domingo, 28 de fevereiro de 2021

Uma longa noite até o alvorecer...

A idosa foi internada porque precisava de respiração artificial. O quadro se demorou, fazendo com que filha e neta se revezassem no atendimento. A cuidadora havia sido chamada porque as duas precisavam de uma noite na semana para ficar em casa. Um tempo tranquilo, porque a paciente “tava gastinha” - definhava e não causava qualquer trabalho. Em alguns momentos, abria os olhos, olhava em volta e voltava a dormir. Uma vez ou outra estendia a mão por sobre o lençol. Sentindo o contato, tentava reconhecer de quem era, mas não conseguia e se conformava…

A enfermeira deixou o celular sobre a perna e contemplou as veias judiadas pelas vezes em que injetaram a medicação. Mãos calejadas, com histórias que ouviu da filha e da neta. As da filha vinham de longe, interior do município vizinho, onde viveram num sítio, vendo a mãe e o pai trabalharem na roça e, em casa, cuidar dos animais e do pátio. Na saída da casa, uma porteira acessava o jardim misturando flores da estação, chás e temperos. Pelas paredes e janelas, latadas improvisadas com arranjos e verdes. Como dizia: “a casa era simples, mas cuidada no capricho!”

Toda a vez que abria a porta da cozinha - em duas partes, conservando a de baixo fechada para que os animais de pátio não entrassem – havia um alvoroço entre galinhas, patos, porcos, que andavam próximo à casa, sentindo o cheiro da comida e esperando pela ração. A caturrita, que caíra de um pinheiro e lhe cortaram as asas, alertava para a chegada da dona e voava da porta-janela até a porteira da cerca do jardim. Ali chamava pelos cachorros e repetia os xingamentos que alguém lhe ensinara, recebendo a ameaça de que seria jogada na cacimba se continuasse com a boca suja…

Depois de alguns anos, migraram para a periferia da cidade grande. A idosa ficava em casa com a neta, que estudava, enquanto a filha trabalhava numa lancheria. Cuidava das tarefas domésticas e não descansava enquanto não visse a casa em condições de receber o casal. O tempo passou e, numa queda, perdeu a locomoção. Sabendo que a avó era ativa, ficaram com medo da reação. Mas ela se conformou e, dificilmente, ouviam reclamação. Somente pedia que a levassem ao pátio, onde ainda era capaz de dar opinião sobre o que plantar ou não e fiscalizar a pessoa que cortava a grama.

Preferia o arvoredo, o cultivo de flores, chás e temperos. A neta e o genro se revezavam fazendo a prática da jardinagem. E tinha os seus “senões”… plantar as flores lhe dava muito prazer, chegando ao ponto de fazer jornadas noturnas para acabar com os caramujos. Já dos chás e temperos, dizia que era por “precisão”… sempre havia alguém desejando uma murta, folha de laranjeira ou de pata de vaca… “Mas a senhora toma chá?” “não, isto é bobagem, uma xícara de água quente faz a mesma coisa”! “E os temperos?” “isto é pra vocês, eu nem gosto, mas podem botar na comida...”

Soltou a mão sobre a cama e levantou os olhos para o buque que trouxeram mais cedo. Não falou, mas sentia que eram os derradeiros momentos da idosa. Um pouco antes, janela aberta, uma abelha pousou sobre as flores e, depois, levantou voo, num tributo da Natureza... às mãos que empunharam ancinhos e enxadas e esperavam o tempo para se encontrar com o Criador. Em algum momento do sono, ainda chamou pela filha e pela neta. A despedida seria calma e serena: conquistara o direito de descansar. Valia a pena a vigília e estava preparada: seria uma longa noite até o alvorecer...

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Vacina: um jeito simples de se viver mais

Antigamente se dizia que se quisesse passar por mentiroso bastava falar do tempo, o que sairia de uma barriga grávida ou da urna eleitoral. Pois, hoje, os três são plenamente previsíveis, mas… se apresenta uma outra questão que pode fazer você passar por enganador: a vacinação. Sexta-feira, no programa Hora Marcada, em que participo com o Sérgio Correa e o Luiz Carlos Vaz, informei o que havia lido de que os lotes de vacina que chegaram aos municípios deveriam ser divididos em dois para dar oportunidade a que os grupos recebessem a primeira e a segunda dose, no devido prazo.

