terça-feira, 31 de maio de 2022

Com as mãos sujas de terra

No próximo domingo, 5 de junho, comemora-se o Dia Mundial do Meio Ambiente. Este alerta aos cuidados do planeta chega aos seus 50 anos, desde que foi instituído, na Conferência de Estocolmo. A sua preparação tem, no Brasil, a Semana do Meio Ambiente, que, este ano, propõe que se reflita sobre “uma só Terra”. As principais autoridades da área acreditam que a consciência ambiental deveria ser pauta de todos os dias, já que, no dizer do papa Francisco, esta é a “casa comum”, mas as datas especiais são marcos necessários para alertar a respeito dos problemas que já se enfrentam.

Pesquisadores chamam a atenção de pontos que são de participação direta da população, enquanto outros são de conscientização necessária para pressionar representações políticas. O professor Carlos Alberto Mendes Moraes, da Unisinos, disse ao jornal Zero Hora que “é preciso recorrer à busca por informações confiáveis, como estudos, especialistas da área e autoridades competentes, e ter cuidado com a disseminação de conteúdos falsos sobre o tema.” Mesmo autoridades que estão todos os dias na mídia, em muitos casos, por distorcerem fatos, mais atrapalham do que ajudam.

Os recursos que a Mãe Terra oferece são discutidos em salas de aula e instituições, desde cedo. Mas, pela velocidade com que estão se mostrando finitos, deveriam iniciar em casa, o primeiro espaço educativo. O consumo de forma consciente e responsável se aprende por teoria, mas, especialmente, pelo exemplo. E isto se dá bem antes da ação da compra, responsabilizando crianças e jovens por seus hábitos de consumo. Infelizmente, é fácil de se distinguir famílias que adotaram princípios de austeridade e as que esbanjam sem a mínima preocupação com as gerações futuras.

São muitos os motivos de preocupação, mas, na região em que Pelotas e Rio Grande são referência, destacam-se as questões do descarte do lixo e dos recursos hídricos. Infelizmente, por falta de educação da população, dos catadores e dos serviços de recolhimento, é comum que se coloque lixo em espaços descobertos e fora de horários; esparrame resíduos daquilo que não interessa e fique parte das cargas pelas ruas da cidade, num trabalho apressado e sem qualificação. Valendo lembrar o princípio básico de uma das campanhas públicas que dizia: “cidade limpa é a que ninguém suja”.

Pode-se discutir a questão do desmatamento na Amazônia (que é necessário), mas se tem problemas de igual porte: as duas principais cidades são cercadas por águas. Tanto pelo mar, lagoas e rios que emolduram os espaços urbanos. Preocupa o fato de que a poluição já está presente. O que deveria ser o maior presente que a natureza concedeu ao homem é vítima das suas atividades na produção agrícola, industrial e, mesmo, da forma como são descartados os seus esgotos. Este é, na verdade, um dos “recursos finitos” pelo qual, mais cedo ou mais tarde, se pagará o preço do mau uso.

Numa palestra em que falava sobre valores e referências, um educador destacou a importância da preservação do meio ambiente com um exemplo singelo: a base da educação se torna mais fácil se os primeiros educadores forem os pais e a família. A criança que acompanha os pais ou avós enquanto trabalham no jardim ou horta - e já tem apetrechos para brincar na terra ou na grama – introjeta a importância do que faz em “grupo” para a sua vida e a da sociedade. Com as mãos sujas de terra e os olhos em quem pratica, aprende que “as palavras movem e que os exemplos arrastam”.

domingo, 29 de maio de 2022

Aniversários: as presenças e as saudades...

A partir do dia 1º de junho, começa a temporada de aniversários na minha família. A abertura era comemorando o natalício da mãe, dona França, no primeiro dia, completando 97 anos. Infelizmente, partiu para a Eternidade quando chegava aos 93. No dia 3, é a vez da minha sobrinha-neta, a Alessa. E aí vem o dia mais “cheio”: o próximo domingo, 5 de junho (Dia Mundial do Meio Ambiente), contempla o nascimento da Amanda, também sobrinha-neta; o meu primo e padrinho, Valdemar, esposo da Neli e pai da Noemi e do Orizel. Também o meu, empilhando já 67 Outonos bem vividos.

Os últimos aniversários da mãe eram discretos, com a presença dos familiares que ainda moram em Pelotas e de algumas de suas amigas. Fazíamos questão de ter alguma coisa especial para que recebesse as pessoas para um café da tarde e, à noitinha, quando os netos voltavam do trabalho. Foram ficando algumas fotos marcantes, porque demonstram o quanto foi se fragilizando, falando pouco, mas sem perder o sorriso e, em alguns momentos, o olhar atento para os bisnetos que davam uma nova energia, no caso do Miguel, filho da Daniele, que já chegava gritando pela “bisa”.

O Valdemar faleceu cedo. Mas a sua casa era o lugar preferido do pai e da mãe de saírem para um passeio e tirarem uma tarde, tomando café e chimarrão. Quando já não se sentiam com coragem para irem a pé ou de ônibus, os levava e, muitas vezes, acabava também participando do autêntico “fristique”, em que a mesa posta não era apenas um café da tarde, mas uma refeição que poderia valer, também, pela janta. Depois, fazia questão de mostrar a horta e o arvoredo que conservavam em família. O que era do conhecimento do pai e dele, pra mim era uma imensa curiosidade.

