terça-feira, 23 de março de 2010

Das Catacumbas ao século XXI

A expressão já se tornou chavão, mas é verdadeira: “o tempo da Páscoa é especial para a reflexão”. Penso nisto num momento em que a Igreja Católica se vê envolvida em tantos problemas, ao mesmo tempo em que outras Igrejas avançam ocupando espaços que, tradicionalmente eram seus. Onde errou? O que deixou de fazer? O que poderia ter feito diferente? Nas minhas muitas andanças, tenho percebido que as grandes lideranças católicas já não são aquelas que têm o melhor discurso, mas aquelas que dão o melhor exemplo. Não que elas estejam preocupados com isto, mas buscam viver a sua religiosidade na simplicidade de viver bem a própria vida: nossas maiores dificuldades sociais iniciam porque deixamos de viver bem em família e na nossa vizinhança.
Creio que a Igreja precisa voltar a olhar com carinho para estes espaços particulares e especiais. Talvez não tenhamos um remédio para todos os problemas das famílias, mas talvez tenhamos um bálsamo que auxilie a diminuir a dor, através do atendimento personalizado de cada um. Talvez não consigamos mudar as estruturas sociais, mas podemos melhorar os relacionamentos dos grupos e incentivá-los a viver melhor.
A Igreja Católica, infelizmente, há muito tempo deixou as catacumbas onde havia o autêntico espírito de comunidade, que era o espírito da solidariedade e da sobrevivência. Hoje, com o passar da História, agregamos estruturas que tornaram “o custo Igreja” muito alto. Não podemos mais investir apenas naquilo que seria do anúncio e do testemunho do Evangelho, mas dispersamos nossos esforços em outras coisas que deveriam ser da sociedade, com o espírito do Evangelho: educação, comunicação, saúde, serviço social etc.
O tempo de Páscoa e o tempo de ressurreição deve fazer nossos olhos se voltarem para os únicos olhos que dão sentido à nossa fé: os de Jesus Cristo, que na serenidade de quem sabe que nos espera desde a Eternidade, brinca com as nossas preocupações rotineira que nos tiram da busca do essencial: viver plenamente a Sua mensagem. É o momento de voltarmos a viver as coisas simples que o próprio Jesus viveu ao caminhar com seus discípulos e ali formar homens que saíram da brutalidade para a contemplação do que de mais puro já existiu. Se formos capazes, esta será a esperança plantada de que esta Páscoa é uma nova Páscoa, já não a da ressurreição de Jesus, mas a nossa própria, num novo convívio, com novas esperanças, menos preocupações e mais tempo para “gastar” com os outros. Então, valerá a pena repetir: “Feliz Ressurreição!!!”

segunda-feira, 22 de março de 2010

O alerta do PDT

No momento em que os partidos fazem acertos públicos e não tão públicos assim para lançar suas candidaturas ao Governo do Estado, o Partido Democrata Trabalhista (PDT) deu, na semana passada, um sinal que preocupou seus dirigentes e também colocou de orelha em pé os demais partidos: há descontentamento e insatisfação com as decisões tomadas pelas cúpulas, em muitos casos, desprezando seus próprios seguidores.
O PDT teve em Leonel Brizola o seu nome maior, um caudilho que foi governador do Estado e do Rio de Janeiro, uma liderança forte e capaz de aglutinar à sua volta seguidores fiéis. Hoje carente de lideranças expressivas, tomou a decisão, por sua cúpula, em Porto Alegre, de apoiar José Fogaça, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, num acerto que lhe dará, por mais de dois anos, a prefeitura de Porto Alegre e a vitrine que considera necessária para voltar ter força no Estado.
Um bom número de prefeitos do interior revoltou-se contra o que considerou uma decisão precipitada, já que alguns gostariam de apoiar Tarso Genro, do Partido dos Trabalhadores, ou Yeda Crusius, do Partido da Social Democracia Brasileira. Infelizmente, não é de hoje que o Rio Grande do Sul é dividido entre a capital e o interior. E como é na capital que os poderes maiores estão localizados, acabam desprezando uma significativa parcela das lideranças.
Embora, ao que tudo indique, os panos quentes já funcionaram para abafar o levante, ficou o alerta: futuras negociações precisam ser mais abertas e contemplar as demais áreas onde também a tradição política é forte e de onde, historicamente, saíram as maiores lideranças que este Estado já teve. O PDT quis fazer um negócio apressado pensando no quanto lucraria em fazer uma chapa forte com o PMDB, mas o jeito como fez foi capaz de chamuscar lideranças e criar um atrito desnecessário especialmente com os prefeitos, que são aqueles que arregimentam a mão de obra necessária para uma campanha eleitoral. É um bom sinal: se o PDT não aprendeu, tenho certeza de que outros tomaram nota e em negociações próximas vão pensar duas vezes e ampliar as consultas antes de qualquer decisão mais abrangente.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Avatar