Nem chegou ao fim do dia e o governo federal anunciou orientação diferente: gastar todas as doses na primeira rodada, com a certeza de que, no prazo necessário, alcançaria o suprimento. No início da semana, com o quadro piorando em todas as regiões, os prefeitos vão ter que tomar uma decisão indigesta: não confiam em que o governo federal cumpra com sua promessa, mas têm a pressão de diversos setores para que empurrem esta tartaruga que, de tão devagar, está quase parando...

Depois que os chineses fizeram seus primeiros experimentos contra a varíola, no século 10, Edward Genner percebeu que moradores do interior, que pegaram a varíola bovina, tinham anticorpos necessários para a cura humana. A segunda geração das vacinas é que teve à frente o cientista Louis Pasteur. O pontapé inicial para que as autoridades se dessem conta da sua necessária produção em massa, tornando-se um elemento fundamental na prevenção de doenças no mundo.

Busquei no Google: “vacinas são substâncias biológicas introduzidas nos corpos das pessoas a fim de protegê-las de doenças. Na prática, elas ativam o sistema imunológico, ensinando nosso organismo a reconhecer e combater vírus e bactérias em futuras infecções”. Simples, assim. Mas enfrentou resistência... inclusive, no início do século passado, a que se chamou “revolta da vacina”, pela proposta de Osvaldo Cruz de imunizar toda a população do Rio de Janeiro contra a varíola.

Infelizmente, hoje, existe uma onda negacionista também nesta questão. Não basta a ignorância de boa parte da população, ainda se vê como joguete nas mãos de políticos com pouco ou nenhum escrúpulo, que preferem ver o circo pegar fogo a ajudar adversários a fazer o trabalho de bombeiro… O interesse coletivo é sobrepujado pelo individual, muitas vezes não tão declarado: perspectivas de campanhas eleitorais, divisão e ânsia pelo poder, com seus retornos financeiros…

A vacina é direito e obrigação. Já tivemos experiências, como a imunização de idosos, em 1999, quando convenceram muitos a não aceitar pois era intenção do presidente FHC matar os velhos para não pagar benefícios da previdência. Hoje, faz parte do calendário para todos, com mais de 60 anos. Porém, o que se percebe, nos últimos tempos, é um relaxamento. E voltam doenças já controladas. Não dê chances para o azar, informe-se e auxilie na prevenção. Para os idosos, é um jeito simples de se viver mais. Na sua maior abrangência, ela pode, agora, ajudar a sociedade a viver melhor!

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Jovita e Saturna: o consolo e a ausência

Quando saímos de Canguçu e viemos para Pelotas, nos meus tenros quatro anos - ainda não haviam chegado os anos 60 - e deixar o interior era uma aventura que nem meus pais – seu Manoel e dona França – tinham a dimensão do que viria pela frente. Nos primeiros anos, a saudade somente era diminuída pelas raras visitas – de ônibus, saíamos de madrugada para chegar lá pela tarde – ou quando apertavam um pouco o orçamento para que um deles voltasse a visitar irmãos, sobrinhos e pais. A mãe a caminho do interior de Canguçu. O pai em direção, então, do interior de Camaquã.

Foi quando passei a ouvir, nas suas lembranças, de coisas que haviam acontecido no “Passo do Sapato”. Como não era uma referência geográfica para mim, fiquei pensando em como podia acontecer tantas coisas perto de um “sapato” (calçado). Até que numa ida à casa de minha avó materna, Saturna, percorri a estrada e atravessei o arroio do Sapato, com a ponte instalada, o pai contando que antes a travessia era feita de balsa e, nas cheias de inverno, o trânsito se tornava muito difícil, impedindo a circulação pelo interior da região que agora pertence ao município de Cristal.

Das muitas e boas lembranças, ir para a casa da vó Saturna era uma festa. Recebidos com carinho por ela e pelo tio Djalma, um solteirão (isto já é mal de família – mas se regenerou e casou com a Dorinha), dispostos a esquecerem tudo para tratar bem as visitas. Ao lado da casa, um lugar sagrado era o jardim da vó. Merecia um passeio especial para que pudesse falar e mostrar novas plantas. A gurizada se fartava correndo e brincando, andando a cavalo... O mesmo não sentiam as meninas que diziam: “a vó gosta mais dos meninos do que de nós!” Dores de cotovelo infanto/juvenis!