As meninas, hoje, já estão com mais de 20 anos. Da Alessa, filha da Vânia, lembro de ocasiões em que saiu comigo e conversamos sobre a história de Pelotas. Na vez seguinte, bem ao seu jeito, entrou no carro e disse: “continua”. Fiquei fazendo contas de cabeça para saber do que estava falando. Refrescada a memória eram os causos a respeito, especialmente, do corredor das tropas que existia ligando a avenida 25 de Julho, Salgado Filho e São Francisco, por onde passava o gado que abastecia a cidade. Também sobre a construção e, especialmente, as pinturas da Catedral Católica.

A Amanda foi nossa companheira nos seus primeiros anos. Vinham com frequência, mas a gente lembra sempre do seu nascimento e dificuldades que tinha para respirar. Num Inverno úmido, ficou na unidade de tratamento intensivo. Minha sobrinha Vanessa, a mãe, ficava no hospital na visita do dia e eu voltava das aulas à noite e ficava durante algum tempo com ela entubada no colo, olhinhos atentos e achando que era uma judiaria que uma criança passasse por aquilo. Foi do que lembrei ao ver, durante a pandemia, ela chegando à sua formatura em Florianópolis, onde a família reside.

Domingo, depois de três anos da morte da mãe, reuniremos a família e vamos comemorar a vida de quem está aqui, fazendo memória dos que partiram. Num pequeno mural, estarão as fotos de cada um. A celebração da vida é, mais do que um momento de festa, o reconhecimento das marcas que se recebeu de quem partiu antes. Do seu jeito, lutaram para que não se desistisse e se encontrasse um jeito de ser feliz. O mesmo legado que se faz num encontro, num abraço, num beijo, num olhar carinhoso que não substitui, mas compensa perdas e ausências e valoriza a presença e os encontros.

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Os temperos que dão sabor aos meus sonhos...

O tempo que passa faz com que se olhe para

o horizonte da vida de um jeito diferente…

Já não tenho pressa,

me tornei menos exigente,

sou capaz de esperar uma brecha

que me permita entender melhor uma pessoa.


São muitas as oportunidades que recebi

para aprontar uma boa refeição com

meus companheiros de vida.

É como se já tivesse a receita,

mas soubesse que, de cada ingrediente,

posso tirar novos e instigantes sabores.


Não resisto em colocar uma pitada de carinho.

Sou carente de um afago,

que pode ser físico, mas também de um olhar,

de uma palavra que envolve.

Um abraço. Daqueles em que os corpos

expressam sentimentos que as palavras não comportam.


Uma dose de paciência.

Já não me sinto acossado pelo aqui e agora.

Entro no compasso da Eternidade,

para onde o destino me leva,

com o sabor de que cada instante

permite que saboreie um vislumbre do Infinito.


A vida oferece os ingredientes necessários

para que se possa ser feliz.

Qual é o sabor do sol quando

colore as nuvens ao nascer ou ao se por?

Qual é o sabor do riso de uma criança

quando, satisfeita, pede: "de novo, de novo!"?

Qual é o sabor do olhar de um idoso

que coloca a sua confiança nas mãos de quem o acarinha?


No caldeirão da existência

se misturam sentimentos, loucuras, carícias...

Sorvo o aroma das especiarias que a vida me ofereceu.

A delicadeza das mãos que orquestram elementos.

As pitadas do tempo que desenharam

as marcas ao redor dos meus olhos e nas minhas mãos.

Ao redor da mesa do Sagrado,

no grande banquete em que se celebra a Vida,

escolho os temperos que dão sabor e inebriam os meus sonhos!

terça-feira, 24 de maio de 2022

Vacinação: não é hora de desistir

Uma das grandes conquistas da humanidade foi, sem dúvida, os avanços conseguidos na Medicina. Pena que ainda existem aqueles (e aquelas) que afirmam: “mas na minha família, meus avós viveram até idade avançada...” Infelizmente, não se dão conta de que a “idade avançada” era chegar aos 60 anos, casos excepcionais quando alcançavam 80! Pode até se discutir, mas as estatísticas são claras e mostram que até a metade do século passado a média de vida era entre 50 e 60 anos. Outra boa discussão é sobre a qualidade de vida no envelhecimento, mas esta já é outra história.

O uso de antibióticos, com uma de suas subclasses mais conhecidas que é a penicilina, foi responsável por aumentar a imunização da população. Desde a sua origem, é visível a qualificação do atendimento. Somou-se o uso de vacinas, especialmente em campanhas contra a gripe, o sarampo e tantas outras. Tendo, no Brasil, se criado uma cultura que precisa ser preservada, especialmente no que se refere às crianças, que permitiu controlar males como poliomielite, sarampo, rubéola, difteria, e a varíola, a única doença erradicada no Mundo graças à sua ação.

