terça-feira, 28 de abril de 2020

Medo: doença ou solidariedade

Cerca de um mês atrás, conversei com minha sobrinha, Daniele, que trabalha na rede de saúde, em Caxias do Sul, quando os números dos afetados pelo coronavírus começavam a preocupar. Falava-se na estrutura que o setor público - assim como o privado - preparava para atender a uma possível demanda. Na ocasião, um número me assustou: cerca de 500 profissionais da área, naquele momento, estavam incapacitados, em todo o estado. Passado este período, hoje, este número chegou a cerca de dois mil!
Passei a ter simpatia pelas demonstrações de apreço por médicos, enfermeiros, atendentes, pessoal da limpeza, seguranças, enfim, profissionais que entram no atendimento àqueles que se expuseram à doença e foram remetidos à quarentena ou amargam uma internação que retira toda e qualquer chance de contato com familiares e amigos. Dali é preciso rezar para sair em busca do porto seguro, que pode ser um lar, ou em direção à ultima morada... Sem a possibilidade de ver qualquer rosto conhecido!
Lya Luft alerta que "a pandemia coronada não vai terminar tão cedo: pode estar havendo solidariedade e afetos reencontrados, reinvenção de muita coisa boa, mas talvez ele nos deixe com feias sequelas morais." Ao mesmo tempo que é preciso ter presente que há um problema social criado pela falta de dinheiro para os mais pobres e o estado não tem instrumentos que os atendam, há uma gama de pessoas assustadas diante da imensidão do desafio, que não quer - e nem pode - desistir!
Do lado de quem contraiu a enfermidade se tem falado bastante do preconceito que, em muitos casos, são vítimas. Mas é um outro preconceito que preocupa. Familiares, vizinhos e filhos de vizinhos contam que profissionais da saúde são discriminados: o filho de um deles não recebe mais atendimento por medo de contaminação do pai; as pessoas se afastam ao ver um jaleco no braço; o distanciamento maior nos coletivos como se a simples presença contaminasse o ar...
Quem transforma trabalhadores da saúde em parias esquece: serão as únicas companhias de internados na recuperação ou até seus últimos momentos... Cabe um pedido: faça uma prece, colabore com campanhas que mobilizam a sociedade, mas também envie mensagem - sem nada de especial a não ser as suas palavras - dizendo para um(a) conhecido(a) do seu carinho, admiração e, em especial, do seu respeito...
Na Colômbia, o desespero levou a que pessoas coloquem à frente das casas as "bayetillas" - roupas e panos vermelhos avisando que ali há uma família com fome. J. J. Camargo diz que "o medo que tantas vezes nos proteje, pode se transformar... numa doença grave, rapidamente alastrável". Estamos assustados, mas se há uma chance de sairmos melhores é, exatamente, pela solidariedade.. e pela ternura, jeito que a Natureza (ou o próprio Deus) dá de termos uma segunda chance enquanto humanidade!

terça-feira, 21 de abril de 2020

Depois do coronavírus: a volta à sala de aula

As medidas dos governos para impedir a circulação em áreas com alta densidade demográfica geraram ao menos dois tipos de atividades alternativas: empresas de todos os tipos instalaram sistemas de "home office" para que funcionários trabalhem em casa. E no campo educacional, a impossibilidade de que aconteça a reunião de alunos nas escolas fez com que se passe a ministrar conteúdos pela internet, transformando os pais ou responsáveis em "monitores" de plantão.
O primeiro caso vem sendo ajustado há algum tempo já como uma possibilidade de trabalho. Um empresário dizia que o rendimento era semelhante ao do escritório, mas sentia falta da agilidade e troca de ideias quando alguém surgia com algo novo ou diferente e a presença física no mesmo ambiente permitia que discutissem de imediato. Mas que não era empecilho para incentivar este tipo de atuação. Pelo contrário, está aí uma ferramenta que diminui custos e, alguns casos, aumenta a produtividade.
Já o caso do "ensino a distância" formatado em tempo diminuto por professores e diretores - que estão vendo dificuldades para vencer o calendário da escola - não encontra a mesma repercussão. Muitos pais abraçaram a causa por saber que os mais prejudicados seriam os filhos, mas têm aqueles que não se sentem em condições de desempenhar esta tarefa e, até, quem não se importe, assim como ainda se tem casas em que não existe um computador ou um notebook. Então, fazer o quê?
Ouvi de aluno do "ensino a distância" de uma universidade que, em muitos casos, "a gente faz de conta que estuda e o professor faz de conta que dá aula". Uma realidade sonhada pelo meio universitário e embrionária demonstrando que pode ser a salvação da lavoura para a questão financeira, mas olhada com preocupação pela área pedagógica, aquela que tem a responsabilidade de pensar um projeto que desenvolva um maior número possível de potencialidades de crianças e jovens.
Feito num momento de necessidade, tem demonstrado o desgaste, especialmente das mães, que, em casa, acumulam mais uma função: monitorar os filhos. Angustiam-se, pois não foram preparadas e, muitas vezes, sentem-se perdidas em meio a conteúdos e orientações. Torcendo ainda para que tenham suporte - inclusive de formação - para auxiliar, mas sabendo que, especialmente com crianças da rede pública, fica difícil, pois é exatamente o que elas querem: que seus filhos tenham aquilo que elas não tiveram...
Para o ensino fundamental e médio é básico o convívio para a socialização. Junta etapas da educação -  formação de valores - com o ensino - aprendizado de conteúdos. Em tempos difíceis, a escola molda a interação social e se desenvolve a empatia. Que é, em tempo de tantas atitudes "umbigocêntricas", no dizer de Carl Rogers: "ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele".