Uma boa lembrança era, em dias muito quente, tomar banho nas praias do rio Camaquã. Nunca aprendi a nadar, mesmo que meu pai fosse muito bom, inclusive em boiar, que dizia ter aprendido no quartel. Pequenos, nossa diversão era, enquanto boiava, ficarmos sentados sobre sua barriga que fazia as vezes de “barco”. Naqueles rincões perdidos, eram espaços reservados para poucos, onde a natureza ainda propiciava sombras, com árvores jogando seus galhos por sobre as margens, em trampolins de onde os mais aventureiros se jogavam para seus mergulhos.

Os passeios com a mãe não tinham aventuras nas águas. Mas havia mais gente: além da vó Jovita, que morava com a tia Ester (solteirona. Esta, sim, por toda a vida), os tios Ciano, Marico, Graciano e outros parentes. Atravessar lavouras podia levar para outras casas ou para um oásis numa baixada onde a tia Ester mantinha, perto da cacimba, verdes e flores. Foi o lugar onde mais vi samambaias e avencas! O ar fresco propiciado pelo veio de água era suficiente para se transformar num arvoredo acolhedor para pessoas e pássaros: o primeiro santuário da Natureza que a vida me mostrou…

Meus avôs morreram cedo e não convivi com eles. Minhas avós, um pouco mais, e, enquanto viveram, continuaram a ser elementos agregadores. Periodicamente, se percorriam estradas difíceis e, na maior parte das vezes, mal conservadas, para revê-las. A despedida era sempre à frente das casas, quando algum dos tios ou primos davam carona de carroça para chegarmos ao armazém do Antônio Matos (Canguçu) ou ao Grill (Cristal) e pegar a condução de retorno para casa. Em meio a sorrisos e brincadeiras, sempre havia uma lágrima desenhando o mapa da saudade… Que perdura e aumenta a sensação de que as lembranças podem ser um consolo, mas não compensam a ausência…

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Fraternidade – jeito divino de ser solidário

A cada cinco anos, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs assume a coordenação da Campanha da Fraternidade que, em outros períodos, tem à frente a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Lançada na quarta de Cinzas (16), este ano reflete sobre “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor”, com o lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade”. Trabalham juntas as igrejas Católica, Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Episcopal Anglicana do Brasil e Presbiteriana Unida do Brasil, Episcopal Anglicana do Brasil e Sirian Ortodoxa de Antioquia.

O desafio é estabelecer o diálogo como melhor testemunho. Como explicam no documento base apresentado: “a fé nos lembra de que Cristo é nossa Paz e nos anima a prosseguir pelo caminho da unidade na diversidade. Com ela, afirmamos que a fraternidade e o diálogo são compromissos de amor, porque Cristo fez uma unidade daquilo que era dividido. A escolha por testemunhar a fé vivida em diversidade desafia-nos a realizar a Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021”.

Recentemente, num diálogo na live Partilhando da arquidiocese de Pelotas, o reverendo Ramacés Hartwig e o padre Martinho Lenz falaram a respeito, dizendo haver mais coisas que unem os cristãos do que o que os separa, em especial, a possibilidade de rezarem juntos - um dos primeiros elementos a se falar quando se provoca uma reflexão/ação a respeito de “fraternidade”. O diálogo existe há tempos e precisa de homens e mulheres de boa vontade que sedimentem estes caminhos…

Especialmente neste ano, em que a fragilidade do sistema social e político vai jogar mais gente na pobreza e na miséria. Concretizar a solidariedade é o desafio não para quem se identifica como sendo de uma ou outra igreja, mas ser humano fraterno que acredita na presença de Deus quando concretiza a bondade e a misericórdia. Que se dará em quilos de arroz, feijão, massa, óleo, roupas, conserto de casas, abrigo para que se vivam os dias difíceis que estão se desenhando no horizonte.

Infelizmente, a proposta das igrejas cristãs está sendo contestada, especialmente naquilo que tem de mais propositiva: uma vida de fraternidade a partir da justiça e do amor (que não tem nada de novo, pois já foi alardeada por um jovem de Nazaré chamado Jesus, há dois mil anos!). O “escândalo” vem pelo convite: “comunidades de fé e pessoas de boa vontade para pensar, avaliar e identificar caminhos para a superação das polarizações e das violências que marcam o mundo atual”.