Semana passada, uma amiga acompanhou a filha em tratamento, que precisou de internação. Em grupo de risco, circulou por diversos ambientes onde havia a possibilidade de contaminação. Mesmo com todas as medidas de proteção que tomou para o seu reguardo, não deu outra: foi infectada, embora de forma leve, e precisou ficar confinada. Resultado: foi preciso apelar para outras pessoas a fim de que a primeira paciente fosse cuidada. Minha amiga estava voltando às atividades sociais, especialmente seu grupo de canto. Não pode fazer nem uma coisa, nem outra…

No fim de semana, fui trabalhar com lideranças da Igreja Católica em Cruz Alta. Programei para, na passagem por Santa Maria, almoçar com a irmã Bernardete, Franciscana. Na véspera, recebi o aviso: a casa das religiosas estava isolada. Um surto se abateu sobre o grupo de idosas que ali reside. O trânsito, especialmente de cuidadores, que atuam em outros lugares, além de expostos na rua, colocou em risco uma comunidade inteira. Trazendo de volta as velhas preocupações com as vidas daqueles idosos que, embora vacinados, sabem que não deveriam correr riscos.

Mais de dois anos com a pandemia cansa a população e abre espaço para que os negacionistas avancem nas suas pregações. Este é um dos motivos pelos quais a vacinação contra a gripe e o sarampo, hoje, patina em números inferiores aos demais anos. Quem dá ouvidos àqueles que são contra está dando um tiro no próprio pé, colocando a sua saúde – e a sua vida – em risco. Já existe orientação para que as pessoas com mais de 60 anos tomem a quarta dose da vacina contra o covid. E os do contra dizem: “viu, não funciona”. Funcionou, sim. A memória do brasileiro é que é curta.

Fico triste quando vejo idosos mal (des)orientados por conhecidos ou familiares. A educação para a saúde passa por prevenção e o acompanhamento emocional de quem está em grupo de risco. Já chegamos até aqui, não é hora de desistir. Ao contrário, fazemos história. Vivemos um momento em que há muitos agentes da saúde e da pesquisa trabalhando silenciosamente. Se contrapõem àqueles que apenas fazem o discurso inútil da bravata. Nas mãos dos médicos e dos pesquisadores está a chama da esperança, que faz a grande diferença na preservação e a qualificação da vida.

domingo, 22 de maio de 2022

As juntas, a tequila e o papa…

Quem já cuidou de um idoso sabe o quanto pode ser difícil auxiliar alguém que começa a perder sua capacidade motora de se adequar e, mais do que isto, aceitar suas limitações. É um longo processo que, por experiência, penso que, na maior parte das vezes, há uma aceitação por falta de opções. Àqueles que acompanham tais pessoas resta o esforço de não “deixar a peteca cair”, isto é, manter o ânimo e a disposição de viver. Isto não se faz apenas com discursos. Por mais que a teoria seja interessante, ela não resiste à prática. Começa por um longo aprendizado para paciente e cuidador.

Foi no que pensei vendo imagens recentes do papa Francisco, aos 85 anos, com problemas nas juntas (lembro minha irmã, Leonice, que diz: “junta, junta tudo e bota fora!”), uma inflamação nos joelhos, fazendo infiltrações. Tudo se torna difícil: caminhar, quase impossível; levantar de uma cadeira, um esforço descomunal. Com agenda congestionada, precisou cancelar compromissos. Mas deu para perceber nas vezes em que atendeu fiéis e religiosos que mantém a lucidez e o bom humor, sobrando para o líder Ortodoxo da Rússia a quem aconselhou não ser coroinha do presidente Putin.

São detalhes que preocupam: um profissional preparado o acompanha, tanto quando o conduz na cadeira de rodas, quanto nos transladados de um lugar para o outro em cadeiras mais altas. Lembro dos cuidados com a mãe. Quando me dei conta de como os enfermeiros faziam: ficar ereto em frente ao paciente e levantá-lo contra o próprio corpo, só depois fazer um giro que o leve ao lugar destinado. Não tem erro, tornando-se mais confortável para quem é ajudado e menos pesado para quem vai executar a tarefa. Não é apenas uma capacidade de levantar peso, mas o jeito de fazê-lo.

Neste período, os bispos do Rio Grande do Sul fizeram a visita ao Vaticano e tiveram um encontro com o Santo Padre. Depois do protocolo, pediu que assessores se retirassem e orientou os bispos a dizerem e perguntarem o que desejassem. Que ele também falaria tudo aquilo que estava pensando. Bem humorado, contou das andanças pelo Rio Grande do Sul, onde passou por Pelotas, Caxias do Sul e São Leopoldo. Pediu atenção para a proposta do Pacto Educativo Global na América Latina, com as instituições priorizando uma educação humanista e solidária que transforme a sociedade.

Um seminarista mexicano que o esperava na praça do Vaticano gritou ao papa perguntando como estava seu joelho. Respondeu, brincalhão: “caprichoso, muito caprichoso”. Ao que a mesma pessoa retrucou: “obrigado por seu sorriso, por sua alegria por estar aqui, apesar dos incômodos. Você dá um grande exemplo para os futuros padres”. Do papa móvel, Francisco, com um olhar travesso arrematou: “sabe do que preciso para a perna? De um pouco de tequila”. Claro que todos riram. E o vídeo viralizou nas redes sociais, dando mais motivos para que se reze por sua saúde.