terça-feira, 14 de abril de 2020

Perspectivas de consciência ecológica e social

É preciso combinar: uma das poucas coisas que temos certeza que vai acontecer depois que passar esta pandemia do Coronavírus é que vamos estar mais pobres. A classe trabalhadora, sobretudo a grande maioria que ganha salário mínimo ou próximo disto, vai ter a sua condição de sobrevivência dificultada. Nem se fala daqueles que estão na pobreza, em muitos casos, beirando a miséria, distantes do mercado de trabalho e, como diz a Bíblia, comendo "migalhas que caem das mesas dos senhores".
As tímidas medidas tomadas pelo governo, até agora, são atrapalhadas e jogaram nas ruas contingente perigosamente próximo de ser infectado, apressando o processo que poderia ser mais longo, permitindo a preparação da rede de saúde. O problema não é alguém ser infectado, mas a possibilidade de passar adiante o vírus. Olhando para a região, havendo necessidade de internação, o sistema está saturado e, nas Unidades de Tratamento Intensivo, a ocupação, em Pelotas e Rio Grande, é de 100% dos leitos...
Para os aposentados, mostrou-se uma faca de dois gumes: a antecipação do 13% salário significa um dinheiro que ajuda neste momento, mas abre um rombo no orçamento do final do ano, trocando seis por meia dúzia. Afinal, de alguma forma, na virada do ano, vão ser necessários recursos para pagar Imposto Predial, IPVA e tantos outros... Um economista dizia que precisamos ter consciência de que nossos hábitos de consumo terão que mudar. Certo, mas e para quem já está fora da roda de consumo?
Analista falava da "bolha" onde a sociedade com recursos se recolheu e passou a olhar para quem está fora dela de forma "poética, afinal é só eles copiarem nosso jeito de viver..." Não vai dar certo. Se quem tem menos vai sofrer na redução de salários - até com o desemprego, eliminação de horas extras e gratificações - esta conta precisa ser rachada por todos, inclusive o poder público, que deve investir não "aquilo que é do governo", mas recursos que a sociedade entregou para serem usados pelo bem público.
Há duas palavras muito usadas e, creio, com razão: reinventar e desacelerar. Ensino, comunicação, comércio, indústria, administração pública e religiões, especialmente, têm uma oportunidade rara de repensar suas estratégias de ação. Por outro lado, a desaceleração mostrou imagens da melhoria da qualidade ambiental, com menos poluição por sobre as grandes cidades, por exemplo, e lugares há muito escondidos pela degradação da natureza, que agora podem ser vistos à distância e a olho nu.
É cedo para traçar perspectivas. Mas não se engane, como um todo da sociedade não ficaremos melhores por causa dos problemas enfrentados. O que precisa acontecer é que um contingente maior se conscientize de que o grande mote do convívio é a interdependência: precisamos uns dos outros. "Ecochatos" já diziam com toda razão: "consciência ecológica e social tem jeito, sim, precisa é que o homem tome jeito!"

terça-feira, 7 de abril de 2020

Quando o abril acabar...

A quarentena dos últimos dias está mostrando o quanto estamos despreparados para enfrentar a pandemia que se aproxima. Diante das medidas tomadas em outros países, existe a cobrança para que administrações públicas tomem providências e reservem algum grande espaço a fim de transformar em "hospital" para uma suposta avalanche de casos de internação. Por enquanto é só expectativa, mas, para os técnicos em saúde pública, o receio é saber de que forma vamos estar quando o abril acabar...
O Ministério da Saúde alertou que alguns estados deixam a condição de registrar casos espaçados para uma fase descontrolada. Confirma-se a previsão de que o vírus, chegando de avião, agora embarca em metrô, ônibus, barcas e vai à periferia. O avanço está acelerando: 25 dias desde o primeiro contágio registrado até os primeiros 1.000 casos. Outros 2.000 foram confirmados em apenas seis dias e quase 4.000, de 27 de março a 2 de abril, quando a contagem bateu os 8.000 infectados.
Embora não se queira, próximos números vão silenciar os que atacam o isolamento social. E podem ficar arrepiados diante do contraste entre o que os meios de comunicação fizeram de cobertura e o que efetivamente acontece. Em programas com "dicas especializadas", basicamente para a classe média e seus admiradores, veremos um quadro do que já levou ao colapso o sistema de saúde de outros países e, o que pode parecer humor de mau gosto, até mesmo ao sistema funerário!
Assistindo a programação jornalística onde comentaristas participam de suas casas - devidamente protegidos - me dei conta do quanto o quadro é surreal: pessoas bem nutridas, bem formadas, com acesso a recursos, incentivam a que se permaneça em casa e aproveite para assistir filmes, séries e que se leia um bom livro. No contraste, a charge pelas redes sociais mostra um casebre na periferia, com o pai sentado num banquinho, a mãe grávida à porta e seis filhos encostados à parede...
Economistas afirmam que a população deveria ter poupado para um momento assim... Seria hilário, se não fosse trágico... Pouco tempo atrás, os mesmos "pseudos técnicos" incentivavam a que se consumisse para haver circulação de dinheiro e aumentar a produção, serviços e, consequentemente, empregos. Tristemente, isto não aconteceu e temos um alto índice de desempregados que contam com biscates, serviço de diarista e catam seu sustento nas ruas... Que agora vão estar desertas...
Não é momento para guerra de vaidades, mas tomar o rumo que os técnicos apontam. Dar suporte a quem está na linha de frente - médicos, enfermeiros, técnicos, pessoal de limpeza, de segurança - "soldados" que olham nos olhos do inimigo e lamentam cada uma das mortes que poderiam ser evitadas... não fosse o mau uso dos recursos públicos que jogou planejamento e recursos na lata do descaso!