As mazelas sociais se acentuam no pós-pandemia. É preciso questionar a fome, a miséria, a violência, despertar as pessoas do torpor em que foram jogadas, um jeito de controlar mentes e corações. Alguns dizem: coisa de socialista, marxista, comunista… o que incomoda “religiosos” descontextualizados, que negam o ecumenismo e a presença social das igrejas. O contrário se chama conversão: palavras e gestos do Mestre, preocupado com a dignidade da pessoa e apontar horizontes onde o ser humano pode se encontrar no agir fraterno – um jeito divino de ser solidário!

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Os embalos de outras épocas e da saudade

O Facebook tem um espaço chamado “watch” onde compartilha vídeos, especialmente musicais. Creio que seja um filtro daqueles que percebem nossos interesses, listando apresentações, sobretudo do America’s Got Talent, Canta Comigo e The Voice Kids (e, também, The Voice Mais). Guardo um tempinho, depois de fazer ou revisar textos, para assistir performances de crianças interpretando músicas românticas, e, agora, vendo o quanto vozes que já fizeram parte das nossas vidas voltam ao palco, já sem o invólucro da juventude, mas com a tenacidade da experiência.

Meninos e meninas que dão os primeiros passos na arte da interpretação. Na maior parte das vezes, nervosos, mas com o olhar brilhando e o destemor de quem ainda não enfrentou o mundo, sendo levado por pais ou irmãos, nos quais, muitas vezes, buscam arrimo... A mágica do espetáculo os envolve e, em poucos minutos, estão diante das câmeras e da reação dos jurados. Fazem as primeiras experiências numa das artes que a vida está começando a lhes ensinar: competir é mais do que ultrapassar alguém, é a descoberta e superação dos próprios medos e limites.

A franquia The Voice inovou este ano, no Brasil, apresentando o The Voice Mais. Sem levar em consideração alguns jurados que desconhecem a história musical, resgatam quem, depois de fazer sucesso por um tempo, se perdeu e foi escanteado das luzes das principais arenas de espetáculos. A maquiagem não é suficiente para esconder os estragos que o tempo lhes causou. Mas as vozes continuam intactas, marcadas pela sonoridade que desperta memórias afetivas, um túnel do tempo em que, fechando os olhos, retorna-se ao romantismo e aos embalos de outras épocas e da saudade...

Todas as apresentações são precedidas por prévias. Para dezenas de bons espetáculos que chegam às telas existem centenas de candidatos que ficam pelo caminho. A inovação parece ser recondicionar o que já esteve em evidência. Sempre tem o seu atrativo quando revestido de recursos tecnológicos, que não dispensam a voz humana e a sua capacidade de interpretação. O que, para alguns, é caminho da fortuna, para outros é a chance de mostrar sua arte, encontrar um palco e uma plateia – combinação perfeita para a realização de um sonho!

A invenção do zapping (troca permanente de canais, pelo controle remoto) chegou ao seu grau mais sofisticado quando se pode selecionar para assistir pelo streaming (como orienta o tio Google: “tecnologia capaz de transmitir dados através da internet sem a necessidade de baixar o conteúdo em um dispositivo”), exatamente aquilo que interessa. Não somos mais seletivos, especialmente em qualidade, por termos esta tecnologia à disposição. Em muitos casos, exatamente porque nossas seleções são observadas e, depois, reforçadas pelo oferecimento de produtos de buscas anteriores.

A manifestação da indústria do entretenimento. Pode-se fazer uma discussão de que nesta panela se misturaram eventos artísticos e esportivos, missas e cultos, novas e velhas produções… Mas que, juntando com as redes sociais, facilitou a vida, em especial de idosos e grupos de risco em isolamento social, vencendo ranços e não tendo vergonha de lembrar e se emocionar com clássicos musicais. Interpretações que ficam bem na voz de um veterano e ganham novas sonoridades em jovens que amadurecem o tom e abrem espaços para a vida: o show... que precisa continuar!

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

A folhagem da batata-doce

A chegada da vacina sinaliza que, em breve, poderemos retomar - aos poucos - as nossas vidas. Às vésperas do Carnaval (mesmo suspenso em praticamente todos os municípios), continuam valendo as normas de segurança - uso da máscara, assepsia e distanciamento social. Embora as reuniões festivas ainda aconteçam - até por sobre túmulos de cemitérios - sem qualquer preocupação… com os vivos ou os mortos, precisa se ter presente que a vida continua e existem outros cuidados e prazeres que descuidamos ao longo deste quase um ano de pandemia.