Avatar não é um filme, é uma parábola. Uma linda parábola que encanta muita gente e desperta um olhar mais atento sobre a natureza que, de outra forma, dificilmente iria se conseguir. A discussão a respeito dos males que cometemos com a Terra foi intensificada e plantou, especialmente nos jovens, o interesse por um tema que estava restrito: a necessidade de harmonizar o ser humano e a natureza.
Tenho recebido lições que aprimoram a minha qualidade de vida: uma Avenca, em minha cozinha, é o termômetro que mostra quando o meu astral está pesado – ela pura e simplesmente murcha e morrem suas folhas. Passada a crise, voltam seus tenros brotos. Um bambuzinho de ornamentação, plantado em vaso, resistiu ao sol de 40 graus, ainda dando espaço para um pé de trevo e um de tomate. Uma das flores mais singelas, da qual não sei o nome, enfeita a gruta da casa, como se fosse uma cascata de enfeites de Natal. Sem contar árvores, arbustos de chás e flores com as quais convivo.
Avatar intensifica este processo. James Cameron (o diretor) mostra que não basta cuidar daquilo com o qual convivemos, mas harmonizar sentimentos, exatamente o aprendizado do protagonista, Jake Sully, um ex-fuzileiro naval confinado a uma cadeira de rodas. Descobre que os recursos naturais estão à nossa disposição para a sobrevivência e não para esbanjar e destruir. Viver é respeitar o ambiente onde nos inserirmos e retribuir aquilo que nos foi dado.
O suposto povo Na'vi vive exatamente desta forma. Na exuberância natural de um cenário fantástico, aprendeu a desfrutar de tudo o que existe no reino animal, vegetal e mineral. Mas tem profundo respeito na certeza de que é isto que os mantêm vivos e sadios. Fui ao cinema com algum preconceito, pois amigos haviam colocado a tarja de “filme ecochato”. Na saída, tinha vontade de aplaudir. Sentia naqueles que estavam comigo o mesmo encantamento e ter sido provocado por um conto que saiu da realidade para virar ficção. Infelizmente, somos os responsáveis pelas muitas bandagens colocadas nas feridas da mãe Terra, buscando um remédio que nos cure do nosso egoísmo, única forma de reverter os estragos que já fizemos.

domingo, 7 de março de 2010

Humanismo feminino

É meio cínico alguém dizer, para fazer média, que “dia das mulheres são todos os dias”. Partindo deste princípio, todos os dias são dias das crianças, dos idosos, dos homens, dos negros... Não é um “dia” que faz a mudança de uma situação, embora, acredito, seja um bom momento para aprofundar a reflexão a respeito da discriminação que muitos grupos sofrem, inclusive das mulheres. Ouvi de uma liderança religiosa que é necessário “humanizar o Mundo”. Infelizmente, não vai ser o homem (masculino) quem vai fazer isto, porque foi protagonista da História durante muito tempo e perdeu a oportunidade de tornar realidade uma sociedade mais justa. Então, no momento em que a mulher, gradativamente, ocupa lugar de destaque social, especialmente de presença em atividades das quais, até pouco tempo, estava afastada, também há um novo horizonte e uma nova possibilidade.
Para que isto aconteça, ela precisa não repetir os mesmos erros dos homens e sequer seguir os seus modelos, que não deram certo: fazer-se presente na política, do mesmo jeito que é feita até agora, é repetir o mesmo erro; administrar da mesma forma vai repetir fórmulas que fracassaram; pregar a religião como ainda se faz, vai conservar a História na mesma marcha que vem fazendo ao longo dos tempos, em que, quase sempre, tiveram papel de serviçais, onde vencidos são sacrificados e vencedores perpetuam a sua História.
Estas ações já contaram com a presença da mulher, que precisou se “masculinizar” para ser aceita. Deixou de lado sua sensibilidade, o seu olhar especial, onde, antes de ver o lucro ou o poder, vê aquele que precisa de ajuda. “Então é impossível alterar o rumo da História, porque sempre se fez assim”. Não é verdade: esta mulher forte, mas que em muitos momentos se emociona, chega a fazer quatro jornadas de trabalho por dia: mãe, trabalhadora, doméstica e estudante, por exemplo. Ela sabe que vale a pena lutar por cada um daqueles que o destino colocou em seu caminho e ainda tem tempo de agir como a maior parte dos homens não sabe agir: companheiras, capazes de dividir tarefas e emoções e esperançosas de que seus parceiros façam o mesmo.

segunda-feira, 1 de março de 2010

2012

Recentemente, um filme catástrofe fez e faz grande sucesso nas telas do cinema por recuperar um presságio do povo Maia a respeito de um possível fim do mundo em 21 de dezembro de 2012. No entanto, o que a primeira profecia diz é que podemos alcançar “o final do medo”. Mais: “a humanidade deverá escolher entre desaparecer como espécie pensante que ameaça destruir o planeta ou evoluir para a integração harmônica com todo o universo, compreendendo que tudo está vivo e consciente, que somos parte desse todo e que podemos existir em uma era de luz.”
Gosto de uma expressão dos mais antigos de que o fim da Terra acontece para aqueles que morrem. Ao fechar os olhos, para nós que partimos para outro plano, o Mundo acabou. No entanto, assim como na virada para o século XXI, estas especulações acabam influenciando aqueles com maior dificuldade para entender como estes fatos se dão, ou em precariedade emocional, causando transtornos, inclusive, suicídios, na lógica de que se vai acontecer, porque não antecipar e não sofrer mais.
A profecia é maior do que apenas o anúncio de uma catástrofe: propõe uma conscientização sobre o que fazemos com o planeta Terra, hoje cheio de feridas causadas pelo uso desenfreado dos recursos naturais e por políticas com propostas ousadas no papel e no discurso, mas hipócritas na ação. E, se as autoridades são as grandes responsáveis, nós, enquanto sociedade, não somos menos culpados, na maior parte das vezes pela omissão ou por achar que o nosso grau de consumismo e de poluição é insignificante diante da magnitude que o problema alcançou.
Os Maias chegaram a um nível de consciência de que essas mudanças irão acontecer para que “possamos entender como funciona o universo e para que avancemos em níveis superiores deixando para trás o materialismo e nos livrando do sofrimento.” E esta é a grande lição: talvez não nos demos conta de que é este Mundo que vamos deixar para nossos filhos e filhas. E ele estará de tal forma marcado e ferido que a maior catástrofe que não poderemos evitar será a de que nós passamos por ele e o deixamos do jeito que estamos deixando.