricás, que era o "esconderijo" nas brincadeiras de mocinho/bandido, durante o dia e, nas noites de verão, o lugar preferido para o "esconde-esconde".

Quando começaram a entrar os saudosistas dizendo que hoje as crianças tem muitos brinquedos mas já não usufruem da rua. O mesmo comentarista disse que são outros tempos, com outro tipo de satisfação, e que as crianças, tendo um ambiente propício, exercitam a criatividade e são capazes de encontrar suas próprias formas de diversão. Não quero discutir aqui os erros e acertos pedagógicos que colocaram as crianças dentro de uma embalagem e colaram o carimbo de "frágil"... Tão pouco falar da violência que retirou praticamente toda a atividade social da rua. Embora, em muitos condomínios populares, o que se encontra é o microcosmo das vilas de antigamente...

Já disse que uma das minhas metas enquanto aposentado é colecionar. Semana passada falei a respeito dos carros que tive e pretendo conseguir em miniatura. Verdade que tem gente desistindo até de andar comigo a pé porque, depois do que leram ou ouviram, não acham que eu seja uma companhia segura... Mas, vamos lá: a outra coleção é de brinquedos que, de alguma forma me marcaram. Minha primeira leitura, como a de muitos do meu tempo, foram os gibis. Em priscas eras, como se dizia, reinavam o pato Donald, o Mickey, o tio Patinhas, o Pateta, a Margarida, a Minnie, a Maga Patológica, Madame Mim... Os pilas para comprar  do jornaleiro, o seu Ananias, eram poucos, e então, depois de ler, trocávamos nas portas dos cinemas, nas sessões matinés do domingo.

Talvez já existissem, mas, para nós, os brinquedos não eram acessíveis. Na verdade, nem sabíamos que existiam. Fui tomar contato com eles já na minha adolescência e, então, a gente já tinha outras preocupações... Passamos a assistir televisão e, de lá, foram surgindo outros personagens, que viraram bonecos: da série "Perdidos no espaço", o doutor Smith e seu robô, que chamada de "lata de sardinha enferrujada"; a fofura do ratinho Topo Gigio, que marcava o final das nossas noites, no Brasil, conversando com o Agildo Ribeiro; ou ainda o Fofão, que teve seu momento alto no programa Balão Mágico, que a gente dizia ser "coisa de criança", mas todos sabíamos de cor e salteado a sua música. Mais recentemente, os personagens centrais de Harry Potter, que recuperaram o gosto pelo mundo encantado da leitura...

O mundo da criança é o mundo da fantasia. Aterrissar na realidade é coisa de adulto, que nunca pode esquecer que já foi criança e, especialmente, manter um pé no encantamento que toda a magia do "faz de conta" é capaz de dar. O dia é da criança, mas também da mãe Aparecida. E mãe sempre tem a ver com aqueles anos passados em que aprendemos os primeiros passos, as primeiras palavras, onde encontrar nosso lugar de abrigo e carinho. No dia das crianças, o brinquedo que se dá, na verdade, é um pouco da saudade do lugar de onde saímos, por onde andamos e que, de alguma forma, não se quer esquecer...

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Prevenção: garantir a dignidade na saúde


Analistas das questões relativas à saúde começam a montar um quadro do que realmente aconteceu nos últimos meses, envolvendo a pandemia do coronavírus. Ao lado de infectados e, especialmente, dos que morreram, existem números comprovando que um bom grupo que positivou acabou se recuperando. Despertando o interesse por delimitar o quadro de quem é susceptível ao contágio e, num estágio avançado, pode fazer parte das estatísticas de morte.

Há um dado comprovando que durante todo o inverno se teve menos casos de pessoas contaminadas por gripes comuns. Muitos contam que atravessaram estes meses sem nenhum sintoma. Tem a ver com a corrida quase que desesperada que a população mais idosa - assim como aquela que se encontra em situação de risco - fez aos postos de saúde tão logo percebeu que a situação ia ficar feia. Mesmo com o alerta de que ainda não havia vacina que prevenisse ou curasse o vírus que se instalava.

Mas também o fato de que muitos - no susto - se recolheram às suas casas e um bom número fez, efetivamente, isolamento social, reforçado pelo uso de máscaras e da assepsia de mãos e roupas. É bobagem pensar que se consegue conscientizar toda uma população. Mas existe um percentual que é capaz de estancar o efeito da laranja podre... A maior parte das pessoas aderiu à máscara, mas sempre se encontra quem não usa ou acha que ela deve proteger o bolso, o queixo, apenas a boca ou a testa... 

O alerta é para quem relaxou exames e consultas de rotina para acompanhar diagnóstico ou tratamento. Aqui o problema aparece com mais seriedade: de um lado, aqueles que não estavam dispostos a se submeter ao perigo de uma infecção nos consultórios e laboratórios. De outro, profissionais que se afastaram, por estarem em grupo de risco ou por decisões político/administrativa que cancelaram o atendimento em locais de referência para a saúde. E deixaram a população desassistida...

Cantado por alguns, criticado por outros, o sistema único de saúde é o que temos. Arrefecendo a pandemia, com o caixa quase raspado, não se pode permitir que se volte ao que era antes: atendimento precário em todos os sentidos, desde a disponibilidade de profissionais, passando por estruturas, até o básico na distribuição de medicações e acompanhamento domiciliar. Os serviços desta área tem que fazer jus ao princípio da universalidade de acesso à saúde, que todo o brasileiro tem.