Semana passada, manchete de jornal falava a respeito da duplicação da br 116 e a diminuição de acidentes. Os trechos concluídos da ligação Pelotas/Porto Alegre mostram que, além da segurança, tornou uma viagem mais prazerosa, sem tranqueiras e facilitando, especialmente, para quem trabalha no ramo do transporte de cargas. Ajudar a economia e poupar vidas é um binômio interessante para quem esperou por tanto tempo por uma obra que já deveria estar concluída…

Outro destaque dizia respeito à barragem do Santa Bárbara, com água passando por cima da contenção. Lembrando de outros inícios de ano, isto é uma bênção. Significa abundância, não havendo motivo para racionamento, mas também não sendo necessário esbanjar. O precioso líquido ainda é maltratado por quem o usa indevidamente e, depois, reclama das contas apresentadas. Mais do que das contas, não criando a consciência de que a natureza oferece e um dia acaba cobrando...

A terceira matéria que chamou a atenção falava da fartura na produção de uvas na região. Minha primeira lembrança foi para os pátios das casas dos meus tios, no interior de Canguçu, costa do Sapato. Na porta da cozinha, sempre havia uma parreira para sombra e o suficiente para abastecer a família, durante a safra. Agora, se tem este fruto em produção industrial, próprio para comercializar e consumir, assim como para a cadeia produtiva, com vinhos e sucos, especialmente.

O que têm em comum? A vida que continua. Com contrastes entre elementos positivos e mazelas. Há algum tempo, a área da saúde tem prevenido que pacientes de diversas enfermidades ficaram com medo de continuar tratamentos durante a pandemia. Resultado, muitas doenças acabaram tomando proporções fora de controle. Especialmente, tratamentos preventivos não podem ser abandonados sob pena de que a falsa segurança se transforme em regredir para estágios já vencidos.

Conhecido sente falta do amigo que o auxiliava nos cuidados do jardim. Ouvi no rádio e vou fazer experiência com batata-doce, para criar folhagem. Lembranças das aulas de ciência: recipiente com água, batata e palitos que sustentem uma parte no líquido. Em alguns dias, uma folhagem viçosa... do resto, não lembro. Coisas que passam e se perdem no tempo… marcas de aprendizados, como se gostaria que fossem as da pandemia. O recomeço, ressignificando pequenas coisas que moldam o dia a dia, alimentando a certeza de que nem tudo está perdido e ainda se pode ser feliz!

domingo, 7 de fevereiro de 2021

Uma rainha na terra e uma nau no infinito…

Uma das minhas diversões na pandemia é acompanhar filmes e séries. Não assisto produções sofisticadas, nem intelectualizadas. Meus gostos são diversificados. As séries passam por dramas históricos (The Crown), assim como o “terrir” (terror+rir) juvenil, de Sabrina. Os filmes também atendem a este espectro: Minha querida nora, ou rever Mamma Mia, especialmente a cena em que a Cher canta - com Andy Garcia - Fernando, do ABBA. Já tinha pensado em recomendar, quando li no jornal Zero Hora uma resenha e o comentário da Maria Clara sobre o filme A Escavação.

A segunda grande guerra estava pronta para iniciar, quando a viúva Edith contrata o arqueólogo Basil para escavar formações diferenciadas do solo que existem em suas terras, no interior da Inglaterra. Desde o primeiro momento e as primeiras incursões infrutíferas, até que, finalmente, a grande descoberta emerge do solo, as cenas se passam com a deliciosa sensação de que cada paisagem, cada ângulo, cada jogo de luz servem de moldura para um poeta que coloca nas mãos de pessoas necessitadas de carinho e compreensão a contemplação da própria história…

Um filme para ver e, em muitos momentos, sentir-se atraído por caminhos que deixam a casa em direção à pequena vila ou ao lugar das escavações… quem sabe, acompanhar os personagens tentando resolver seus problemas existenciais, lidar com a finitude de suas vidas e não deixar quem fica perder a esperança. Spoiler (mas não perde a graça de assistir): a cena em que o pequeno Robert leva a mãe para passar uma noite a céu aberto sobre o que ainda resta da nau de um guerreiro da idade média. Ele fantasia a rainha que sobe ao céu - a mãe que está morrendo!