Quando a mãe parou de caminhar, a preocupação era de que se tornasse uma pessoa difícil. Há um período de adaptação em que é preciso mais tolerância do que, depois, no dia a dia. Felizmente, ajudava quando se lidava com ela fisicamente e negociações de medicação e horários… Por trás do que se faz está o respeito pela figura humana, que emerge da sua fragilidade. Confesso, sobre o papa, que tenho o coração dividido: ainda há muito o que fazer na Igreja, mas ali existe uma pessoa que já “combateu o bom combate, terminou a sua corrida, guardou a fé e, como poucos, merece a coroa da Justiça”.

sexta-feira, 20 de maio de 2022

Fechar o ciclo da vida

Tem um momento em que

a gente volta o olha para o passado.

Enevoada pelo tempo, aparece

a parede do canto da casa

onde ficavam os brinquedos...

Ainda se pode enxergar

a bola que se chutou depois do jogo

ou a bicicleta que levou para tantas aventuras.


Foi o início das muitas andanças.

Depois, foram trilhas por terras distantes,

conhecendo pessoas, aprendendo,

experimentando o que me amadureceu,

enriqueceu o conhecimento,

e tornou mais tolerante e compreensivo.


Quantas vezes as lembranças me fizeram sorrir,

sozinho, com o olhar perdido...

Retornava aos brinquedos, às traquinagens,

aos bailinhos, aos pátios das escolas, às turmas de amigos,

aos “sofrimentos” dos primeiros amores.


Mas o tempo é inclemente,

ele teima em continuar passando…

Hoje, já não tenho mais medo.

O que me provoca, pela própria incompletude,

é o tempo de recolher as bagagens,

juntar o pouco da vida que vale a pena

e começar o caminho da volta.


Não importa por onde andei.

Um dia o coração encontra a bússola

que aponta para onde tudo começou.

Voltar é reencontrar origens,

lugares que não desgrudaram das lembranças,

pessoas que, nas memórias, despertam uma lágrima sentida.


Saudade não é a dor que castiga.

Saudade é o rumo que a alma toma

quando novos caminhos parecem não ter mais sentido.

Saudade é quando o tempo assopra ao ouvido

que, em algum lugar do passado,

está o laço necessário para fechar um grande percurso -

nascer, morar em um corpo e fenecer -

o grande ciclo que dá sentido à própria vida!

terça-feira, 17 de maio de 2022

A cidadania passa pelos bancos escolares

Quando meus pais estudavam, lá pelos idos de 1930, nos grotões de Canguçu, as escolinhas formavam até a 4ª série primária. Poucos alunos. Contavam que todos ficavam na mesma sala com as professoras se desdobrando para que conteúdos diferenciados fossem compreendidos. O foco do ensino era nas operações matemáticas, especialmente a tabuada, e a leitura. Sempre fiquei surpreso quando, já estava pela 6ª série, 11 para 12 anos, e o meu pai tomava os múltiplos, divisores, soma e subtração sem sequer olhar para um caderno, ou os lápis que também tinham esta informação.

Quando se traz estas lembranças, “especialistas” torcem o nariz e dizem: “aí vem os saudosistas”. E acrescentam: “novos tempos pedem novas estratégias”. O problema é que foram feitas muitas experiências e praticamente todas elas deram com os burros na água. Tomo o exemplo que citei: pais com pouco estudo faziam o que fosse necessário para que os filhos concluíssem o primeiro e o segundo grau. Privavam-se até mesmo do elementar para si, mas intuíam que estudar era a melhor forma de conseguir a mobilidade social. Acreditavam que valia a pena o sacrifício. E hoje?

Uma grande parte dos pais de hoje não têm condições de acompanhar o processo de aprendizado dos filhos, por mais capenga que ele seja. Infelizmente, eles também já são frutos dos desmandos dos supostos pensadores da educação que permitem a um aluno deixar os primeiros anos sem os fundamentos necessários para continuar adquirindo conhecimento. Sim, pode ser antigo falar em “adquirir conhecimento”, mas é assim que se forma o lastro necessário para, amparados em pais e professores, ser capaz de alçar voo para construir o próprio conhecimento.

As desigualdades sociais não são de hoje, mas encontraram combustível na pandemia. Embora a precariedade do sistema escolar público, passa por ali a única receita que deu certo, nos últimos anos, em países que investiram na formação para restaurar as prerrogativas básicas do cidadão. Se os pais não estão em condições, é necessário que a escola se torne referência, de preferência em dois turnos, para os estudantes… e também para seus pais. Como faltam centros sociais de convivência nos lugares mais carentes, a escola pode – e deve – cumprir com este papel social.

Não pode ser apenas o desejo de uma autoridade, mas de uma população que se apropria do direito de construir o seu destino. Conheci, nos últimos anos, prefeitos e prefeitas que foram eleitos com a melhor das intenções. E até fizeram muito, enquanto administraram. Mas, depois, perdeu-se o senso de continuidade, na maior parte das vezes por interesses políticos que não queriam dar “munição” aos seus adversários. Educação, mal comparando, é como água e esgoto: para ser boa, é cara e leva tempo para aparecer. Exige investimentos, retirados de outras áreas. E dá muita incomodação...

Hoje, até a educação se presta para joguetes políticos. Por serem muitos recursos, faz-se um pingado que sequer maquia o que se tem. Professores podem dizer que mal cumprem com o básico. Verdade. A educação ideal é sonho que precisa focar no aluno. A solução não pode ser procurada apenas nas periferias e no interior. Sequer o “aluno” é apenas o menino ou a menina que iniciam seu aprendizado. Países que entenderam esta necessidade criaram a consciência de que um grande acordo pela cidadania vai além dos bancos escolares, encaminha a realização da própria sociedade.

domingo, 15 de maio de 2022

Eu vi James Bond morrer...