Segurança, saúde e educação são diretos que garantem a dignidade. A maior doença está em quem glamouriza a pobreza e a transforma em massa de manobra. Uma cultura da cidadania precisa trabalhar uma adequada rede de informações sobre a saúde, que inicia pela família. E passa pela escola e uma sociedade que aprende no tranco que paga caro - até com vidas - quando relaxa no que é básico: a prevenção!

domingo, 4 de outubro de 2020

O que a estrada oferece pela frente

Quando estava saindo de cirurgia para extinguir um câncer de próstata tive que focar em coisas que gostaria de fazer de forma prática, já que, ainda, com resquícios da anestesia, não conseguia concentrar em leituras e estudos. Das muitas "loucuras" que comecei a idealizar - enquanto aposentado - estava de encontrar miniaturas de carros que já tive, assim como de brinquedos que fizeram parte da minha infância e início da juventude. Claro que veio à mente o primeiro carro, que efetivamente comprei, um chevetinho ano 77, seguido do clássico de praticamente todos nós, o fuquinha...

Mas aí havia um engano. Puxando pela memória fui lembrar que não foram os primeiros meios de locomoção tanto da família, quanto das lides do seminário, para onde fui a partir dos meus 11, quase 12 anos. O primeiro veículo era uma charrete, que servia muito bem para todas as lides do "Bar e armazém Raulin", do seu Manoel, mas também para os passeios que se faziam nos domingos à tarde, depois que o pai fechava o boteco, ao meio-dia, e tirava sua sesta. Eram locais próximos, especialmente no verão, onde houvesse uma sombra e alguma água para a família se refrescar...

Já no seminário, desde que me conheço por gente, havia a "kombi do padre Guerino", que tinha a serventia de carregar mantimentos, transportar material de uso da casa, mas também para levar e buscar um grande grupo de meninos. Ainda não haviam regras tão rígidas de transporte como hoje e, então, em certas ocasiões, quando começavam a descer - e se fosse contar - facilmente passavam dos 10, faceiros por ir até a praia do Laranjal, pelo lado do Carmelo, ou vestir as fatiotas e participar de alguma cerimônia na Catedral de São Francisco de Paula.


Quando o pai iniciou a casa onde hoje moro, construiu uma garagem que abrigaria uma charrete. Depois que deixou de usar e passei a comprar carros, fui percebendo o quanto era estreita, ou, dito de outra forma, o quanto o motorista era ruim, já que, em todos os carros, ficaram as marcas de arranhões nos espelhos retrovisores, assim como nos para-lamas, especialmente dianteiros. Não sei quantos carros tive, alguns mais modernos, outros nem tantos, mas os que deixam marcas são aqueles que importam...

Por exemplo, o astra que cuidava por ser novinho e dotado de muitos recursos e conforto. Numa ida a Porto Alegre, tinha a intenção de ficar na capital e liguei para um amigo que saiu de Pelotas comigo. Percebi que não estava bem e combinamos retornar juntos. Próximo a Tapes tinha muita água na pista e o carro aquaplanou... Embora não lembre - minha última memória continua sendo passar por trás do mercado ainda em POA - paramos embaixo do último rodado de um caminhão. No frigir dos ovos, saímos ilesos, mas do carro sobraram a chave e o acionador de alarme que o Renan localizou em meio aos restos da preciosidade que virou sucata...

Com a minha amiga Jânea e o saudoso Vinícius aprendi a gostar das caravans. Aquilo não era carro, era uma casa ambulante! Servia para as atividades pessoais, viagens e os serviços da agência que tinha, então. A cachorreira era a alegria da criançada. Tinha espaço para que fossem à vontade, assim como mantinha sempre algumas almofadas no banco de trás que era a "cama" para meus sobrinhos quando, regularmente, ia a Porto Alegre e um deles, assim como um de meus pais, me acompanhavam.

Consegui ficar com a traseira do chevetinho presa em arames na estrada do Laranjal... ataquei uma coluna na rodoviária... bati num outro carro sobre uma ponte na Cascata, em direção a Morro Redondo, sem haver mais nenhum veículo na estrada... Mas também senti os opostos ao subir a serra: a vastidão dos seus vales, assim como a solidão da cerração... O encanto dos serros em direção a Bagé, com as suas curvas perfeitas e seu desenho do verde que se perde na paisagem... O nascer do sol por sobre pequenas lagoas na br 116, com a neblina evaporando no inverno e mostrando um espetáculo mágico de energia e da graça de Deus! 

Gosto de viajar com outros, mas também de percorrer estradas sozinho... sozinho, não: a certeza de estarmos eu e Deus. Uma ida para a serra, por exemplo, tem um ritual próprio. Cedo cair da cama, tomar café no Grill, passear e almoçar em algum shopping da capital ou de Canoas. E não ter pressa. O importante no passeio é encontrar situações que dão prazer e pessoas que amamos. O carro é o instrumento que ajuda a fazer caminho, este sempre novo "desconhecido", com o desafio da atenção e sorver o contorno de cada curva como se vive a própria vida: encantados e gratos por tudo o que já se recebeu... e o que a estrada oferece pela fr
ente!