O jeito reservado de ser marca as relações familiares, assim como do pessoal que trabalha na casa. Além de Edith, Basil e Robert, os demais personagens não chegam a ter força para merecer maior atenção. A relação entre mãe e filho prepara o momento em que ela, enfim, se ausentará. A de Basil é de um profissional que, por não ter uma formação considerada adequada, é marginalizado pelos arqueólogos profissionais. Para ela, deixar legado que marque a existência da família; para ele, que reconheçam seu conhecimento em tempos que já levam as marcas da guerra…

Marcas já presentes quando o ambiente bucólico é invadido pela tensão e urgência de aviões que sobrevoam a área (um deles cai nas proximidades, com um piloto britânico morto) e o primo de Edith, Rory, convocado para a guerra. Com exceção desta cena da nave abatida, não há sinais do conflito a não ser por noticiários e pronunciamentos pelo rádio, ou quando Edith vai a Londres para consulta e soldados fazem barricadas para proteger estátuas nas ruas. Momento em que recebe o diagnóstico de sua morte e já não pode contar com o único parente adulto que mora em sua casa.

Vastos e bucólicos campos percorridos por personagens que colocam a história na sua real perspectiva: o próprio homem. O contraste entre uma tumba preservada e a reverência, na candura dos brinquedos e das fantasias de Robert, que não se decide (e será que precisa?), entre ser astronauta ou arqueólogo. No seu “mundo”, há uma rainha na terra e uma nau no infinito. Sabe que precisa cumprir a promessa que fez de cuidar a mãe... mas é duro perceber que ela já sabe o caminho e necessita tomar seu destino… e virar história, adormecendo, em meio às estrelas!

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Pandemia: a esperança que se renova

Depois de tão aguardada, a vacina, finalmente, chegou e existe uma ânsia em ver os seus resultados. Embora a experiência do Brasil com outras vacinações, o processo tem se mostrado lento, causando expectativa de que se leve ainda alguns meses para completar a cobertura necessária para conter o coronavírus, convencer a população de que ainda é tempo de cuidados e que o discurso de que muita gente já foi infectada e, portanto, está imune é conversa para colocar idosos e grupos de risco em perigo.

O cenário mais provável para os próximos meses é de crise econômica, já que o coronavírus não é somente uma questão ligada à saúde pública, mas também implica na economia. O que se vê no horizonte é um grande sinal de interrogação da forma como o mundo vai se encontrar quando se tiver, enfim, números capazes de indicar, não o fim, mas o controle da pandemia. Não é preciso ser especialista para ver que já há uma forte influência negativa sobre a produção e a demanda dos mercados, em nível internacional.

À boca pequena, conhecedores comparam com a quebra financeira de 2008 e, para os mais audaciosos, a grande depressão de 1929, projetando uma contundente queda (e quebra) na economia global, especialmente dos mercados do terceiro mundo que estavam em ascensão. Com certeza, este é um cenário inédito para grande parte da população, que viu, além do sofrimento pelas perdas e sequelados, a diminuição do poder de consumo e, em consequência, a perda da qualidade de vida.

Raríssimas pessoas, passando dos 100 anos, tiveram chance de viver, ainda criança, uma situação de emergência global da saúde, desde a Gripe Espanhola de 1918. Embora se tenham registros do que aconteceu e do que foi feito, a forma e a proporção que tomou esta pandemia (até pelos recursos e facilidade de deslocamento entre países e continentes) está sendo uma oportunidade de repensar as relações de trabalho, mas também os cuidados em nível internacional, tanto pelo trânsito quanto, no Brasil, pelas fronteiras.

Literalmente, fomos atropelados. Um ano atrás, sequer pensávamos que, hoje, estivéssemos à espera de uma vacina e já tentando projetar o “novo normal”. A percepção de que tudo muda muito rapidamente já que estamos globalmente conectados. Mas é preciso estar preparado e a lição que emerge das “cinzas” é a de que a crise, de fato, traz oportunidades para quem não se deixa abater. Como em todos os tempos, depende muito mais de cada um estar preparado e saber prospectar cenários, respirar fundo e dar a volta por cima.

Muitos dos melhores remédios são amargos, necessitando diluir ou tomar de forma dosada. Mas não desistir. Em caminhos difíceis, avançar em alguns momentos e retroceder em outros, evitando danos maiores e olhar o conjunto da situação. A meta pode não ser aconversão” de toda a sociedade, mas a oportunidade para o ser humano que acredita num recomeço. O jeito certo? Quem sabe? Emergir, na pandemia, é a beira da madrugada - a parte mais escura da noite – com a esperança que se renova, ao surgir um novo alvorecer!