Não foi a primeira vez que James Bond, ou 007, morreu. O ator Daniel Craig acertou sua retirada da franquia e o filme “Sem tempo para morrer” apenas jogou a última pá de terra por sobre uma sepultura que os críticos diziam já ter sido aberta há muito tempo. Maldades à parte, não sou comentarista no assunto, apenas apreciador, especialmente do tipo que chama mais atenção aos efeitos (e defeitos) especiais, com ou sem a compreensão do público que apenas espera por duas horas de entretenimento. Não que o agente britânico vá solucionar todos os problemas do Mundo.

Será? Eu fico em dúvida… a impressão que se tem é que, mais do que entretenimento, os “007s” da vida transformaram-se em válvula de escape para sentimentos reprimidos (conversa de psicólogo), dando glamour a um tipo de violência que não está ao alcance do cidadão. Já que não se pode bater, outro bate… Já que não se pode explodir, outro explode… Já que é difícil trair, simpatiza-se com quem trai. O retrato de um tempo onde os problemas são tantos que não se consegue resolver e se chega à apatia. É bem mais fácil quedar-se passivo diante de uma tela de cinema ou de televisão.

Antes da sua morte, já se jogava com o politicamente correto e, ainda aposentado, foi substituído por outro agente de Sua Majestade, uma mulher negra. Dou razão aos que dizem que este tipo de filme é machista. Porém, não creio ser suficiente substituir atores masculinos por femininos e masculinizá-los. Na ação/comédia (vi recentemente pelo streaming o último Homens (e agora mulheres) de Preto, em que formam dupla. Não se perde absolutamente nada das duas maneiras de entretenimento desde que os atores desempenhem seus papéis sem perder a sua identidade.

Representar é uma arte. Exige 10% de inspiração e 90% de transpiração. Infelizmente, também no cinema, se veem canastrões e canastrãs (existe esta palavra? Pode ser canastroas?) que fazem algo semelhante a muitos jogadores de futebol: quando percebem que vão se dar mal, cavam faltas, representando muito mal e, embora tudo esteja gravado, culpam os demais por suas desventuras. Na arte das telas grandes, assim como em campos de futebol, são os coveiros que afastam os cinéfilos e torcedores descrentes de quem não respeita valores e princípios básicos das relações sociais.

Admiro pessoas que gostam de cinema para acompanhar filmes mais elaborados, antigamente chamados de “cabeças”. Hoje, 99,99% da população que assiste quer apenas um tempo de intervalo nas suas vidas opacas e sem graça. Saem das suas mazelas para se identificar com personagens que devolvem, nem que seja por um pouco de tempo, o direito de sonhar de que nem tudo está ferrado. Ir ao cinema é programa para arejar a cabeça, num passeio, acompanhado de amigos ou familiares, que, normalmente, inclui uma volta num shopping e um lanchinho, que ninguém é de ferro.

Gostaria de pensar que tudo isto pode ser diferente. No entanto, se volta a uma velha e conhecida história: a necessidade de aperfeiçoar o processo de educação. Que pode – e deve – incluir o cinema como espaço privilegiado de motivação e discussão sobre realidades sociais, políticas e econômicas. Sem deixar de lado a arte, que faz a soma com a poesia, a crônica, a narrativa, o estímulo a que, desde criança, até em programas de televisão, educadores tenham por foco estimular e desenvolver as sensibilidades, que auxiliam a vida a ficar mais leve e, com certeza, bem mais feliz.

sexta-feira, 13 de maio de 2022

A justa perspectiva do Sonho

Aquele momento tênue em que

o devaneio faz fronteira com a realidade.

No limiar do dia, quando a aurora desperta a cidade,

o instante em que o corpo pede por mais

um tempo de letargia.

a ligação com o Transcendente, palpável,

na dolência que ocupa os sentidos.

Algo se esvai quando ainda se quer mais

uma chance para manter os olhos cerrados...


Acordar é a vida que se torna palpável.

Difícil, quando se vem de um mundo onde

o tempo não aceita relógios, o real não assusta

e o imaginário dá a justa perspectiva do Sonho -

a soma de experiências e anseios,

mesclando as frustrações com o quotidiano

e o que se gostaria de reviver.


Quando se limitam os Sonhos, torna-se prisioneiro do medo.

Que corrói sua essência e impede que desabrochem.

Aprisioná-los é fazer com que feneçam.

Os Sonhos não podem ser engavetados,

eles não cabem na avareza dos nossos limites.


Sonhos podem – e devem - ser regados

com a imaginação e com lembranças.

Sonhos são alimento para o riso e a esperança.

Sonhos devem ser vividos na intensidade do prazer...

Eles se escondem no detalhe.

De um olhar, de um afago, de um carinho,

de uma saudade, de uma ausência,

do que se precisou esquecer ou encobrir…


Quebrar a rotina é quando se faz deles

a razão de se encantar com a vida.

Sem medir o tempo, sem se importar com a dor.

No que se torna um jeito único de ser,

se enamorando do dia que vai nascer,

que ainda é, apenas, um Sonho!

terça-feira, 10 de maio de 2022

A dependência química depois da pandemia

A Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou alerta com relação ao consumo de drogas lícitas e ilícitas durante a pandemia, com reflexos quando ela efetivamente passar. Um estudo da PUC/RS apontou que “O distanciamento social tem gerado diferentes efeitos psicológicos nas pessoas, como ansiedade, estresse, insegurança, incerteza e solidão”. Destacando: “sentir-se triste, entediado ou ansioso pode criar o “cenário perfeito” para iniciar ou aumentar o uso de álcool e outras drogas, ou mesmo favorecer uma recaída em alguém que já não utilizava mais determinada droga.”

Tanto as drogas lícitas – álcool, cigarro, remédios… - quanto as ilícitas – maconha, cocaína, crack, por exemplo, podem estar ligadas a riscos, sejam eles eventuais, como o envolvimento em acidentes, quedas, brigas; ou duradouros, atingindo as relações familiares/sociais, o trabalho, a situação jurídica, bem como a saúde física e mental. O confinamento mostrou que o homem consome mais drogas lícitas, mas também foram preocupantes os casos de mulheres e jovens/adolescentes que tiveram que recorrer aos serviços de atendimento de saúde pública.

Um problema que se manifestou em todo o mundo e levou a OMS, em meados do ano passado, a recomendar que os governos limitassem a venda de bebidas. A África do Sul fechou as seções dos supermercados e cidades norte-americanas proibiram a venda de álcool pela internet. No Brasil, não aconteceram restrições além do fechamento de bares em cidades em que se adotou o isolamento social. Seria até um reforço para as campanhas de prevenção, não fosse o brasileiro adorar uma “lei que não pega” e apelar para seus fornecedores clandestinos, no mercado negro…

Seu Rui administrou um comércio durante 40 anos. Em duas ocasiões, viu-se diante da violência. Logo que iniciou a atividade, um rapaz entrou na loja e anunciou o assalto. Ele e duas empregadas levaram um susto, tentou conversar e conseguiu, sabendo que era um desempregado que não conseguia sequer um bico por ser despreparado. O que o levou a encerrar a atividade foi o segundo caso: jovem invadiu o comércio e queria dinheiro ou o que pudesse trocar por drogas. Incoerente, não aceitava dialogar e parecia sentir prazer em infligir sofrimento, especialmente às mulheres.

A pandemia também expôs as desigualdades sociais. Um dos números que preocupou nas periferias foi de que o isolamento e o consumo de álcool, especialmente, aumentou em até 50% a violência contra mulheres e crianças em casa. No último ano, uma em cada quatro mulheres sofreu algum tipo de agressão. Eliane Gonçalves escreveu para a Rádio Nacional: “a violência contra a mulher mantém padrões antigos, mas, agravados pela pandemia, tornou o ambiente doméstico um lugar ainda mais hostil”. E alertou: “o convívio mais longo com os agressores, a perda de renda familiar e o maior isolamento afastam as mulheres das suas redes de proteção”.

Também se tem, entre as drogas lícitas, o cigarro, contra o qual o professor Roni Quevedo tem sido “uma voz que clama no deserto”. Os especialistas e pesquisadores já formam um quadro das mazelas que se apresentam no pós-pandemia. Elas não são novas, mas vão se somar aos problemas físicos que o covid deixa. É preciso bom senso e ouvir as vozes que, efetivamente, se respaldam na ciência para delimitar diagnósticos e possibilidades de tratamento. São tempos delicados demais para que, mais uma vez, atue o “achismo” e se faça politicagem com a vida do cidadão…

domingo, 8 de maio de 2022

No dia das Mães, “Simplesmente José”

Jerusalém ia ficando para trás. Ao longe, ainda se avistavam suas torres e as estradas dos arredores, que eram boas. Em seguida, se transformariam em trilhas nas quais era preciso atenção para que o jumento que levava seus pertences não sofresse um acidente. Vieram com a caravana da sua gente que subia à Cidade Santa para o censo. Fora bem difícil. Maria grávida e, em alguns momentos, era necessário aliviar o animal para que a transportasse. Precisava, então, carregar parte do material às costas. Estava cheio de preocupações. Sem saber que elas não acabariam ao chegar ao seu destino…

Na volta, era diferente. Andavam devagar, seus novos companheiros entenderam que precisavam seguir o ritmo de Maria, que transportava uma “carga” que chamava a atenção de todos: um menino, que merecia os cuidados e o carinho explícito das mulheres e das crianças. Também olhares ao longe e sorrisos por parte dos homens. Eram eles que, ao fim da tarde, quando se encontravam ao redor do fogo, queriam saber detalhes daquele nazareno perdido que os acompanhava. Tinha que dizer que Maria era de Nazaré e ele, José, de Belém. E que tiveram seu filho na cidade de Davi.

Curiosos, procuravam saber com quem Jesus era parecido. Com um dos dois ou com um familiar? José não sabia. E suas recordações se voltaram para o nascimento. A chegada a Jerusalém parecia ser um alívio na longa jornada. No entanto, sem conseguirem abrigo, tiveram que recorrer à sua cidade de origem, Belém, que também estava cheia dos peregrinos que rumavam à Cidade Santa. Uma senhora que viu a aflição em que o casal se encontrava os havia abrigado num estábulo e fez questão de auxiliar Maria, quando percebeu que a hora do nascimento de Jesus se aproximava.

Depois de todas as angústias pela gestação de Maria e a viagem que poderia ser perigosa em tempos normais, na volta, precisavam de mais cuidados. Porém, o primeiro choro, o primeiro gemido, a primeira vez que se achegou ao seio da Mãe e o primeiro olhar, mostraram que os sacrifícios valeram a pena… Segurou a mãozinha que se perdia entre as suas, não conseguia ver parecença com ninguém dos seus familiares. Saiam de um plano onde sentiam todas as mazelas da pobreza em que estavam agora para ter a graça de contemplar o Senhor do Universo em forma de criança!

Para quem é cristão, lembrar da Sagrada Família, da família de Nazaré, de Maria ou de José, é falar dos traços mais humanos da revelação de Deus. Que bom que o frei paulino Darlei Zanon nos aqueceu o coração narrando com a perspectiva da história, da cultura e dos costumes o que viveu o pequeno grupo familiar que atravessou dois mil anos como referência para homens e mulheres de boa vontade. Seu livro “Simplesmente José” traz, neste mês mariano, a certeza de que as verdades anunciadas por Jesus tinham como respaldo o próprio Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó...

Com cheiro e gosto de Família. O lugar privilegiado para se praticar a arte de amar e aprender a cuidar, necessidades básicas da realização de qualquer ser humano. Neste caso, quem não pediu nada, um simples carpinteiro, aceitou ser pai de coração do Filho de Deus. Jesus estava bem de Pais! Do lugar onde trabalharam juntos por longo tempo, ressoam conversas em que o pai diz para o filho que não existem novas receitas para ser e fazer feliz. O jeito é aquecer o coração que, na abertura para Deus, encontra o sentido de cada um ser, até no dia das Mães, simplesmente, “José”!

sexta-feira, 6 de maio de 2022

Um anjo para se chamar de mãe!

Um raio de sol entrou pela fresta da janela.

Foi se acomodar no cantinho da poltrona

que sempre acariciava.

Eram seus momentos de silêncio.

O tempo havia passado e, ao perder o olhar nas distâncias,

que ainda não conseguíamos enxergar,

antevia uma centelha do Infinito.



Na vida ou na ausência, mãe é sinal de bondade,

dos sentimentos mais puros que energizam o Universo.

E quando se dá a partida, se garimpam saudades e

emerge a certeza de que já não estava mais lá.

Cumpriu o seu tempo:

havíamos recebido a bênção de uma vida inteira

acarinhada por um facho de luz.

Ficou, para sempre, uma marca de Eternidade.



Quando se desprenderam os laços humanos,

iniciou a derradeira viagem e só restava a gratidão.

Teu olhar de despedida abria mão das palavras,

estava pleno de saberes e significados.



Antes de pensar na morte, pensei na vida.

Voltei ao tempo em que supliquei a Deus que alguém cuidasse de mim...

Ele sorriu e garantiu que haveria um anjo a iluminar meus caminhos.

Procurei em muitas formas etéreas

o que se fez presente por uma vida inteira

num sorriso e num carinho.



Ao fechar os olhos, havia a certeza da missão cumprida.

A terra passava a ter um gostinho de Céu.

A longa jornada da vida não precisa ser penosa,

pode ser doce e encantadora como o olhar de mãe…

Que, ao gerar e agraciar com sua presença,

mostra que o rumo do Infinito só tem sentido,

se passar pelos braços e abraços de um ser

que é mulher, anjo e bênção do Criador!

terça-feira, 3 de maio de 2022

O descrédito das eleições e o que resta da esperança

Analistas de política internacional atentaram, nos últimos dias, ao que aconteceu na França, onde o presidente Macron venceu, no segundo turno, Marine Le Pen. Destacaram o crescimento da direita naquele país e chamaram a atenção para os índices de abstenção: cerca de 28% dos eleitores preferiram ficar em casa e não participar do pleito. Lá, o voto é facultativo, mas se pode comparar com o Brasil, onde, nas eleições presidenciais de 2018, o voto era obrigatório e, mesmo assim, 9,5% optaram por votar em branco ou anular e 21,30% preferiram não comparecer às urnas.

Também, recentemente, os meios de comunicação publicaram em massa campanha chamando os jovens para – aí sim, de forma facultativa – exercer um dos seus direitos de cidadão, o do voto. Artistas e exponentes esportivos foram mobilizados para repassar mensagens incentivando cadastro daqueles que estão entre os 16 e 18 anos. Depois de um período em que se vaticinava que seria uma das eleições com menor presença de jovens nesta faixa, houve uma reversão e, entre janeiro e março deste ano, mais de um milhão de novos eleitores se cadastraram.

Então, qual é o problema? O descrédito para com o legislativo e executivo, que já eram obrigados a serem eleitos, e se percebe que o judiciário esqueceu de ser o guardião da Constituição para prender ladrão de galinha e isentar criminosos do colarinho branco. O cinismo com que se utilizam recursos públicos em benefício próprio transformou o processo democrático na caixa de laranjas de onde se pensou que, retiradas as frutas podres, as demais não se contaminariam. Engano, a caixa apodreceu e abriga mazelas que, ao contrário, mesmo as frutas boas não conseguem reverter o processo…

Mal-informados dizem que “são coisas da democracia”. Não acredite. A democracia é um conjunto de princípios baseados na liberdade, responsabilidade e respeito ao direito alheio. Toda a vez que alguém se traveste de democrata para usufruir benefícios está usando de má fé. Semelhante ao processo religioso. As religiões, em princípio, todas são boas. O problema está nos “religiosos” que, antes de colocar-se a serviço do povo de Deus, colocam “deus” e o povo ao seu serviço. Inversão de valores sedimentada, tanto na religião quanto na política, nas últimas décadas, no Brasil.

São muitos os problemas que confundem a cabeça do eleitor. Grande parte da população é simples e, em muitos casos, quem fala mais alto ou repete “verdades” ganha seguidores. Isto não é consciência política. Infelizmente, estamos indo para um pleito polarizado em que a preocupação não é com as propostas eleitorais, mas o candidato de quem gosto, o “político de estimação”. Tendo resultados difíceis de serem previstos, veem-se apostas que podem ser um tiro no próprio pé, com atenção voltada não tanto para a intenção de voto, mas para os altos índices de rejeição.

O problema não é do sistema democrático, mas de quem o deturpa. Ruim com a democracia, pior sem ela. Não faltam discursos em defesa de regimes de exceção onde grupos de iluminados ditam o que a maioria deve fazer. Agridem quem pensa e conscientiza a população tentando identificá-los com um ou outro grupo radical. O formador de opinião não joga gasolina na fogueira e sequer incentiva a paz dos túmulos apodrecidos. O voto é exercício de cidadania. Pense e converse com amigos e familiares que aceitem dialogar. Depois, é entregar a esperança no resultado das urnas…

domingo, 1 de maio de 2022

A cidade, o lazer urbano e os “causos”

A Maria Fani enviou um postal com mensagem diária de motivação. Dizia: “No dia de hoje, plante memórias e colha histórias”. Agradeci comentando que o que se faz, consciente ou não, marca as pessoas e fica como registro para futuras lembranças. Fiz um gancho com a conversa de quarta à noite com os reitores de seminários, padre Hamilton e padre Fábio. Recordando formações daquelas casas, lembrei o de Pelotas que está sob as bênçãos de dom Joaquim, seu criador, na avenida que leva seu nome em frente e a própria estátua, no encontro com a avenida Fernando Osório.

A obra de Antônio Caringe foi homenagem prestada em 1942, inicialmente instalada na praça Júlio de Castilhos (hoje, parque Dom Antônio Zattera) e transferida para a revitalizada via que se tornou uma das principais na zona norte. No fim da década de 60 - devia estar com 14, 15 anos e ainda tenho fotografia com companheiros seminaristas - víamos, encantados, mas sem a devida compreensão, que se presenciava um fato histórico: a área quase rural (ainda havia pequenas chácaras), se urbanizava e chegaria a ser, hoje, o ponto geográfico central da área urbana de Pelotas.

Não lembro da estátua de dom Joaquim na “praça dos macacos”, como era chamada a Júlio de Castilhos. No início da mesma década, era lugar para passeios de domingo à tarde. Outro ponto de diversão era a praça Coronel Pedro Osório, onde, além de brincar junto ao chafariz ou nas sombras, havia um parquinho (bem conservado, então), algodão doce, amendoim e outras guloseimas. Uma vez por ano, quase sempre no próprio aniversário, a chance de fazer um “retrato” no cavalinho de madeira. Uma festa quando se tinha visitas do interior e se mostrava o quanto já éramos da cidade!

Ainda não se valorizava adequadamente o Laranjal. Eram poucas as moradias e, acreditem, mesmo a poucos quilômetros do centro da cidade, começavam a ser construídas casas que se juntavam às de moradores que viviam da pesca ou pequenos serviços rurais. Serviam para temporadas de férias de verão, quando a família inteira se transferia para a praia, ali permanecendo nos meses dezembro, janeiro e fevereiro. Fui conhecer, primeiro, o Barro Duro, em função dos festejos de Iemanjá, quando muitos moradores da vila aproveitavam para montar barracos e um merecido descanso.

Pelotas sempre foi pobre de áreas públicas de lazer. Não faz muitos anos, moradores da zona norte da cidade descobriram o parque horizontal que é a avenida Dom Joaquim. Primeiro, começaram a fazer intervenções plantando e conservando árvores. Depois, chamaram o poder público para conservar e instalar equipamentos. Jovens, atletas e pessoas que desejavam deixar o sedentarismo viram ali uma possibilidade de caminhadas e corridas. Como ninguém é de ferro, ao final do dia, um chimarrão ou, quem sabe, um “happy hour” num dos botecos que por ali se instalaram.

Hoje, bairros planejados, como o Quartier e o Una, privilegiam a convivência social para inquilinos e moradores do entorno. Cidades são seres pulsantes que devem se reinventar em benefício dos seus moradores. A “Donja” da década de 60, quando o Clayton Rocha fazia corridas de rua em calçamento de pedra, se modificou para ser das mais movimentadas. Convivendo com casas antigas, como o próprio Seminário, e complexos modernos, moradores contam “causos” de um passado não tão distante, do qual se precisa registrar a história, que não pode – e não deve – ser esquecida.